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FREUD E O INCONSCIENTE GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001 (Capítulo V). Sannara Alcântara https://www.passeidireto.com/perfil/sannara-alcantara/ Palavras-chave: Pulsão, Instinto, Representante, Representante Psíquico, Representante Pulsional, Representante Ideativo, Afeto, Pressão, “A metapsicologia pretende, portanto, apresentar uma descrição minuciosa de qualquer processo psíquico quando enfocado sob os pontos de vista de sua localização em instâncias (ponto de vista tópico), da distribuição dos investimentos (ponto de vista econômico) e do conflito das forças pulsionais (ponto de vista dinâmico).” Pág. 114 “A diferença fundamental entre a pulsão (Trieb) e o instinto (Instinkt) é que este último, além de designar um comportamento hereditariamente fixado, possui um objeto específico, enquanto a pulsão não implica nem comportamento pré-formado, nem objeto específico. É exatamente a variação quanto ao objetivo e ao objeto que se vai constituir num dos pontos centrais da teoria pulsional.” Pág. 115/116 “Pulsão, diz Freud, é “ um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático” ; ou ainda, “ é o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente” (ESB, v. XIV, p. 142). Pág. 116 “No artigo O inconsciente, Freud afirma que uma pulsão nunca pode tornar-se objeto da consciência e que mesmo no inconsciente ela é sempre representada por uma ideia (Vorstellung) ou por um afeto (A�ekt). Portanto, uma coisa é a pulsão, outra coisa é o representante psíquico da pulsão (Psychischerepräsentanz), e outra coisa ainda é a pulsão enquanto representante de algo físico.” Pág. 116 “Já vimos que uma pulsão nunca se dá como tal, nem a nível consciente nem a nível inconsciente; ela só se dá pelos seus representantes: o representante ideativo (Vorstellungrepräsentant) e o afeto (A�ekt). Ambos são os representantes psíquicos da pulsão (Psychischerepräsentanz). “Pág. 116 “Representação (Vorstellung) — é um dos representantes psíquicos da pulsão. Enquanto tal, opõe-se ao afeto (a�ekt). Nesse sentido, o termo não é empregado por Freud tal como foi consagrado pela filosofia alemã. Não se trata apenas de um correlato a nível psíquico do objeto, mas de uma inscrição desse objeto nos sistemas mnêmicos. Veremos mais adiante como Freud vai distinguir a “ representação da palavra” e a “ representação da coisa” , ambos entendidos como representação (Vorstellung).”Pág. 116 “Representante psíquico (Psychischerepräsentanz) — é a “representação” psíquica da pulsão. Abarca tanto o representante ideativo (Vorstellungrepräsentanz) como o afeto (A�ekt). Esse termo é empregado por Freud com um sentido às vezes duplo: algumas vezes ele o utiliza para designar a própria pulsão enquanto representante das excitações somáticas, e outras vezes ele o emprega para designar o representante ideativo e o afeto enquanto representantes da pulsão.”Pág. 116 “Representante pulsional (Triebrepräsentanz) — Freud emprega esse termo ora como sinônimo de representante ideativo, ora como sinônimo de representante psíquico. De qualquer forma, designa uma expressão psíquica da pulsão. “Pág. 116 “Representante ideativo (Vorstellungrepräsentanz) — é um dos registros da pulsão no psiquismo (o outro é o afeto): o representante ideativo é o que constitui, propriamente, o conteúdo do inconsciente (pois o afeto não pode ser inconsciente) e também aquilo que constitui o inconsciente, já que é sobre ele que incide o processo de recalcamento. Como veremos, uma pulsão não pode ser recalcada; o que é recalcado é o seu representante ideativo.” Pág. 116 “Afeto (A�ekt) — é o outro registro em que se faz a representação psíquica. Ele é a expressão qualitativa da quantidade de energia pulsional. O afeto e o representante ideativo são independentes. Os destinos do afeto são diferentes dos destinos do representante ideativo. Não se pode, a rigor, falar em “ afeto inconsciente” ; a nível inconsciente o afeto tem de se ligar a uma ideia (representante ideativo).” Pág. 116/117 “Se, por um lado, a pulsão representa psiquicamente as excitações emanadas do interior do corpo, por outro lado ela é representada pelos seus representantes psíquicos: a ideia (Vorstellung, simplesmente, ou Vorstellungrepräsentanz) e o afeto (A�ekt). Pág. 118 “A fonte (Quelle) da pulsão é corporal, não psíquica; é um “processo somático que ocorre num órgão ou parte do corpo e cuja excitação é representada na vida mental pela pulsão” (Freud, ESB, v. XIV, p. 143). Pág. 119 “Temos de distinguir dois empregos que Freud faz do termo“ fonte” . O primeiro deles refere-se às fontes da pulsão sexual e nesse caso o termo se reveste de alguma ambiguidade pelo número e variedade das fontes apresentadas por ele. Assim é que nos Três ensaios sobre a sexualidade Freud apresenta como fontes da sexualidade infantil, além da excitação das zonas erógenas, as excitações mecânicas, a atividade muscular, os processos afetivos e até mesmo a concentração da atenção numa tarefa intelectual (ESB, v. VII, p. 206-11).[...] Um segundo emprego do termo “ fonte” é o que está contido em As pulsões e seus destinos. Aqui, Freud declara que as pulsões são inteiramente determinadas por sua origem numa fonte somática (ESB, v. XIV, p. 144), entendendo-se por “ fonte somática” ou “fonte orgânica” tanto o órgão de onde provém a excitação como o processo físico-químico que constitui essa excitação. ” Pág. 119 “Um segundo emprego do termo “ fonte” é o que está contido em As pulsões e seus destinos. Aqui, Freud declara que as pulsões são inteiramente determinadas por sua origem numa fonte somática (ESB, v. XIV, p. 144), entendendo-se por “ fonte somática” ou “fonte orgânica” tanto o órgão de onde provém a excitação como o processo físico-químico que constitui essa excitação.” Pág. 120 “A pulsão de fato se apoia no instinto, mas não se reduz a ele.” Pág. 120 “A pressão (Drang) é a segunda dimensão da pulsão. “ Por pressão de uma pulsão” , escreve Freud, “ compreendemos seu fator motor, a quantidade de força ou a medida da exigência de trabalho que ela apresenta” (ESB, v. XIV, p. 142). Essa exigência de trabalho, o caráter ativo da pulsão, ocorre mesmo quando falamos em “ pulsões passivas” . A rigor, não existe pulsão passiva, mas somente pulsões cujo objetivo é passivo como, por exemplo, no caso do exibicionismo ou do masoquismo. Toda pulsão é ativa e a pressão é a própria atividade da pulsão, seu fator dinâmico.” Pág. 120 “A pressão é o elemento motor que impele o organismo para a ação específica responsável pela eliminação da tensão.” Pág. 121 “O terceiro elemento em relação ao qual Freud define a pulsão é o objetivo (Ziel). O objetivo da pulsão é sempre a satisfação, sendo que “ satisfação” é definida como a redução da tensão provocada pela pressão (Drang). “a satisfação é obtida pela descarga de energia acumulada, regulada pelo princípio de constância. Este é, porém, o objetivo geral ou objetivo último da pulsão.” Pág. 121 “podemos distinguir objetivos específicos ligados a pulsões específicas, assim como podemos distinguir também objetivos intermediários. [...] A especificidade do objetivo passa a ser dependente tanto da fonte quanto do objeto, sendo que este último, como veremos, “ é o que há de mais variável na pulsão” (op. cit., p. 143). Quanto aos objetivos intermediários, são aqueles que possibilitam o atingimento do objetivo último.” Pág. 121 “Enquanto o objetivo de uma pulsão de autoconservação seria uma “ ação específica” , isto é, aquela que eliminaria a tensão ligada a um estado de necessidade, o objetivo de uma pulsão sexual seria menos específico por ser sustentado e orientado por fantasias.” Pág. 121/122 “Freud define o objeto de uma pulsão como “ a coisa em relação à qual ou através da qual a pulsão é capaz de atingir seu objetivo”, e completa, “é o que há de mais variável numa pulsão” (ESB, v. XIV, p. 143).” Pág. 122 “Logo na primeira página dos Três ensaios sobre a sexualidade, ao distinguir “ objeto sexual” de “ objetivosexual” , ele afirma que o objeto sexual é a pessoa de quem procede a atração sexual; [...] adiante, reconsidera a afirmação inicial [...] “ Parece provável” , escreve ele, “ que a pulsão sexual seja, em primeiro lugar, independente de seu objeto” (ESB, v. VII, p. 149). O objeto passa a ser concebido, portanto, como um meio para que um fim seja atingido, enquanto o fim (objetivo) é de certa forma invariável (a satisfação), o objeto “ é o que há de mais variável” . Pág. 122 “completa. Posteriormente, a noção de objeto vai-se aplicar tanto a outras pessoas como à própria pessoa, e não apenas a pessoas inteiras, mas também a partes do corpo de uma pessoa. Finalmente, esse objeto pode ainda ser real ou fantasmático. Pág. 122 “Um segundo sentido sob o qual aparece a noção de objeto é aquele que poderia ser assinalado pelo termo “ objetal” [...] O objeto no seu sentido objetal não seria mais um objeto parcial mas preferencialmente uma pessoa que seria amada (ou odiada).” Pág. 122/123 “Um terceiro sentido do termo “objeto” é o que o aproxima do sentido tradicional empregado pela teoria do conhecimento: é o objeto entendido não como “ objetal” , mas como “ objetivo” , como o correlato do sujeito e que apresenta características fixas e permanentes (cf.Laplanche/Pontalis, 1970, p. 407).” PÁG. 123 “A diferença básica entre os dois tipos de pulsões é que elas se encontram sob o predomínio de diferentes princípios de funcionamento: como as pulsões do ego só podem satisfazer-se com um objeto real, o princípio que rege seu funcionamento é o princípio de realidade, enquanto as pulsões sexuais, podendo “ satisfazer-se” com objetos fantasmáticos, encontram-se sob o predomínio do princípio de prazer.” Pág. 124 “Freud faz a distinção entre “ libido do ego” (ou “ libido narcísica” ) e “ libido objetal” , constituindo a oposição por referência não à natureza da energia, mas por referência ao objeto de investimento. Assim, “ libido do ego” designa não uma libido que emana do ego, mas uma libido investida no ego, enquanto “ libido objetal” designa o investimento da libido sobre objetos externos. Em consequência dessa nova distinção, a autoconservação nada mais seria do que um amor a si mesmo, o que tornaria caduca a oposição entre pulsões sexuais e pulsões do ego: toda pulsão é, em última instância, sexual.” Pág. 125/126 “em Além do princípio de prazer, onde as pulsões sexuais e as pulsões de autoconservação são unificadas sob a denominação de “ pulsões de vida” e contrapostas à “ pulsão de morte” , isto é, à tendência inerente a todo ser vivo de retornar ao estado anorgânico com a eliminação completa das tensões.” Pág. 126 “A rigor, uma pulsão não pode ser nem destruída nem inibida; uma vez tendo surgido, ela tende de forma coercitiva para a satisfação. Aquilo sobre o qual vai incidir a defesa é sobre os representantes psíquicos da pulsão, os quais vão conhecer destinos diversos.” Pág. 126 “a pulsão tem dois representantes psíquicos: o representante ideativo (Vorstellungrepräsentanz) e o afeto (A�ekt), cada um deles obedecendo a mecanismos diferentes de transformação.” Pág. 127 “Os destinos do representante ideativo são: 1. Reversão ao seu oposto 2. Retorno em direção ao próprio eu 3. Recalcamento 4. Sublimação Pág. 127 “Como o afeto não está ligado necessariamente ao representante ideativo, seus destinos são diferentes.[...] Freud escreve o seguinte sobre as transformações do afeto: “Conheço três mecanismos: 1) transformação do afeto (histeria de conversão); 2) deslocamento do afeto (obsessões); 3) troca de afeto (neurose de angústia e melancolia)” (ESB, v. I, p. 259).” Pág. 127 “A primeira vicissitude pela qual passa uma pulsão, apontada por Freud, é a reversão ao seu oposto. Essa reversão pode manifestar-se de duas maneiras: como uma reversão do objetivo da pulsão, isto é, uma mudança da atividade para a passividade; e como uma reversão do conteúdo, a qual, segundo Freud, encontra-se no exemplo isolado da transformação do amor em ódio (ESB, v. XIV, p. 148). Pág. 127/128 A segunda vicissitude, o retorno da pulsão em direção ao próprio eu do indivíduo, caracteriza-se essencialmente por uma mudança do objeto, permanecendo inalterado o objetivo. É na análise dos dois pares de opostos, sadismo-masoquismo e voyeurismo-exibicionismo, que vamos encontrar os exemplos privilegiados de reversão do objetivo e do objeto da pulsão. Pág. 128 É, portanto, por exigência do princípio de prazer que o ego é obrigado a introjetar os objetos do mundo externo que se constituem em fonte de prazer e a projetar sobre o mundo externo aquilo que dentro de si mesmo é causa de desprazer. Pág. 130 O princípio de realidade era, até então, concebido como um princípio de regulação psíquica que impunha à procura de satisfação desvios, paradas, substituições e sobretudo renúncias. Pág. 132 o processo primário caracteriza um modo de funcionamento do aparelho psíquico, segundo o qual a energia psíquica se escoa livremente para a descarga da maneira mais rápida e direta possível, enquanto o processo secundário caracteriza um modo de funcionamento segundo o qual a energia não é livre, mas “ ligada” , sendo o seu escoamento impedido ou retardado por exigência da autopreservação do ego. O processo secundário resulta, portanto, de uma modificação do processo primário. Pág. 133 Ao mesmo tempo que se opõe ao processo primário, o processo secundário se constitui a partir de um desvio daquele e, em última instância, está a seu serviço. Pág. 133 Na medida em que o princípio de prazer coincide com o processo primário e que este tende à satisfação alucinatória (pelo caminho regressivo), é o princípio de realidade que vai funcionar como evitador da frustração, impedindo a alucinação ou permitindo-a dentro de certos limites. Pág. 133 O objetivo da pulsão de vida não é evitar que a morte ocorra, mas evitar que a morte ocorra de uma forma não natural. Ela é a reguladora do caminho para a morte. Pág. 137 Tanto as pulsões sexuais como as pulsões de autoconservação são consideradas pulsões de vida, já que ambas são conservadoras: as primeiras mantendo o padrão de repetição, isto é, garantindo a mesmidade do organismo; as segundas, preservando o organismo da influência desviante dos fatores externos e garantindo a normalidade do caminho para a morte. Eis aí o novo dualismo freudiano: em vez da antiga oposição pulsões sexuais vs. pulsões de autoconservação, temos agora a oposição pulsões de vida (que incluem as pulsões sexuais e as de autoconservação) vs. pulsões de morte. Pág. 137
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