Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Farmacotécnica II Karolina Marques Rodrigues Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar os principais métodos de incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas. � Descrever os métodos de incorporação de princípios ativos em for- mulações líquida e semissólidas. � Reconhecer pontos críticos do processo de incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas. Introdução Na maioria das fórmulas preparadas na manipulação, ocorre a mistura de uma base farmacêutica (líquidos, semissólidos ou sólidos), já selecionada, com um princípio ativo. Esse processo é chamado de aditivação, e deve levar em consideração alguns fatores, como a solubilidade do fármaco na base desejada e a melhor forma de incorporar esse fármaco para que o produto final atenda a todas as especificações de aparência, estabilidade físico-química e durabilidade. Neste capítulo, você irá estudar as principais técnicas de incorporação de princípios ativos em formas farmacêuticas líquidas e semissólidas, além de reconhecer as maiores dificuldades dessas técnicas. Métodos de incorporação de princípios ativos: bases líquidas O uso de medicamentos na forma líquida tem fácil aceitação entre a maioria dos pacientes, principalmente entre aqueles com maior dificuldade de deglutição, como crianças e idosos. Essa forma farmacêutica também tem uma absorção mais fácil e rápida, uma vez que o fármaco já se encontra em estado semi- processado. Entre as formulações líquidas, é possível destacar as seguintes, segundo a Farmacopeia Brasileira (BRASIL, 2019): � Soluções: são compostas por uma ou mais substâncias dissolvidas em determinado solvente ou mistura de solventes. � Xaropes: preparações aquosas com altas concentrações de açúcar ou algum adoçante, além de aditivos para melhorar o sabor. � Elixires: são misturas contendo de 20 a 50% de álcool, com aditivos para melhorar seu sabor e aparência, além de poderem ser misturados com xaropes. São preparações menos doces e viscosas. � Suspensões: são preparações líquidas que contém o princípio ativo em partículas finamente divididas e em um veículo, no qual o fármaco apresenta uma mínima solubilidade. � Emulsões: são dispersões de duas fases de uma mistura, não miscíveis entre si, que, com o auxílio de um agente tensoativo, são capazes de formar um sistema homogêneo. As emulsões podem ser de quatro tipos, cada uma com diferentes características entre si: ■ óleo/água; ■ água/óleo; ■ emulsões múltiplas; ■ microemulsões. Preparo de soluções A maioria das soluções é preparada apenas com a adição do fármaco dese- jado à base escolhida. Para tanto, o farmacêutico deve ficar atento quanto à solubilidade desse fármaco, que deve ser incorporado a um solvente com características idênticas às suas, para garantir total incorporação. Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas2 Para determinar a solubilidade de determinado composto, deve-se usar um solvente idêntico àquele que se pretende utilizar no produto final, quer essa substância se dissolva, quer não. A rapidez com que ela se dissolve depende da natureza do solvente e do soluto. Acompanhe no Quadro 1 os termos utilizados para descrever a solubilidade de compostos e seu significado. Fonte: Adaptado de Brasil (2019). Termo descritivo Volumes aproximados de solvente em milímetros por grama de substância Muito solúvel Menos de 1 parte Facilmente solúvel De 1 a 10 partes Solúvel De 10 a 30 partes Moderadamente solúvel De 30 a 100 partes Pouco solúvel De 100 a 1.000 partes Muito pouco solúvel De 1.000 a 10.000 partes Praticamente insolúvel ou insolúvel Mais de 10.000 partes Quadro 1. Termos descritivos de solubilidade e seus significados Tendo esse conceito em mente na hora de preparar soluções, devemos levantar algumas questões, segundo Thompson (2006): � Fármacos e seus adjuvantes podem se dissolver no solvente desejado? � Qual o tempo até ser dissolvido? � Esse fármaco permanecerá dissolvido, ou vai se precipitar? 3Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas No dia a dia do farmacêutico, são necessárias informações mais precisas sobre a solubilidade de cada fármaco. Para isso, sites como o The Index Merck (em inglês), da Royal Society of Chemistry, são úteis e muito confiáveis. Pelo link a seguir, você pode acessar esse site. https://qrgo.page.link/FUpFN O conhecimento das características químicas dos princípios ativos que o farmacêutico possui permite a seleção do solvente com a maior afinidade pela substância que se deseja solubilizar. Na maioria dos casos, a água pode ser utilizada como solvente principal, especialmente quando falamos de soluções. A água pode ser considerada como solvente universal, pois é compatível com grande número de compostos, não altera sabor ou aparência da formulação, além de ser barata e de fácil manuseio e obtenção. Quando a água for usada como o solvente principal, normalmente é neces- sário o uso de um solvente auxiliar, para garantir a estabilidade físico-química final da formulação. Os solventes auxiliares mais utilizados são o etanol, a glicerina e o propilenoglicol, conforme Loyd, Popovich e Ansel (2013). Outros solventes, como acetona, éter etílico e álcool isopropílico, são muito tóxicos para uso em preparações de formas farmacêuticas, mas são úteis como solventes na química orgânica. A maioria das soluções utilizadas para administração oral contém flavorizantes e corantes para tornar o medicamento mais atraente e agradável ao paladar. Quando necessário, elas também podem conter estabilizantes, para manter a estabilidade química e física do fármaco, e conservantes, para prevenir o crescimento de micror- ganismos na solução. O farmacêutico deve tomar cuidado com as possíveis interações químicas entre os vários componentes de uma solução, que podem alterar a potência e/ou a estabilidade da preparação (LOYD; POPOVICH; ANSEL, 2013). Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas4 Com relação ao tempo de dissolução dos compostos em diferentes sol- ventes, observa-se que algumas substâncias requerem mais tempo para se dissolverem do que outras. No dia a dia, quando é necessário, algumas técnicas podem ser utilizadas para reduzir esse tempo. As principais são: � aplicar calor; � reduzir o tamanho das partículas do soluto; � usar um agente solubilizante; � submeter os componentes à agitação vigorosa. A técnica de aplicar calor em uma solução permite que grandes quantida- des do soluto se dissolvam de forma mais rápida. Entretanto o efeito do calor consiste, simplesmente, em aumentar a velocidade de dissolução, e não a solu- bilidade em si, ou seja, para que aja a completa dissolução do soluto, ele precisa ser solúvel no solvente desejado. Essa técnica é usada, principalmente, para o preparo de soluções saturadas, nas quais se empregam grandes quantidades de soluto, o que torna difícil sua completa dissolução à temperatura ambiente. Os farmacêuticos são relutantes em utilizar o aquecimento para facilitar a dissolução e, quando necessário usar essa técnica, fazem cuidadosamente, para não exceder a temperatura mínima necessária para que ocorra a dissolução, uma vez que muitos fármacos são sensíveis ao calor e podem ser degradados, perdendo sua ação terapêutica. Na maioria dos casos é possível optar por outras formas de aumentar a velocidade da solubilidade de um composto, uma vez que, na manipulação, praticamente não se trabalha com soluções saturadas. Sendo assim, em vez de elevar a temperatura do solvente para aumentar a velocidade de dissolução, é possível reduzir o tamanho da partícula do soluto, o que pode ser realizado por meio da moagem de um sólido a um estado mais fino, com um gral e pistilo. Quanto mais fino for opó, maior a área de superfície que entra em contato com o solvente e mais rápido é o processo de dissolução. Outra opção, que também é usada para aumentar a velocidade da disso- lução, é colocar o pó em um frasco com uma porção do solvente e agitar, vigorosamente, por determinado período de tempo. Dessa maneira, quanto maior a agitação, maior a quantidade de solvente não saturado que entra em contato com o fármaco e mais rápida a formação da solução. 5Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas As soluções são preparações líquidas destinadas à administração oral, tópica, nasal, oftálmica ou até mesmo parenteral. Elas contêm uma ou mais substâncias ativas dissolvidas em água ou em um sistema solvente aquoso, e são, frequentemente, preparadas por meio da dissolução direta. As soluções orais podem conter adjuvantes para melhorar sua palatabilidade, estabilidade e/ou aparência. Exemplos de tais ingredientes incluem flavorizantes, edulcorantes ou corantes, agentes para aumentar a viscosidade, tampões, antioxidantes e conservantes. Como descrito anteriormente, os xaropes são soluções orais com elevadas concentrações de açúcares. Essas soluções podem conter outros polióis, como glicerina ou sorbitol, que previnem o cap-lock (fechamento da tampa) ao inibir a cristalização do açúcar na tampa e em áreas adjacentes do recipiente. Dependendo do poliol, esses aditivos também podem servir como agentes edulcorantes, conservantes, cossolventes e agentes para aumentar a viscosidade, melhorando a “impressão sensorial”. Na farmácia de manipulação, uma das formulações líquidas mais comuns de serem preparadas é o xarope. Em muitos casos, pacientes diabéticos optam por mandar manipular seus medicamentos, por terem a facilidade de obter um produto na forma desejada e livre de açúcares, como nos medicamentos de referência. Um exemplo de xarope manipulado citado por Thompson (2006) é o gliconato de potássio 10 mEq/15 mL em base de xarope sem açúcar ou álcool. Antes de iniciar qualquer preparação, o farmacêutico sempre deve fazer um levantamento de todos os componentes da fórmula, a fim de garantir sua solubilidade e estabilidade, como mostrado no Quadro 2. A solubilidade do gliconato de potássio na concentração prescrita deve ser verificada e alterada junto com o médico, caso seja necessário. Com relação à estabilidade química, o gliconato de potássio é muito estável; para o xarope isento de açúcar, um gel de metilcelulose 1.500 cps a 1% seria o veículo pre- ferido, mas esse produto não é compatível com o elevado teor de eletrólitos da solução de gliconato de potássio. Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas6 In gr ed ie nt e Q ua nt id ad e em pr eg ad a Es ta do fí si co So lu bi lid ad e Co m pa ra çã o da d os e Em pr eg o na pr es cr iç ão D ad a U su al G lic on at o de p ot ás sio 56 ,16 g Cr ist ai s b ra nc os 1 g/ 3 m L de á gu a, pr at ic am en te in so lú ve l e m á lc oo l 20 m Eq po r d ia 20 a 8 0 m Eq po r d ia Su pl em en to de p ot ás sio Fl av or iz an te s ab or u va 10 g ot as Lí qu id o cl ar o, in co lo r M isc ív el — — Fl av or iz an te Sa ca rin a só di ca 30 m g Pó b ra nc o Fa ci lm en te s ol úv el em á gu a, p ou co so lú ve l e m á lc oo l — — Ed ul co ra nt e So lu çã o es to qu e de p ar ab en o- pr op ile no gl ic ol 7,2 m L Lí qu id o cl ar o, in co lo r, le ve m en te v isc os o M isc ív el e m ág ua , á lc oo l 0, 18 % M P 0, 02 % P P 2% P G 0, 18 % M P 0, 02 % P P 2% P G Si st em a co ns er va nt e So lu çã o a 1% d e ca rb ox im et ilc el ul os e (C M C) s ód ic a vi sc os id ad e m éd ia Q sp 3 60 m L Lí qu id o cl ar o, in co lo r, vi sc os o M isc ív el e m ág ua , á lc oo l Ve íc ul o Ág ua p ur ifi ca da 17 0 m L Lí qu id o cl ar o, in co lo r — So lv en te , v eí cu lo M P: m et ilp ar ab en o; P P: p ro pi lp ar ab en o; P G : p ro pi le no gl ic ol Q ua dr o 2. E xe m pl o de le va nt am en to d e co m po ne nt es d as b as es lí qu id as 7Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas A carboximetilcelulose sódica (CMC) é mais estável em soluções concen- tradas de sais; assim, um gel de CMC de média viscosidade a 1%, flavorizado com concentrado de uva e edulcorado com sacarina sódica, foi o veículo selecionado. Os conservantes comuns para líquido oral, benzoato de sódio e sorbato de potássio, não são eficazes no pH básico (7,5) dessa solução. Nesse caso, o farmacêutico deve usar uma solução estoque de parabenos previamente preparada na farmácia, que contém 9% de metilparabeno e 1% de propilpara- beno em propilenoglicol. Em uma concentração de 2 mL de solução estoque por 100 mL de solução de preparação, ela fornece 0,18% de metilparabeno, 0,02% de propilparabeno e 2% de propilenoglicol. Para preparar a fórmula solicitada, o farmacêutico deve pesar os 56,16 g de gliconato de potássio e 30 mg de sacarina sódica e transferi-los para um béquer limpo de 400 mL. Então, deve adicionar 170 mL de água purificada e agitar para dissolver. Sob agitação, adicionar 120 a 150 mL de solução de CMC sódica a 1%, 7,2 mL de solução estoque de parabeno e 10 gotas de flavorizante concentrado de sabor uva (qualquer flavorizante solúvel em água é aceito). Usando um medidor de pH portátil, deve verificar e registrar o pH da solução, transferi-la do béquer para um frasco pré-calibrado de 360 mL e quantidade suficiente para fazer a marca de 360 mL com solução de CMC sódica a 1%. Então, deve fechar o frasco e agitar bem para misturar, rotular e liberar. Métodos de incorporação de princípios ativos: bases semissólidas Segundo a Farmacopeia Brasileira (BRASIL, 2019), pomadas, pastas, cremes, espumas e géis são formas farmacêuticas semissólidas destinadas à aplicação tópica. Uma propriedade comum para todas essas formas é sua capacidade de adesão à superfície, que foi aplicada por um tempo razoável, antes de ser removida por lavagem ou ação mecânica. Essa adesão é devida à capacidade dos semissólidos de manterem sua forma e aderirem como um filme, até a aplicação de uma força externa. As bases semissólidas podem ser aplicadas sobre a pele, na superfície dos olhos, ou utilizadas por via nasal, vaginal e retal. A aplicação de uma preparação tópica tem como objetivos a ação local — como em um produto dermatológico de ação tópica, que libera o fármaco na superfície da pele para o tratamento de alterações dérmicas — ou a absorção sistêmica — como nos produtos transdérmicos, que liberam o fármaco através da pele e o fármaco cai na corrente sanguínea, a fim de obter efeitos sistêmicos. Também existem Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas8 aquelas preparações não medicamentosas, que são utilizadas devido a seus efeitos físicos, como ação protetora ou lubrificante. Preparo de pomadas Para a manipulação das pomadas ou outras bases semissólidas, o farmacêu- tico deve conhecer a natureza dos componentes da formulação, e só depois empregar alguma técnica. Os métodos mais comuns usados nas farmácias são a incorporação direta de princípios ativos na base ou o processo de fusão, que utiliza calor para facilitar a solubilidade. Na técnica de incorporação, os componentes são misturados até a mistura ficar uniforme. Segundo Lachman, Lieberman e Kanig (2006), na manipu- lação, o farmacêutico pode misturar a base escolhida com o princípio ativo usando gral e pistilo. Com frequência, é desejável a redução do tamanho de partícula de um pó ou material cristalino antes de sua incorporação à base para pomada ou semissólidos em geral, para evitar que o produto final seja áspero.Isso pode ser obtido por levigação, que consiste na mistura do material sólido com um veículo no qual ele é insolúvel, para conseguir uma dispersão lisa. O agente de levigação (por exemplo, óleo mineral para bases com fase externa oleosa e glicerina para fase externa aquosa) deve apresentar compatibilidade física e química com o fármaco e a base. O volume do agente de levigação deve ser similar ao do material sólido. Um gral e um pistilo podem ser utilizados na levigação, permitindo a redução simultânea do tamanho da partícula e a dispersão da substância no veículo. Após a levigação, a dispersão é incorporada na base desejada (LOUYD et al., 2013). Além de utilizar o gral para fazer a incorporação, o farmacêutico, na farmá- cia de manipulação, pode triturar o princípio ativo na forma de pó e espatular a base em uma superfície dura até que o produto esteja liso e uniforme. Por exemplo, a base para pomada é colocada em uma extremidade da superfície de trabalho, e os componentes sólidos em outra; uma pequena porção do pó é misturada com uma porção da base até que seja obtida uma mistura homo- gênea, e isso é feito até todo o pó ter sido incorporado na base. Essa técnica requer paciência do manipulador, para garantir um produto final uniforme. 9Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas Durante a manipulação de semissólidos, também é necessário, em alguns casos, a incorporação de princípios ativos na forma líquida. Para que isso seja possível, o farmacêutico deve fazer um levantamento e garantir que a base escolhida conseguirá incorporar todo o líquido e manter suas características físico-químicas. Ele deve ter em mente que apenas uma quantidade muito pequena de solução aquosa pode ser incorporada em uma pomada hidrofóbica, enquanto uma pomada hidrofílica aceita mais facilmente soluções aquosas. A segunda técnica mais comum usada na manipulação de formas semis- sólida é a fusão, na qual todos os princípios ativos desejados são misturados à base e submetidos a aquecimento até seu ponto de fusão. Essa mistura é então mantida sob agitação constante até seu resfriamento e solidificação. O farmacêutico deve ficar atento à composição da fórmula; se algum composto for termolábil ou volátil, ele deve ser adicionado depois, quando a temperatura da mistura estiver baixa o suficiente para não degradar o composto. Substâncias podem ser adicionadas à mistura que está solidificando na forma de soluções ou de pós insolúveis, levigados com uma porção da base. Para a incorporação de um material pegajoso, como a cânfora, pode ser utilizada a pulverização por intervenção. O material é dissolvido em um solvente e espalhado sobre uma superfície lisa e impermeável. O solvente evapora, originando um filme do material, sobre o qual os outros componentes são espalhados. O material resultante é então incorporado aos componentes por espatulação. Na preparação de pomadas do tipo emulsão, o método de preparação envolve fusão e emulsificação, em que os componentes imiscíveis em água, como os óleos e as ceras, são fundidos em banho-maria até uma tempera- tura aproximada de 75 °C. Ao mesmo tempo, uma solução aquosa de todos os componentes termoestáveis e hidrossolúveis é aquecida a essa mesma temperatura; essa solução aquosa é então vertida lentamente, com agitação mecânica, sobre a mistura fundida dos componentes oleosos. A temperatura é mantida por 5 ou 10 minutos e, a seguir, inicia-se a etapa de resfriamento sob agitação lenta, até que a preparação solidifique. Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas10 As diferentes formas farmacêuticas semissólidas têm as funções de proteger a pele ou as mucosas contra produtos químicos ou físicos irritantes no ambiente e permitir o rejuvenescimento do tecido; promover a hidratação da pele devido a um efeito emoliente; e fornecer um veículo para aplicar um medicamento de efeito local ou sistêmico. Para fazer a manipulação de formas semissólidas em sua farmácia, o farmacêutico deve ter em mente alguns princípios gerais: para a incorporação de sólidos, estes devem estar no estado mais fino de sub- divisão possível, e devem ser solubilizados na base desejada, formando uma preparação homogênea. Para isso, agentes auxiliares, como agentes levigantes e solventes, podem ser adicionados durante a formação da fórmula desejada. As formulações que incluem líquidos requerem o uso de bases semissólidas que sejam capazes de absorvê-los. Ao adicionar um líquido não viscoso, como uma solução a uma base semissólida, o farmacêutico precisa apresentar uma boa técnica e ter cuidado durante a manipulação, uma vez que essas bases, mesmo as que aceitam maiores quantidades de líquidos, devem ser espatuladas com o líquido. Uma boa técnica usada pelos farmacêuticos farmacotécnicos é colocar a base em uma pedra ou vidro, criar uma depressão no meio da base e, cuidadosamente, verter o líquido nessa depressão em pequenas quantidades. O líquido então é espatulado com a base, até a mistura se tornar homogênea e na textura desejada. Um exemplo de preparação semissólida usa como veículo a aquabase e mistura hidrocortisona e ureia na sua formulação, como mostrado no Quadro 3. Para preparar a fórmula do exemplo, o farmacêutico deve pesar 6,6 g de ureia e medir 10 mL de água purificada em uma proveta de 10 mL. Deve então transferir ambos para um béquer e agitar até a ureia se dissolver. Com uma seringa de 3 mL, deve separar 1,32 mL de solução estoque de parabeno- -propilenoglicol (parabeno-PG) e adicionar à solução de ureia. Então pesar 47,372 g de aquabase e 0,66 g de hidrocortisona em pó, que deve ser colocada em uma pedra ou vidro e levigada com uma pequena quantidade de aquabase; só depois o resto de aquabase é incorporado. Em seguida, o farmacêutico deve formar um pequeno “poço” na hidro- cortisona-aquabase, como mencionado anteriormente, e acrescentar uma pequena quantidade de solução de ureia-parabeno. Usando uma espátula, o farmacêutico então incorpora, com cuidado, a solução de ureia na pomada, evitando a perda da solução, até obter uma pomada uniforme. 11Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas In gr ed ie nt e Q ua nt id ad e em pr eg ad a Es ta do fí si co So lu bi lid ad e Co m pa ra çã o da d os e Em pr eg o na pr es cr iç ão D ad a U su al H id ro co rt iso na 0, 66 g Pó b ra nc o M ui to s ol úv el em á gu a, 1 g /4 0 m L em á lc oo l 1, 0% 0, 25 a 2 ,5 % An ti- in fla m at ór io , an tip ru rig in os o So lu çã o es to qu e de pa ra be no -p ro pi le no gl ic ol 1, 32 m L (1 ,3 68 g ) Lí qu id o cl ar o, in co lo r M isc ív el e m ág ua , á lc oo l 0, 18 % M P 0, 02 % P P 2% P G 0, 18 % M P 0, 02 % P P 2% P G Co ns er va nt e U re ia 6, 6 g Pó b ra nc o cr ist al in o 1 g/ 1, 5 m L de á gu a, 10 m L de á lc oo l 10 % 5 a 30 % Le ve q ue ra to lít ic o, hi dr at a a pe le , re m ov e ca sp a Ág ua p ur ifi ca da 10 m L Lí qu id o cl ar o, in co lo r — — — So lv en te Aq ua ba se 47 ,3 72 g Se m iss ól id o tr an sp ar en te , br an co In so lú ve l e m ág ua , á lc oo l — — Ve íc ul o, e m ol ie nt e M P: m et ilp ar ab en o; P P: p ro pi lp ar ab en o; P G : p ro pi le no gl ic ol Q ua dr o 3. E xe m pl o de le va nt am en to d e co m po ne nt es d as b as es s em iss ól id as Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas12 Os géis, segundo Loyd, Popovich e Ansel (2013), são definidos como sistemas semissólidos constituídos por dispersões de pequenas partículas inorgânicas ou de grandes moléculas orgânicas interpenetradas por um líquido. Alguns géis são sistemas transparentes como a água e outros são turvos, vistoque os componentes podem não estar dispersos molecularmente de forma completa (solúvel ou insolúvel) ou então formam agregados que dispersam a luz. A concentração os agentes gelificantes é, na maioria das vezes, me- nor do que 10%, em geral, na faixa de 0,5 a 2,0%, com algumas exceções. Na preparação de géis, os polímeros em pó, quando adicionados à água, podem formar géis temporários, que reduzem a velocidade de dissolução. Visto que a água se difunde para dentro dos grumos, o seu exterior é, com frequência, constituído de partículas solvatadas que envolvem o pó seco. Os grumos do gel dissolvem-se muito lentamente devido à alta viscosidade e ao baixo coeficiente de difusão das macromoléculas. Os géis adquirem consistência semelhante às geleias pela adição de um agente gelificante. Os agentes gelificantes usados incluem as macromoléculas sintéticas, como o carbômero 934; os derivados de celulose, como a carboximetilcelulose ou a hidroxipropilmetilcelulose; e as gomas naturais, como a goma adragante. Além do agente gelificante e da água, as formulações de géis podem conter fármacos; solventes, como álcool e/ou propilenoglicol; conservantes antimicrobianos, como metil e propilparabeno ou gluconato de clorexidina; e estabilizantes, como o ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) sódico. Géis medicamentosos podem ser preparados para administração por diversas vias, incluindo percutânea, ocular, nasal, vaginal e retal (THOMPSON, 2006). Apesar de serem formas semissólidas, os géis também podem ser admi- nistrados como fármacos de uso interno com ação antiácida. São citados por Loyd, Popovich e Ansel (2013), como exemplos, os casos dos géis de fosfato de alumínio e de hidróxido de alumínio. O gel de hidróxido de alumínio é uma suspensão aquosa de um precipitado gelatinoso constituído de hidróxido de alumínio e óxido de alumínio hidratado. A fase dispersa do gel é, geralmente, preparada por meio de reação química, usando vários reagentes. Geralmente, a fonte de alumínio da reação é o cloreto de alumínio, que fornece o precipitado de hidróxido e óxido de alumínio. 13Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas A adição de óleo de hortelã, glicerina, sorbitol, sacarose, sacarina ou outros flavorizantes e edulcorantes, assim como de conservantes antimicrobianos, é permitida nessa preparação. Essa preparação antiácida é uma suspensão branca e viscosa. Ela é eficaz na neutralização de uma porção do ácido clorídrico gástrico e, em razão de sua característica viscosa e gelatinosa, reveste a superfície gástrica inflamada e talvez ulcerada, sendo útil no tratamento de hiperacidez e úlceras pépticas. Acompanhe no Quadro 4 alguns exemplos de géis tópicos. Fonte: Adaptado de Loyd, Popovich e Ansel (2013). Princípio ativo Nome comercial Gelificantes Via de administração e usos Ácido hialurônico Hyalufen Carbopol® Synthalen® Hidroxietilcelulose (HEC) Natrosol® Cellosize® Vaginal: ressecamento vaginal Peroxido de benzoila Asepxia Tópico: tratamento de acne Metronidazol Rozex Vaginal: vaginose bacteriana Clindamicina Clindoxicil Tópico: tratamento de acne Tretinoina Vitacid Tópico: tratamento de acne Proprionato de clobetasol Psorex Tópico: anti-inflamatório, tratamento de eczema e psoríase Quadro 4. Exemplos de géis tópicos Pontos críticos do processo de incorporação Sabendo que cada substância química apresenta uma solubilidade única, a seleção do veículo de dissolução ideal é baseada em características adicionais, como transparência, baixa toxicidade, viscosidade, compatibilidade com outros componentes da formulação, inércia química, palatabilidade (no caso das soluções), odor, cor e baixo custo. Levando-se essas características em Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas14 consideração, alguns cuidados devem ser tomados na hora de manipular e incorporar as substâncias escolhidas, para garantir a estabilidade do produto final. Vejamos alguns dos cuidados que o farmacêutico deve ter na hora de fazer a incorporação. Segundo Thompson (2006), a maioria das soluções utilizadas para admi- nistração oral contém flavorizantes, corantes, estabilizantes e conservantes, sendo necessário tomar cuidado com as interações que esses compostos podem sofrer uns com outros. Por exemplo, ésteres do ácido de p-hidroxibenzoico (butilparabenos) são conservantes frequentemente usados em preparações orais, que apresentam sua ação diminuída na presença de alguns óleos es- senciais. Isso acaba reduzindo a concentração efetiva dos conservantes no meio aquoso, ficando o produto farmacêutico com o nível de conservantes abaixo do necessário. Qualquer substância ativa solúvel em água e estável em meio aquoso pode ser adicionada a um xarope com flavorizantes sintéticos ou naturais, como os óleos voláteis (óleo de laranja) e a vanilina, para tornar o gosto mais agradável. Esses flavorizantes devem ser, em sua grande maioria, solúveis em água. Quando algum flavorizante é pouco solúvel em agua, uma pequena quantidade de etanol é adicionada à solução, para facilitar sua dissolução. Um corante cuja cor seja correlacionada ao sabor do flavorizante (por exemplo, verde com hortelã, marrom com chocolate), pode ser empregado para aumentar o apelo da solução. Esse corante deve ser solúvel em água, não deve reagir com os outros componentes da formulação e deve ser estável frente à variação do pH e às condições de intensidade luminosa às quais a formulação, provavelmente, será exposta durante o armazenamento. No caso das bases semissólidas, conforme Loyd, Popovich e Ansel (2013), o farmacêutico pode incorporar fármacos sólidos na forma de pós ou líquidos. Quando é necessário o acréscimo de uma solução aquosa em uma base hidro- fóbica, a solução pode antes ser incorporada em uma quantidade mínima de uma base hidrofílica e, a seguir, a mistura é adicionada à base hidrofóbica. Entretanto, todas as bases, mesmo as hidrofílicas, apresentam limites na capacidade de retenção de líquidos; se os níveis acrescentados excederem esses limites, ocorrem bases moles ou semilíquidas. Também é importante observar os princípios ativos que precisam de fusão para se incorporar à base selecionada. De forma geral, os materiais de maior ponto de fusão são aquecidos até atingirem a temperatura mínima requerida para ocorrer a fusão, e os demais materiais (com menor ponto de fusão) são adicionados durante o resfriamento, sob agitação constante. Dessa forma, 15Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas nenhum componente é submetido a temperaturas mais elevadas do que a necessária. Como método alternativo, Lachman, Lieberman e Kanig (2006) mostra que pode-se fundir, inicialmente, o componente com o menor ponto de fusão e acrescentar os componentes remanescentes em ordem crescente de ponto de fusão, ou ainda fundir todos os componentes juntos, aumentando a temperatura de modo muito lento. Nesses métodos, uma temperatura mais baixa em geral é suficiente para obter a fusão, devido à ação solvente exercida pelo primeiro componente fundido sobre os demais. Farmacêuticos estão atentos ao fato de que, determinadas substâncias químicas, particularmente sais de cálcio, dissolvem-se em processos exotérmicos, liberando calor. Para tais materiais, o uso de calor prejudicaria a obtenção de uma solução. O melhor exemplo farmacêutico desse tipo de substância química é o hidróxido de cálcio, que é usado na preparação da solução tópica de hidróxido de cálcio USP. O hidróxido de cálcio é solúvel em água sob uma proporção de 140 mg por 100 mL a 2,5 °C e 170 mg por 100 mL a 15 °C. Obviamente, a temperatura na qual a solução é preparada ou armazenada afeta sua concentração na solução resultante (LOYD; POPOVICH; ANSEL, 2013). BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Farmacopeia brasileira. 6. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2019. v. 1 e 2. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/farmacopeia-brasileira. Acesso em: 11 out. 2019. LACHMAN, L.; LIEBERMAN, H. A.; KANIG, J. L. Teoria e prática na indústria farmacêutica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006. v. 7. LOYD, V. A.; POPOVICH, N. G.; ANSEL, H. C. Formas farmacêuticas e sistemas de liberação de fármacos. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. THOMPSON, J. E. A prática farmacêutica na manipulação de medicamentos. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas16 Leituras recomendadas AZEVEDO, M. G. B.; FALCÃO, J. de S. A. Microemulsão de cetoconazol para incorpo- ração em xampu. GEINTEC, v. 8, n. 1, p. 4271−4270, 2018. Disponível em: http://www. revistageintec.net/index.php/revista/article/view/901/852. Acesso em: 11 out. 2019. CONRADO, M. F. L.; CORDEIRO, P. C. C.; CORDEIRO, P. P. M. Gestão farmacotécnica magistral. São Paulo: Basse, 2009. v. 1–3. PERES, L. P. A.; DIAS, I. L. T. Desenvolvimento e avaliação de formulações em gel para veiculação de ácido salicílico. Revista Multidisciplinar da Saúde, v.3, n. 5, 26−36, 2011. Disponível em: https://revistas.anchieta.br/index.php/RevistaMultiSaude/article/ view/924/813. Acesso em: 11 out. 2019. SILVA, C. R. C. Desenvolvimento farmacotécnico de loção hidratante a base de Aloe Vera L., para prevenção de dermatite atópica. 2017. Monografia (Graduação em Farmácia) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Alto do São Francisco, Luz, 2017. Disponível em: http:// dspace.fasf.edu.br/bitstream/handle/123456789/16/Chayene%20R%c3%babia%20 Costa%20Silva%20%202017%20%20FA23.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 11 out. 2019. SINGH, M. V. et al. Desenvolvimento farmacotécnico e avaliação da estabilidade de gel com extrato aquoso de camomila para uso bucal. Revista Brasileira de Farmácia, v. 89, n. 2, p. 138−142, 2008. Disponível em: http://rbfarma.org.br/files/pag_134a138_desen- volvimenteo_farmacotecnico.pdf. Acesso em: 11 out. 2019. 17Incorporação de princípios ativos em formulações líquidas e semissólidas
Compartilhar