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ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO PÚBLICA, POLÍTICA, JURÍDICA E DE SEGURANÇA - ESGPPJ 1 História Moderna das Relações Internacionais Profa. Ana Paula Lopes Aula 1 ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO PÚBLICA, POLÍTICA, JURÍDICA E DE SEGURANÇA - ESGPPJ 2 Conversa Inicial Olá, caro aluno! Diariamente, você deve se deparar com algumas notícias sobre a atual conjuntura internacional, na maioria das vezes relacionadas a decisões que representantes de Estados, em conjunto ou não, tomam em relação a assuntos de interesse global ou até mesmo em relação a outros Estados, seja sobre conflitos, causas ambientais ou sobre o comércio internacional. Não é segredo que os Estados têm papel fundamental no desenvolvimento do comércio e na manutenção de paz entre os povos. Devemos lembrar que isso não é um fenômeno recente – vem desde a Idade Moderna, quando os Estados passaram a ser os principais agentes das Relações Internacionais. Nesta aula, falaremos sobre o surgimento do Estado moderno como agente das Relações Internacionais a partir do século XV, tendo como objetivo conhecer e compreender os principais eventos que contribuíram para esse acontecimento. Para tanto, iremos explorar o fim da Idade Média, como se deu a consolidação do Estado moderno e o papel da Guerra de Trinta Anos e da Paz de Vestfália. Tema 1: Fim da Idade Média e o surgimento do Estado O fim da Idade Média ocorreu após o século X, período conhecido como Baixa Idade Média, quando o sistema feudal e o senhorial do período entraram, pouco a pouco, em uma crise. O antigo sistema foi dando lugar ao ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO PÚBLICA, POLÍTICA, JURÍDICA E DE SEGURANÇA - ESGPPJ 3 desenvolvimento e ao enriquecimento econômico, social e cultural dos novos centros urbanos. Os fatores que levaram ao fim da Idade Média são muitos e estão interligados entre si. A crise do feudalismo marcou a Baixa Idade Média (séc. XI ao XV). Abaixo listamos os principais fatores que desencadearam o fim deste período: Liberação das rotas comerciais: com a liberação das rotas comerciais para o Oriente, houve crescimento do comércio e dos centros urbanos, que cada vez atraíam mais pessoas. Surgimento de novos centros urbanos: cidades, vilas e feudos bem posicionados, como em rotas comerciais, pouco a pouco passaram a receber camponeses e outros viajantes que se libertavam dos laços feudais. Enriquecimento das cidades e surgimento da classe burguesa: quando as cidades começaram a se formar e crescer, o comércio também cresceu e tornou-se uma das principais atividades econômicas do período, a burguesia ganhava cada vez mais espaço transformando-se gradualmente na classe governante. Fragmentação política: ampliou as relações de diversos grupos regionais em busca de defesas comuns às ameaças externas. Desenvolvimento comercial e nova estrutura político-econômica: com o aumento da produção nos campos, os camponeses começaram a praticar o escambo. Essa prática fez as moedas começarem a ser inseridas ao final da Baixa Idade Média, sendo controladas pelos governantes locais. Peste negra: em meados de 1347, a Europa foi devastada pela peste negra que afetou diretamente a economia do período. A transição da Idade Média para Idade Moderna foi marcada pela transformação política, cultural, social e econômica. O mercado aos poucos ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO PÚBLICA, POLÍTICA, JURÍDICA E DE SEGURANÇA - ESGPPJ 4 tornou-se uma atividade substituta à produção agrícola feudal, trazendo a liberdade de enriquecimento por meio do comércio. Nesse momento, o sistema feudal passou a ser substituído pelo sistema capitalista em sua primeira fase moderna: o mercantilismo. Conflitos e disputas redesenharam o mapa europeu e deram vida a um novo ator: o Estado. Em 1648, as bases de compreensão do que seriam os Estados foram tratadas na Paz de Vestfália, marcando o início da Idade Moderna para as relações de poder em um cenário interestatal. Todavia, para compreender esse acordo, é preciso, primeiramente, expor o processo que culminou com sua realização: a Guerra dos Trinta Anos. Tema 2: Guerra de Trinta anos A Guerra de Trinta Anos (1618-1648) foi um conjunto de conflitos na Europa que teve início a partir de 1618, especialmente nos territórios da atual Alemanha, com o conflito entre o Sacro Império Romano-Germânico, dominado pela casa (dinastia) dos Habsburgos e várias cidades e principados alemães de religião protestante, os quais contavam com apoio da Suécia, dos Países Baixos e, posteriormente, da França católica, que mantinha antigas rivalidades com os Habsburgos. A liberdade de culto dos monarcas foi abalada com o surgimento de uma nova vertente religiosa protestante: o calvinismo, que rapidamente conquistou novos governantes. Como forma de conter a expansão da nova religião, os Habsburgos, como defensores do catolicismo, uniram-se contra os Estados reformistas da região, enquanto a França e outros Estados que haviam adotado ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO PÚBLICA, POLÍTICA, JURÍDICA E DE SEGURANÇA - ESGPPJ 5 vertentes protestantes do cristianismo – especialmente ao norte europeu – realizaram uma mobilização de coalizão contra as investidas dos Habsburgos. O início da guerra em si teve como marco a Revolta da Boêmia. O cenário que se sucedeu na Europa a partir de então foi de crises políticas intraestatais e interestatais recortadas entre dois grupos: os apoiadores do Sacro Império Romano-Germânico, católico e dominado pela dinastia dos Habsburgos e os monarcas alemães protestantes, que receberam apoio de potências como a Suécia, os Países Baixos e também da França – nação que se mantinha como católica, porém, temerosa aos interesses territoriais dos vizinhos Habsburgos (KENNEDY, 1989). A Guerra dos Trinta Anos dividiu-se, então, em quatro períodos: Período Palatino- Boêmio Período Dinamarquês Período Sueco Período Francês (1618-1624) (1624-1629) (1630-1635) (1635-1648) Para as relações internacionais, a Guerra dos Trinta Anos é importante por ser a responsável pela configuração da Europa em termos geográficos e políticos, além de ser o evento que marca o desenvolvimento da diplomacia a partir das negociações de paz. Tema 3 Paz de Vestfália ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO PÚBLICA, POLÍTICA, JURÍDICA E DE SEGURANÇA - ESGPPJ 6 Em 1648 foi firmada uma série de tratados que encerraram a Guerra dos Trinta Anos, episódio que ficou conhecido como Paz de Vestfália. A Paz de Vestália compreende os seguintes tratados: Tratado Hispano-Holandês: assinado em 30 de janeiro de 1648, pôs fim à Guerra dos Oitenta Anos. Tratado de Vestfália: assinado em 24 de outrubo de 1648, pôs fim ao conflito entre França e Suécia contra o Sacro Império Romano- Germânico. Tratado de Pirineus: assinado em 1659, pôs fim a guerra entre a França e a Espanha. A importância desse evento para as relações internacionais se dá pelo fato de terem inaugurado a diplomacia moderna e o moderno sistema internacional ao acatar consensualmente princípios e noções como o de Estado- Nação, soberania territorial, não-interferência na política interna de terceiros Estados e tolerância entre unidades políticas dotadas de direitos iguais (PHILPOTT, 1999). Foi a partir destes acordos que surgiu o que viria a ser noção de equilíbrio de poder entre os Estados, da qual a paz duradoura viria. De um modo geral, a Paz de Vestfália permitiu a constituição do que viria a ser chamada “sociedade internacional”, com normas firmadas entre os Estados modernos, detentores de poder e autoridades. O sistema de Estados passa ter uma estrutura anárquica, tendo o Estado como principal agente. Com essa nova configuração do sistema de Estados a soberania foi uma das principais conquistas, garantindo aindependência política e integridade territorial, sem a interferência externa. Esse evento é um marco na transição da Idade Média para a Idade Moderna, ainda que não tenha sido instantânea, tais tratados definiram a nova estrutura internacional. Porém, devemos lembrar que a Paz de Vestfália não trouxe uma ruptura total em relação ao período anterior à Guerra dos Trinta ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO PÚBLICA, POLÍTICA, JURÍDICA E DE SEGURANÇA - ESGPPJ 7 Anos, tampouco trouxe a paz duradoura. Assim, a Paz de Vestfália ainda manteve uma importante caracteristica das relações internacionais: a busca pelos seus interesses (OSIANDER, 2001, p. 260-268; KRASNER, 1993, 1996). Tema 4: Consolidação do Estado Moderno O surgimento do Estado moderno e de suas relações de poder ocorreu em um cenário externo que, mais tarde, daria origem às relações internacionais tais como as conhecemos atualmente. O Estado soberano ainda não havia criado as relações internacionais que se fizeram presentes nos últimos séculos, mas, sim, um ambiente anárquico e de disputas de interesses e poder, disputas que quase sempre tratavam suas populações como peças em um tabuleiro. As guerras na Idade Moderna fizeram parte do próprio estabelecimento do Estado. Enquanto durante a Idade Média as forças dos feudos e suas coalizões eram em defesa da sobrevivência local, na Idade Moderna as guerras ocorriam tanto pela defesa contra invasões estrangeiras (como às árabes e mulçumanas), mas também para conquistar recursos e, sobretudo, demonstrar poder. Nos séculos XVII e XVIII, por exemplo, teve início o uso de um exército permanente nos Estados, que se institucionalizou como a força do governo, ao passo que a diplomacia institucionalizava como deveriam ser as estratégias para evitar os custos dessa força. A força bélica se tornara um dos principais símbolos culturais desses Estados que mediam sua saúde – desenvolvimento – por meio das guerras. Para as relações internacionais, foi na Idade Moderna que muitas raízes dos estudos de memória política se estabeleceram. O surgimento do Estado moderno absolutista na Europa foi marcado por conflitos internos, sobretudo, por ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO PÚBLICA, POLÍTICA, JURÍDICA E DE SEGURANÇA - ESGPPJ 8 membros coligados. Invasões, saques e outras formas de violência – que antes eram temidas pela ação dos povos bárbaros nos feudos – passaram a ser táticas de guerra entre os novos governantes. Segundo o autor Paul Kennedy (1989), o poder na Europa dividiu-se em poucas coroas, e nesse início da Idade Moderna elas tiveram um novo campo de batalha: a diplomacia. Portanto, no período moderno, o Estado surgiu para promover a segurança e financiar os interesses dos grupos no poder em coordenar políticas internas e, sobretudo, externas, como em busca de recursos e domínio sobre rotas comerciais com baixa ou nenhuma participação de suas populações no poder. Na Prática Apesar de a aula tratar dos séculos XV ao XVIII, podemos trazer para a atualidade a discussão sobre o papel do Estado nas Relações Internacionais. Na atual conjuntura internacional, o Estado, como ator unitário, não tem mais o mesmo poder que tinha há séculos atrás, sendo necessária a formação de coalizações e a criação de instituições internacionais para que demandas sejam atendidas. Sugiro que você se coloque como membro do corpo diplomático de um país presente em uma conferência internacional sobre paz. Você deve propor sugestões para a implementação de novas diretrizes para o estabelecimento da paz e termino de conflitos internacionais, levando em conta as necessidades do seu país e da sociedade internacional. Como qualquer demanda deve partir de uma boa análise, uma ação assim deve estar adequada aos critérios de soberania e não-intervenção existentes. ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO PÚBLICA, POLÍTICA, JURÍDICA E DE SEGURANÇA - ESGPPJ 9 Síntese Esta aula tratou da transição do período feudal para a Idade Moderna, focando no surgimento do Estado moderno na Europa, por ter sido onde se organizou uma estrutura de unidades políticas que elevou a jogos complexos as relações políticas e comerciais, transformando o continente em um palco de conflitos que redesenharam a Europa. Trouxemos o fim da Idade Média no início para mostrar que aquele sistema já não dava conta das demandas políticas, sociais e econômicas do período que, por meio de uma série de fatores, se esgotou, dando início a uma nova configuração: o Estado moderno. O Estado e seu papel nas relações internacionais é tratado a partir de dois acontecimentos importantes: Guerra dos Trinta Anos e Paz de Vestfália. Ambos eventos marcaram a consolidação do Estado e de seu papel como agente das relações internacionais. Nesta aula buscamos compreender um pouco mais da história da Europa e sua relação com os acontecimentos que fizeram do Estado a principal unidade política a iniciar as construções de relações internacionais em um nível global, além da ampliação do uso da diplomacia e da guerra como as duas principais formas de materializar os interesses do Estado moderno. Ressalta-se aqui o sistema de tratados que viria a dar origem aos protocolos, regimes e outras bases institucionais das relações internacionais contemporâneas. Como exemplo, podemos mencionar o conjunto de tratados da Paz de Vestfália, após a Guerra dos Trinta Anos, um marco do novo cenário político em construção e do reconhecimento do Estado como unidade política semelhante e autônoma diante de assuntos estrangeiros. ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO PÚBLICA, POLÍTICA, JURÍDICA E DE SEGURANÇA - ESGPPJ 10 Referências KENNEDY, P. Ascensão e queda das grandes potências. Rio de Janeiro: Elsevier, 1989. KRASNER, S.D. Westphalia and all that. In: GOLDSTEIN, J.; KEOHANE, R. (Eds.) Ideas and foreign policy: beliefs, institutions and political change. Ithaca, Londres: Cornell University Press, 1993. MAQUIAVEL, N. O príncipe. Editora Companhia das Letras, 2010. OSIANDER, A. Sovereignty, International Relations, and the Westphalian myth. International Organization, v. 55, n. 2, p. 251-287, primavera 2001. PERRY, M. Civilização ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. PHILPOTT, D. Westphalia, authority, and international society. Political Studies, v. XLVII, n. 3, p. 566-589, 1999. TILLY, C. Coerção, capital e Estados europeus. São Paulo: EDUSP, 1996.
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