Buscar

Introdução aos títulos de crédito

Prévia do material em texto

INTRODUÇÃO AOS TÍTULOS DE CRÉDITO 
 
1. Introdução: 
 
De maneira geral, podemos dizer que os títulos de crédito servem para 
possibilitar circulação de bens e riquezas de forma rápida, prática e segura. 
Recapitulando um contexto histórico, durante muito tempo, a produção de bens era 
baseada numa economia escravocrata, tal como na Grécia e na Roma antiga. Por 
isso, não era necessário o desenvolvimento de uma forma fácil e segura de circulação 
de riqueza porque o comércio entre os povos ainda era bastante primitivo. 
Após a queda do Império Romano em 476 d.C., a Europa foi dividida em 
feudos, dando início a um período histórico chamado de feudalismo, que vai perdurar 
durante toda a idade média. Nesse período a produção de bens era realizada dentro 
dos próprios feudos, baseada no sistema de servidão, de modo que cada feudo tinha 
a sua própria moeda. Isso dificultava muito o comércio em longas distâncias, porque 
os mercadores tinham que carregar grandes volumes de moedas, o que era pouco 
prático e muito inseguro. 
Assim, já no final da idade média e início da idade moderna surgiu na Itália 
um título de crédito chamado Letra de Câmbio, cuja função era permitir que um 
comerciante fizesse um depósito em moeda local no momento da sua partida e 
resgatasse, quando da sua chegada, o mesmo valor em moeda do local de destino. 
Esse período ficou conhecido como “período italiano”, que perdurou até por volta de 
1670. 
Em 1673 começa o chamado período francês, no qual os títulos de crédito se 
desenvolveram com o surgimento da chamada “cláusula à ordem” e do endosso, que 
permitem a circulação do título no mercado mediante a transferência do crédito de 
um titular a outro, sem a necessidade de autorização do devedor. 
Posteriormente veio o chamado “período alemão” (de 1848 a 1930), no qual 
foi editada a Ordenação Geral do Direito Cambiário, que foi uma espécie de código 
contendo várias normas especiais sobre a letra de câmbio. Nesse período o título de 
crédito ganhou muitas das características atuais, sendo a principal delas a sua 
suficiência como instrumento de garantia de um direito de crédito. Assim, bastava ao 
portador do título apresentá-lo ao devedor para ver satisfeito o seu crédito. Isso 
significa que o crédito representado no título ganhou independência frente a relação 
jurídica que lhe deu origem (princípio da autonomia). 
Por fim, após 1930 se iniciou a última fase da evolução histórica dos títulos de 
crédito, que é o chamado “período uniforme”. Nesse período foram firmados vários 
tratados internacionais sobre títulos de crédito, visando facilitar o comércio 
internacional, sendo o mais conhecido a Lei Uniforme de Genebra (LUG). Essa LUG 
trata basicamente da letra de câmbio e da nota promissória, mas serve de base para 
muitos dos princípios e características que vamos estudar mais adiante, e que são 
aplicáveis a todos os títulos de crédito. 
 
2. Conceito de título de crédito: 
 
Em geral, podemos conceituar título de crédito como “documento 
necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido” (art. 887, primeira 
 
 
parte, do CC1). Desde já, vale observar que o título de crédito é um documento 
formal, que precisa atender a todos os requisitos legais para que seja válido e produza 
efeitos (art. 887, parte final, do CC). E o fato de o título de crédito ser um “documento” 
significa que ele é prova de algum fato importante para o direito (art. 212, II, do CC2). 
No caso dos títulos de crédito, ele faz prova de uma relação jurídica muito 
específica, que é a relação de crédito cambiário. Em outras palavras, o título de 
crédito é prova de que uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas (devedores) 
assumiram uma obrigação de dar dinheiro (em regra) em favor de outra ou outras 
pessoas físicas ou jurídicas (credores). E aqui já vale uma observação importante. A 
obrigação contida no título é uma obrigação quesível (quérable)3, o que significa que 
cabe ao credor apresentar o título na praça de domicílio do devedor para receber o 
pagamento. Inclusive, é por conta disso que existe o “protesto”, que é a forma de o 
credor comprovar publicamente que apresentou o título ao devedor, mas este não 
efetuou o pagamento quando deveria (art. 1º da Lei 9.492/974). 
Tudo isso é extremamente importante, porque por ser uma prova de uma 
relação jurídica, em regra os títulos de crédito são definidos como título executivo 
extrajudicial (Art. 784, I, do CPC5). Logo, se ocorrer o inadimplemento do devedor, o 
credor poderá iniciar diretamente a execução judicial do título, com o emprego de 
medidas coercitivas, tal como a penhora de bens (art. 786 do CPC6). Isso é um ganho 
em termos de celeridade, pois não é necessário o ajuizamento de ação de cobrança 
(processo de conhecimento). 
Além disso, o título de crédito é considerado um bem móvel (art. 82 do CC7), 
e por isso é um título circulável, isto é, de fácil negociação. Já vimos que o 
nascimento dos títulos de crédito tem muito a ver com a necessidade de permitir a 
circulação de moeda. Por isso é que os títulos de crédito possuem um regramento 
jurídico que facilita a negociação e transmissão do direito nele representado. Assim, 
o titular do crédito pode transferir o direito a um terceiro em troca de um adiantamento 
do valor do título, por exemplo. 
 
3. Princípios e características dos títulos de crédito: 
 
O conceito que abordamos diz que o documento é ainda necessário ao 
exercício do direito literal e autônomo nele contido. É desse conceito que se extraem 
os princípios básicos do direito cambiário (cartularidade, literalidade e autonomia). 
Vamos ver cada um individualmente: 
 
1 Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele 
contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei. 
2 Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante: 
[...] II – documento. 
3 A obrigação quesível é o contrário da obrigação portável (portable), na qual o dever de pagar é 
automático, cabendo ao devedor procurar o credor para se desonerar da obrigação. Um exemplo de 
obrigação portável é a dívida de condomínio. 
4 Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de 
obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. 
5 Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais: I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a 
debênture e o cheque. 
6 Art. 786. A execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e 
exigível consubstanciada em título executivo. 
7 Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem 
alteração da substância ou da destinação econômico-social. 
 
 
 
a) Princípio da cartularidade: o nome “cartularidade” vem de “cártula”, que significa 
título de crédito. De acordo com esse princípio, para que seja possível o exercício 
do direito contido no título de crédito, é necessário que o credor esteja na posse 
legítima do título. Em outras palavras, a posse do título original é fundamental para 
a comprovação da existência do direito nele representado. Não existe direito de 
crédito sem o título. Por isso é comum dizermos que os títulos de crédito são 
títulos de apresentação, o que traz algumas consequências importantíssimas: 1) 
não é possível exigir o pagamento da obrigação cambial sem a apresentação do 
título original; 2) também não é possível protestar ou executar o título sem a sua 
apresentação (arts. 7838 e 7989, I, “a”, do CPC); 3) a transferência do crédito a 
terceiros exige a transferência da posse do título pela tradição (arts. 90410 e 910, 
§2º,11 do CC), sendo que transferido o título são também transferidos todos os 
direitos nele representados, como se o direito se “incorporasse” ao próprio 
documento. Assim, ao se transferir o documento, o direito sobre ele vai junto, 
dispensando a realização de contrato de cessão de direitos,notificação do 
devedor, registro em cartório etc. (art. 893 do CPC12); 4) a posse do título pelo 
devedor gera presunção relativa do seu pagamento ao credor (art. 901, parágrafo 
único, do CC13). 
b) Princípio da literalidade: o princípio da literalidade tem a ver com a cartularidade, 
pois significa que o título de crédito vale pelo que nele está escrito. Em outras 
palavras, somente aquilo que está escrito no título é que poderá ser exigido do 
devedor (nem mais, nem menos). Da mesma forma, os atos de transferência e de 
garantia do crédito (ex. endosso e aval) também devem ser anotados diretamente 
no título, sob pena de invalidade. O mesmo raciocínio vale para eventual quitação 
parcial do título, que deve ser anotada no próprio título, sob pena de não liberar o 
devedor daquela parcela já paga da obrigação. 
c) Princípio da autonomia (art. 888 do CC14): pelo princípio da autonomia, o título de 
crédito constitui um direito novo, originário da própria relação cambial, e que é 
autônomo e desvinculado da relação jurídica que deu origem ao título. Dessa 
forma, as relações jurídicas documentadas no título de crédito são completamente 
independentes entre si, de modo que se houver um vício em uma delas, esse vício 
não invalida demais relações jurídicas. Assim, se o título circular e for transferido 
a uma terceira pessoa, por meio de um endosso, por exemplo, esse terceiro poderá 
cobrar o título do devedor original que o emitiu, independentemente do que 
aconteceu no negócio jurídico que deu causa à emissão do título (a chamada 
“relação causal”). Isso traz muito mais facilidade para a circulação do título, porque 
dá mais segurança e certeza de recebimento ao adquirente, que não precisa ficar 
 
8 Art. 783. A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, 
líquida e exigível. 
9 Art. 798. Ao propor a execução, incumbe ao exequente: I - instruir a petição inicial com: a) o título 
executivo extrajudicial. 
10 Art. 904. A transferência de título ao portador se faz por simples tradição. 
11 Art. 910. [...]. § 2º A transferência por endosso completa-se com a tradição do título. 
12 Art. 893. A transferência do título de crédito implica a de todos os direitos que lhe são inerentes. 
13 Art. 901. [...]. Parágrafo único. Pagando, pode o devedor exigir do credor, além da entrega do título, 
quitação regular. 
14 Art. 888. A omissão de qualquer requisito legal, que tire ao escrito a sua validade como título de 
crédito, não implica a invalidade do negócio jurídico que lhe deu origem. 
 
 
investigando todas as relações jurídicas anteriores. É como se a transferência do 
título produzisse um efeito sanador, dando origem a um direito completamente 
autônomo. O contrário também é verdadeiro, isto é, se faltar algum requisito legal 
que invalide o título de crédito, isso não acarreta a invalidade do negócio jurídico 
que originou o título, justamente por conta da autonomia (art. 888 do CC). O 
princípio da autonomia costuma ser subdividido em dois subprincípios: 
1) abstração: significa que o título de crédito tem uma ligação meramente 
abstrata com o negócio jurídico que lhe deu origem, pois é autônomo em 
relação a este; 
2) inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé (art. 25 da Lei 
7.357/8515): é um aspecto mais processual do princípio da autonomia, e 
significa que se o devedor possui alguma defesa para não pagar o título contra 
o devedor, essa defesa não pode ser utilizada contra terceiros que tenham 
adquirido o título do credor original de boa-fé. Por exemplo, imagina que eu 
comprei um computador de alguém por 1.000,00 e paguei com um cheque. O 
vendedor, que agora passou a ser credor do título, transferiu esse título para 
um terceiro de boa-fé, por meio de um endosso. Só que passado o prazo de 
entrega, o vendedor não me entregou o computador. Logo, eu teria um bom 
argumento de defesa para não pagar os 1000,00, que é a chamada “exceção 
do contrato não cumprido” (art. 476 do CC16). Porém, como o título foi 
transferido a um terceiro de boa-fé, eu que sou o devedor do título não posso 
utilizar essa defesa contra o terceiro. Só contra o credor original. Por isso eu 
sou obrigado a pagar o título 
Obs.: Muito embora os títulos de crédito observem o princípio da autonomia, é 
preciso ressaltar que em regra a obrigação contida no título é uma obrigação pro 
solvendo (que dizer “para pagamento”), o que significa que a simples emissão do 
título não quita o negócio jurídico causal que o originou. Por exemplo, se estou 
devendo 1000,00 de mensalidade para a faculdade e pago por meio de um 
cheque, isso não significa que a simples entrega do título já quita a obrigação 
original (a mensalidade), pois isso vai depender de que o cheque tenha fundos. 
Assim, somente o pagamento do título extinguirá a relação causal que lhe deu 
origem. Entretanto, por acordo entre as partes, pode ser que o título seja emitido 
como obrigação por soluto, na qual a entrega do título quita a obrigação anterior 
que lhe deu origem. 
 
 
QUADRO RESUMO 
 
CONCEITO PRINCÍPIOS CARACTERÍSTICAS 
Documento 
necessário ao 
exercício do 
• Cartularidade 
• Literalidade 
• Documento formal 
 
15 Art. 25 Quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador 
exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se 
o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor. 
16 Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, 
pode exigir o implemento da do outro. 
 
 
direito literal e 
autônomo nele 
contido” (art. 887, 
primeira parte, do 
CC) 
• Autonomia • Título executivo 
extrajudicial 
• Bem móvel 
• Título de 
apresentação 
• Obrigação 
quesível 
• Obrigação pro 
solvendo 
 
3. Classificação dos títulos de crédito: 
 
a) Quanto à circulação do título: ao portador x nominativo 
 
O título ao portador é aquele em que não há a identificação expressa do 
credor. Por isso, será presumido credor aquele que estiver na simples posse do título, 
e basta a sua apresentação ao devedor para que o credor tenha direito ao 
pagamento (art. 905 do CC17), ainda que o título tenha circulado contra a vontade do 
devedor (art. 905, parágrafo único do CC18). Da mesma forma, para que seja feita a 
transferência do título a terceiros, basta que o credor entregue o título ao adquirente 
pela mera tradição (art. 904 do CC19). 
Já o título nominativo (ou nominal) é aquele em que há a identificação 
expressa do credor no próprio corpo do título (art. 921 do CC20). Dessa forma, para 
que haja a transferência do título a terceiros é necessário não só a mera entrega do 
título ao adquirente, mas também a realização de um ato formal de transferência, que 
pode ser o endosso ou a cessão civil de crédito (arts. 92221 e 92322 do CC). 
O título nominativo se subdivide em dois tipos: nominativo à ordem e 
nominativo não à ordem. O título à ordem é aquele que se transfere mediante 
endosso, que é um ato típico do direito cambial e gera efeitos próprios (geralmente, 
os títulos de crédito mais comuns são à ordem, a exemplo do cheque, LC, duplicata e 
nota promissória). Por outro lado, o título não à ordem é aquele que não admite 
endosso, e por isso não pode circular com os benefícios da aplicação do regime 
jurídico cambial. Porém, isso não significa que ele não possa ser transferido, pois 
mesmo que o título seja não à ordem ele pode ser transferido por meio da cessão 
civil de crédito. A grande diferença é que a cessão civil é regulada pelo Direito Civil 
 
17 Art. 905. O possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada, mediante a sua 
simples apresentação ao devedor. 
18 Art. 905. [...]. Parágrafo único. A prestação é devida ainda que o título tenha entrado em circulação 
contra a vontade do emitente. 
19 Art. 904. A transferência de título ao portador se faz por simples tradição. 
20 Art. 921. É título nominativo o emitido em favor depessoa cujo nome conste no registro do emitente. 
21 Art. 922. Transfere-se o título nominativo mediante termo, em registro do emitente, assinado pelo 
proprietário e pelo adquirente. 
22 Art. 923. O título nominativo também pode ser transferido por endosso que contenha o nome do 
endossatário. 
 
 
(art. 286 do CC23), e por isso ela tem requisitos muito mais rígidos do que o endosso 
(como por exemplo, a obrigação de notificação do devedor prevista no art. 290, 
primeira parte, do CC24). 
Obs.: De acordo com o nosso Código Civil, em regra todos os títulos de crédito devem 
ser nominativos, não se admitindo o título ao portador, salvo quando houve 
autorização em lei especial (art. 907 do CC25). Embora essa seja a regra geral, vale 
observar que os principais títulos de crédito (LC, nota promissória, cheque e duplicata) 
possuem lei própria que autoriza a sua emissão ao portador. Por isso, a regra do CC 
só vai se aplicar aos títulos de crédito que não possuem lei especial. 
 
b) Quanto ao modelo: título livre x título vinculado 
 
O título de modelo livre é aquele que não possui uma padronização definida 
em lei. É o caso da letra de câmbio e da nota promissória. Esses títulos podem ser 
criados com qualquer forma, bastando que numa folha de papel sejam escritos todos 
os requisitos essenciais do título. 
Já os títulos de modelo vinculado se submetem a uma rígida padronização 
formal definida pela própria lei específica do título, de modo que eles só produzem 
efeitos quando obedecerem aos padrões legais (art. 887, parte final, do CC26). São 
exemplos de títulos vinculados a duplicada e o cheque. 
 
c) Quando à estrutura: ordem de pagamento x promessa de pagamento 
 
Os títulos que possuem a estrutura de ordem de pagamento envolvem três 
situações jurídicas distintas: 1) o sacador, que é quem emite o título (dá a ordem); 2) 
o sacado, que é contra quem o título é emitido (destinatário que cumpre a ordem); e 
3) o tomador, que é em favor de quem se emite o título (o favorecido pela ordem). 
Um exemplo é o caso do cheque, em que o sacador é o correntista que emite o título, 
o sacado é o banco que cumprirá a ordem, e o tomador é o credor que apresenta o 
cheque para pagamento. Além do cheque, também são ordem de pagamento a letra 
de câmbio e a duplicata. 
No caso da estrutura de promessa de pagamento, existem apenas duas 
situações jurídicas: 1) o sacador/promitente, que é quem emite o título prometendo 
pagar uma certa quantia; e 2) o tomador que receberá o valor prometido. A nota 
promissória é um título que possui essa estrutura. 
 
d) Quanto à hipótese de emissão: título causal x título abstrato 
 
O título causal é aquele que só pode emitir quando houver a causa autorizada 
por lei. Logo, somente na hipótese descrita pela lei é que o título poderá ser emitido. 
 
23 Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, 
ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário 
de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação. 
24 Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este 
notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente 
da cessão feita. 
25 Art. 907. É nulo o título ao portador emitido sem autorização de lei especial. 
26 Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele 
contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei. 
 
 
No Brasil, temos o exemplo da duplicata, que só pode ser emitida para representar 
obrigação decorrente de contrato de compra e venda (duplicata mercantil) ou de 
contrato de prestação de serviços (duplicata de serviços). 
Por sua vez, o título abstrato não está condicionado a qualquer causa prevista 
em lei, podendo ser emitido em qualquer hipótese em que houver interesse das partes. 
O cheque e a nota promissória, por exemplo, é um título abstrato e pode ser emitido 
para documentar qualquer relação de crédito em que houver interesse dos 
negociantes. 
 
QUADRO RESUMO 
 
CLASSIFICAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO 
a) Quanto à circulação • Título ao portador 
• Título nominativo 
b) Quanto ao modelo • Título de modelo livre 
• Título de modelo 
vinculado 
c) Quanto à estrutura • Ordem de pagamento 
• Promessa de pagamento 
d) Quanto à hipótese de 
emissão 
• Título causal 
• Título abstrato 
 
 
4. Fontes do Direito Cambiário: 
 
a) Constituição Federal: a CF é a norma jurídica suprema do nosso ordenamento, 
sendo o fundamento de validade de todas as outras normas. Por isso, toda a 
interpretação e aplicação do Direito Cambiário deve ter como ponto de partida a CF, 
como por exemplo a aplicação do princípio da boa-fé e da função social da 
propriedade privada. 
 
b) Código Civil: Após 1942, com o Código Civil italiano houve um movimento de 
unificação do Direito Privado, pelo qual boa parte do regramento jurídico empresarial 
foi inserido no mesmo corpo do Código Civil. Por isso, no nosso Direito Cambiário há 
várias regras previstas no CC que se aplicam aos títulos de crédito, principalmente 
aos chamados títulos atípicos/inominados, que são aqueles que não possuem 
legislação especial. 
 
c) Leis Federais e tratados internacionais: No Brasil, somente a União tem 
competência para legislar em matéria comercial, motivo pelo qual as leis especiais 
relacionadas aos títulos de crédito são todas leis federais (art. 22, I, da CF27). Além do 
 
27 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, 
eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho. 
 
 
mais, também é competência da União Federal manter relações com Estados e 
organizações internacionais (art. 21, I da CF28), cabendo ao Presidente da República 
a celebração de tratados internacionais em nome do Brasil. Porém, para que esses 
tratados sejam obrigatórios no âmbito interno, é necessário que eles passem por um 
processo de internalização, que envolve a aprovação do tratado no Congresso 
Nacional e a promulgação e publicação do tratado por meio de decreto presidencial 
(art. 84, VIII, da CF29). Os principais exemplos em matéria de títulos de crédito são os 
seguintes: 1) Lei Uniforme de Genebra (Decreto 57.663/66): trata da letra de câmbio 
e da nota promissória. Como a letra de câmbio foi o primeiro título de crédito a surgir 
no Direito, até hoje o seu regramento jurídico é considerado a base dos títulos de 
crédito típicos/nominados (letra de câmbio, nota promissória, cheque e duplicata); 
2) Lei 5.474/68 (Lei das Duplicatas); 3) Lei 7.357/85 (Lei do Cheque). 
 
d) Usos e costumes: por conta do dinamismo da atividade econômica o Direito 
Empresarial está em constante mudança, exigindo uma regulamentação ágil e flexível 
para melhor se adaptar ao contexto econômico atual. Por isso é que alguns costumes 
empresariais, quando adotados de maneira habitual e observados com traços de 
obrigatoriedade, também são fontes do Direito Empresarial. Um exemplo bastante 
comum é o cheque pré-datado (ou, tecnicamente, chamado de pós-datado). De 
acordo com a Lei, o cheque é uma ordem de pagamento à vista (art. 32 da Lei 
7.357/8530), mas o STJ tem admitido a existência do cheque pré-datado em razão do 
costume, inclusive gerando dano moral ao devedor quando o credor o apresenta antes 
do vencimento (Súmula 370 do STJ: “Caracteriza dano moral a apresentação 
antecipada de cheque pré-datado”). 
 
 
QUADRO RESUMO 
 
FONTES DO DIREITO CAMBIÁRIO 
Constituição Federal 
Código Civil 
Leis Federais e Tratados Internacionais 
Usos e Costumes 
 
 
5. Regramento dos títulos de crédito no Código Civil: 
 
 
28 Art. 21. Compete à União: I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações 
internacionais. 
29 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] VIII - celebrar tratados, convenções 
e atos internacionais, sujeitosa referendo do Congresso Nacional 
30 Art. 32 O cheque é pagável à vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrário. 
 
 
a) Autonomia e requisitos legais dos títulos de crédito (art. 887 do CC31): essa 
característica nós já estudamos. A obrigação cambial é autônoma em relação ao 
negócio jurídico que lhe deu origem. Os títulos de crédito só produzem efeitos quando 
atendem aos requisitos legais. Para um estudo mais aprofundado, basta voltar ao item 
2 acima, no qual foram explicadas exaustivamente todas as características dos títulos 
de crédito. 
 
b) Conteúdo e forma dos títulos de crédito (art. 889 do CC32): de acordo com o 
Código Civil, os requisitos essenciais de um título de crédito são três: a data de 
emissão, os direitos que ele confere ao seu portador e a assinatura do emitente do 
título. Vale lembrar que tais requisitos mínimos se aplicam apenas aos títulos atípicos, 
que não têm previsão em lei específica. Para os típicos, que têm previsão em lei 
específica, vale os requisitos previsto na própria lei que regula o título. Existem outros 
requisitos que também costumam constar nos títulos de crédito, como é o caso da 
data de vencimento, do local da sua emissão e do local do pagamento. Porém, tais 
requisitos não são essenciais, de modo que faltando qualquer deles a lei estabelece 
presunções legais. Por exemplo, se não constar expressamente a data de 
vencimento, presume-se que o vencimento seja à vista (art. 889, §1º, do CC33). Da 
mesma forma, se não constar expressamente o local de emissão e de pagamento, 
presume-se que o local será o domicílio do emitente do título (art. 889, §2º, do CC34). 
 
c) Desmaterialização dos títulos de crédito (art. 889, §3º, do CC35): trata-se de uma 
regra de atualização dos títulos de crédito ao contexto virtual, que acaba por flexibilizar 
o princípio da cartularidade. O Código admitiu que os títulos sejam emitidos por 
computador ou meio técnico equivalente, desde que respeitados os requisitos 
essenciais e que constem da escrituração do emitente. Nesses casos, a doutrina tem 
admitido a assinatura virtual, por meio de certificado digital, não só para os casos de 
emissão e aceite do título, mas também para os casos de endosso e aval (Enunciado 
462 da Jornada do CJF36). Em exemplo desses títulos eletrônicos é a chamada 
duplicata virtual, que inclusive já foi admitida em julgamento pelo STJ (EREsp 
1.024.691/PR37). 
 
31 Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele 
contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei. 
32 Art. 889. Deve o título de crédito conter a data da emissão, a indicação precisa dos direitos que 
confere, e a assinatura do emitente. 
33 Art. 889. [...]. § 1º É à vista o título de crédito que não contenha indicação de vencimento. 
34 Art. 889. [...]. § 2º Considera-se lugar de emissão e de pagamento, quando não indicado no título, o 
domicílio do emitente. 
35 Art. 889. [...]. § 3º O título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio 
técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos 
previstos neste artigo. 
36 “Os títulos de crédito podem ser emitidos, aceitos, endossados ou avalizados eletronicamente, 
mediante assinatura com certificação digital, respeitadas as exceções previstas em lei”. 
37 EXECUÇÃO. DUPLICATA VIRTUAL. PROTESTO POR INDICAÇÃO. A Seção entendeu que as 
duplicatas virtuais emitidas e recebidas por meio magnético ou de gravação eletrônica podem ser 
protestadas por mera indicação, de modo que a exibição do título não é imprescindível para o 
ajuizamento da execução, conforme previsto no art. 8º, parágrafo único, da Lei n. 9.492/1997. Os 
boletos de cobrança bancária vinculados ao título virtual devidamente acompanhados dos instrumentos 
de protesto por indicação e dos comprovantes de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços 
suprem a ausência física do título cambiário eletrônico e constituem, em princípio, títulos executivos 
extrajudiciais. EREsp 1.024.691-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgados em 22/8/2012. 
 
 
 
d) Cláusulas proibidas nos títulos de crédito (art. 890 do CC38): em geral, de acordo 
com o nosso Código Civil, não é possível inserir no título de crédito cláusula que trate 
dos seguintes temas: 1) cobrança de juros; 2) proibição de endosso; 3) exclusão de 
responsabilidade pelo pagamento do título; 4) dispensa de formalidades legais do 
título; 5) exclusão ou restrição de direitos e obrigações além dos limites legais. Quando 
uma cláusula como essa é colocada no corpo do título, ela deverá ser considerada 
como não escrita, não produzindo qualquer efeito. Cuidado! Como já estudamos 
antes, o regramento do CC é voltado para os títulos atípicos/inominados, pois para os 
títulos nominados a lei específica de cada um pode trazer regramento diferente. É o 
caso da LUG, que permite a cláusula de cobrança de juros na letra de câmbio em 
determinadas situações (art. 5º do Decreto 57.663/6639), e também permite a 
proibição de novo endosso (art. 15 do Decreto 57.663/6640). 
 
e) Título de crédito incompleto (ou em branco) (art. 891 do CC41): título em branco 
ou incompleto é aquele que foi emitido sem o preenchimento de todos os seus 
elementos. De acordo com o nosso Código Civil, nada impede que o título incompleto 
seja completado (preenchido) pelo credor, desde que o preenchimento seja feito de 
acordo com o que havia sido ajustado entre as partes no momento da emissão do 
título. Isso inclusive é admitido pela jurisprudência, conforme previsto na antiga 
Súmula 387 do STF42 ainda em vigor. Mas, aqui é preciso tomar cuidado. Por conta 
do princípio da autonomia, mais especificamente do princípio da inoponibilidade das 
exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, se o título for completado fora do que foi 
ajustado entre as partes e vier a circular regularmente, o devedor não poderá alegar 
essa defesa ao portador de boa-fé (aquele que já recebeu o título completado por 
outrem), salvo se o próprio portador do título tiver agido com má-fé no preenchimento. 
 
f) Obrigação do representante/mandatário (art. 892 do CC43): o representante ou 
mandatário é aquele que vai assinar a emissão do título no lugar do real devedor 
daquele título. Em regra, para que isso aconteça é necessário um ato jurídico que 
 
38 Art. 890. Consideram-se não escritas no título a cláusula de juros, a proibitiva de endosso, a 
excludente de responsabilidade pelo pagamento ou por despesas, a que dispense a observância de 
termos e formalidade prescritas, e a que, além dos limites fixados em lei, exclua ou restrinja direitos e 
obrigações. 
39 Artigo 5º. Numa letra pagável à vista ou a um certo termo de vista, pode o sacador estipular que a 
sua importância vencerá juros. Em qualquer outra espécie de letra a estipulação de juros será 
considerada não escrita. A taxa de juros deve ser indicada na letra; na falta de indicação, a cláusula de 
juros é considerada como não escrita. Os juros contam-se da data da letra, se outra data não for 
indicada. 
40 Artigo 15. O endossante, salvo cláusula em contrário, é garante tanto da aceitação como do 
pagamento da letra. O endossante pode proibir um novo endosso, e, neste caso, não garante o 
pagamento às pessoas a quem a letra for posteriormente endossada. 
41 Art. 891. O título de crédito, incompleto ao tempo da emissão, deve ser preenchido de conformidade 
com os ajustes realizados. Parágrafo único. O descumprimento dos ajustes previstos neste artigo pelos 
que deles participaram, não constitui motivo de oposição ao terceiro portador, salvo se este, ao adquirir 
o título, tiver agido de má-fé. 
42 Súmula 387. A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo 
credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto. 
43 Art. 892. Aquele que, sem ter poderes, ou excedendo os que tem, lança a sua assinatura em título 
de crédito, como mandatário ou representante de outrem, fica pessoalmenteobrigado, e, pagando o 
título, tem ele os mesmos direitos que teria o suposto mandante ou representado. 
 
 
transfira poderes ao representante, como é o caso de um contrato de mandato ou dos 
atos constitutivos de uma pessoa jurídica. Se o representante/mandatário assina um 
título de crédito sem ter poderes ou extrapolando os poderes que tenha, nesse caso 
será o próprio representante/mandatário que ficará obrigado ao pagamento do título. 
Por exemplo, se o administrador de uma pessoa jurídica assina um cheque da própria 
PJ sem poderes para isso, ele mesmo (o administrador) ficará responsável pelo 
pagamento do cheque. 
 
Referências Bibliográficas 
 
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 12 ed. São 
Paulo: Saraiva, 2008, v. 1. 
________. Curso de direito comercial: direito de empresa. 10 ed. São Paulo: 
Saraiva, 2007, v. 2. 
________. Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 30 ed. São Paulo: 
Revista dos Tribunais, 2018. 
CRUZ, André Santa. Direito empresarial. 4 ed. Salvador: JusPodivm, 2021. 
DINIZ, maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 
2009, v. 8. 
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

Mais conteúdos dessa disciplina