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1. Por que as Representações Sociais são criadas? Quando surge um problema na sociedade, ou seja, quando algo novo aparece, os indivíduos desejam explicar o porquê de ter surgido. Mediante a isso, constroem-se as Representações Sociais. Isso ocorre porque “necessitamos saber o que temos a ver com o mundo que nos cerca. É necessário ajustar-se, conduzir-se, localizar-se física ou intelectualmente, identificar e resolver problemas que ele põe” (Jodelet, 1989). As Representações Sociais proporcionam a todos novas formas de olhar, entender e interpretar os fenômenos sociais, ajudando a compreender, em última análise, por que as pessoas fazem o que fazem. Seu processo de criação passa por três etapas: 1) informação (organiza o conhecimento); 2) campo cognitivo (capacidade de gerar imagem acerca do objeto informado naquele momento); e 3) atitude (posicionamento frente ao objeto que está sendo informado). Isso porque as RS nos guiam de maneira a nomear e definir em que conjunto os diferentes aspectos de nossa realidade cotidiana, na maneira de interpretá-los e, se for o caso, tomar uma posição a respeito e defendê-la. 2. Qual o contexto histórico do nascimento dessa teoria? Para Moscovici (1994, p. 8), esse conceito, que inicialmente foi chamado de representação coletiva, tem suas origens na Sociologia e na Antropologia, por meio de Émile Durkheim e Lévi-Bruhl. A teoria das RS pode ser considerada como uma forma sociológica de Psicologia Social e foi mencionada primordialmente por Moscovici, em seu estudo sobre a representação social da psicanálise, que leva o título “Psychanalyse: Son image et son public”. Nesta obra, Moscovici tenta compreender mais profundamente de que modo a psicanálise, ao sair de grupos fechados e especializados, é ressignificada pelos grupos populares. Já no Brasil, o interesse pelas RS teve seu início no final da década de 1970, relacionando-se com o desenvolvimento da própria Psicologia Social. Essa teoria tem sido discutida, criticada, reformulada e cada vez mais empregada em diversos trabalhos científicos, pois muitos autores desejam compreendê-la mais profundamente, bem como contribuir para seu desenvolvimento enquanto teoria, ao contrário de Moscovici, o qual recusou-se a conceituá-la definitivamente. 3. O que são as representações sociais? De acordo com Moscovici (1961), as Representações sociais correspondem a um “conjunto de explicações, crenças e ideias comuns a um determinado grupo de indivíduos; resultam de uma interação social, sem perder de vista, contudo, a questão da individualidade”. Em outras palavras, são teorias sobre saberes populares e do senso comum, elaboradas e partilhadas coletivamente, com a finalidade de construir e interpretar o real. A construção do “eu” ocorre no processo de interação, isto é, é por meio da interação que desenvolvemos a individualidade, pois é através dela que temos a percepção da diferença entre nós e as outras pessoas – “as relações sociais que estabelecemos no cotidiano são fruto de representações que são facilmente aprendidas. Portanto, a Representação Social, para Moscovici, possui uma dupla dimensão, sujeito e sociedade, e situa-se no limiar de uma série de conceitos sociológicos e psicológicos” (Moscovici, 1978). “Não somos isolados do mundo, em um vazio social; compartilhamos com os outros, neles nos apoiamos. As vezes convergindo; outras divergindo [...]” (Jodelet, 1989). Todas as formas de crenças, ideologias, explicações e conhecimentos são resultados da sua interação social. Moscovici (2003) chama isso de representar socialmente. 4. Qual o objetivo das Representações Sociais? Representamos socialmente para tornar familiar algo até então desconhecido, possibilitando a classificação, categorização e nomeação de ideias e acontecimentos inéditos, com os quais não havíamos ainda nos deparado. Tal processo permite a compreensão, manipulação e interiorização do novo, juntando-o a valores, ideias e teorias já assimiladas, preexistentes e aceitas pela sociedade. “Um evento surgido no horizonte social que não pode nos deixar indiferentes mobiliza o medo, a atenção e uma atividade cognitiva para o compreender, dominar e nos defender. A falta de informação e a incerteza da ciência favorecem a emergência de representações que circulam de boca em boca ou rebate de um suporte midiático a outro” (Jodelet, 1989). 5. Quais os aspectos que as Representações estão relacionadas? Configuram sistemas de valores e práticas que têm vida própria. São prescritivas, pois surgem no meio social, depois se esvaem, reaparecendo sob forma de novas representações. Essas representações resultam da própria interação social, sendo comuns a um grupo social, em determinado tempo e espaço, ou seja, em determinado contexto. 6. Quais os níveis de discussão e análise das Representações Sociais? Nível fenomenológico: as RS são um objeto de investigação. Esses objetos são elementos da realidade social, são modos de conhecimento, saberes do senso comum que surgem e se legitimam na conversação interpessoal cotidiana e têm como objetivo compreender e controlar a realidade social. Nível teórico: é o conjunto de definições conceituais e metodológicas, constructos, generalizações e proposições referentes às RS. Nível metateórico: é o nível das discussões sobre a teoria. Neste colocam-se os debates e as refutações críticas com respeito aos postulados e pressupostos da teoria, juntamente a uma comparação com modelos teóricos de outras teorias. A metodologia nas RS varia de acordo com o objeto de estudo, acompanhando paralelamente estes três níveis de discussão. 7. Quais elementos compõem a noção de Representações Sociais? Para Guareschi (1996) são muitos elementos que compõem a noção de RS. Nelas há elementos dinâmicos e explicativos, tanto na realidade social, física ou cultural; elas possuem uma dimensão histórica e transformadora; nelas estão presentes aspectos culturais, cognitivos e ideológicos. Esses elementos das RS estão sempre presentes nos objetos e nos sujeitos; por isso as RS são sempre relacionais, e, portanto, sociais. Um elemento importante da teoria das RS é a interligação possível entre cognição, afeto e ação no processo de representação. A representação como um processo mental carrega um sentido simbólico, tendo cinco características fundamentais: 1) representa sempre um objeto; 2) é imagem e com isso pode alterar a sensação e a ideia, a percepção e o conceito; 3) tem um caráter simbólico significante; 4) tem poder ativo e construtivo; 5) possui um caráter autônomo e generativo. 8. Por que é realizado o estudo das Representações Sociais? O estudo das representações sociais faz-se importante, pois é uma forma de buscar conhecer o modo de como um grupo humano constrói um conjunto de saberes que expressam a identidade de um grupo social, as representações que ele forma sobre uma diversidade de objetos, tanto próximos como remotos, e principalmente o conjunto dos códigos culturais que definem, em cada momento histórico, as regras de uma comunidade. Uma das suas principais vantagens é a capacidade de descrever, mostrar uma realidade ou um fenômeno existente, do qual muitas vezes os indivíduos não se dão conta, mas que possui grande poder mobilizador e explicativo. Tais representações influenciam na motivação das pessoas em suas escolhas, como comprar, votar, agir etc. Em diversos momentos os sujeitos praticam determinadas ações, não por razões lógicas, racionais ou cognitivas, mas por razões afetivas, simbólicas, religiosas etc. 9. Quais os processos que geram as Representações Sociais? Para compreender o não familiar, existem dois processos básicos: Objetivação: é o processo pelo qual as pessoas procurar tornar concreto, visível, uma realidade, por meio da associação de um conceito a uma imagem, além da descoberta de qualidadeicônica, material, de uma ideia ou de algo duvidoso. A imagem deixa de ser signo e passa a ser uma cópia da realidade. Um dos exemplos fornecidos por Moscovici refere-se à religião. Ao se chamar de “pai” a Deus, está-se objetivando uma imagem jamais visualizada (Deus), em uma imagem conhecida (pai), facilitando assim a ideia do que seja “Deus”, ou seja, “Deus” fica próximo daquilo que conhecemos. • Primeira etapa: as informações e as crenças acerca do objeto da representação sofrem um processo de seleção e descontextualização, permitindo a formação de um todo relativamente coerente, em que apenas uma parte da informação disponível é retida. Exemplo: Objeto da representação >> Deus >> “Pai” >> todo relativamente coerente. • Segunda etapa: corresponde à organização dos elementos. Moscovici recorre aos conceitos de esquema e nó figurativo para evocar o fato dos elementos da representação estabelecerem entre si um padrão de relações estruturadas. O modelo figurativo é uma reconstituição que torna as formas abstratas compreensíveis. • Terceira etapa: essa é a última etapa, também conhecida como naturalização. Os conceitos retidos no nó figurativo e as respectivas relações constituem-se como categorias naturais, adquirindo materialidade. Isto é, os conceitos tornam-se equivalentes à realidade e o abstrato torna-se concreto através da sua expressão em imagens e metáforas. Exemplo: a construção de uma imagem que simboliza “mãe divina” – usa-se esse termo devido à correlação com Maria, mãe de Jesus (mulher que deu à luz, que criou um ou mais filhos). Ancoragem: é o processo pelo qual os indivíduos procuram classificar, ou seja, encontrar um lugar para encaixar o não familiar. É um movimento que gera juízos de valor, pois, ao ancorar, pessoas, ideias ou objetos são classificados dentro de alguma categoria que historicamente comporta esta dimensão valorativa. Quando algo não se encaixa, as pessoas o forçam a assumir determinada forma, ou entrar em determinada categoria, sob pena de não poder ser decodificado. De acordo com Moscovici, este processo auxilia os sujeitos a enfrentarem as dificuldades de compreensão e conceituação. Enquanto processo que segue a objetificação, a ancoragem refere-se à função social das representações, nomeadamente permite compreender a forma como os elementos representados contribuem para exprimir e constituir as relações sociais. Por exemplo, quando surgiu a AIDS, houve dificuldade em entendê-la e classificá-la. Assim, a forma encontrada pelo senso comum, para dar conta da sua ameaça, foi ancorá-la como uma “peste gay”. *Pessoas com psicoses, como a esquizofrenia, geralmente não conseguem objetificar (isso em uma fase crítica da doença). Exemplo: quando alguém chama um indivíduo esquizofrênico de “cavalo”, no sentido figurativo, ele provavelmente irá se materializar realmente como o animal, e não como alguém ignorante. *Se não fosse o processo de objetivação, tudo se manteria apenas no campo do conceito. Objetivação: associa com categorias e imagens conhecidas, o que ainda não é conhecido x Ancoragem: classificar, nomear, esclarecer relações entre categorias e rótulos 10. O que Moscovici defende? Para Moscovici, “a representação social deve ser encarada tanto na medida em que ela possui uma conjuntura psicológica autônoma como na medida em que é própria de nossa sociedade e de nossa cultura” (Moscovici, 1978). 11. Quais os universos de conhecimento existentes? Moscovici observou que alguns conceitos da Psicanálise estavam sendo usados no cotidiano das pessoas. Concluindo que o conhecimento científico “foge de suas fronteiras”, ele percebeu que o conhecimento possui dois tipos de universos. Universos Reificados (UR): onde se manifestam os saberes e conhecimentos científicos, como objetividade e rigor lógico e metodológico. Universos Consensuais (UC): expressam as atividades relacionadas ao senso comum e suas teorias para responder aos problemas que se impõe, em que os indivíduos elaboram sua construção do real e a partir do meio onde vivem, explicando as coisas sem ser necessariamente um cientista ou um especialista; nesse universo eclodem as RS e as práticas interativas do dia a dia (Mazzoti, 1994). Através das ciências compreendemos o Universo Reificado; já as RS se referem ao Universo Consensual (UC) e são criadas pelos processos de ancoragem e objetivação, circulando em nosso cotidiano. Porém, ambos os universos se inter-relacionam, dando forma à nossa realidade. O não familiar situa-se, e é gerado, muitas vezes, dentro do UR das ciências e deve ser transferido ao UC do dia a dia. Essa tarefa é, geralmente, realizada pelos divulgadores científicos de todos os tipos, como jornalistas, comentaristas, professores, propagandistas etc. Um exemplo é o tétano neonatal (universo reificado), que foi representado socialmente como o “mal- de-sete-dias” (universo consensual), devido ao fato de que as crianças realmente morriam sete dias depois de nascidas, mas isso se dava por conta do tétano neonatal, o qual foi “resolvido” por meio do estudo científico, com o uso de vacinas contra o tétano, dentre outros procedimentos. 12. Qual a conclusão? Contudo, “é um erro concluir que as representações sociais se resumem a meras opiniões, mitos, pareceres etc., pois são conhecimentos desenvolvidos pelo grupo e que se cristalizam ao longo do tempo; é a construção social da realidade, que emana da sociedade e para ela volta” (Moscovici, 1978).
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