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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIEURO PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO CURSO DE DIREITO BRENDON SOUZA MOTA O ATIVISMO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA GARANTIA AO DIREITO À SAÚDE: A criação de uma possível “microjustiça” e as dificuldades de sua efetivação Brasília 2020 CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIEURO PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO CURSO DE DIREITO BRENDON SOUZA MOTA O ATIVISMO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA GARANTIA AO DIREITO À SAÚDE: A criação de uma possível “microjustiça” e as dificuldades de sua efetivação Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Centro Universitário Unieuro. ORIENTADORA: Me. Gabriela Nunes Brasília 2020 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho primeiramente a Deus, após, aos meus pais por todo apoio que me deram, a minha irmã e aos meus amigos. Dedico este trabalho também a minha orientadora pelo apoio e dedicação. AGRADECIMENTOS Foram cincos anos de muitos obstáculos vencidos. E posso dizer que vou levar muito aprendizado desses momentos, tanto pessoal quanto profissionalmente. Por isso, só tenho a agradecer, primeiramente a Deus por me dar forças e ser meu conselheiro no decorrer da minha vida. Agradeço por ter me ajudado a ultrapassar os obstáculos no decorrer desse ciclo que se encerra. Todo agradecimento do mundo aos meus pais que sempre me incentivaram e me apoiaram, pois não chegaria tão longe sem todo suporte que me foi dado. Agradeço também a minha irmã, que sempre esteve do meu lado no decorrer do curso, contribuindo e me apoiando, agradeço também aos meus familiares e meus amigos que estiveram ao meu lado, por todo apoio e incentivo nesse período. Ainda, agradeço aos ensinamentos dos professores nessa jornada. Por último, mas tão importante quanto, agradeço imensamente a minha orientadora Gabriela Nunes, primeiramente pela indicação do tema de pesquisa, ainda, agradeço por toda atenção e dedicação para o desenvolvimento deste trabalho. RESUMO O trabalho exposto objetiva analisar sobre a criação de uma possível “microjustiça” e as dificuldades de sua efetivação quanto ao direito a saúde, através do instituto chamado ativismo judicial, perpassando desde a origem dos direito fundamentais até a positivação do direito a saúde como garantia fundamental estabelecida no artigo 6º da Carta magna e previsto também no artigo 196 do mesmo texto, bem como na legislação infraconstitucional. Abrangendo o conceito de saúde e sua eficácia no Brasil. Visa demonstrar a origem e o conceito do ativismo judicial, traçando um paralelo ente este e o instituto da judicialização, bem como o princípio do check and balances, passando pela problemática do orçamento e custeio de tratamento pelo Estado até a criação de uma possível microjustiça em decorrência do ativismo judicial e sua efetividade nas causas referentes ao direito a saúde. A metodologia usada nesta foi a bibliográfica, tendo como fonte as legislações pertinentes ao tema, artigos científicos sobre o assunto e livros de doutrinadores que são referência nessa discussão. Ademais, o método usado foi o hipotético dedutivo, tendo em vista que partiu-se de um estudo amplo para se chegar à conclusão sobre algo mais específico. Cabe salientar que a pesquisa não promoveu análises numéricas ou estatísticas, partindo-se somente da premissa qualitativa. Relevante mencionar a problemática da pesquisa, qual seja, “o ativismo judicial como instrumento de garantia do direito à saúde encontra dificuldades para sua efetivação como consequência da criação de uma “microjustiça”?. Nesse sentido, a presente pesquisa objetiva demostrar se o ativismo judicial como instrumento de garantia do direito à saúde encontra dificuldades para sua efetivação como consequência da criação de uma “microjustiça”. Palavras-chave: Microjustiça. Direito a Saúde. Constituição Federal. Ativismo Judicial. ABSTRACT This paper aims to analyze the creation of a possible “micro-justice” and the difficulties of its realization regarding the right to health, through the institute called judicial activism, going from the origin of fundamental rights to the positivization of the right to health as a fundamental guarantee established in article 6 of the Constitution and also provided for in article 196 of the same text, as well as in infra-constitutional legislation. Covering the concept of health and its effectiveness in Brazil. It aims to demonstrate the origin and concept of judicial activism, drawing a parallel between this and the institute of judicialization, as well as the principle of check and balances, going through the problems of the budget and cost of treatment by the State until the creation of a possible micro-justice in due to judicial activism and its effectiveness in causes related to the right to health. The methodology used in this one was the bibliographic, having as source the pertinent legislation to the theme, scientific articles on the subject and books of doctrinators that are reference in this discussion. In addition, the method used was the hypothetical deductive, considering that a broad study was started to reach a conclusion on something more specific. It should be noted that the research did not promote numerical or statistical analyzes, starting from the qualitative premise. Relevant to mention the research problem, that is, “judicial activism as an instrument to guarantee the right to health finds difficulties for its implementation as a consequence of the creation of a“ micro-justice ”?. In this sense, the present research aims to demonstrate whether judicial activism as an instrument to guarantee the right to health finds difficulties for its implementation as a consequence of the creation of a “micro-justice”.”. Palavras-chave: Micro-justice. Right to Health. Federal Constitution. Judicial Activism. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 09 1. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O DIREITO À SAÚDE ...................................................................................................................... 12 1.1. HISTORICIDADE E DIMENSÃO CONCEITUAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ...................................................................................................... 12 1.2. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ....................................... 14 1.3. ABRANGÊNCIA DO CONTEÚDO SEMÂNTICO DO VOCÁBULO SAÚDE ....... 17 1.4. ASPECTOS HISTÓRICOS DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL .................................................................................................. 19 1.5. O DIREITO À SAÚDE E SUA EFICÁCIA NO BRASIL ....................................... 20 2. O ATIVISMO JUDICIAL: DIMENSÃO CONCEITUAL, HISTÓRICA E A VISÃO DOUTRINÁRIA BRASILERA .................................................................................. 23 2.1. AS ORIGENS DO ATIVISMO JUDICIAL ............................................................ 23 2.2. A DIMENSÃO CONCEITUAL DE ATIVISMO JUDICIAL .................................... 25 2.3. UM PARALELO ENTRE O INSTITUTO DA JUDICIALIZAÇÃO E DO ATIVISMO JUDICIAL .................................................................................................................. 27 2.4. O ATIVISMO JUDICIAL E O PRINCÍPIO DOS CHECKS AND BALANCES ...... 30 3. O ATIVISMO JUDICIAL E A EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE .................. 34 3.1. O CUSTEIO DE TRATAMENTOS PELO ESTADO............................................ 34 3.2. A PROBLEMÁTICA DO ORÇAMENTO .............................................................36 3.3. A POSSÍVEL CRIAÇÃO DE UMA “MICROJUSTIÇA” ........................................ 38 3.4. A EFETIVIDADE DO ATIVISMO JUDICIAL NAS CAUSAS REFERENTES AO DIREITO À SAÚDE ................................................................................................... 41 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 44 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 46 9 INTRODUÇÃO Em tela se encontra o trabalho de conclusão de curso que tem como tema “o ativismo judicial como instrumento de efetivação da garantia ao direito à saúde: a criação de uma possível “microjustiça” e as dificuldades de sua efetivação”. Em virtude das discussões acerca do referido tema, além da grande quantidade de demandas judiciais pleiteando medicamentos, tratamentos, entres os mais variados pleitos. Logo, se faz necessário uma análise, trazendo o ativismo como tentativa de se resguardar o direito a saúde e a consequente microjustiça criada em razão das decisões individuais decretadas. O estudo acerca do referido tema concentra-se no Direito Constitucional, pois, tem como norte o direito a saúde, este que previsto como norma fundamental no artigo 6º da Carta Magna e previsto também no artigo 196 do mesmo texto. Quanto a justificativa da escolha do tema em tela, esta, se finda pelo fato da discussão que se resulta do ativismo judicial para efetivação do direito à saúde, isto é, a saúde encontra-se no rol direitos fundamentais e sendo dever do Estado prestar tal assistência através de políticas públicas, no entanto, pode-se verificar no decorrer da análise da pesquisa uma alta judicialização do direito do a saúde, ou seja, o judiciário vem interferindo de forma contínua no âmbito dos demais poderes para que se efetive o referido direito, como consequência disso há a discussão da criação de uma possível “microjusitiça”, pois, o judiciário atua, consoante alguns autores, de forma desenfreada ao decidir de forma individual nas demandas pleiteadas, de forma ativista, sem observar as possíveis consequências que podem surgir de cada decisão. Quanto ao problema de pesquisa, este se limita a problemática da efetividade do ativismo judicial na garantia do direito à saúde, com a consequente criação de uma microjustiça. Nesse sentido, faz-se o seguinte questionamento: O ativismo judicial como instrumento de garantia do direito à saúde encontra dificuldades para sua efetivação como consequência da criação de uma “microjustiça”? Nessa senda, a hipótese trazida ao questionamento: é que frente a omissão do Poder Executivo na criação de políticas públicas que atendam de forma efetiva a população ocorre a judicialização da saúde, assim, restando ao Judiciário atuar para resguardar o previsto na Texto Maior, ou seja, garantir o direito a saúde, este que dever do Estado. Assim, ocorre o ativismo judicial, pois segundo alguns autores, o judiciário adentra na competência dos outros poderes, assim ofendendo o princípio 10 dos check and balances, ou sistema de freios e contrapesos. No entanto, verifica-se pelo exposto, é que a atual forma de se efetivar o direito a saúde no país é através da judicialização, o que resulta numa possível criação de uma “microjustiça”, pois, há aqui, juízes decidindo em demandas individuais embasando-se por suas próprias concepções e entendimentos, sem observar alguns princípios, a exemplo, o princípio conhecido como reserva do possível. Quanto ao referencial teórico, os capítulos da pesquisa têm como principal embasamento bibliográfico os seguintes autores e obras: Luís Roberto Barroso (Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática); José Joaquim Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição); Ingo Wolfgang Sarlet (A eficácia dos direitos fundamentais); José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo); Norberto Bobbio (A era dos direitos); Paulo Bonavides (Curso de direito constitucional); Ana Paula de Barcellos (Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático.); Ieda Tatiana Cury (Direito Fundamental à Saúde: evolução, normatividade e efetividade); e Ricardo Lobo Torres (A cidadania multidimensional na era dos direitos). O objetivo geral do presente trabalho é examinar se o ativismo judicial sendo utilizado como instrumento para garantir o direito à saúde encontra dificuldades para sua efetivação e uma consequente criação de uma “microjustiça”. Já os objetivos específicos são: explanar brevemente quanto aos Direitos Fundamentais e o Direito à Saúde; breve analise do Ativismo Judicial; examinar o ativismo Judicial, bem como, a efetivação do direito à saúde. Tal pesquisa fora realizada a partir de estudos bibliográficos, como pesquisas à legislação, livros, revistas e publicações em documentos eletrônicos. Ademais, se utiliza da pesquisa qualitativa, posto que não se tem preocupação com representatividade numérica, e sim, com o aprofundamento da compreensão do ativismo judicial e a consequente criação de uma microjustiça. Por fim, o método de abordagem é hipotético-dedutivo, já que consiste em uma investigação de uma premissa verdadeira a ser estudada, com finalidade de obter um resultado que seja favorável ou não à premissa investigada. O trabalho proposto de divide em três capítulos, quais sejam: Considerações sobre os Direitos Fundamentais e o Direito à Saúde; O Ativismo Judicial; O Ativismo Judicial e a efetivação do direito à saúde. 11 O primeiro capítulo visa tratar sobre os Direitos Fundamentais, partindo de seus aspectos históricos e abordando suas dimensões, pois, tal análise é de extrema relevância para compreender o mundo jurídico atual, trazendo, por conseguinte, a classificação dos direitos fundamentais. A partir disso, promove-se o estudo específico do direito à saúde, partindo da abordagem histórico de sua institucionalização no Brasil, bem como, sua eficácia no país. Já o segundo capítulo tem por escopo abordar o ativismo judicial que atualmente é uma questão muita debatida entre doutrinadores, devido a suas divergências. Nesse sentido, inicialmente será feito um estudo quanto as origens do ativismo judicial, pois é de extrema importância devido a ampla divergência nesse ponto, dado que, refere-se a uma postura dos juízes em relação ao embate das problemáticas políticas e legislativas que são submetidas ao poder judiciário, seguido de uma breve síntese no que toca a dimensão conceitual de ativismo judicial, analisando em seguida um paralelo entre o instituto da judicialização e do ativismo judicial. E por fim, promove-se o estudo entre o ativismo judicial e o princípio dos checks and balances. E o terceiro capítulo tem como finalidade analisar o ativismo judicial e a efetivação do direito à saúde. Dessa forma, inicialmente será analisado um estudo sobre o custeio de tratamentos pelo Estado que afeta tanto o sistema jurídico quanto o sistema político, trazendo eventualmente a problemática do orçamento, que enfrenta problemas referentes a alocação de recursos para custear o acesso da população ao sistema de saúde além da discussão da possível criação de uma “microjustiça”. E finalmente, será exposto sobre a efetividade do ativismo judicial nas causas referentes ao direito à saúde. Em síntese, o referido trabalho se propõe a analisar o ativismo judicial e sua efetividade na garantia do direito à saúde, além da consequente criação de uma possível “mircrojustiça” e as dificuldades de sua efetivação. 12 1. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O DIREITO À SAÚDE O presente capítulo visa tratar sobre os Direitos Fundamentais, assim, primeiramenteserá analisado os aspectos históricos, isto é, as raízes históricas destes tão importantes direitos para o bom funcionamento da sociedade e abordando suas dimensões, tendo em vista que tal análise é de extrema relevância para compreender o mundo jurídico atual, trazendo, por conseguinte, a classificação dos direitos fundamentais. Em seguida, promove-se o estudo específico do direito à saúde, direito que será amplamente abordado no decorrer da pesquisa, partindo de uma análise histórica, desde sua abrangência quanto a semântica até sua institucionalização no Brasil, tratando por fim, de sua eficácia no país. Os principais autores usados para embasar esse capítulo são Paulo Bonavides e Ingo Wolfgang Sarlet. 1.1. HISTORICIDADE E DIMENSÃO CONCEITUAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Tratando-se da origem dos direitos fundamentais, existem algumas acepções históricas divergentes em relação ao seu surgimento. Assim, partindo de um prisma jusnaturalista, os direitos fundamentais existem antes de qualquer lei ou ordenamento jurídico, visto que, segundo Sarlet (2014, p. 38), direitos como a igualdade, por exemplo, surgiram através do cristianismo, pois, nessa acepção, todos os homens são filhos de Deus, desta forma, ainda que existissem distinções de grupos sociais, todos eram vistos como irmãos, o que fundamenta tal entendimento para a existência de alguns direitos, tal qual, a igualdade, que mais tarde, foram normatizadas pelo Estado. Nesse interim, importante mencionar o entendimento de Bobbio (2004, p. 5): Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. Nessa perspectiva, importa demonstrar que para Canotilho (2004, pp. 369- 370.), difere a origem dos direitos fundamentais quanto aos direitos humanos. Ocorre que muitas vezes, ambos são usados como se fossem sinônimos, embora seja válido 13 diferencia-los, pois, entende-se como direitos fundamentais aqueles que foram positivados como normas, limitando-se ao tempo e espaço da concepção positivista, enquanto que os direitos do homem, entendidos como naturais são válidos para todos e em qualquer época. Para ratificar a noção de direitos fundamentais, cita-se as palavras de Sarlet (2014, p. 31): [...] tanto na doutrina, quanto no direito positivo (constitucional ou internacional), são largamente utilizadas (e até com maior intensidade), outras expressões, tais como “direitos humanos”, “direitos do homem”, “direitos subjetivos públicos”, ‘liberdades públicas”, “direitos individuais”, ‘liberdades fundamentais” e “direitos humanos fundamentais”, apenas para referir algumas das mais importantes. Não é, portanto, por acaso, que a doutrina tem alertado para a heterogeneidade, ambiguidade e ausência de um consenso na esfera conceitual e terminológica, inclusive no que diz com o significado e conteúdo de cada termo utilizado. Logo, seguindo uma concepção histórica positivista, os direitos fundamentais são um acontecimento histórico recente, pois, esses direitos decorrem da positivação das leis, o que só aconteceu de forma efetiva após a declaração de independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa, que trouxeram de forma positivada a liberdade e a dignidade da pessoa humana (BONAVIDES, 2004, p. 561). Nessa senda, a declaração de independência dos Estados Unidos garantiu, por natureza, a liberdade a todos os homens e a não privação de sua liberdade ao escolher viver em sociedade. Além disso, após a Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, ficou resguardado a conservação dos direitos naturais dos quais não se podem privar o homem, que afirmou a imprescritibilidade de alguns direitos, tais como, direito de propriedade e direito a segurança (BONAVIDES, 2004, p. 562). Cumpre salientar, a importância do reconhecimento de outras declarações, como a Magna Carta de 1215, que restringiu de certa forma a supremacia do soberano, garantido privilégios aos nobres da época, impondo um limite de tributação e, apesar dessa Carta respaldar apenas os membros da elite na antiguidade, fora ela uma das primeiras declarações que asseguraram a proteção de certas liberdades (SARLET, 2014, p. 44). Quanto à dimensão conceitual, bem como a abrangência do termo, busca-se encerrar com o entendimento dado por Sarlet (2014, p. 82): 14 Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal. Nesse sentido, pode-se concluir que, quanto aos Direitos Fundamentais, estes foram uma construção social lenta. Foi a partir de lutas e discussões que se alcançou a positivação dos direitos entendidos como naturais, que, seguindo essa cronologia histórica, fica evidente a evolução dos direitos fundamentais, e em razão desta evolução, tais direitos passaram a ser classificados por gerações. 1.2. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Os direitos fundamentais foram classificados por gerações, dado que estes direitos foram positivados de forma gradativa. Assim, seguindo uma construção positiva histórica, a doutrina classifica os direitos fundamentais em três gerações. Desta feita, conforme Bonavides (2004, p. 563) os direitos fundamentais de primeira geração se findaram a partir da Declaração dos Direitos do Homem, ou seja, apesar da Declaração de Independência dos Estados Unidos em 1776 ter tido forte influência, foi somente com a Revolução Francesa de 1789 que se institucionalizaram os direitos de liberdade, sendo eles subdivididos em direitos civis e políticos, tendo como base a subjetividade. Nesse sentido, foi garantida ao titular desses direitos a liberdade de culto e propriedade privada, por exemplo, nesse sentido, dispõe o autor: [...] esses direitos têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. (BONAVIDES, 2004, p. 563). No mesmo sentido, entende Sarlet (2014, p. 48) que quanto aos direitos fundamentais de primeira geração, estes foram marcados por uma autonomia do indivíduo em face do Estado, ou seja, foi assegurado a não intervenção estatal na vida privada do indivíduo. E pode-se visualizar que os direitos fundamentais dessa geração tiveram influência jusnaturalista, pois foi resguardada, direitos como, o da vida, da 15 igualdade perante a lei, da inviolabilidade do domicílio e da liberdade de expressão, bem como, os direitos políticos. Observa-se que nessa primeira geração é um Estado liberal, como compreende Tavares (2010. p. 502), mediante uma prestação negativa do Estado que garantiu diversos direitos individuais e políticos, com importante destaque para a proteção contra prisão de forma arbitraria. Nesse momento histórico, inclusive, se garante a prerrogativa do habeas corpus para validação do referido direito. Em razão disso, observa-se que os direitos fundamentais de primeira geração foram marcados pela prevalência da autonomia do indivíduo frente às intervenções constantes do Estado na vida privada. Assim, se buscou então, uma prestação negativa do Estado em âmbitos que não fazem jus a tal intervenção. Portanto, se reconhece esse marcohistórico como o período em que foi positivada a liberdade civil e política da sociedade perante o Estado. Seguindo o marco histórico dos direitos fundamentais, se faz necessário explanar sobre a segunda geração dos direitos fundamentais, que ficou marcada pela busca de se respaldar diretos culturais, econômicos e sociais, assim sendo, destaca- se que os direitos fundamentais de segunda geração, em meados do século XX, , tiveram reflexo de políticas antiliberais, pois, são frutos de cunho ideológico marxista, posto que, a forte influência dessa ideologia no pós-guerra. O que pode se verificar nessa geração, é a visão pragmática deste período, dado que, na busca de garantir os direitos de coletividade, a liberdade de autonomia do indivíduo conquistada pela primeira geração não era assegurada nesse momento, que buscou atribuir ao Estado formas para garantir determinados direitos, por isso, este período foi marcado por diversas crises de executividade. (BONAVIDES, 2004, p. 564) Nesse interim, conforme entende Sarlet (2014, p. 49), a segunda geração dos direitos fundamentais, no início sofreu muitos impactos, influenciada pelas doutrinas marxistas. Os direitos de liberdade e igualdade não alcançavam a máxima efetividade, acarretando em grandes movimentos de reivindicação de direitos, tendo-se nesse período o Estado como protagonista com o intuito de afirmar o bem estar da sociedade, buscando assim, a liberdade através da participação estatal. Ou seja, nesta fase, o Estado tem o dever de prover educação e saúde, bem como, através de diversas reivindicações influenciadas pelas doutrinas socialistas, o trabalho e o direito de greve. 16 Neste lapso temporal os direitos sociais e econômicos, como ficaram conhecido os direitos de segunda, sofreram uma mudança de não intervenção do Estado nas liberdades individuais, para uma participação estatal com o objetivo de satisfazer os interesses da sociedade, ou seja, o Estado passa a ser visto como um aliado que vai garantir a igualdade, criando meios para que se garanta a máxima efetividade dos direitos individuais. (TAVARES, 2010, p. 503) Por conseguinte, quanto aos direitos de terceira geração conhecidos também como direitos de fraternidade, surgiram no final do XX, e na concepção de Sarlet (2014, p. 50) se caracterizam por não mais visar os direitos de forma individual, mas sim, a proteção da coletividade, pois o que se busca nesse momento é uma melhor qualidade de vida, meio ambiente sustentável, paz social e desenvolvimento da nação. No mesmo sentido, compreende Bobbio (2004, p. 19) que os direitos de terceira geração são universais, pois não são postos de forma isolada e destinam-se a todos os homens, grupos sociais e ao coletivo de forma positiva para proteger até mesmo contra o Estado. Ainda, nesse interim, conforme o entendimento de Bonavides (2004, p. 569) este dispõe: Os direitos fundamentais de terceira geração são dotados de grande teor de humanismo e universalidade, tendendo a cristalizar-se, no fim do século XX, enquanto direitos que não se destinam, especificamente, à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem primeiro por destinatário o gênero humano, em um momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Desta forma, ainda conforme o mesmo autor, resta entendido que os direitos de terceira geração buscaram uma maior proteção ao gênero humano de forma coletiva. Assim, a busca pela paz, o desenvolvimento das nações e a proteção do meio ambiente marcaram essa geração, fazendo ascender um sentimento de proteção ao gênero humano e agregando valor a preservação do patrimônio comum da humanidade. BONAVIDES (2004, p. 569) Com efeito, os direitos de terceira geração visando uma maior afirmação na defesa dos direitos coletivos tem como base a Declaração Universal dos Direitos do Homem, para assegurar a eficácia e os meios para a obtenção dos direitos positivados conforme entende Dallari (2012, p. 178): 17 [...] a certeza dos direitos, exigindo que haja uma fixação prévia e clara dos direitos e deveres, para que os indivíduos possam gozar dos direitos ou sofrer imposições: a segurança dos direitos, impondo uma série de normas, tendentes a garantir que, em qualquer circunstância, os direitos fundamentais serão respeitados: a possibilidade dos direitos, exigindo que se procure assegurar a todos os indivíduos os meios necessários à fruição dos direitos, não se permanecendo no formalismo cínico e mentiroso da afirmação de igualdade de direitos onde grande parte do povo vive em condições subumanas. De outra parte, no que se refere a classificação dos direitos fundamentais, a doutrina vem tratando uma possível quarta geração de direitos fundamentais, assim é entendimento sustentado por Bonavides (2004, p. 571), que muito embora não fora concretizada, pois ainda há diversas incertezas atualmente, mas que devido a globalização dos direitos fundamentais, o mundo encaminha-se para a institucionalização de um Estado social, que compõem direitos como, a democracia, informação e pluralismo. Nesse sentido, os direitos fundamentais foram um processo em constante evolução que atravessam diversas linhas de pensamentos, no entanto, sendo cada geração importante e marcada por diversas lutas objetivando a conquista de direitos, assim, buscam a proteção da dignidade da pessoa humana e com o passar do tempo só agregaram valor e foram reforçadas de maneira a proteger o cumprimento desses direitos. 1.3. ABRANGÊNCIA DO CONTEÚDO SEMÂNTICO DO VOCÁBULO SAÚDE Não há um conceito específico do termo saúde, dado a sua natureza multidisciplinar, pois, sua definição carrega de forma abrangente diversos entendimentos em paralelo, precisando-se fazer uma ligação entre diversas áreas de conhecimento para se alcançar uma definição do que seria saúde (AITH, 2007, p. 43). Um conceito antigo de saúde era a ausência de doença, como assim dispõe Sá Junior (2004, PP. 15 - 16): Da Antiguidade ao século XXI, superada a concepção sobrenatural de saúde e enfermidade, concebia-se saúde como a ausência de enfermidade (doença, deficiência, invalidez). Estado que se revelava equilíbrio do organismo, com referência aos seus meios interno e externo. Gozar saúde significava não padecer enfermidade, estar em harmonia consigo mesmo e com o meio. Tão somente. 18 Nesse sentido, pode-se verificar a limitação desta definição na antiguidade. Assim, se percebe uma grande mudança da concepção do termo saúde ao longo do tempo, posto que a Organização Mundial de Saúde (OMS) conceituou saúde como “o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. No entanto, essa definição está sendo contestada atualmente, pois muitas vezes é vista como algo que não pode ser alcançado. Assim, em concordância com a concepção construída pela Organização Mundial de Saúde (OMS), dispõe Aith (2007, p. 46): A saúde era concebida, às vezes, como uma simples ‘ausência de doença’, outras vezes como ‘uma reserva corporal’, ou, ainda, como ‘um fundo de saúde’ inato e que permite ao organismo resistir contra todas as agressões feitas pelo corpo social. Também podemos encontrar concepções da saúde como ‘equilíbrio’ que permite ao indivíduo responder da forma mais eficiente possível às exigências da vida social. O equilíbrio se encarna na plenitude física e psíquica, no sentimento de autossatisfação e de harmonia com os outros. Essas diferentes concepções de saúde constituíam entidades fluidas, podendo coexistir, e aptas a dar conta das diferentes facetas da experiência das pessoas, mas o ‘equilíbrio’ apresentou-se como uma concepção positiva da saúde, tendo sido adotada tal concepção pela Organização Mundial de Saúde – OMS. Dessa forma, percebe-se que a abrangência deste termoconceituado pela Organização Mundial de Saúde é geradora de grandes críticas. Nesse sentido, entende Scliar (2007, p. 37) que a saúde é derivada de uma boa alimentação, moradia, meio ambiente sustentável, e além, a saúde varia de acordo com a organização social no qual as pessoas estão inseridas, ou seja, pode gerar muitas desigualdades nos níveis sociais. Ratificando essa informação, cita-se a conceituação de Rocha (1999, p. 43): A conceituação da saúde deve ser entendida como algo presente: a concretização da sadia qualidade de vida. Uma vida com dignidade. Algo a ser continuamente afirmado diante da profunda miséria por que atravessa a maioria da nossa população. Consequentemente a discussão e a compreensão da saúde passam pela afirmação da cidadania plena e pela aplicabilidade dos dispositivos garantidores dos direitos sociais da Constituição Federal. Portanto, verificada a diversidade na dimensão conceitual do vocábulo saúde e as diferentes linhas de pensamento, pode-se concluir pelo demonstrado que o problema vai além da concepção do termo em análise, pois, é preocupante a 19 dificuldade que se tem em efetivar um direito, dado que a saúde como direito social abrange uma série de fatores sociais que impedem a sua efetiva prestação pelo Estado. 1.4. ASPECTOS HISTÓRICOS DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL Na busca por demonstrar o direito à saúde como um direito fundamental, necessário promover uma breve análise sobre os aspectos históricos do direito a saúde no Brasil. Inicialmente, cumpre esclarecer que a Constituição Federal de 1988 foi a primeira a inserir a saúde no rol dos direitos sociais com previsão no artigo 6º da Carta Maior, e reafirmada em seu artigo 196: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Nesse sentido, entende Bobbio (2004, p. 09) que o texto maior garante o direito à saúde ao cidadão e o dever de prestação pelo Estado, verificando o referido direito no rol dos direitos sociais ou de segunda geração, ainda, fazendo ligação ao direito a vida, este de primeira geração, de acordo com a classificação das dimensões dos direitos fundamentais. Ainda, conforme a garantia prevista do direito à saúde, o artigo 196 da Constituição Federal prevê, conforme Silva (2006, pp. 288 – 289) que: Os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se conexionam com o direito da igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade. Nessa toada, verifica-se a saúde no rol dos direitos sociais, consagrado no artigo 6º da Constituição Federal, assim prescreve: 20 Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Partindo desse entendimento, Ladeira (2009, p. 110) afirma que o direito a saúde enquanto direito social fundamental, se finda pela obrigação do Estado de prestar positivamente, ações e serviços de políticas públicas para assegurar a aplicação plena e eficaz do referido direito. Cumpre salientar que as constituições anteriores previam o direito à assistência à saúde, mas era necessário o preenchimento de requisitos, conforme dispõe o artigo 121, parágrafo 1º, alínea "h" da Constituição Federal de 1934: Art 121. A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país. § 1.º A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: [...] h) assistência medica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte. Nessa senda, resta demonstrado que foi somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que foi garantido o direto a saúde ao cidadão, ainda, impondo-se ao Estado, a criação de mecanismos para que atendam às necessidades da população, a exemplo, o Sistema Único de Saúde (SUS) regulamentado pela Lei 8.080/90. 1.5.O DIREITO À SAÚDE E SUA EFICÁCIA NO BRASIL Pode-se dizer que, o direito à saúde, conforme explicitado no artigo 196 da Carta Maior, figura-se como garantia do cidadão a ser oferecida pelo Estado. Conforme Canotilho e Moreira (2007, p. 825) o direito à saúde é um direito que deve proteger o cidadão contra atos que afetem sua saúde e prestar medidas de tratamentos aos enfermos. 21 Assim, sendo o direito a saúde um direito social, interessante demonstrar o conceito definido por Moraes (2009, p. 195): Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal. Tendo o direito a saúde ligação direta com a dignidade da pessoa humana, pode-se dizer que tal direito está direcionado a todos, pois, é um direito coletivo, assim, o Estado é obrigado a garantir sua efetivação, conforme o entendimento de Sarlet (2014, p. 328): Será o Estado obrigado a prestar saúde de acordo com padrões mínimos, suficientes, em qualquer caso, para assegurar a eficácia das prestações, ou terão os particulares direito a serviços gratuitos de melhor qualidade (equipamentos de última geração, quarto privativo em hospitais, etc.) Assim, na concepção de Diniz (2006, p. 172) a saúde deve ser tratada de forma equitativa, regendo-se no princípio da universalidade, de maneira que as ações e serviços se adequem para que o cidadão que esteja com mais necessidade receba auxílio diversificado e conforme a situação. No entanto, a aplicação efetiva do direito a saúde tem se mostrado ineficaz e impossível no plano de vista prático, tendo em vista que, conforme entende Torres (2001, p. 287), a prestação do direito a saúde de que trata o artigo 196 da Constituição Federal, que sugere o dever de prestação estatal, se mostra, quanto a sua aplicabilidade, uma verdadeira utopia e um direito inalcançável para os titulares da referida garantia. Nesse sentido, esse último entendimento corrobora com a mesma concepção do ilustre Luís Roberto Barroso (2001, p. 85) onde o mesmo afirma a existência de uma falha na aplicação de forma efetiva do referido direito, que muitas vezes é visto de forma utópica e encontra dificuldades de execução devido a problemas relacionados a economia entendida como insuperável em razão da escassez de recursos públicos. 22 Percebe-se assim, dado a ineficácia da aplicação do direito à saúde, uma afronta a Constituição Federal vigente em virtude de ter se firmado que a saúde é um direito social, público e subjetivo de todo cidadão e um dever estatal. (CANOTILHO; MOREIRA,2007, p. 826). Por todo o exposto, restam evidenciado divergências quanto a eficácia de aplicação do direito à saúde, em virtude da omissão do Estado na garantia do referido direito que vêm resultando em diversas demandas judiciais que buscam a efetivação de tal direito. 23 2. O ATIVISMO JUDICIAL: DIMENSÃO CONCEITUAL, HISTÓRICA E A VISÃO DOUTRINÁRIA BRASILERA Continuadamente, este segundo capítulo tem como finalidade primária abordar o instituto conhecido como ativismo judicial, dado que atualmente é uma questão muita debatida entre doutrinadores atualmente, devido a suas amplas divergências. Nesse sentido, será feito um estudo quanto as origens do ativismo judicial, sabendo que é de extrema importância devido a ampla divergência nesse ponto, visto que se trata de uma postura individual dos juízes que atuam fundado em suas próprias concepções pessoais causando um verdadeiro embate, pois atuam para suprir as omissões decorrentes dos demais poderes. Será abordado também a dimensão conceitual do fenômeno concernente do termo ativismo judicial, em virtude da existência de acepções divergentes quando ao seu conceito. Em sequência, uma análise paralela entre o instituto da judicialização e do ativismo judicial, trazendo seus conceitos, sua ocorrência, bem como a consequência dos mesmos. Por conseguinte, será promovido o estudo e a análise do ativismo judicial ao passo da aplicação do princípio dos checks and balances ou como melhor conhecido, sistema de freios e contrapesos. Disto isto, os principais autores usados para embasar o presente capítulo são Luis Roberto Barroso e Lenio Luiz Streck. 2.1.AS ORIGENS DO ATIVISMO JUDICIAL No que concerne a origem do ativismo judicial, pode-se entender que este vem sendo alvo de muitas divergências doutrinárias, principalmente quanto se refere a sua origem. Assim, primeiramente, cumpre ressaltar o importante entendimento de Valle (2009, p. 21), onde afirma que o ativismo judicial surgiu após um artigo do historiador Arthur Schlesinger publicado pela revista Fortune, no qual, analisou os perfis de juízes pertencentes a Suprema Corte dos Estados Unidos fazendo uma classificação dos juízes da referida Corte, na proporção do nível da atuação dos juízes nas atividades que promovem o bem estar da sociedade que, a partir desse momento, o termo ativismo judicial passou a ser utilizado sob uma ótica crítica no que refere ao desempenho do judiciário. No entanto, segundo Tassinari (2013, p. 23) o ativismo judicial, apesar de ainda não se utilizar determinado termo, surgiu em 1803, nos Estados Unidos da 24 América, devido a um debate no caso sobre o empossamento de Wiliam Marbury como juiz de paz. Alguns autores entendem o surgimento do ativismo judicial em virtude da decisão nos Estados Unidos da América, na Corte Suprema, após a decisão de segregação racial, assim, tal entendimento pode ser convalidado Barroso (2009, p. 14): As origens do ativismo judicial remontam à jurisprudência norte-americana. Registre-se que o ativismo foi, em um primeiro momento, de natureza conservadora. Foi na atuação proativa da Suprema Corte que os setores mais reacionários encontraram amparo para a segregação racial (Dred Scott v. Sanford, 1857) e para a invalidação das leis sociais em geral (Era Lochner, 1905-1937), culminando no confronto entre o Presidente Roosevelt e a Corte, com a mudança da orientação jurisprudencial contrária ao intervencionismo estatal (West Coast v. Parrish, 1937). A situação se inverteu completamente a partir da década de 50, quando a Suprema Corte, sob a presidência de Warren (1953-1969) e nos primeiros anos da Corte Burger (até 1973), produziu jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais, sobretudo envolvendo negros (Brown v. Board of Education, 1954), acusados em processo criminal (Miranda v. Arizona, 1966) e mulheres (Richardson v. Frontiero, 1973), assim como no tocante ao direito de privacidade (Griswold v. Connecticut, 1965) e de interrupção da gestação (Roe v. Wade, 1973). O que resta verificado é a discussão tardia sobre ativismo no Brasil, pois esta teve início após a promulgação da Carta Magna de 1988, como assim afirma Tassinari (2013, PP 23 - 24): Ápice do denominado processo de redemocratização que rompeu com o período ditatorial no país, é promulgada a Constituição Federal da República Brasileira. O texto constitucional apresenta um numeroso rol de direitos (especialmente de cunho social) garantidos aos cidadãos. Reunindo a forma de controle de constitucionalidade inaugurada por Ruy Barbosa quando da fundação da República (em 1980) com o modelo implantado pela Emenda Constitucional n. 16/65, é prevista, textualmente, a possibilidade de revisão judicial dos atos dos demais Poderes, assumindo o Supremo Tribunal Federal a função de zelar pelo cumprimento da Constituição. A partir disso, começam os primeiros debates sobre ativismo judicial no país. Nessa senda, pode-se verificar que há uma certa divergência quanto a origem do instituto do ativismo judicial, pois se trata de um tema novo, com apenas sete décadas do seu surgimento, consoante o entendimento majoritário, no entanto, se torna perceptível conforme explicitado, a interferência constante e excessiva do poder judiciário em todos os âmbitos da vida resultante do ativismo judicial, dado que, se 25 trata de uma determinada postura conduzida pelos juízes que agem além das suas atribuições. 2.2.A DIMENSÃO CONCEITUAL DE ATIVISMO JUDICIAL Referente ao conceito de ativismo judicial, expressão esta que é carregada por diversos entendimentos por sempre haver dificuldade em se chegar a uma unanimidade de sua acepção, sendo necessário então, destacar o entendimento do ilustre Luís Roberto Barroso (2009, p. 14) que entende o ativismo judicial sendo definido por uma atitude ou uma alternativa mais ampla do juiz na maneira de interpretação das normas constitucionais, que se utilize de suas atribuições para ir além de seus poderes, de maneira que se expanda o seu alcance e é regularmente relacionado devido a alguma omissão do Legislativo. Julga-se como postura ativista, formas de aplicar diretamente as normas constitucionais em situações que não expressas no seu texto e quando se impõe condutas positivas ou formas de abster o poder público em casos de matérias de políticas públicas, Ainda nessa premissa, o termo chamado ativismo judicial se associa ou se finda de uma participação excessiva e sem limites do Poder Judiciário para se valer da aplicação da lei, abrangendo atribuições dos demais poderes. É possível identificar uma postura dita como ativista através de algumas condutas que segundo Barroso (2009, p. 14) podem se demonstrar de diversas maneiras, o juiz pode aplicar a norma constitucional de forma direta a determinada situação que não se encontra positivada na Carta Maior, além de, declarar uma inconstitucionalidade de determinados atos do poder legislativo tendo embasamento com pouca rigidez, ainda, determinar condutas ou inercia ao Poder Público, principalmente as que se enquadram em questões de políticas públicas. Partindo dessa omissão, Campos (2014, p, 348) fundamenta que o conceito de ativismo judicial se finda através do aumento do poder judiciário que alcança a casos de competência dos demais poderes. A partir disso, o próprio poder judiciário estabelece a si mesmo a competência de decretar em casos específicos o que seria competente ao poder legislativo ou executivo. O ativismo judicial pode ser observado nos casos em que a lei for omissa ou de grande relevância que geram repercussão. Dessa forma, ainda o autor, este afirma que: 26 O exercício expansivo, não necessariamente ilegítimo, de poderes político- normativos por parte de juízes e cortes em facedos demais atores políticos que: a) deve ser identificado e avaliado segundo os desenhos institucionais estabelecidos pelas constituições e leis locais; b) responde aos mais variados fatores institucionais, políticos, sociais e jurídico-culturais presentes em contextos particulares e em momentos históricos distintos; c) se manifesta por meio de múltiplas dimensões de práticas decisórias. (CAMPOS, 2014, p, 348) Não obstante, ativismo judicial também pode ser conceituado segundo Ramos (2010, p. 255) como a ampliação do poder judiciário quanto ao exercício de suas atribuições que ultrapassam as determinações estabelecidas pela própria ordem jurídica, que, impõe ao poder judiciário buscar resolver conflitos de interesses e conflitos entre normas, desta forma, entende-se que a atuação além das atribuições definidas pelo poder judiciário justifica-se pela necessidade de se resolver questões referentes a omissão dos demais poderes e questões normativas, dado que o poder judiciário é o guardião da Carta Magna, muito embora, observa-se uma atuação exagerada deste último, assim, tem-se duras críticas quanto a sua postura ativista, pois o Poder Judiciário vem se tornando maior que os demais, ao passo que se tem atribuído ao Judiciário a criação e controle judicial de forma desenfreada. Por conseguinte, como já demonstrado, há diversas acepções sobre o referido tema, no entanto, mediante a divergência sobre a conceituação de ativismo judicial, importa mencionar o entendimento de Fernandes (2012, p. 121) que conceitua ativismo como uma escolha ou maneira dos juízes quanto a forma de realização de prestação judicial de modo complementar na ordem jurídica, assim, age afim de regular de condutas que não eram reguladas, afetando a ordem social e estatal, independentemente de interferência do poder legislativo, ou ainda obrigando o Estado a efetivar políticas públicas. Ante a dificuldade de fixar um conceito efetivo do termo ativismo judicial, Valle (2009, p. 21) entende que o conceito do referido termo possui ambuiguidade e assim esclarece: O parâmetro que pode se utilizar para definir determinada decisão como sendo ativista ou não reside numa controvérsia de idéias sobre qual seria a interpretação correta de um determinado dispositivo constitucional. Indo além disso: não é a mera atividade de controle de constitucionalidade – consequentemente, o repúdio ao ato do poder legislativo – que permite a identificação do ativismo como traço marcante de um órgão jurisdicional, mas a reiteração dessa mesma conduta de desafio aos atos de outro poder, perante casos difíceis. 27 Em razão dos casos difíceis supracitados, pode-se entender segundo Dworkin (2001, p. 147), que o direito é distribuído em conformidade com os princípios, e a determinação é para que a justiça se baseie por tais princípios, que devem ser aplicados seguido a equidade e se efetivem nos casos que forem apresentados, de maneira que para cada caso se tenha uma aplicação justa e equitativa segundo as determinadas normas, objetivando a integridade do poder judiciário e respeitando todo o conjunto de princípios. Nesse interim, verifica-se que o ativismo judicial ocorre através dos poderes de decisão, assim, explicam Costa e Benvindo (2014, p. 08) que o Supremo Tribunal Federal se mostra presente por definir pautas políticas, econômicas e sociais e que em diversas vezes agem em discordância dos demais poderes, assim, o poder judiciário vai se tornando a única parte legítima na tomada de decisão sobre o reconhecimento das normas jurídicas e decretando sua constitucionalidade mediante interpretação do sentido e alcance das mesmas, tomando para si prerrogativas que originariamente pertencem aos poderes legislativo ou executivo. Desta feita, ainda quanto ao ativismo judicial, é necessário demostrar o entendimento de Dworkin (2001, p. 451), que afirma que o ativismo ignora as normas expressas da Carta Maior e toda história desta, os precedentes e tradições jurídicas para impor aos demais poderes o seu próprio entendimento acima da própria justiça. Ainda, afirma que o direito abomina o ativismo e quaisquer prática sinônima. Em síntese, resta demonstrado a complexidade para se fixar um conceito para o ativismo judicial devido a sua ampla dimensão conceitual e seu caráter ambíguo. 2.3.UM PARALELO ENTRE O INSTITUTO DA JUDICIALIZAÇÃO E DO ATIVISMO JUDICIAL Precipuamente, se mostra necessário diferenciar o instituto da judicialização do ativismo judicial, pois, demasiadas vezes são tratados como sinônimos, no entanto, tais termos têm origem e significados distintos. Em vista disso, quanto ao ativismo judicial, Valle (2009, p. 21) reitera que a razão do ativismo é verificada muitas vezes pela falta de senso interpretativo das normas constitucionais, dado que os mecanismos atuais utilizados para classificar uma atitude como ativista baseiam-se doravante a correta interpretação da norma. 28 Em contrapartida, a judicialização, segundo Leite (2011, p. 179), origina-se de um processo social em que o alcance de atuação dos tribunais se expande mediante atos do poder constituinte ou parlamentar, de tal maneira que os meios políticos, sociais e econômicos ganham atribuições jurídicas, em outras palavras, são submetias a ações judiciais. Assim, entende-se que a judicialização não é resultado de atitudes de um juiz, mas sim, decorrente da modificação do texto normativo que amplifica a competência ou atribuições do poder judiciário. Com efeito, importa destacar o entendimento de Tassinari (2013, p. 56): Por sua vez, o ativismo é gestado no seio da sistemática jurídica. Trata-se de uma conduta adotada pelos juízes e tribunais no exercício de suas atribuições. Isto é, a caracterização do ativismo judicial decorre da análise de determina postura assumida por um órgão/pessoa na tomada de uma decisão que, por forma, é investida de juridicidade. Com isso, dá-se um passo que está para além da percepção da centralidade assumida pelo judiciário no atual contexto social e político, que consiste em observar/controlar qual o critério utilizado para decidir, já que a judicialização, como demonstrado, apresenta-se como inexorável. Nesse ponto, em virtude dos mais variados conceitos divergentes encontrados nas doutrinas sobre os referidos institutos onde também são muitas vezes tratados como sinônimos, importa destacar a diferença destes, assim primeiro segue a definição sobre ativismo judicial segundo Pompeu e Maia (2013, p. 18) onde afirmam que: O ativismo judicial manifesta-se quando, em juízo objetivo, geral e abstrato, o Poder Judiciário invade a função típica do Poder Legislativo configurando materialmente o Direito por meio de decisões judiciais que instituem normas gerais e abstratas. Já a judicialização se define, segundo Tassinari (2013, p. 32) como: Muito mais uma constatação sobre aquilo que vem ocorrendo na contemporaneidade por conta da maior consagração de direitos e regulamentações constitucionais, que acabam por possibilitar um maior número de demandas, que, em maior ou menor medida, desaguarão no Judiciário do que uma postura a ser identificada (como positiva ou negativa) Por tudo isso, pode-se dizer que a judicialização apresenta-se como uma questão social. A dimensão desse fenômeno, portanto, não depende do desejo ou vontade do órgão judicante. Ao contrário, ele é derivado de uma série de fatores originalmente alheios à jurisdição. 29 Nessa senda, interessante demonstrar a diferenciação dos termos sob o entendimento de Streck (2017, p. 589), que afirma que o ativismo judicial advém de uma atitude feita pelo juiz ao decretar sua decisão partindo de suas próprias convicções e entendimento pessoal, já a judicialização é um fato decorrente da relação entres os poderes que modifica determinada norma ampliando a competência do poder judiciário,ou seja, ocorre um deslocamento de competência a partir de uma modificação constitucional. No entanto, há diversos entendimentos que defendem a ideia de uma postura ativista dos juízes, em vista da consequente omissão do poder legislativo, assim, resta necessário que o poder judiciário aja no senso de garantir direitos fundamentais resguardando a supremacia do Texto Maior, nesse sentido, discursou Mello (2008, p. 10): [...] práticas de ativismo judicial, embora moderadamente desempenhadas pela Corte Suprema em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade. Assim, quando se fala em ativismo judicial, resta após a omissão do poder legislativo que o guardião da Constituição se empenhe na efetivação do cumprimento das garantias, ou seja, resguardar a tutela do cidadão. Segundo Barroso (2007, p. 243) no qual afirma: A maior parte dos países do mundo reserva uma parcela de poder para que seja desempenhado por agentes públicos selecionados, com base no mérito e no conhecimento específico. Idealmente preservado das paixões políticas, ao juiz cabe decidir com imparcialidade, baseado na Constituição e nas leis. Mas o poder de juízes e tribunais, como todo poder em um estado democrático, é representativo. Vale dizer: é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. Com isso, verifica-se a amplitude da discussão entre os dois institutos que, conforme aludido por Barcellos (2006, p. 34), deve-se atentar para os riscos das atitudes tomada nos processos individuais, que em decorrência de sua atitude pode criar uma “microjustiça”. Dado que, seguindo o entendimento anterior, Barroso (2009, p. 22), ensina que nem sempre o juiz pode saber precisar o tamanho do impacto de uma decisão 30 decretada, podendo ocorrer desde um impacto econômico até a prestação de serviços públicos, sem prejuízo de responsabilização. A citar os diversos casos de tutela em casos de saúde, há atualmente milhares de decisões relacionadas a tutela de remédios e tratamentos, colocando em perigo as políticas públicas de serviços de saúde devido à má condição da estrutura atual de recursos. Em síntese, por tais entendimentos, restam evidenciado que a ocorrência do instituto do ativismo judicial, muitas vezes se mostra necessária para efetivação de garantias ao cidadão, dado que na ocorrência de haver omissão do poder legislativo sobre determinada situação não expressa em lei, o judiciário deve agir como guardião da Constituição e aplicar princípios para suprir referida omissão, no entanto, tais atos devem ser dosados, isto é, devem ser fetos de maneira equilibrada para que não acarretem em impactos que afetem a estrutura econômica e administrativa do Estado. Já no que diz respeito quanto a judicialização, tal instituto se define pelo modelo constitucional adotado, tal instituto ocorre quando há determinada questão com grande repercussão, assim sendo, esta é decidida pelo poder judiciário e não pelos poderes tradicionais. 2.4.O ATIVISMO JUDICIAL E O PRINCÍPIO DOS CHECKS AND BALANCES Preliminarmente, cumpre ressaltar a importância de se fazer uma análise do ativismo judicial relacionado ao princípio dos checks and balances, ou como mais conhecido, sistema de freios e contrapesos. Insta aludir que o sistema de freios e contrapesos é um princípio que se rege para a organização do Estado, assim, importa citar a acepção da obra A Política, de Aristóteles (2001, p. 127): Em todo governo, existem três poderes essenciais, cada um dos quais o legislador prudente deve acomodar da maneira mais conveniente. Quando estas três partes estão bem acomodadas, necessariamente o governo vai bem, e é das diferenças entre estas partes que provêm as suas. [...] O primeiro destes três poderes é o que delibera sobre os negócios do Estado. O segundo compreende todas as magistraturas ou poderes constituídos, isto é, aqueles de que o Estado precisa para agir, suas atribuições e maneira de satisfazê-las. O terceiro abrange os cargos de jurisdição. 31 Ademais, cumpre ressaltar que como a organização estatal é dividida pelos poderes legislativo, executivo e judiciário, baseado na teoria do filósofo Montesquieu (2005, p. 176) tal teoria tinha por objetivo o combate a um poder absoluto, no entanto, para que houvesse êxito, era imprescindível resguardar a independência dos referidos poderes e logicamente cada um restringindo o alcance de atuação do outro. Desta forma, o agir do poder judiciário de forma ativista deve ser restringida de em conformidade com suas funções e também através dos demais poderes. Nesse ditame, o princípio dos checks and balances busca resguardar a independência dos poderes legislativo, executivo e judiciário e limitar o alcance de atuação destes, assim afirma o autor: Eis então a constituição fundamental do governo de que falamos. Sendo o carpo legislativo composto de duas partes, uma prende a outra com sua mútua faculdade de impedir. Ambas estarão presas ao poder executivo, que estará ele mesmo preso ao legislativo. Estes três poderes deveriam formar um repouso ou uma inação. Mas, como, pelo movimento necessário das coisas, eles são obrigados a avançar, serão obrigados a avançar concertadamente. (MONTESQUIEU, 2005, p. 176) Isto posto, o modelo de tripartição de poderes é regulado pelo principío dos checks and balances, que segundo o entendimento de Magalhães (2004, p. 01), estabelece que cada órgão vai regular a atuação um do outro, ou seja, o legislativo será regulado tendo suas leis revogadas pelo judiciário caso aja em desconformidade do previsto na Carta Magna, o judiciário é formado pela indicação do chefe do poder executivo e este por fim deverá seguir consoante as normas estabelecidas pelo poder legislativo, assim, o sistema de freios e contrapesos se verifica a partir desse ciclo de controle entre os poderes para que não ocorra uma instabilidade de poder sobrepondo-se sobre outro e consequentemente surgindo a supremacia de um poder absoluto. Em vista disso, incorre aduzir que o modelo adotado em vários países, se regula através do sistema de freios e contrapesos, com vistas a resguardar a democracia, assim, sobre o princípio do checks and balances, aduz Dallari (2012, p. 218): O sistema de separação dos poderes, consagrado nas Constituições de quase todo o mundo, foi associado à ideia de Estado Democrático e deu origem a uma engenhosa construção doutrinária, conhecida como sistema de freios e contrapesos. Segundo esta teoria os atos que o Estado pratica podem 32 ser de duas espécies: ou são atos gerais ou são especiais. Os atos gerais, que só podem ser praticados pelo poder legislativo, consistem na emissão de regras gerais e abstratas, não se sabendo, no momento de serem emitidas, a quem elas irão atingir. Dessa forma, o poder legislativo, que só pratica atos gerais, não atua concretamente na vida social, não tendo meios para cometer abusos de poder nem beneficiar ou prejudicar uma pessoa ou um grupo em particular. Só depois de emitida a norma geral é que se abre a possibilidade de atuação do poder executivo, por meio de atos especiais. O executivo dispõe de meios concretos para agir, mas está igualmente impossibilitado de atuar discricionariamente, porque todos os seus atos estão limitados pelos atos gerais praticados pelo legislativo. E se houver exorbitância de qualquer dos poderes surge a ação fiscalizadora do poder judiciário, obrigando cada um a permanecer nos limites de sua respectiva esfera de competência. Nessa toada, com o objetivo de encontrar um equilíbrio e limitar a atuaçãodesregulada de um poder sobre os demais, o princípio dos checks and balances se mostra imprescindível para evitar abusos estatais, assim denota Moraes (2015, p. 430): [...] o Direito Constitucional contemporâneo, apesar de permanecer na tradicional linha da ideia de Tripartição de Poderes, já entende que esta fórmula, se interpretada com rigidez, tornou-se inadequada para um Estado que assumiu a missão de fornecer a todo o seu povo o bem-estar, devendo, pois, separar as funções estatais, dentro de um mecanismo de controles recíprocos, denominado “freios e contrapesos” (checks and balances)”. Isto posto, necessário demonstração uma concepção negativa que, segundo entende Streck (2017, p. 257) a ocorrência do ativismo judicial se finda a partir de uma atitude que se baseia por convicções ideológicas do próprio juiz, tais atos deferidos por estes juízes ativistas põem em risco o regime democrático, assim sendo, o autor afirma ser essencial coibir as atitudes arbitrárias de determinado poder, devendo o referido ativista agir de acordo com o expresso na constituição para não ferir ou diminuir a independência e alcance dos demais poderes, devendo sempre prevalecer a autonomia da tripartição dos poderes. Contrariamente, o princípio da separação dos poderes pode ser isolado, desta forma, validando o ativismo judicial em alguns casos, assim, no entendimento de Bulos (2007, p. 90): A interferência de um poder sobre o outro é apenas admissível para garantir direitos fundamentais, impedindo abusos e atentados contra a própria Constituição, caso contrário de nada adiantará a constitucionalização do princípio, porque ele existirá, apenas, nominalmente, sem qualquer relevância prática. 33 Por fim, por todo o exposto em tela, fica demonstrado o prinicpio do checks and balances, ou melhor, sistema de freios e contrapesos que funcionam no sentido de limitar ou frear a atuação exagerada dos poderes. No entanto, na prática pode-se verificar que o legislativo e executivo não vêm cumprindo com suas obrigações, ou seja, por esta omissão, resta ao cidadão buscar a tutela do direito no judiciário, o que acarreta em uma atuação expansiva deste sobre os citados, e repetidas vezes as decisões do juiz singular ao serem decretadas vão além das atribuições previstas, pois determina criação de políticas públicas, além de se observar a reserva do possível. 34 3. O ATIVISMO JUDICIAL E A EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE O presente capítulo tem como objetivo expor o ativismo judicial e a efetivação do direito à saúde. Dessa forma, em primeiro vista será analisado um estudo sobre o custeio de tratamentos pelo Estado que afeta tanto o sistema jurídico quanto o sistema político, trazendo eventualmente a problemática do orçamento, que enfrenta problemas referentes a alocação de recursos para custear o acesso da população ao sistema de saúde além da discussão da possível criação de uma “microjustiça”. E finalmente, será exposto sobre a efetividade do ativismo judicial nas causas referentes ao direito à saúde. Os principais autores usados para embasar esse capítulo são Ana Paula de Barcellos e Luis Roberto Barroso. 3.1.O CUSTEIO DE TRATAMENTOS PELO ESTADO Inicialmente, cumpre reafirmar que a saúde é direito de todos e um dever do Estado. Assim, conforme Silva (2006, p. 402), tal direito tem como base o princípio da igualdade e universalidade e deve ser garantido por políticas públicas que tenham enfoque na diminuição dos riscos de doenças. Logo, tem o Estado o dever de garantir o acesso a saúde por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). O entendimento do mencionado autor segue o que predispõe na Lei nº 8.080/90 conhecida como Lei Orgânica de Saúde, afirmado no caput do artigo 2º e § 1º: Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. É sabido que o direito a saúde, ainda que tenha amplo amparo legal, encontra dificuldades em sua efetivação. Nesse sentido, na concepção de Sarlet (2014, p. 355), a efetividade das normas de direito fundamental não é alcançada somente por estar positivada, isto é, verifica-se que não se trata de uma questão atrelada apenas ao sistema jurídico, mas relacionada também a problemas no campo político, uma vez 35 que abrange desde o orçamento para custeio até o mínimo existencial para uma vida digna. Na acepção de Mendes (2014, p. 628) as normas consoantes entendidas como fundamentais são classificadas como de caráter programático, uma vez que existe a dependência de alocação de recursos para que os direitos sociais sejam efetivados, isto é, dependem da criação de políticas públicas de caráter social e econômico para que o direito seja materializado e efetivado através de prestações positivas do Estado. Nessa toada, importante demonstrar o entendimento do ilustre Ministro Marco Aurélio (2016, p. 7) no voto do Recurso Extraordinário nº 566.471 onde afirma que: Não há dúvida de que esses serviços dependem de políticas públicas, nas quais devem constar as diretrizes para assegurar o acesso universal a medicamentos indispensáveis. Por isso, Ricardo Lobo Torres falou em “direitos sociais máximos”, a serem alcançados por meio de escolhas políticas e orçamentárias materializadas na formulação e implementação de políticas públicas. Problema maior surge quando omissões ou falhas na execução do que foi formulado implicam a impossibilidade de obtenção de medicamento por paciente que não possui condição financeira de acesso, indispensável a tratamento integral de saúde, necessário à própria existência digna. Em vista disso, quando surgem omissões na efetivação do direito, este pode ser exigível em face do Estado, logicamente respeitando os limites orçamentários e se adequando a realidade do dever prestacional. Isso quer dizer que deve haver um mecanismo que relativiza os parâmetros fático e jurídico para alcançar efetiva prestação a qual refere-se a reserva do possível (SARLET, 2014, p. 357). Destarte, interessante destacar o entendimento de Amaral (2010, p. 134), onde afirma que a reserva do possível recai principalmente sobre os direitos prestacionais de cunho social devido ao alto custo que lhe é exigido para ser efetivado, tendo em vista que, o custeio para materialização do direito as prestações devidas pelo Estado é alto e reflete uma problemática de efetividade, pois dependem da alocação de recursos limitados, ou seja, há necessidades das pessoas são infinitas, ao contrário dos recursos disponíveis que são escassos. Nesse interim, conclui-se que o direito a saúde enquanto direito do cidadão e dever do Estado, deve necessariamente ser custeado por este e materializado mediante prestações positivas, no entanto tal custo de manutenção do direito a saúde 36 deve ser analisado de acordo com a demanda e definido pelas políticas públicas, devendo ainda, ser condicionado ao princípio da reserva do possível, uma vez que os recursos são finitos. 3.2.A PROBLEMÁTICA DO ORÇAMENTO Referente a problemática do orçamento, cumpre introduzir que as prestações materiais supracitadas são vinculadas a reserva do possível, pois, de um lado há um direito subjetivo indispensável para uma vida digna, qual seja, a saúde, em contrapartida, há um problema de escassez de recursos, dificultando a promoção dos direitos prestacionais garantidos pela Constituição. Em virtude da reserva do possível, o mínimo existenciale a universalidade do direito à saúde, Sarlet (2014, p. 328) questiona: Ademais, será o Estado obrigado a prestar saúde de acordo com padrões mínimos, suficientes, em qualquer caso, para assegurar a eficácia das prestações, ou terão os particulares direito a serviços gratuitos de melhor qualidade (equipamentos de última geração quarto privativo em hospitais, etc.)? Conforme a concepção de Mânica (2008, p. 100) a aplicabilidade da reserva do possível se finda a partir da análise do que é possível prover ao cidadão conforme o orçamento do Estado. Assim, há uma verificação da pretensão do cidadão ser razoavelmente exigível e o custo de promoção do direito, pois, deve-se atentar a escassez dos recursos que são destinadas a satisfação das necessidades infinitas da população. Interessante transcrever a afirmação de Torres (2001, p. 287), que entende que as pretensões devidas de forma igualitária permeiam um campo fora da realidade atual: Com efeito, o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, assegurado no art. 196 da Constituição transformado em gratuito pela legislação infraconstitucional, é utópico e gera expectativas inalcançáveis para os cidadãos decisórias. 37 Desta forma, se entende que o direito a saúde tem encontrado dificuldades para ser efetivado, pois, conforme entende Barroso (2001, p. 85) a efetivação do direito as prestações vão de encontro a problemas econômicos já conhecidos no país em virtude da escassez dos recursos, o que resulta na necessidade de “escolhas trágicas”. Em decorrência disso, a necessidade de “escolhas trágicas” citada pelo autor não figura apenas no polo do problema orçamentário. De acordo com Barcellos (2002, p. 258) é necessário que seja feita a alocação correta dos recursos, os disponibilizando nas áreas mais essenciais que abrangem o princípio da dignidade da pessoa humana, assim os Poderes Públicos devem priorizar os direitos do campo social, pois muitas vezes as decisões políticas alocam recursos em áreas que não são essenciais. Desta forma, a abrangência do princípio da dignidade e o mínimo existencial para uma vida digna instituem direito subjetivo, isto é, se torna possível exigir a prestação no Judiciário. Em contrarrazão, há divergências quanto a aplicação da reserva do possível. No entender de Canotilho (2004, p. 481), é inviável a aplicação do referido princípio pois leva a entender que a reserva do possível prevê que os direitos sociais só existem e são válidos durante o tempo em que houver dinheiro público, isto é, se não houver dinheiro em caixa, não haverá direito. Partindo desse entendimento, Amaral (2010, p. 213) leciona que nem sempre deverá ser seguido o princípio do mínimo existencial: As prestações positivas são exigíveis pelo cidadão, havendo dever do Estado ou de entregar a prestação, através de um dar ou fazer, ou de justificar porque não o faz. Essa justificativa será apenas a existência de circunstâncias concretas que impedem o atendimento de todos que demandam prestações essenciais e, assim, tornar inexoráveis escolhas trágicas, conscientes ou não. Estando presentes circunstâncias desse tipo, haverá o espaço de escolha, no qual o Estado estabelecerá critérios de alocação dos recursos e, consequentemente, de atendimento às demandas, o que tornará legítima a não entrega da prestação demandada para aqueles que não estão enquadrados nos critérios. Nessa senda, se reconhece a dificuldade de atravessar a problemática do orçamento para custeio do direito. Conforme esclarece Cury (2005, p. 147), existe uma má administração e deficiência no sistema arrecadatório, falha na distribuição dos recursos, sonegação de imposto, desvio de verba pública por práticas corruptas, ou seja, é uma teia de falhas entre os órgãos de todos os Poderes. Em virtude disso, segundo Galdino (2005, p. 235), a problemática no orçamento é o que, de fato, diversas vezes impede a efetivação do direito reconhecido 38 na Constituição como norma fundamental, mas esse empecilho não ocorre somente pela escassez de recursos orçamentários, mas também por decisões políticas de alocação dos recursos ou mesmo por não optar por utilizar dinheiro público para efetivação de determinado direito. Mediante o exposto, conforme as garantias previstas no Texto Maior, o direito a saúde deve ser atendido de forma que respeite os princípios da universalidade e igualdade, obedecendo o mínimo existencial para uma vida digna, contudo, devendo- se observar a possibilidade de aplicação através da reserva do possível, o que consequentemente gera divergências sobre a aplicação de recursos para que se efetive as prestações devidas pelo Poder público. Assim, diante da não observância no cumprimento das prestações materiais a saúde, resta ao Poder judiciário garantir a aplicação da norma quando não se priorizar o direito social a saúde. 3.3.A POSSÍVEL CRIAÇÃO DE UMA “MICROJUSTIÇA” A criação de uma “microjustiça” está relacionada com a prerrogativa de resolver as demandas sociais de maneira individual. A efetivação dos direitos sociais é função dos Poderes Legislativo e Executivo que promovem as políticas públicas que garantem o acesso do cidadão à saúde, por exemplo. Logo, se verifica uma problemática de efetivação dessas políticas públicas e na consequente efetivação dos direitos sociais. Em decorrência dessa falha na efetivação, o Poder Judiciário muitas vezes é acionado e suas decisões acabam criando uma “microjustiça”, em razão da falha ou da inexistência de políticas públicas para efetivação dos direitos sociais, ou seja, o judiciário aplica a legislação ao caso concreto, mas sem verificar os custos reais e as consequências de sua decisão, isto é, se concede o direito ao cidadão sem promover uma análise sobre risco de déficit no desenvolvimento econômico do país. (JORGE NETO, 2008, p. 144) Ademais, a partir do momento que o poder público deixa de efetivar os direitos sociais, os cidadãos, individualmente, começam a acionar o judiciário solicitando sua real aplicabilidade. Sobre as consequências das demandas individuais no campo social, Barcellos (2006, p. 22) afirma: [...] o fato é que nem o jurista, e muito menos o juiz, dispõem de elementos ou condições de avaliar, sobretudo em demandas individuais, a realidade da 39 ação estatal como um todo. Preocupado com a solução dos casos concretos – o que se poderia denominar de micro-justiça –, o juiz fatalmente ignora outras necessidades relevantes e a imposição inexorável de gerenciar recursos limitados para o atendimento de demandas ilimitadas: a macro- justiça. Ou seja: ainda que fosse legítimo o controle jurisdicional das políticas públicas, o jurista não disporia do instrumental técnico ou de informação para leva-lo a cabo sem desencadear amplas distorções no sistema de políticas públicas globalmente considerado. Pode-se observar através dessas afirmações é que, em se tratando de uma perspectiva onde os recursos são finitos, segundo Amaral (2010, p. 97) resta ao Poder Público realizar a alocação de recursos em áreas essenciais, dado que será necessário fazer “escolhas trágicas”, devido a existir demandas infinitas. Assim, nem sempre o atendimento alcançará a todos, consequentemente, resultando em conflitos de interesses que deverão ser sanados pelo Poder Público. Em vista disso, importante que o Estado como responsável por cumprir as prestações sociais devidas, escolha qual direito deve ser preservado, alocando os recursos para que o referido direito seja resguardado em detrimento de outro, para isso, imprescindível se faz empregar o critério da “macrojustiça”, posto que este abrange toda a coletividade. Em razão disso, resta claro a incapacidade do Poder Judiciário para julgar determinadas demandas, visto que a decisão para a alocação dos recursos não pode ser realizada por um poder
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