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Livro Os Simpsons e a Filosofia

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Coletânea de
Aeon }. Skoble, Mark T. Conard 
e William Irwin MADRAS
F iloso fia /T elev isão /D esenho A nim ado
E A F I L O S O F I A \,
Os Simpsom e a Filosofia traz uma série de análises a 
respeito da ironia e da irreverência de uma das comédias 
mais inteligentes da televisão mundial: Os Simpsons. 
Profissionais da Filosofia e de outras áreas do saber reúnem- 
se para desvendar questões filosóficas levantadas pelos 
personagens, enredos e pensamentos da série, mostrando que 
pode haver seriedade por trás de um programa que vai 
muito além da história de um “bobão” e sua família.
Os ensaios aqui reunidos são provocantes, reflexivos e muito 
divertidos de se ler. Há textos que comparam Os Simpsons a 
outras séries televisivas, como Os Flintstons; outros que 
traçam paralelos entre a série e filmes como Psicose, Pulp 
Fiction — Tempos de Violência, O Retrato de Dorian Gray e 
Os Bons Companheiros; e outros ainda mais inusitados, 
aproximando a história dessa família ao cerne do 
pensamento filosófico, a exemplo dos capítulos “Homer e 
Aristóteles”, “Lisa e o antiintelectualismo americano” e 
“Assim falava Bart: Nietzsche e as virtudes de ser mau”. 
Formidável, inusitado e altamente desafiador, Os Simpsons e 
a Filosofia é um livro que mostra como a Filosofia pode 
residir em qualquer lugar, até mesmo em um desenho 
popular. Uma obra que alia a profundidade de uma ciência 
tão antiga à linguagem contemporânea dos desenhos 
animados, introduzindo os leitores ao pensamento filosófico 
pelo meio mais atrativo e agradável: o riso.
Os Simpsons e a 
Filosofia, coletânea de 
filósofos como W illiam 
Irwin, M ark T. Conard e 
A eon J. Skoble, é um 
livro extrem am ente 
inteligente e inusitado 
por apresentar toda a 
profundidade da 
Filosofía por meio da 
linguagem dos desenhos 
anim ados, o que lhe 
garantiu sucesso e 
reconhecim ento em todo 
o m undo.
Veja alguns com entários 
a respeito da obra:
“Recomendo o livro a 
qualquer pessoa 
interessada em usar um 
texto provocante e, às 
vezes, desafiador como 
introdução para um curso 
de Filosofia. ”
Professor M ichael F.
G oodm an, H um boldt 
State U niversity
“Os Sim psons e a 
Filosofia é um grande 
ponto de partida para 
qualquer estudo a respeito
MADRAS
dos Simpsons. Uma visão 
séria de um assunto 
engraçado. ”
M ark I. Pinsky, autor de 
The Gospel According the 
Simpson
“Não só Os Sim psons e a 
Filosofía é altamente 
educacional, mas ainda 
permite ver com novos 
o Utos os episódios, 
trazendo uma nova luz à 
série. ”
Professor Per Brom an, 
Butler University, 
Indianópolis
“Eu recomendo a todos, 
fãs de Simpsons ou não. 
Você ficará surpreso com 
a sabedoria que se 
esconde nestas páginas. ” 
Tom M orris, autor de I f 
Aristotles Ran General 
Motors
“Os fãs dos Simpsons sem 
dúvida acharão este livro 
a resposta perfeita para 
aqueles que dizem que o 
desenho é estúpido. ”
Publishers W eekly
MADRAS
Coletânea de W illian Irw in, 
M ark T. Conard eAeon J. Skoble
Tradução:
Marcos Malvezzi Leal
MADRAS
Publicado originalmente em inglés sob o título The Simpsons and Philosophy por 
Carus Publishing Company 
© 2001, Carus Publishing Company.
Direitos de edição para todos os países de língua portuguesa.
Tradução autorizada do inglés 
© 2004, Madras Editora Ltda.
Editor:
Wagner Veneziani Costa
Produção e Capa:
Equipe Técnica Madras
Tradução:
Marcos Malvezzi Leal
Revisão:
Arlete Genari
Caroline Kazue Ramos Furukawa
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
S621
Os Simpsons e a filosofia/[editores]William Irwin, Mark T. Conard, Aeon J. Skoble; 
tradução Marcos Malvezzi Leal. - São Paulo: Madras, 2004 
Tradução de: The Simpsons and philosophy
ISBN 85-7374-849-4
I. Simpsons (Programa de televisão). 2. Filosofía - Miscelânea. I. Irwin, William, 1970-.
II. Conard, Mark T., 1965-, III. Skoble, Aeon J.
04-0554. CDD 100
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer 
meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo 
ainda o uso da internet, sem a permissão expressa da Madras Editora, na pessoa de seu 
editor (Lei nB 9.610, de 19.2.98).
Todos os direitos desta edição, em língua portuguesa, são reservados pela
CDU 1
11.03.04 09.03.04 005740
MADRAS EDITORA LTDA.
Rua Paulo Gonçalves, 88 — Santana
02403-020 — São Paulo — SP
Caixa Postal 12299 — CEP 02013-970 — SP
Tel.: (0__ 11) 6959.1127 — Fax: (0_ _11) 6959.3090
www.madras.com.br
http://www.madras.com.br
“Eu recomendo a todos, fãs dos Simpsons ou não. Você ficará surpreso 
com a sabedoria que se esconde nestas páginas. ”
Tom Morris, autor de If Aristotles Ran General Motors
“Os fãs dos Simpsons sem dúvida acharão este livro a resposta perfeita 
para aqueles que dizem que o desenho é estúpido. ”
Publishers Weekly
“Não só Os Simpsons e a Filosofía é altamente educacional, mas ainda 
permite ver com novos olhos os episódios, trazendo uma nova luz à série. ” 
Professor Per Broman, Butler University, Indianápolis
“Os Simpsons e a Filosofia é um grande ponto de partida para qualquer 
estudo sobre os Simpsons. Uma visão séria de um assunto engraçado. ”
Mark I. Pinsky, autor de 
The Gospel According the The Simpsons
“Os Simpsons e a Filosofia é um livro formidável. Filósofos e não-filósofos 
se reúnem para mostrar que algumas questões filosóficas muito interessan­
tes são levantadas pelos personagens, pensamentos e enredos de Os 
Simpsons. Os ensaios são bem escritos, muitas vezes provocantes, reflexi­
vos, inteligentes sem elitismo e, talvez, muito valiosos, divertidos de ler. 
Nada de uma apologia aos Simpsons (por exemplo, Bart poderia ser um 
herói nietzschiano ou um pensador heideggeriano?), este livro é um trata­
do filosófico sério aplicado a um programa de televisão às vezes sério (e 
seriamente engraçado). Há também textos dedicados a interesses mais lite­
rários, como paródia, alusão e ironia, com tentativas de mostrar como Os 
Simpsons pode ser comparado a outras formas de arte, como por exemplo o 
cinema. São feitas algumas esplêndidas comparações entre Os Simpsons e 
numerosas outras séries de televisão; por exemplo, Seinfeld, Leave it to 
Beaver, The Jack Benny Show, e MASH, bem como filmes como Psicose, Pulp 
Fiction — Tempo de Violência, Os Bons Companheiros e O Retrato de Donan 
Gray. Recomendo este livro a qualquer um que já fo i pego desprevenido por 
um exemplo de Homer tendo sua lógica desafiada, ou Bart fazendo algum 
“truque sujo”, ou um comentário profundo de Lisa. Recomendo o livro a 
qualquer pessoa interessada em usar um texto provocante e, às vezes, desa­
fiador como introdução para um curso de filosofia.
Você pode aprender muito com este livro (agora ouça as vozes de Homer 
e Bart ecoando), “mas não precisa se não quiser. ”
Professor Michael F. Goodman 
Humboldt State University
5
Dedicatória
Lionel Hutz e Troy McClure (que 
talvez você se lembre de programas 
de TV como Os Simpsons,)
7
Agradecimentos
Escrever, editar e outras miscelâneas de tarefas envolvidas na 
produção de Os Simpsons e a Filosofia fo i uma experiência divertida e 
estimulante. Gostaríamos de agradecer as contribuições por manter­
mos o senso de profissionalismo e o senso de humor em todo o projeto. 
Nossos sinceros agradecimentos ao pessoal simpático da Open Court, 
particularmente David Ramsay Steele e Jennifer Asmuth por seus con­
selhos e assistência. Finalmente, e não com menos louvor, queremos 
agradecer também a nossos amigos, colegas e alunos com quem dis­
cutimos Os Simpsons e a Filosofia, que ajudaram a tomar possível este 
trabalho e ofereceram um valioso retorno enquanto ele estava em an­
damento. Uma lista assim é quase inevitavelmente incompleta, mas entre 
aqueles a quem muito devemos, estão: Trisha Alien, Lisa Bahnemann, 
Anthony Hartle, Megan Lloyd, Jennifer O ’Neill e Peter Stromberg.
9
✓
Indice
Introdução................................................................................................... 13
ParteI
Os personagens ........................................................................................ 17
1. Homer e Aristóteles............................................................. 19
H aja H alwani
2. Lisa e o antiintelectualismo americano...............................33
A eon J. Skoble
3. A importância de Maggie: sons do silêncio, leste e oeste .... 43 
E ric Bronson
4. A motivação moral de M arge............................................... 53
G erald J. E rion e J oseph A . Z eccardi
5. Assim falava Bart: Nietzsche e as virtudes de ser mau .... 65 
M ark T. C onard
Parte II
Temas de Os Simpsons................................................................................81
6. Os Simpsons e alusão: “O pior ensaio já escrito” .............. 83
W illiam Irwin e J. R. L ombardo
7. Parodia popular: Os Simpsons e o filme policial................ 93
D eborah K night
8. Os Simpsons, hiper-ironismo e o significado da v id a ..... 107
C ari. M atheson
9. Política sexual simpsoniana............................................. 123
D ale E. Snow e J ames J. Snow
11
12 Os Simpsons e a Filosofia
Parte III
Não fu i eu: Ética e Os Simpsons...........................................................139
10. O mundo moral da familia Simpson:
urna perspectiva kantiana..................................................... 141
James L awler
11. Os Simpsons: política atomística e a familia nuclear.........153
Paul A . C antor
12. Hipocrisia de Springfield.......................................................169
J ason H olt
13. Apreciando esse tal de “Sorvete”:
Sr. Bums, satanás e felicidade.............................................181
D aniel B arwick
14. Hey-diddily-ho, Vizinhos: Ned Flanders
e o amor ao próximo.............................................................191
D avid V essey
15. A função da ficção: o valor heurístico de Homer..............203
J ennifer L. M cM ahon
Parte IV
Os Simpsons e os filósofos ....................................................................219
16. Um marxista (Karl, não Groucho) em Springfield.............221
James M . W allace
17. “E o resto se escreve sozinho”: .......................................... 237
Roland Barthes assiste a Os Simpsons
D avid L . G. Arnold
18. O que Bart chama de pensamento...................................... 253
Kelly D ean Jolley
Guia de episodios............................................................................... 265
Baseado em idéias d e ............................................................................ 273
Apresentando as vozes d e ................................................................ 281
índice remissivo................................................................................. 285
Introdução
Meditações a respeito de Springfield'P
Quantos filósofos são necessários para escrever um livro sobre Os 
Simpsonsl Aparentemente, uns 20 para escrever e 3 para editar. Mas isso 
não é mau, se levarmos em conta que 300 pessoas levam 8 meses, com o 
custo de 1,5 milhão de dólares, para fazer um único episódio da série. Mas, 
falando sério, será que não temos mais nada para fazer além de escrever 
acerca de programas de televisão? A resposta mais curta é Sim, temos; mas 
gostamos de escrever estes ensaios e esperamos que você goste de lê-los.
As sementes deste volume foram plantadas alguns anos atrás. Quan­
do a popular série cômica Seinfeld estava saindo do ar, William Irwin teve 
uma idéia ardilosa — uma coletânea de ensaios filosóficos a respeito de 
“uma série sobre nada”. Ele e seus colegas filósofos gostavam do progra­
ma e participavam de muitas discussões bem-humoradas e estimulantes 
sobre ele; então, por que não participar da diversão na forma de um livro? 
O pessoal da Open Court teve a visão, a fortitude e o senso de humor para 
assumir o projeto, então Irwin editou Seinfeld and Philosophy: A Book 
about Everything and Nothing. O livro foi um verdadeiro sucesso, não só 
no meio acadêmico, mas entre o público em geral.
Outra série de televisão que Irwin e seus amigos apreciavam e sobre 
a qual tinham discutido era Os Simpsons. Gostavam da ironia do desenho, 
de sua irreverência, e perceberam — como em Seinfeld — que seria um 
terreno fértil para investigação e discussão filosófica. Então, Irwin resolveu 
montar um segundo volume, desta vez a respeito de Os Simpsons, e pediu
13
14 Os Simpsons e a Filosofia
a dois de seus colaboradores em Seinfeld, Mark Conard e Aeon Skoble, 
que co-editassem a obra. Mais urna vez, a Open Court aplaudiu a idéia, e se 
você está lendo isso, é porque obviamente tem pelo menos um leve interesse 
ou por filosofia, ou pelos Sim psons, ou ambos. O conceito é o mesmo: a 
série tem inteligencia e profundidade suficientes para permitir discussões 
filosóficas e, como um programa popular, também serve de veículo para 
explorar uma variedade de assuntos filosóficos para um público geral.
O s Sim psons é rico em sátira. Sem dúvida, é urna das comédias mais 
inteligentes na televisão hoje em dia (Sabemos que isso não é muito, mas...). 
Pode parecer incongruente para aquelas pessoas que desprezam a série, 
considerando-a apenas um desenho animado sobre um bobão e sua familia 
(e já vimos muitos programas assim), dizer que o programa é inteligente, 
mas, se ele for assistido com atenção, revelará níveis de comédia muito 
além da farsa. Vemos segmentos e mais segmentos de sátira, duplos senti­
dos, alusões à alta cultura e à cultura popular, manipulação, paródia e humor 
auto-referencial. Em resposta à crítica de Homer a respeito de um desenho 
animado que as crianças estão vendo, Lisa diz: “Se os desenhos fossem fei­
tos para adultos, passariam no horário nobre!” Apesar das palavras de Lisa, 
Os Simpsons é, sem dúvida, um programa para adultos, e seria superficial 
desprezá-lo simplesmente por ser um desenho animado popular.
Matt Groening estudou Filosofia na faculdade, mas nenhum dos co- 
autores deste livro acredita que exista uma profunda filosofia no desenho 
de Groening. Isto não é “a filosofia de O s Sim psons” nem "Os Sim psons 
como filosofia”; é O s Sim psons e a F ilosofia. Não tentamos aqui transmi­
tir o sentido oculto e pretendido de Groening e da legião de roteiristas e 
artistas que trabalham no programa. Queremos, isto sim, destacar a impor­
tância filosófica de O s Sim psons, como a vemos. Alguns dos ensaios neste 
livro são as reflexões de acadêmicos com relação a um programa do qual 
eles gostam e que, segundo eles, diz algo acerca de um aspecto da filosofia. 
Por exemplo, Daniel Barwick trata do miserável Sr. Bums, para determinar 
se podemos aprender algo sobre a natureza da felicidade a partir da infeli­
cidade desse personagem. Outros exploram o pensamento de um filósofo, 
fazendo uso de um dos personagens. Mark Conard, por exemplo, pergunta: 
A rejeição de Nietzsche da moralidade tradicional pode justificar o mau 
comportamento de Bart? Outros ainda usam a série como um veículo para 
desenvolver temas filosóficos de uma maneira acessível ao não-especialis- 
ta (uma pessoa inteligente que tem um certo interesse em reflexão filosófi­
ca, mas não vive disso). Jason Holt, por exemplo, explora a “Hipocrisia de 
Springfield”, para determinar se a hipocrisia é sempre antiética.
O livro não é uma tentativa de reduzir a Filosofia ao denominador 
comum mais baixo; não temos o intento de “nivelar por baixo”. Pelo contrá­
rio, esperamos que nossos leitores não-especialistas se interessem em ler 
mais a respeito de Filosofia, do tipo que não envolve programas de televi-
Introdução 15
são. Também esperamos que nossos colegas que leiam estes ensaios os 
considerem provocantes e divertidos.
É legítimo escrever ensaios filosóficos sobre cultura popular? A res­
posta padrão a essa pergunta é que Sófocles e Shakespeare também eram 
cultura popular em sua época, e ninguém questiona a validade das refle­
xões filosóficas de suas obras. Mas isso não se aplica no caso de Os 
Simpsons. (Dã!) Se déssemos a mesma resposta,passaríamos a impres­
são errônea de que consideramos Os Simpsons algo equivalente às melho­
res obras de literatura, profundo a ponto de iluminar a condição humana. 
Não é verdade. Mesmo assim, é um trabalho com certa profundidade, e 
suficientemente engraçado para merecer uma atenção séria. Além disso, sua 
popularidade significa que podemos usar Os Simpsons como meio de ilus­
trar questões filosóficas tradicionais para efetivamente atingir os leitores 
fora da academia.
E, por favor, lembre-se de que, embora às vezes sejamos acusados de 
impiedade e até executados por isso, nós, filósofos, também somos huma­
nos. Não fique bravo, cara!
Parte I
Os
beisonagens
17
f
1
Homer e Aristóteles
Raja H alwani
Os homens, por mais que olhem, não vêem o que é o bem-estar, o que é bom 
na vida.
Aristóteles, A Ética a Eudêmio, 1216 a 10
Não sei viver uma vida simples como você. Eu quero tudo! Os aterradores 
baixos, os atordoantes altos, os insossos meios! Claro que eu posso ofen­
der alguns narizes empinados com meu passo arrogante e meu cheiro 
almiscarado —Ah, eu nunca vou ser o queridinho dos tais “Pais da Cida­
d e ”, que soltam a língua, acariciam a barba e perguntam “O que fazer 
com esse Homer Simpson ? ”
HomerSimpson, “Lisa’sR iva l”
Homer Simpson não passa no teste, se for avaliado moralmente. Isso 
se nota particularmente quando nos concentramos em seu caráter, em vez 
de em seus atos (embora ele não brilhe muito também na segunda catego­
ria). Mas, de alguma forma, existe algo eticamente admirável a respeito de 
Homer. Daí surge a seguinte charada: Se Homer Simpson é moralmente 
ruim, onde ele é admirável? Investiguemos isso.
Os tipos de caráter de Aristóteles
Aristóteles nos deu uma categorização lógica de quatro tipos de cará­
ter.1 Falando de um modo geral, e deixando de lado os dois tipos extremos
1 Minhas observações acerca de Aristóteles derivam basicamente de sua obra A Etica a 
Nicômaco, livros I, II, V e VIII, traduzido para o inglês por Terence Irwin (Indianápolis: 
Hackett, 1985) e Política (trad. para o inglês por B. Jowett, em lonathan Bames (ed.), The 
Complete Works o f Aristotles, volume 2 (Princeton: Princeton University Press, 1984). 
Referências específicas aparecem no corpo do texto. Desnecessário dizer que muito do que 
eu argumento a respeito de Aristóteles é passível de debate.
19
20 Os Simpsons e a Filosofia
que são o caráter do super-humano e do bestial, temos o virtuoso, continen­
te, incontinente e o vicioso. Para compreendermos melhor cada tipo, vamos 
contrastá-los em termos de como cada caráter se manifesta em ações, 
decisões e desejos. Devemos também considerar uma situação como exem­
plo e ver como cada um reagiria a ela.
Suponha que uma pessoa, a quem chamaremos de “Lisa”, estivesse 
andando na rua e encontrasse uma carteira com uma considerável quantia 
em dinheiro. Se Lisa fosse virtuosa, ela não só tomaria a decisão de entre­
gar a carteira às autoridades competentes, mas ainda se sentiría bem em 
fazer isso. Os desejos de Lisa estariam em harmonia com a correta ação e 
decisão. Considere agora Lenny, que é continente: se Lenny achasse a car­
teira, ele tomaria a decisão certa - devolver a carteira intacta - e seria capaz 
de cumprir a decisão - mas estaria agindo de forma contrária ao desejo de 
não devolver. Essa é a marca da pessoa continente: lutar contra os desejos 
para conseguir fazer a coisa certa.
Com os tipos incontinente e vicioso de caráter, as coisas pioram. A 
pessoa incontinente é capaz de tomar a decisão certa, mas tem a vontade 
fraca. No caso da carteira, e supondo que Bart seja o tipo de caráter incon­
tinente de que falamos, ele sucumbiría ao desejo de ficar com a carteira e 
não agir corretamente, embora saiba que é errado não entregá-la ao dono. 
Com a pessoa viciosa, não há luta entre os desejos nem vontade fraca. O 
motivo disso, porém, é que a decisão da pessoa viciosa é moralmente erra­
da, e seus desejos cooperam plenamente com ela. Se Nelson fosse vicioso, 
ele resolvería ficar com o dinheiro (e jogar fora o resto da carteira, ou 
devolvê-la e mentir sobre o que encontrou nela), desejaria fazer isso e agi­
ría de acordo com o desejo.
Observemos melhor o que constitui um caráter virtuoso. Uma pessoa 
virtuosa é aquela que tem e exerce virtudes. Essas virtudes, aliás, são esta­
dos (ou características) de caráter que dispõem seu detentor a agir da for­
ma correta e reagir emocionalmente da mesma maneira. Diante disso, vemos 
por que Aristóteles insistia em que as virtudes são estados de caráter que 
concernem tanto à ação quanto ao sentimento (Ética, livro II, especialmen­
te 1106M5-35). Por exemplo, se alguém tem a virtude da benevolência, 
estará disposto a ser caridoso com as pessoas certas nas circunstâncias 
certas. Ele não daria dinheiro a qualquer um que lhe pedisse. O indivíduo 
virtuoso deve perceber que seu beneficiário necessita realmente do dinhei­
ro, e que o usará corretamente. Além disso, a reação emocional da pessoa 
virtuosa é apropriada à situação. Isso significa que a pessoa benevolente 
em nosso exemplo daria o dinheiro de bom grado, sem se lamentar, e sua 
motivação seria a necessidade do beneficiário. Em contrapartida, uma pes­
soa continente não abre mão facilmente do dinheiro, não porque precise 
dele e não possa partilhar, mas porque é predisposta à ganância ou superes­
tima o quanto pode necessitar do dinheiro no futuro.
Homer e Aristóteles 21
Observe, porém, considerando este relato, que o motivo tem um papel 
crucial. Pois, se para ser virtuoso, alguém precisa de habilidades perceptivas 
quanto às situações enfrentadas, então o indivíduo virtuoso não pode ser 
estúpido ou ingênuo. Deve ter habilidades de raciocínio crítico que lhe per­
mitam notar as diferenças nas situações e ser capaz de reagir de acordo. 
De fato, esse é um dos motivos por que Aristóteles enfatizava a idéia de 
que o tema da ética não admite a precisão rigorosa {Ética, 1094M3-19). A 
função da razão prática (phronesis) é algo em que Aristóteles insistia: se 
uma pessoa é virtuosa por impulso, digamos, não possui a virtude “total”, 
mas no máximo “natural” {Etica, 114b3-15); e possuir a virtude natural 
significa estar inclinado a fazer a coisa certa por acaso.2
Se apelarmos para as condições de Aristóteles para as ações corre­
tas, estaremos em posição de completar nosso relato. Aristóteles diz: “Pri­
meiro, [o agente] deve saber que o que está fazendo é uma ação virtuosa; 
depois, deve decidir fazê-la - e decidir pela ação em si; e, finalmente, deve 
agir a partir de um caráter firme e imutável” {Ética, 1105a30-1105b). Em 
suma, o que o filósofo tinha em mente aqui era isto: em primeiro lugar, ao 
agir com virtude, o agente deve saber que sua ação é virtuosa; ele age 
segundo a descrição de que “tal e tal ação é justa (ou generosa, ou hones­
ta).” A segunda condição parece englobar duas condições, não uma. O 
agente deve agir voluntariamente, e assim proceder porque a ação é virtuo­
sa. Isso significa que mesmo que alguém aja sob a descrição de que “esta 
ação é justa”, sua ação não seria virtuosa a menos que ele a praticasse 
justamente por ser virtuosa. A terceira condição estabelecida é crucial, e 
nos leva ao início desta discussão: o indivíduo virtuoso age com virtude não 
só quando a ação é justa e porque é justa, mas também porque ele é um 
indivíduo justo. Ele é do tipo que está disposto a se comportar de modo 
moralmente correto quando a situação assim exige. Isso (faz parte do que) 
significa ter um caráter “firme e imutável”.
0 caráter de Homer: Dãí Dãí E duplo dãí
Tendo em vista o relato de Aristóteles acerca de virtude, a situação 
parece ruim para Homer Simpson (e não voltarei atrás nesse julgamento; 
por isso, não espere alguma distinção engenhosa que me faça rever essas 
palavras). Considere a princípio a virtude da temperança (moderação) que,
2 Devemos resistir à tentação de pensar que uma pessoa viciosa também possui sabedoria 
prática. A pessoa viciosa, segundo Aristóteles,não tem phronesis; tem, isto sim, apenas 
esperteza. Para Aristóteles, a razão prática tem força normativa e não o mero papel de usar 
um meio para chegar a um fim. Phronesis nos permite saber que coisas são importantes e 
éticas na vida. Por isso Aristóteles diz repetidas vezes que o que é certo parece certo para 
o agente virtuoso (ver, por exemplo, Ética 1176al6-19).
22 Os Simpsons e a Filosofia
basicamente, porém com certa contenção, aborda nossa habilidade em 
moderar os apetites físicos. Não é preciso uma observação astuta para se 
perceber que Homer está longe de ser um homem moderado. Ele não só 
não é virtuoso quanto aos apetites físicos, mas é extremamente vicioso, o 
que se observa de modo particular em seu consumo de comida e bebida, 
ainda que não em atividade sexual. Seus desejos o impelem a se empantur­
rar constantemente, e ele sucumbe de bom grado a esses desejos. Por 
exemplo, em “Homer’s Enemy”,3 ele se deliciou comendo metade de um 
sanduíche que pertencia a seu colega de trabalho temporário Frank Grimes 
- ou “Grimey” - embora na lancheira estivesse marcado claramente o 
nome deste. Pior ainda, mesmo depois de Grimes ter mostrado isso a ele, 
Homer conseguiu dar mais duas mordidas no sanduíche antes de colocá-lo 
de volta na lancheira. O desejo de Homer por comida também o faz criar 
algumas receitas interessantes. Observe, por exemplo, quando ele enrola 
um waffle semiassado num palito com manteiga e, claro, o come (“Homer 
the Heretic”). A saúde de Homer ficou comprometida por causa de seus 
maus hábitos alimentares, tanto que ele precisou de uma ponte de safena 
(“Homer’s Triple Bypass”), mas não se intimidou com isso. De fato, mes­
mo quando está sofrendo evidente e forte dor física, Homer não se intimi­
da. Veja-o comer carne estragada no Kwik-E-Mart, depois passar mal e 
ser levado às pressas para o hospital. Em vez de se queixar formalmente 
contra Apu, ele ficou imediatamente satisfeito com a oferta de Apu de 5 
quilos de camarão passado, grátis. Homer sabia que o camarão tinha um 
cheiro “esquisito”, mas o comeu mesmo assim, e teve de voltar ao hospi­
tal (“Homer e Apu”). A gula de Homer é parte tão integrante de seu 
caráter, que ele consome comida mesmo quando está semiadormecido. 
Em “Rosebud”, em estado sonambúlico, Homer entra na cozinha, abre a 
porta da geladeira, comenta: “Hmm... 64 fatias de queijo americano”, e 
vai comendo o queijo durante o resto da noite. A questão da intemperança 
de Homer não precisa de mais explicações; seu nome passou a ser um 
sinônimo de amor por comida e cerveja.
Ele é também um mentiroso contumaz; falta-lhe honestidade. Em 
“Duffless”, ele mentiu para a família sobre seus planos para um determina­
do dia, dizendo a eles que ia trabalhar quando, na verdade, pretendia fazer 
uma excursão pela Cervejaria Duff. Para catalogarmos algumas outras 
lorotas de Homer: ele mentiu para Marge quanto a nunca ter concluído o 
ensino médio (“The Front”); mentiu a respeito de seus prejuízos financeiros em 
investimentos (“Homer vs. Patty and Selma”), e mentiu repetidas vezes
3 Ver “Guia de Episódios” no fim deste livro. Muitas das citações e todos os títulos dos 
episódios em meu texto são de The Simpsons: A Complete Guide to Our Favorite Family, 
editado por Ray Richmond (Nova York: Harper Collins, 1997), e The Simpsons Forever, 
editado por Scott M. Gimple (Nova York: Harper Collins, 1999)
Homer e Aristóteles 23
sobre ter jogado fora a arma que tinha comprado (“The Cartridge Family”). 
Homer também envolveu Apu em uma grande teia de mentiras contadas à 
mãe deste último, dizendo a ela que já era casado com Marge, forçando 
Marge a participar da trama (“The Two Mrs. Nahasappemapetilons”). 
Homer não é sensível às necessidades e direitos dos outros; ele parece não 
ter benevolência nem justiça. Em “When Flanders Failed”, ele insiste para 
que Ned Flanders lhe venda os móveis da casa dele a preço de banana, 
embora soubesse que Ned estava “a zero” e precisava de dinheiro. Em 
“Bart the Lover”, ele aconselhou Bart, que usava o pseudônimo de Woodrow 
(o amante por correspondência da Sra. Krabappel), a romper com ela es­
crevendo uma nota com as seguintes palavras: “Querida, bem-vinda a Ci­
dade dos Rejeitados: população: você” (antes de escrever, ele diz a Bart 
que as cartas de amor sensíveis são sua especialidade). Homer também 
não tem a menor inclinação para a generosidade: certa vez, disse a Bart: 
“Você deu os dois cachorros? Você sabe o que eu acho de dar as coisas!” 
(“The Canine Mutiny”). E resolveu não votar “culpado” na acusação de 
agressão de Fred Quimby, não porque achasse que Quimby era inocente, 
mas porque percebeu que se agisse assim, o júri ficaria num impasse e 
podería se hospedar de graça no Springfield Palace Hotel (“The Boy Who 
Knew Too Much”).
Homer tem vários “chegados”, mas nenhum amigo. Aristóteles 
enfatizava a importância da amizade devido às suas crenças de que, sem 
amigos, não podemos exercer a virtude nem ter uma vida plena e flores­
cente. Homer não tem um único amigo verdadeiro. No máximo, ele encon­
tra companheiros de bebida (Bamey, Lenny e Cari), mas ninguém com 
quem partilhar suas metas, falar acerca de suas atividades, alegrias e triste­
zas.4 Na verdade, é até difícil dizer que Homer tem algum objetivo na vida 
além de beber.
Suas qualidades como marido e pai deixam muito a desejar (Aristóte­
les parece ter incluído cônjuges e filhos no escopo da amizade; ver Ética 
1158b9-16). Pensemos em alguns dos grandes tropeços de Homer. Ele ten­
ta ganhar o amor de Lisa, comprando-lhe um pônei (“Lisa’s Pony”). Res- 
sentiu-se quando Bart arrumou um “Irmão Mais Velho” e, assim, acabou se 
tomando o próprio Irmão Mais Velho de Pepi —a quem ele chama de 
“Pepsi” — (“Brother form the Same Planet”). Mandou Bart trabalhar num 
salão burlesco como castigo (“Bart After Dark”). Homer acendeu o pavio 
da rivalidade entre irmãos quando Lisa descobriu que gostava de hóquei no 
gelo: “Nesta sexta-feira, o time de Lisa vai jogar contra o time de Bart. 
Vocês estão em uma competição direta. Quero ver os dois lutando pelo
4 Marge podería suprir essa falta, já que Homer conclui que ela é sua alma gêmea. (“The 
Mysterious Voyage of Homer”), mas a maioria dos outros episódios da série parece indicar 
que os dois são muito diferentes em termos de objetivos, interesses e atividades.
24 Os Simpsons e a Filosofia
amor dos pais” (“Lisa on Ice”). Não vamos nos esquecer das tentativas de 
estrangulamento de Bart, precedidas por “Ora seu pequeno...!” E, final­
mente, ele vive esquecendo que Maggie existe.5
As qualidades de Homer como marido não são melhores. Ele não 
apóia ou é indiferente aos projetos de Marge; disse isso a ela em “A Streetcar 
Named Marge.” Sua recusa a ir a espetáculos artísticos e exibições certa 
vez levaram Marge a procurar a companhia de Ruth Powers; a amizade das 
duas colocou as duas mulheres em uma caçada policial ao estilo de Thelma e 
Louise. É verdade que ele pediu desculpas, mas suas desculpas são reveladoras: 
“Olhe, Marge, desculpe-me por eu não ter sido um marido melhor, desculpe 
por ter feito molho na banheira, pela vez que usei o seu vestido de noiva 
para encerar o carro, e desculpe - bem, desculpe-me por todo o casamento 
até agora” (“Marge on the Lam”). Em “Secrets of a Successful Marriage”, 
Homer atingiu um novo pico. Percebeu o que podería oferecer com exclu­
sividade a Marge: “completa e total dependência.” Na verdade, mesmo 
quando tenta apoiar, ele acaba fazendo tudo errado: certa vez, tentou ajudar 
Marge em seu negócio de pretzels, e foi procurar auxílio com a Máfia de 
Springfield, forçando Marge a lidar com Fat Tony e seus capangas (“The 
Twisted World of Marge Simpson”).
Além disso, qualquer esperança de que Homer possa um dia adquirir 
as virtudes morais morre quando reconhecemos que ele não tem aquela 
virtude intelectual necessária para um caráter ético, ou seja, a sabedoria 
prática (phronesis). Phronesis não é conhecimento teórico, embora Homer 
não tenha isso também.Tampouco é o conhecimento dos fatos, outra coisa 
que Homer não tem. A sabedoria prática é a habilidade de uma pessoa 
seguir seu caminho no mundo de maneira inteligente, moral e orientada por 
metas. Alguns exemplos serão suficientes. Primeiro, algumas amostras de 
sabedoria de Homer são altamente duvidosas. Em “There’s No Disgrace 
Like Home”, ele diz: “Quando vou aprender? As respostas para os proble­
mas da vida não estão no fundo de uma garrafa. Estão na televisão!” E 
falando de garrafas - uma vez fez o famoso brinde: “Ao álcool! A causa e 
a solução de todos os problemas da vida!” (“Homer ví. the Eighteenth 
Amendment”). Em “The Otto Show”, ele disse a Bart que “Se uma coisa é 
difícil de fazer, então não vale a pena fazer.” E em “Reality Bites”, disse a 
Marge que “Tentar é o primeiro passo para o fracasso.”
Em segundo lugar, Homer parece não ter os poderes mínimos de 
inferência. Certa vez, ele deduziu que Timmy OToole (o menino fictício 
que Bart afirmava ter caído num poço) era um herói real pelo mero “fato” 
de ter caído em um poço e não conseguir sair (“Radio Bart”). Deduziu 
também que a política do prefeito Quimby de ter uma patrulha de ursos era 
eficiente só porque não havia ursos nas ruas de Springfield! Quando Lisa
5 Ver capítulo 3 deste livro.
Homer e Aristóteles 25
explicou que aquele raciocínio era errôneo, ele achou que ela o estava cum­
primentando (“Much Apu About Nothing”). Quando Lisa lhe disse que 
roubar sinal da TV a cabo era errado, ele discutiu com ela, dizendo que a 
menina também era ladra, pois não pagava pelas refeições em casa nem 
pelas roupas que lhe davam (“Homer vs. Lisa and the 8th Commandment”).
Em terceiro lugar, Homer não tem um dos aspectos mais cruciais do 
raciocínio prático: a capacidade de organizar a vida em tomo de metas 
importantes e dignas, e ir atrás delas com responsabilidade e moral. Ele tem 
muitos sonhos, como se tornar um condutor de monotrilho (“Marge vs. 
the Monorail”) e ser o dono do time Dallas Cowboys (“You Only Move 
Twice”); mas sonhos não são metas, e estas Homer não tem. Pelo me­
nos, metas nobres e dignas de alcançar. Ele parece satisfeito em ser um 
inspetor de segurança incompetente, trabalhando no setor 7G na usina de 
força de Bum, vendo alguns de seus subordinados sendo promovidos antes 
dele. Na verdade, ele estava disposto (“King-Size Homer”) a engordar 
para receber uma licença por incapacidade e trabalhar em casa. Se Homer 
tem uma meta na vida, é a de passá-la inutilmente, comendo, bebendo e 
mergulhando na preguiça. Acrescente-se a tudo isso a extrema ingenuida­
de de Homer (veja quantas vezes Bart é capaz de tapeá-lo), e que teremos 
é alguém com capacidade mínima de raciocínio.
0 caráter de Homer: o vislumbre de alguns lu-hús
Não devemos, porém, ser muito duros com Homer, pois, às vezes, ele 
age de modo admirável. Paradoxalmente, por exemplo, embora ele se es­
queça da existência de Maggie, seu local de trabalho é repleto de fotos 
dela, que ele mesmo colocou por amor a ela (“And Maggie Makes Three”). 
Também, que se saiba, ele nunca cometeu adultério, embora tenha tido 
algumas oportunidades (“Coloner Homer” e “The Last Temptation of 
Homer”).6 Ele costuma ser afetuoso e carinhoso com Marge: desposou-a 
novamente (após se divorciar dela) para compensar o casamento “abala­
do” original (“A Milhouse Divided”). Homer também tem um bom relacio­
namento com Lisa. Considere os seguintes exemplos: seu apoio ao plano 
dela de revelar a teia de mentiras que cercava as origens de Jebediah 
Springfield (“Lisa the Iconclast”), o apoio à autoconfiança de Lisa, inscre­
vendo-a no concurso de Pequena Miss Springfield (“Lisa the Beauty 
Queen”), deixar de comprar um ar condicionado duas vezes para poder lhe 
dar um saxofone (“Lisa’s Sax”), e a ocasião em que ele a levou furtiva-
6 Digo “que se saiba” porque em “Viva Ned Flanders”, Homer acorda num hotel em Las 
Vegas e descobre que durante a bebedeira da noite anterior tinha se casado com uma garço- 
nete, mas não fica claro na história se os dois tiveram relação sexual.
26 Os Simpsons e a Filosofía
mente ao Museu Springsoniano para que ela pudesse ver os “Tesouros de 
ísis” (“Lost Our Lisa”).
As vezes, Homer demonstra coragem. Considere agora estes exem­
plos: ele esbravejou com o Sr. Bums por exigir demais dele (“Homer the 
Smithers”) e por não se lembrar de seu nome (“Who Shot Mr. Bums?”), 
deu uma surra em George Bush (os motivos não ficaram claros; nada tinha 
a ver com alianças partidárias, pois ele apóia Gerald Ford, também republi­
cano) (“Two Bad Neighbors”). Homer também exibe atos de bondade, 
mesmo com pessoas que ele detesta. Em “When Flanders Failed”, ele aju­
dou Ned a aumentar suas vendas no Leftorium; em “Homer Loves Flanders”, 
ele defendeu Ned na igreja (“... esse homem deu toda face de seu corpo 
pra levar um tapa”); e em “Homer versus Patty and Selma”, Homer fingiu 
ser ele que estava fumando para que Patty e Selma não fossem despedidas 
por fumar no local de trabalho.
Homer, às vezes, exibe até inteligência e sabedoria teórica. Como 
exemplos da primeira, ele bolou um intrincado plano para trazer álcool 
contrabandeado a Springfield e se tomou o famoso “Barão da Cerveja” 
(“Homer vs. the Eighteenth Amendmenf’), e elaborou um esquema para 
ganhar dinheiro com o esqueleto de um “anjo” (“Lisa the Skeptic”). Como 
exemplo de sabedoria teórica, Homer mostrou um raro discernimento da na­
tureza da religião, quando resolveu parar de ir à igreja, pois - segundo con­
cluiu - Deus está em todo lugar. Até citou, embora não se lembrasse do 
nome, Jesus como alguém que se colocou contra as práticas ortodoxas e 
que estava certo ao fazê-lo (“Homer the Heretic”). Ele tem também raros 
momentos em que parece reconhecer as próprias limitações. Certa vez, 
perguntou a Marge: “Você está aqui para me ver, certo?”, quando ela apa­
receu na usina, revelando sua crença de que, como ele era um homem de 
poucas qualidades, precisava ter certeza de que Marge estava lá de fato 
para vê-lo (“Life on the Fast Lane”). E checou duas, três vezes se Lurleen 
Lumpkin estava realmente flertando com ele, só para ter certeza de que ela 
estava sexualmente interessada nele (“Colonel Homer”).
Avaliação: julgando Homer
O que podemos deduzir de tudo isso? Como fica Homer em uma 
avaliação ética? Ele não é uma pessoa maligna. Embora não seja um para­
digma de virtude, também não é mau. A reação mais dura que podemos ter 
em relação a ele é de pena. Temos pelo menos dois motivos para isso. O 
primeiro é que a formação de Homer deixa muito a desejar. Para começo 
de conversa, ele cresceu em Springfield, uma cidade cujos habitantes - 
com a rara exceção de Lisa - tem graves defeitos de caráter, variando da 
estupidez à maldade, da incompetência à falta de noção do mundo (mesmo 
Marge, que é uma boa candidata a ser outra exceção entre os habitantes de
Homer e Aristóteles 27
Sprinfield, é muito convencional e não costuma ter certas habilidades críti­
cas7). Considere que mesmo quando os membros do capítulo da Mensa em 
Springfield governaram a cidade (após a fuga do prefeito Quimby), conse­
guiram propor regras injustas, restritivas e altamente idealistas. Desneces­
sário dizer que reinou o caos (“They Saved Lisa’s Brain”).8
O efeito de ser criado num ambiente assim pode ser prejudicial para a 
formação do futuro caráter e das habilidades intelectuais de uma pessoa. 
Além disso, a criação num ambiente saudável é um dos principais argu­
mentos para o projeto de Aristóteles em Política: “Nosso propósito é con­
siderar que forma de comunidade política é a melhor para aqueles que 
forem mais capazes de realizar seu ideal de vida” (1260b25). De fato, a 
Ética de Aristóteles também visa ao estadista que deve pensar em qual 
seria o melhor caráter ético, e projetar uma comunidade política capaz de 
produzir esse caráter. Se isso estiver certo, então um motivo por que temos 
pena de Homer é que esse aspecto de sua formação - isto é, Springfield - 
escapa de seu controle.
Alémdisso, a criação de Homer em casa também deixa muito a dese­
jar. Sua mãe o abandonou quando ele era muito pequeno, e seu pai nunca o 
incentivou a se tomou alguém de valor; quando Homer tinha qualquer aspi­
ração, o pai as destroçava (“Mother Simpson” e “Barí Star”). Além disso, 
uma qualidade sobre Homer que ele certamente não podería controlar é o 
gene Simpson, que aparentemente faz um Simpson ficar mais estúpido com 
a idade. Esse gene “tem defeito só no cromossomo Y” e não no X, o que 
explica por que Lisa e outras mulheres Simpsons têm sido espertas e bem- 
sucedidas (“Lisa the Simpson”). Nesse caso, Homer pouco pode fazer para 
melhorar a si próprio. E esses fatores explicam por que costumamos olhar 
para Homer com pena, em vez de desdém ou ódio.
O segundo motivo para o nosso julgamento de Homer não ser duro 
demais, embora ele não seja virtuoso, é que ele geralmente não é uma 
pessoa maldosa. E egoísta, guloso, ganancioso e, às vezes, muito burro, 
mas raramente tem inveja dos outros ou lhes deseja algo ruim. É verdade 
que ele costuma agir com intenção deliberada de prejudicar as pessoas, 
mas achamos que essas pessoas, de certa forma, não merecem um trata­
mento melhor. Por exemplo, o desprezo que Homer tem de Selma e Patty 
parece ser apropriado, se levarmos em conta o jeito como elas o tratam e a 
atitude desdenhosa delas para com ele. Homer também não gosta (embora 
tenha medo) do Sr. Bums. E, digam o que quiserem do Sr. Bums, ele é o 
paradigma do capitalista ganancioso, mau e cruel, disposto a andar por cima 
do cadáver de qualquer um para alcançar seus objetivos.9 E, por fim, Homer
7 Para uma visão aristotélica do caráter de Marge, ver capítulo 4 deste volume.
8 Sobre os vícios e erros de Springfield, ver capítulo 12 deste volume.
9 E também nunca será feliz. Ver capítulo 13 deste volume.
28 Os Simpsons e a Filosofia
trata Flanders de maneira indecente, indo da indiferença ao desdém. Mas 
Flanders, por sua vez, é um sujeito prepotente, arrogante e, ao mesmo tem­
po, ingênuo.10 Isso não justifica o jeito como Homer o trata, mas ajuda a 
entender. Se lembrarmos dessas exceções, veremos que Homer não é um 
indivíduo mau e não trata as pessoas com maldade. Esse é outro motivo por 
que, apesar da falta de caráter ético, Homer não provoca uma reação ne­
gativa em nós.
Podemos, portanto, julgar efetivamente que Homer não é uma pessoa 
viciosa, no sentido de ser governado pelo vício (vício, como inclinação para 
o mal). Digo “efetivamente” porque há uma exceção nesse julgamento: em 
relação aos apetites físicos por comida e bebida, Homer é vicioso. Não se 
contenta em comer e beber moderadamente, e isso deixa fora a virtude, pelo 
menos nessa área. Ele raramente, se é que alguma vez, acredita que deve 
controlar o excesso de comida e bebida, o que deixa de fora continência e 
incontinência. Além disso, não parece pensar que é errado (exceto por 
alguns problemas ocasionais de saúde) exagerar na comilança, mesmo em 
lugares inapropriados. Uma vez, disse a Marge: “Se Deus não quisesse que 
a gente comesse na igreja, não teda colocado a gula como pecado” (“King 
of the Hill”). Essas considerações nos permitem concluir com segurança 
que Homer exibe vícios na área dos apetites físicos da gastronomia.
Tendo em vista a abundância de evidências e exemplos, podemos 
chegar ao seguinte julgamento: Homer não é uma pessoa virtuosa. Nume­
rosos fatores nos levam a essa conclusão, mas talvez o mais saliente seja o 
fato de Homer não ter a estabilidade de caráter que acentua uma pessoa 
virtuosa. Simplesmente não se pode contar com ele para fazer a coisa cer­
ta, nem mesmo com respeito a ações que envolvam seus familiares. Além 
disso, o julgamento de que ele não é virtuoso, diferente do primeiro - i.e., 
que não é vicioso - não é efetivo. Pois embora Homer às vezes se compor­
te corretamente, seus motivos são tortuosos, ou na melhor das hipóteses 
ambíguos (seus atos de coragem são o melhor exemplo). E no que concer­
ne à sua família, mesmo quando ele faz o que achamos próprio de um bom 
pai ou marido, há exemplos demais que mostram o contrário. Homer sim­
plesmente não tem o tipo de caráter estável que é necessário para alguém 
ser virtuoso.
Devemos também nos lembrar de que em muitos casos nos quais ele 
faz a coisa certa, principalmente em relação à sua família, ele precisa lutar 
contra seus desejos de agir de forma contrária. As duas vezes em que com­
prou um saxofone para Lisa, ele teve de lutar contra seu desejo de comprar 
um ar condicionado (“Lisa’s Sax”). Às vezes, apesar de saber o que deve ser 
feito, ele prefere agir errado, exibindo o que os gregos chamam de akrasia, 
ou “fraqueza de vontade”. Por exemplo, em “The War of the Simpsons”,
10 Sobre o caráter de Flanders, ver capítulo 14 deste volume.
Homer e Aristóteles 29
ele prefere ir pescar durante a estada em Catfish Lake, embora soubesse 
que deveria dar atenção a Marge e ao casamento.
Homer não é uma pessoa virtuosa. Ele mostra seus defeitos na área 
da gastronomia e em outras esferas da vida; oscila entre a continência e a 
incontinência. Isso, é claro, não aparece na divisão dos tipos de caráter 
estabelecida por Aristóteles, pois sua divisão é lógica, e não uma descrição 
de que tipos de pessoas existem de fato. Homer exemplifica diferentes 
tipos de caráter, dependendo da área da vida em que se levanta a questão.
Conclusão: 9 importância de ser Homer
No início deste ensaio, afirmei que havia algo eticamente admirável 
em Homer Simpson. Mas tal afirmação gera um problema: Como isso pode 
ser verdade, se Homer não é virtuoso? Pois se o paradigma de um caráter 
eticamente admirável é ser virtuoso, e se Homer não corresponde a esse 
padrão, então dizer que ele é eticamente admirável soa falso. Além disso, 
mesmo que não o achemos maldoso, e mesmo que acreditemos que a for­
mação de seu caráter - pelo menos de um modo geral - estivesse além de 
seu controle, esses fatores não são suficientes para tomá-lo eticamente 
admirável. Para que aquela afirmação seja plausível, deve haver alguma 
outra coisa envolvida. E não pode ser o fato de Homer às vezes fazer a 
coisa certa, pois a afirmação é sobre ele, seu caráter, e não um subgrupo 
de ações.
Em “Scenes form the Class Struggle in Springfield”, Marge se dá 
conta de seu erro em tentar convencer a família a aceitar um círculo social 
elitista para o qual ela entrou recentemente. Aceitando os membros da 
família como eles são, ela enumera as qualidades que aprecia em cada um 
(mas não conseguiu encontrar uma em Bart). A qualidade de Homer que 
ela menciona é a de “humanidade na cara”; e essa qualidade, compreendi­
da em termos suficientemente gerais, não só se aplica a ele mas também 
explica como ele é eticamente admirável.
Essa qualidade não engloba aquelas características que levam Homer 
a fazer coisas que muitos de nós, em diferentes graus, considerariam exe­
cráveis, como arrotar, dar vazão à flatulência, coçar os glúteos e comer e beber 
até desmaiar. Se fosse só isso, Homer seria simplesmente um chato. Na verda­
de, essa qualidade aborda o amor e a paixão de Homer pela vida, em seus 
elementos mais básicos, enquanto, ao mesmo tempo, ele não dá muita atenção 
ao que as pessoas pensam. Homer não costuma ligar para etiqueta ou para 
a opinião que os outros fazem dele. Ele quer desfrutar a vida - a sua versão 
dela - ao máximo. Seu entusiasmo pela vida não é calculado, tampouco ele 
tem consciência disso. Mas esse entusiasmo se manifesta em suas ações, 
atitudes, falta de maldade e comportamento de criança (para não dizermos 
infantil); o que, de fato, pode ser encontrado na maioria dos exemplos deste
30 Os Simpsons e a Filosofía
ensaio. Quando acrescentamos a isso o fato de Homer ser um cidadão 
lutador de “classe média-alta-baixa”, que trabalha em urna fábrica sob a 
tirania de um capitalista cruel, e quando acrescentamos também o fato de 
Homer morar em Springfield, uma cidade que deve fazer uma pessoa parar 
e pensar antes de crer que a vida merece seramada, descobrimos um 
individuo que tem muito a ser admirado.
Essa qualidade que explica a admirabilidade de Homer - vamos cha- 
má-la de “amor pela vida”, lembrando do rótulo de Ned Flanders, “luxúria 
embriagante da vida” (“Viva Ned Flanders”) - não é uma virtude em si. 
Não porque não apareça na lista de Aristóteles, mas porque, como bem 
sabemos, tal qualidade, se não for canalizada, pode ser perigosa tanto para 
os outros quanto à própria pessoa (como penso ser o caso de Homer). 
Assim como a ambição, é uma qualidade positiva, e até admirável. Tam­
bém é uma qualidade ética. Se possuída devidamente, ela melhora a vida da 
pessoa, tomando-a mais agradável, e faz com que nós desejemos estar na 
companhia dela, não porque seja contagiante, mas simplesmente porque é 
agradável estar perto de gente assim. Se essas qualidades que contribuem 
para a felicidade de uma pessoa e seu florescimento geral forem plausivel- 
mente consideradas éticas, então uma qualidade como amor pela vida é útil, 
se usada e regulada pela razão prática. No caso de Homero, a qualidade 
não é canalizada pela razão, e vem com outros traços que fazem de sua 
posse algo perigoso. Mesmo assim, admiramos Homer por tê-la, a despeito 
de todas as probabilidades do contrário.11
Além disso, essa qualidade, especialmente por não estar devidamente 
canalizada em Homer, o fazer abertamente honesto quanto aos seus dese­
jos e necessidades - a ponto do exagero. Enquanto os outros fazem intrigas 
e tramam furtivamente, fingindo ser socialmente conformistas, Homer é 
claro, honesto e até franco demais sobre quem ele é, o que quer, o que 
pensa dos outros. Ele conhece suas limitações, ama sua família - de seu 
jeito próprio e moralmente atenuado - e é uma pessoa que mostra “na 
cara” o que é.
Contudo, não quero ser mal interpretado. Não estou dizendo que Homer 
é uma pessoa admirável, mas apenas que tem uma característica admirá­
vel. E tentador passar da última afirmação para a primeira, porque, em 
primeiro lugar, embora Homer não seja virtuoso também é vicioso, exceto 
pelos apetites físicos; em segundo lugar, o fato de Homer amar a vida a 
despeito de seus modestos meios financeiros e econômicos, e apesar de ter
11 As probabilidades do contrário aqui incluem seus meios financeiros e intelectuais mode­
rados e o fato de viver entre os moradores de Springfield. Devemos nos lembrar também que 
podemos admirar o caráter de Homer por outros motivos. Ele é, obviamente, muito engra­
çado. Também podemos admirá-lo porque vemos nele um sentido exagerado daquilo que 
somos.
Homer e Aristóteles 31
crescido e viver em uma cidade como Springfield (que não induz a uma 
vida boa), pode nos fazer achá-lo admirável por reter esse amor pela vida 
mesmo diante das situações difíceis. Mas devemos resistir à tentação, e 
por três motivos.
Primeiro, e como já mencionei, a qualidade do amor pela vida no caso 
de Homer não é regulada pela razão, e isso pode tomá-la moralmente peri­
gosa. Segundo, gostar da vida não é o mesmo que ter uma vida florescente. 
Uma pessoa pode realmente amar ao máximo a vida, sem, no entanto, vivê- 
la de maneira notável. Pense em alguém plenamente feliz, passando a vida 
contando as folhas da grama ou colecionando tampinhas de garrafa, mas 
que é capaz de ter metas mais nobres. Por mais feliz que seja essa pessoa, 
e por mais que goste do que faz, não podemos dizer que sua vida é bem 
vivida. Diante dos exemplos mencionados na terceira seção anterior, Homer 
certamente é capaz de levar uma vida melhor do que a sua atual. O terceiro 
é um motivo lógico: possuir uma característica admirável não faz de seu 
possuidor um indivíduo admirável. Os vilões geralmente têm a característi­
ca de superar o medo diante do perigo, e embora isso seja admirável, não 
achamos os vilões pessoas admiráveis. Na verdade, é por isso que às vezes 
dizemos a respeito de uma pessoa cruel: “Bem, pelo menos está sendo 
coerente”, reconhecendo essa coerência como uma característica admirá­
vel, embora isso não seja suficiente para considerar a pessoa também admi­
rável.
Além disso, um momento de reflexão nos faz compreender que Homer, 
na verdade, não é um indivíduo admirável. Não é virtuoso, e esse fato em si 
é suficiente para frustrar qualquer tentativa de se atribuir a ele admirabili- 
dade. Entretanto, às vezes as pessoas não-virtuosas são chamadas de admi­
ráveis se compensarem sua falta de virtude dando ao mundo, por exemplo, 
obras-primas artísticas. O exemplo a que me refiro é do artista Gauguin, 
que abandonou sua família à própria sorte enquanto ia se dedicar à arte no 
Taiti. Tais fatores extenuantes, porém, não se aplicam a Homer: Que con­
tribuição perene ele fez ao mundo para compensar sua falta de virtude e 
merecer a descrição de “admirável”?
Mas o amor de Homer pela vida é, sem dúvida, uma característica 
admirável, e essa conclusão não é trivial, pois muita gente só vê nele 
fanfarronice e imoralidade. E, além disso, o amor de Homer pela vida se 
destaca como uma qualidade importante, principalmente em nossos tem­
pos, em que a preocupação com uma política correta, os bons modos e a 
gentileza, a decisão de não julgar os outros, a obsessão pela saúde física, e 
o pessimismo quanto ao que é bom e agradável na vida reinam de maneira 
mais ou menos suprema. Em nossos dias, Homer Simpson - cujo adesivo 
no pára-lama diz “Single’n’Sassy” (Solteiro e gostoso) brilha como uma 
pessoa que se gaba dessas “verdades”. Ele não é politicamente correto, 
fica mais do que feliz por julgar os outros e, certamente, não parece ser
32 Os Simpsons e a Filosofia
obcecado por saúde. Essas qualidades podem não fazer de Homer um ho­
mem admirável, mas o tomam admirável em alguns sentidos e, mais impor­
tante, nos fazem desejá-lo e desejar os outros Homer Simpsons deste 
mundo.12
12 Quero agradecer às seguintes pessoas: os editores deste livro, por seus comentários úteis, 
principalmente Bill Irwin também por seu constante apoio e incentivo; Steve Iones, por 
participar comigo de excelentes conversas sobre Homer Simpson e por tolerar (e às vezes 
até apreciar) meu constante uso de citações homéricas em minha fala regular; meus brilhan­
tes estudantes na Escola do Instituto de Arte de Chicago, por discutir o tópico desse estudo 
comigo em numerosas ocasiões (envolvendo muita indulgência ¡moderada em comida e 
bebida), por usar exemplos de Os Simpsons em seus trabalhos de Filosofia e pela alegria 
contagiante deles só por saberem que eu estava escrevendo este ensaio: Annika Connor, Ted 
Dumitrescu, Christopher Koch, Cory Poole, Sara Puzey, Austin Stewart, e Dahlia Tulett 
(este trabalho é dedicado a eles).
2
Lisa e o antiintelectualismo 
americano
A eon J. Skoble
A sociedade americana costuma ter um relacionamento de amor e 
ódio com a noção do intelectual. Por outro lado, há um senso de respeito 
pelo professor ou dentista; mas, ao mesmo tempo, existe também um gran­
de ressentimento pela “torre de marfim” ou pelo “rato de biblioteca”, urna 
espécie de defensiva contra os inteligentes ou mais instruídos. Os ideais re­
publicanos dos Fundadores pressupõem cidadãos esclarecidos, mas, mesmo 
hoje em dia, a introdução de análises ainda que remotamente sofisticadas de 
tópicos políticos é taxada de “elitismo”. Todos respeitam um historiador; no 
entanto, a opinião dele pode ser desconsiderada com o argumento de que 
“não é mais válida” do que aquela do “operário”. Os comentaristas populistas 
e políticos frequentemente exploram esse ressentimento dos conhecimen­
tos especializados, embora apelem para eles quando lhes convêm; por exem­
plo, quando um candidato ataca seu adversário por ser um “elitista”, quando, 
na verdade, ele é um produto semelhante (ou conta com conselheiros se­
melhantes) da mesma origem educacional.
Do mesmo modo, um hospital pode consultar um especialista em bioética, 
ou rejeitar seus conselhos, alegando ser abstratos demais ou sem ligação com 
as realidades da medicina. Na verdade, parece que a maioria das pessoasgosta de defender suas posições citando especialistas, mas invoca um sen­
timento populista quando estes não defendem suas visões. Por exemplo, 
posso fortalecer meu argumento citando um especialista que concorde co­
migo, mas, se o especialista discordar de mim, eu direi: “Ora, o que ele sabe?” 
ou “Eu tenho direito à minha opinião também.” Por estranho que pareça, vemos 
o antiintelectualismo mesmo entre os intelectuais. Por exemplo, em muitas 
universidades hoje em dia, tanto entre os alunos quanto no corpo docente, a 
importância dos clássicos e das ciências humanas tem sido incrivelmente 
diminuída. A tendência é desenvolver programas pré-profissionais e enfatizar
3 3
3 4 Os Simpsons e a Filosofia
a “relevância”; enquanto as aulas de ciências humanas são consideradas 
um luxo ou apenas um programa adicional, mas não necessariamente ca­
racterísticas de uma educação universitária. Na melhor das hipóteses, são 
vistas como veículos para desenvolver “habilidades transferíveis”, tais como 
composição ou pensamento crítico.
Parece que há modismos periódicos, como o oscilar de um péndulo: 
nos anos 1950 e inicio dos anos 1960, havia um tremendo respeito pelos 
dentistas, enquanto os Estados Unidos competiam com os soviéticos em 
áreas como a exploração espacial. Hoje, parece que o pêndulo reverteu 
seu balanço, à medida que o atual zeitgeist considera todas as opiniões 
igualmente válidas. Mas, ao mesmo tempo, as pessoas ainda parecem inte­
ressadas no que os supostos especialistas têm a dizer. Uma breve análise 
dos talk shows na televisão ou das cartas ao editor, nos jornais, revela essa 
ambivalência. O talk show convida um especialista porque presumivel­
mente as pessoas se interessarão pelas análises ou opiniões de tal indivíduo. 
Mas os participantes do painel e membros da platéia que discordarem do 
especialista poderão dizer que suas opiniões e perspectivas são igualmente 
dignas de notas. Um jornal pode manter uma coluna com opiniões de um 
especialista, cuja análise de uma situação pode ser mais completa do que a de 
uma pessoa comum, mas as cartas dos leitores que discordam geralmente se 
baseiam na subjacente (quando não declarada) premissa de que “Ninguém 
sabe realmente coisa alguma” ou “Tudo é questão de opinião, e a minha 
também conta”. Essa última noção é particularmente insidiosa: na verdade, 
se fosse verdade que tudo depende de opinião, a minha seria tão importante 
quanto a de um especialista; não existiría o conhecimento especializado.
Assim, é justo dizer que a sociedade americana vive em conflito 
quanto aos intelectuais. O respeito por ele parece andar de mãos dadas 
com o ressentimento. Esse é um problema intrigante, e também de grande 
importância, pois parece que estamos à beira de uma nova “idade das tre­
vas”, em que não só a noção da especialidade, mas de todos os padrões de 
racionalidade estão sendo desafiados. As consequências sociais são clara­
mente significativas. Como um veículo de exploração desse tema, pode ser 
surpreendente escolher um programa de televisão que, à primeira vista, 
parece dedicado à idéia de quanto mais idiota melhor; mas, na verdade, 
dentre as muitas coisas que Os Simpsons habilmente ilustra sobre a socie­
dade, a ambivalência americana quanto ao conhecimento especializado e a 
racionalidade é, sem dúvida, uma delas.13
13 Seria antiintelectual para uma pessoa com Ph.D. escrever um ensaio sobre um progra­
ma de tevê? Como discutimos na introdução, não necessariamente: depende se o programa 
pode iluminar algum problema filosófico, ou servir como um exemplo acessível para expli­
car uma questão. Se quiséssemos adotar uma abordagem antiintelectual, poderiamos argu­
mentar que tudo o que precisamos saber pode ser aprendido na televisão, mas, certamente, 
não é isso que estamos dizendo: de fato, estamos tentando usar o interesse das pessoas pelo 
programa como um meio de fazê-las ler mais filosofia.
Lisa e o antiintelectualismo americano 3 5
Em Os Simpsons, Homer é o clássico exemplo de um bobão 
antiintelectual, assim como a maioria de seus conhecidos e seu filho. Mas 
sua filha, Lisa, não só é pró-intelectual, mas tem uma inteligência superior 
à sua idade. Ela é extremamente inteligente, sofisticada e, freqüentemente, 
mais esperta que todos à sua volta. Claro que as outras crianças caçoam 
dela na escola e os adultos geralmente a ignoram. Por outro lado, seu pro­
grama de tevê favorito é o mesmo do irmão: um desenho animado violento 
e inconseqüente. A preferência dela pelo programa retrata o relaciona­
mento de amor e ódio da sociedade americana com os intelectuais.14 Antes 
de estudarmos os modos como isso acontece, examinemos o problema 
mais de perto.
Autoridade falaciosa e a especialidade real
Um tema essencial dos cursos introdutórios de lógica é que é um 
engano ou uma falácia “apelar para a autoridade”; entretanto, as pessoas 
costumam fazer isso com mais frequência do que seria apropriado. Estrita­
mente em termos de lógica, é sempre um erro argumentar que uma propo­
sição é verdadeira porque fulano assim afirma; mas os apelos à autoridade 
costumam ser usados para demonstrar que temos bons motivos para acre­
ditar na proposição, embora não constituam prova de sua veracidade. Como 
todas as falácias envolvendo a tal relevância, o problema com esses argu­
mentos de autoridade é que eles a evocam de uma maneira irrelevante. Por 
exemplo, em questões que são realmente subjetivas, como qual pizza ou 
refrigerante eu devo experimentar, invocar a autoridade de outra pessoa é 
irrelevante, pois eu posso não ter os mesmos gostos.15 Em outros casos, o 
erro está em se supor que, porque uma pessoa é autoridade em determina­
da área, seu nível de conhecimento especializado se estende a todas as 
outras. Por exemplo, Troy McClure endossando a cerveja Duff não consti­
tuiría um apelo válido à autoridade, pois ser ator não garante a especialida­
de em cerveja. (E experiência não é o mesmo que especialidade: Barney 
também não é especialista em cerveja.) Em outros casos, o apelo é enga­
noso, ou falacioso, uma vez que certos assuntos não podem ser resolvidos 
recorrendo-se a especialistas, não por serem subjetivos, mas porque são 
incognoscíveis, como por exemplo o futuro do progresso científico. O exem-
14 Intelectuais e especialistas não são a mesma coisa, claro: muitos intelectuais não se 
especializam em coisa alguma. Mas eu desconfio que a antipatia para com ambos tem raízes 
semelhantes, e a distinção se perde entre aqueles que tendem a rejeitar ou desprezar os dois.
15 Não estou dizendo se há ou não critérios objetivos para julgar a comida, mas simplesmen­
te mostrando que o fato de Smith preferir chocolate à baunilha é bem diferente do fato de 
Jones preferir assassinato ao aconselhamento.
3 6 Os Simpsons e a Filosofía
pío clássico aqui é a afirmação de Einstein, em 1932, de que “não existe a 
menor indicação de que a energia [nuclear] pode ser obtida.”16
Mas após expormos todo esse ceticismo em relação aos apelos à 
autoridade, vale lembrar que algumas pessoas realmente sabem mais so­
bre certas coisas do que outras, em muitos casos, o fato de uma autorida­
de em determinado assunto nos dizer alguma coisa realmente é um bom 
motivo para acreditarmos nela. Por exemplo, como não tenho um conhe­
cimento em primeira mão da Batalha de Maratona, devo acreditar no que 
outras pessoas me dizem sobre o tema, e um historiador clássico é exata­
mente o tipo de pessoa a quem devo recorrer, enquanto um médico já não 
seria.17
Geralmente as pessoas se ressentem da aplicação da sabedoria, prin­
cipalmente em ideais morais ou sociais. Elas podem argumentar que, de 
fato, existe a possibilidade de alguém se especializar no estudo das guerras 
entre gregos e persas, mas isso não significa que tal indivíduo possa nos 
esclarecer a respeito da política mundial na atualidade.18 Você pode ser 
um perito na teoria moral de Aristóteles, mas isso não significa que você 
tem condições de me dizer como devo levar minha vida. Essa espéciede 
resistência ao conhecimento especializado vem, em parte, da natureza 
de um regime democrático, e o problema não é novo, mas já tinha sido 
identificado por filósofos como Platão, por exemplo. Já que em uma demo­
cracia todas as vozes são ouvidas, isso pode levar as pessoas a concluir que 
todas as vozes têm igual valor. As democracias costumam se justificar pelo 
contraste às aristocracias ou oligarquias que pretendem substituir ou resis­
tir. Nessas sociedades elitistas, alguns presumem saber mais ou até ser 
pessoas melhores; enquanto nós, democratas, sabemos que isso não é ver­
dade. Todas as pessoas são iguais. E claro, porém, que a igualdade política 
não implica que ninguém possua conhecimento que os outros não têm; na 
verdade, poucas pessoas levam isso em conta na maioria das habilidades 
específicas, como encanador ou mecânico de automóveis. Ninguém, entre­
tanto (dizem), pode saber mais do que os outros sobre como viver, como ser 
justo. Daí se desenvolve uma espécie de relativismo: da rejeição das elites 
governantes, que podem não saber mais a respeito de justiça do que qual­
quer um de nós, a uma rejeição da noção de padrões objetivos de certo e 
errado. O certo é aquilo que eu sinto ser certo, o que é certo para mim. 
Hoje em dia, há uma tendência até nas academias de se questionar as 
noções de objetividade e especialidade. Não são consideradas como histó­
16 Citado por Christopher Cerf e Victor Navasky, The Experts Speak (Nova York: Pantheon 
Books, 1984), p. 215.
17 Claro que há exceções, caso o médico, por exemplo, também for especialista na Batalha de 
Maratona, se estudá-la como hobby; mas me refiro aqui à profissão médica.
18 Caso você esteja em dúvida, veja The Greco-Persian Wars, de Peter Green (Berkeley: 
University of California Press, 1996).
Lisa e o antiintelectualismo americano 3 7
ria verdadeira, mas apenas diferentes interpretações da história.19 Não há 
interpretações corretas de obras literárias, somente interpretações diferen­
tes.20 Até a ciência física, às vezes, é considerada repleta de valores e não 
objetiva.21
Assim, temos todos esses fatores contribuindo para um clima no qual a 
noção da especialidade se dilui e, ao mesmo tempo, vemos tendências contra­
ditórias. Se não existe o conhecimento especializado, e todas as opiniões são 
igualmente válidas, por que os talk shows e as listas dos livros mais vendidos 
trazem tantos especialistas em amor e anjos? Aliás, para que assistir a esses 
programas ou ler esses livros? Para que mandar as crianças à escola? É 
óbvio que as pessoas ainda dão uma certa importância à noção da especiali­
dade e, em muitos casos, buscam sua orientação. As pessoas parecem ter 
uma tendência a desejar que lhes digam o que fazer. Alguns críticos de reli­
gião atribuem sua influência a essa necessidade psicológica, mas não preci­
samos procurar fora do reino político para ver evidências disso. Espera-se 
“liderança” das figuras políticas: temos o problema do desemprego - ninguém 
sabe que providências tomar? Esse fulano seria um melhor presidente do que 
aquele outro, porque ele sabe como reduzir os crimes, acabar com a pobreza, 
melhorar as vidas de nossas crianças e assim por diante. Mas a ambivalência 
se mostra distintamente nesses contextos. Se o candidato Smith se gabar de 
sua especialidade e capacidade de “fazer as coisas bem feitas”, o candidato 
Jones provavelmente o acusará de ser um elitista de “nariz empinado”. Tam­
bém vemos a situação paradoxal em que as declarações das celebridades a 
respeito de questões políticas são levadas a sério, como se um músico ou ator 
pudesse acrescer alguma coisa à visão política de qualquer pessoa, e ao
19 Veja por exemplo o livro de Mary Lefkowitz, Not Out o f Africa (Nova York: Basic Books, 
1996), no qual ela narra suas experiências como uma classicista tentando manter padrões de 
inquirição na inflamada área da Arqueologia com base em raças.
20 Para uma rara explicação objetiva da interpretação artística, ver William Irwin, Intentionalist 
Interpretation: A Philosophical Explanation and Defense (Westport, CT: Greenwood Press, 
1999). Ironicamente, ao mesmo tempo em que noção de verdade e especialidade está sendo 
desafiada dentro do meio acadêmico - não existem especialistas em moralidade - os talk 
shows e as listas dos livros mais vendidos estão repletos de especialistas em itens como 
relacionamento, horóscopo e anjos. Mas esses especialistas, eu creio, só são procurados 
porque confirmam as predisposições de uma pessoa, e rejeitados quando não o fazem. De 
fato, a rejeição das afirmações de conhecimento no campo de valores é diferente da rejeição das 
afirmações de conhecimento nas áreas físicas; mas o interessante é vermos ambas, e ao mesmo 
tempo também deparamos com afirmações falsas de especialidade em inúmeras questões 
inapropriadas.
21 Ver, por exemplo, Alan Sokal e Jean Bricmont, Fashionable Nonsense Postmodem 
lntellectuals ’ Abuse o f Science (Nova York: Picador, 1998). A base desse livro foi a fraude, 
hoje famosa, de Sokal, na qual ele enviou um ensaio fajuto baseado nesse tema, que foi 
prontamente aceito por editores de periódicos científicos como uma ótima obra. O título do 
ensaio era: “Transgredindo as fronteiras: Na direção de uma hermenêutica transformativa 
da gravidade quântica”, originalmente publicada em Social Text 46-47, (1996), p. 217-252.
3 8 Os Simpsons e a Filosofía
mesmo tempo se deseja a noção de especialidade em govemos. Com quais 
visões a maioria dos americanos está mais familiarizada: de Alee Baldwin e 
Charlton Heston ou de John Rawls e Robert Nozick?
Além da especialidade política, as pessoas também anseiam (embora 
pareçam ambivalentes) pela especialidade tecnológica. A maioria não hesi­
ta em reconhecer que é incompetente para serviços de encanador e mecâ­
nica e para realizar cirurgias, e de bom grado passam essas tarefas para as 
mãos dos especialistas. No caso do cirurgião, vemos outra manifestação da 
ambivalência. Penso nos casos em que as pessoas defendem a medicina 
alternativa ou as curas espirituais - o que sabem os médicos, afinal? Essa é 
uma tendência moderna nos meios acadêmicos de se achar que a ciência 
é repleta de valores e deficiente em objetividade. Mas não encontramos 
defensores dos “encanadores alternativos” ou “mecânica de automóveis 
espiritual”, por isso a especialidade desses profissionais é mais facilmente 
aceita; e os serviços do tipo faça-você-mesmo não são exemplos contrários, 
pois se trata aqui de alguém se considerar hábil nesse ofício, não necessaria­
mente negar aos outros essa aptidão. Além disso, como os encanadores e 
mecânicos não costumam se posicionar como especialistas em campos além 
dos seus (já os cirurgiões podem se posicionar como peritos em ética), são 
menos susceptíveis ao ceticismo alheio.22
Admiramos Lisa ou rimos delâ P
O antiintelectualismo americano, portanto, é penetrante, mas não 
abrange tudo e todos. Assim como muitos outros aspectos da sociedade 
moderna, Os Simpsons usa freqüentemente esse tema como alimento para 
a sua sátira. Na família Simpson, só Lisa poderia ser descrita como inte­
lectual. Mas essa descrição não é totalmente lisonjeira. Em contraste ao 
seu pai, absurdamente ignorante, ela sempre tem a resposta certa para um 
problema ou uma análise mais perceptiva de uma situação; por exemplo, 
quando expõe a corrupção política23 ou quando desiste do sonho de ter um 
pônei para que Homer não precise trabalhar em três empregos.24 Quando 
Lisa descobre a verdade por trás do mito de Jebediah Springfield, muitas 
pessoas não se convencem, mas Homer diz: “Você sempre está certa nes­
sas coisas.”25 Em “Homer’s Triple Bypass”, Lisa chega a conversar com o 
Dr. Nick durante uma cirurgia do coração e salva a vida de seu pai. Mas, 
outras vezes, seu intelectualismo é usado como motivo de piadas, como se
22 Isso também indica por que as atitudes populares em relação a “autoridade” e aos 
“intelectuais” não são exatamente as mesmas.
23 “Mr. Lisa Goes to Washington.”24 “Lisa’s Pony.”
25 “Lisa the Iconoclast.”
Lisa e o antiintelectualismo americano 3 9
ela fosse esperta “demais”, ou estivesse apenas dando sermões. Por exem­
plo, seu vegetarianismo por principios é revelado como dogmático e instá­
vel,26 e ela usa Bart num experimento científico sem o conhecimento dele,27 
evocando exemplos do pior tipo de arrogância, como o infame estudo 
Tuskegee.28 Ela faz um agito para entrar no time de futebol, mas está mais 
interessada em provar uma idéia do que em jogar.29 Assim, embora sua 
sabedoria seja, às vezes, apresentada como valiosa, em outras ocasiões ela 
demonstra o caso de ser santimonial ou condescendente.
Uma crítica populista comum do intelectual é o chavão típico: “Você 
não é melhor do que nós.” A idéia dessa acusação parece ser que, se eu 
consigo demonstrar que o suposto sábio é “na verdade” uma pessoa co­
mum, então talvez eu não precise ficar tão impressionado com a opinião 
dele. Daí a expressão, “ele veste a calça uma perna de cada vez, como 
todo mundo.” A implicação desse vulgarismo é claramente “ele é uma pes­
soa comum como você e eu; então, por que devemos ficar assombrados 
com sua alegada especialidade?” No caso de Lisa, vemos que ela tem 
muitas das mesmas manias das outras crianças: ao lado do irmão, ela assis­
te ao violento desenho animado Comichão e Coçadinha, venera o ídolo 
adolescente Corey, brinca com a boneca que seria a Barbie de Springfield, 
Malibu Stacy. Temos, portanto, ampla oportunidade de ver Lisa como al­
guém que “não é melhor” que os outros em muitos sentidos, o que nos 
permite não levar muito a sério sua esperteza. E verdade, claro, que isso é 
apenas um comportamento típico de uma garota muito jovem, mas como em 
tantos outros casos ela é apresentada não simplesmente como um prodígio, 
mas sim sobrenaturalmente sábia, sua predileção pelo violento desenho e por 
Corey parece ganhar destaque, assumindo uma importância maior. Lisa é 
retratada como o avatar da lógica e da sabedoria; no entanto, ela venera 
Corey, por isso não é “melhor que os outros”. Em “Lisa the Skeptic”, ela é a 
única voz da razão quando a cidade está convencida de que foi encontrado o 
“esqueleto de um anjo” (trata-se de uma fraude), mas quando o esqueleto 
parece falar, ela fica com medo, assim como todas as outras pessoas.
O relacionamento de Lisa com a boneca Maliby Stacy, é na verdade, 
o tema central de um episódio,30 e isso também demonstra uma ambivalên­
cia na sociedade quanto ao racionalismo. Aos poucos, Lisa vai percebendo 
que a boneca não é um modelo positivo para jovens garotas, e ela começa 
a insistir, na verdade até contribui para o desenvolvimento de uma boneca 
diferente que encoraja as meninas a crescer e a aprender. Mas os fabri-
26 Lisa the Vegetarían.”
27 “Duffless.”
28 Esse foi um caso em que os médicos fizeram experiências sem o consentimento e desres­
peitando o bem-estar dos “participantes”, que foram infectados com sífilis.
29 “Bart Star.”
30 “Lisa v í . Malibu Stacy.”
40 Os Simpsons e a Filosofia
cantes de Malibu Stacy contra-atacam com uma nova versão de sua bone­
ca, que triunfa no mercado de brinquedos. O fato de a boneca “menos 
intelectual” ser grandemente preferida à boneca de Lisa, embora todas as 
objeções da menina sejam sensatas, serve para ilustrar como as idéias sen­
satas podem ser relegadas ao segundo plano, perdendo espaço para a “di­
versão” e o hábito de “seguir o fluxo”. Esse debate ocorre com freqüéncia 
no mundo real, claro: Barbie é o alvo de eternas críticas do tipo das que 
Lisa faz contra Malibu Stacy, mas continua sendo imensamente popular, e 
de um modo geral, vemos críticas intelectuais sobre brinquedos considerados 
“fora do real” ou elitistas.31
Reís filósofos*? Dã!
Um exemplo mais específico de como Os Simpsons reflete a ambi­
valência americana em relação aos intelectuais aparece no episodio “They 
Saved Lisa’s Brain”.32 Nesse episodio, Lisa se associa à filial local de 
Mensa, que já inclui o professor Frink, o Dr. Hibbert e o Cara dos Quadri­
nhos (Comic Book Guy). Juntos, eles acabam se tomando responsáveis por 
Springfield. Lisa como que faz urna rapsodia sobre a liderança dos inte­
lectuais, uma verdadeira utopia racionalista, mas muitos dos programas alie­
nam os cidadãos comuns (incluindo, é claro, Homer, líder da brigada dos 
idiotas). Seria muito fácil vermos essa seqüéncia de eventos como urna 
sátira da pessoa comum que é tola demais para reconhecer a liderança 
dos sábios; mas a sátira vai além. A própria noção de liderança intelectual 
é atacada - os membros da Mensa têm algumas idéias legítimas e boas 
(por exemplo, mais regras de trânsito racionais), mas também algumas ridí­
culas (censura, rituais de acasalamento como os que aparecem em Jorna­
da nas Estrelas), e vivem brigando entre si. Eles oferecem algo de valor, 
principalmente em contraste ao regime corrupto do prefeito Quimby ou ao 
reinado de idiotice que Homer representa, e as intenções de Lisa são boas; 
mas é impossível vermos esse episódio como inegavelmente pró-intelectual, 
já que um dos temas é claramente o fato de que os esquemas utópicos das 
elites são instáveis, inevitavelmente impopulares e, às vezes, idiotas. Como 
diz Paul Cantor: “o episódio da utopia representa a estranha mistura de 
intelectualismo e antiintelectualismo característica de Os Simpsons. No 
desafio de Lisa a Springfield, o programa chama a atenção para as limita­
ções culturais das cidadezinhas americanas, mas também nos lembra que o
31 GJ Joe, por exemplo, é criticado por promover o militarismo e a violência, como todos os 
outros brinquedos “armas”; os pais, porém, rejeitam os alertas dos intelectuais para que as 
crianças usem outro tipo de brinquedo.
32 Para uma discussão mais detalhada desse episódio, ver capítulo 11 deste livro.
Lisa e o antiintelectualismo americano 41
desdém intelectual pelo homem comum pode ser levado ao extremo e essa 
teoria pode facilmente levar a um afastamento do senso comum.”33
E verdade, porém, que os esquemas utópicos das elites geralmente 
são mal concebidos, ou constituem, na verdade, esquema de sede de poder 
mascarando o senso comum. Mas será que a única alternativa é a plebe de 
Homer ou a oligarquia de Quimby? Os elaboradores da Constituição dos 
Estados Unidos esperavam combinar principios democráticos (um Con­
gresso) com alguns dos benefícios de um governo de elite não-democrático 
(um Senado, uma Corte Suprema, uma Declaração de Direitos). Isso levou 
a resultados mistos, mas em contraste a outras alternativas parece ter dado 
certo. Será que toda a ambivalência de nossa sociedade sobre os inte­
lectuais se deve a essa tensão constitucional? Certamente não. E parte 
dela, mas, provavelmente, essa ambivalência é uma manifestação de con­
flitos psicológicos mais profundos. Nós queremos ter orientação autoritária, 
mas também queremos autonomia. Não gostamos de nos sentir estúpi­
dos; mas quando somos honestos, percebemos a necessidade de aprender 
algumas coisas, respeitamos as realizações dos outros, mas, às vezes, 
sentimo-nos ameaçados e ressentidos. Temos respeito pelas autoridades 
quando nos convém, e abraçamos o relativismo em outros casos. O uso de 
“nós” aqui, claro, é uma generalização: algumas pessoas manifestam esse 
conflito menos que outras (ou em alguns casos nem o manifestam), mas 
parece uma descrição apropriada de um panorama social geral. Não é uma 
surpresa que Os Simpsons, nosso programa de televisão mais profunda­
mente satírico, ilustra e exemplifica isso.
A ambivalência na sociedade americana com relação aos intelectuais, 
se for de fato um fenômeno psicológico com raízes profundas, provavel­
mente não desaparecerá logo. Mas ninguém melhora de status ou situação 
incentivando ou promovendo o antiintelectualismo. Aqueles que desejam 
salvar a república da tirania do professor Frink e do Cara dos Quadrinhos 
precisam encontrar meios de argumentar contra essa tirania de uma ma­
neira que não desencadeie um ataque em massa contra o ideal do desen­
volvimentointelectual. Aqueles que defendem o homem comum não devem 
fazer isso de uma forma que diminua as conquistas dos mais instruídos. 
Essa abordagem seria um endosso do direito de Homer de viver como 
indivíduo estúpido, criticando Lisa por ser inteligente.34 Não é uma idéia 
sensata para o desenvolvimento da nação nem do indivíduo.35
33 Ib„ p. 178.
34 Alguns afirmam que, de fato, Homer não tem o direito de viver como estúpido. Talvez 
tenham razão; mas nada tem a ver com o argumento mais específico que exponho aqui.
35 Agradeço a Mark Conard e William Irwin por me ajudarem a esclarecer muitas de minhas 
idéias e me lembrar de vários exemplos úteis.
2
A im|>ortâncig de Maggie: 
sons do silencio, leste e oeste
E ric B ronson
Ninguém pensou em Maggie Simpson. E por que deveria? Os sinais 
apontavam para alguém como Smithers, o admirador puxa-saco, despreza­
do mais vezes do que qualquer outro homem suportaria. Ou mais provável 
ainda, Homer Simpson, o inspetor de segurança fanfarrão, que uma vez 
jogou seu chefe pela janela do escritório num ataque de fúria. Podia ser 
qualquer um, na verdade.
Quando o demoníaco Sr. Bums bolou seu mais diabólico plano, quando 
o maligno fundador da usina nuclear descobriu como impedir o sol de brilhar 
sobre a inocente cidade de Springfield, todos tinham motivos plausíveis 
para atirar nele. Por isso, quando a notícia se espalhou de que o Sr. Burns 
estava no hospital em condições críticas, toda a Springfield quis saber quem 
era o culpado (ou quem devia receber os parabéns, no caso). Os adultos de 
olhos inquietos tinham álibis duvidosos, e as crianças na escola não hesitaram 
em acusar umas às outras. Finalmente, o próprio Sr. Bums se recuperou 
suficientemente para esclarecer a situação. Fora a pequena Maggie Simpson 
quem puxou o gatilho à queima-roupa, quase matando o velho, enquanto ele 
“mergulhava na própria velhacaria” (“Who Shot Mr. Bums? — Parte Dois”).
Maggie Simpson atirou no Sr. Burns. A bebezinha, ainda muito pe­
quena para andar, protegia seu pirulito, não querendo que ele caísse naque­
las tateantes mãos miseráveis. Autodefesa? Um acidente, talvez? Afinal 
de contas, a arma pertencia ao Sr. Burns e só foi parar nas mãos de Maggie 
por descuido do próprio velho. Mesmo assim, o episódio de duas partes 
termina com um tom interrogativo. Quais eram as intenções dessa jovem e 
aparentemente inocente garotinha? Ela poderia cometer tal crime delibera­
damente? As respostas (ou a falta delas) não são nada reconfortantes. A 
câmera dá um cióse nos lábios de Maggie, sua chupeta bloqueando qualquer 
articulação ou explicação, enquanto os créditos começam a subir. A crian-
4 3
44 Os Simpsons e a Filosofia
ça tenta falar, mas não consegue. Parece que nunca saberemos por que 
Maggie atirou no homem mais poderoso de Springfield. Jamais teremos as 
respostas desejadas, a menos, claro, que a fala inarticulada do bebê seja 
tudo de que precisamos.
Maggie é urna idiota*?
O mundo ocidental há muito tempo tem um fascínio pela palavra oral. O 
incrível sucesso de talk shows como Oprah e The Jerry Springer Show 
são apenas os mais recentes, embora não os maiores, fenômenos a dar teste­
munho de como apreciamos ouvir as pessoas falar de si próprias. Quanto 
mais reveladora for a fala, mais propensos somos a dar nossa aprovação. As 
palavras faladas possuem um certo poder capaz de rapidamente nos colocar 
em ação. A poetiza do século XIX, Emily Dickinson, escreve:
Uma palavra morre A word is dead
Quando é falada, When it is said,
Dizem. Some say.
Eu digo I say it just
Que elá mal começa a viver Begins to live 
Nesse dia. That day.36
As palavras podem adquirir novos significados e abrir linhas de pen­
samento inteiramente novas, uma vez que sejam pronunciadas e liberadas 
para domínio público.
Por que levamos tão a sério as palavras? Desde os tempos do filó­
sofo grego Sócrates, a filosofia ocidental tem a enfatizar a discussão e o 
argumento como meios de obter verdades superiores. Para Sócrates, não 
era suficiente refutar os argumentos insensatos e vazios da época. As 
palavras tinham de ser cuidadosamente escolhidas e devidamente pro­
nunciadas para a luz da razão brilhar com mais força. Sócrates freqüen- 
temente compara a Filosofia à música em sua habilidade para transformar 
as almas de seus ouvintes. No Simpósio de Platão, a defesa eloqüente de 
Sócrates do amor erótico tinha acabado quando Alcebíades, o guerreiro 
arauto da Grécia antiga, entra na festa e diz: “Você é tocador de flauta, 
não é? Na verdade, você é um flautista mais extraordinário que Marsaias...37 
A única diferença entre vocês é que, embora façam a mesma coisa, você 
usa só palavras sem instrumentos.”38 As palavras são como a música. Os
36 The Complete Poems o f Emily Dickinson, editado por Thomas Johnson (Nova York: 
Little Brown, 1961).
37 O professor de Olimpo, um músico bem conhecido na mitologia.
38 O Simpósio, 215c, em O Simpósio e Fedro, traduzido por William S. Cobb (Albany: 
SUNY Press, 1993).
A importancia de Maggie: sons do silêncio, leste e oeste 4 5
pensamentos bem racionalizados, transmitidos em palavras bem escolhi­
das, podem nos tocar tão profundamente quanto uma bela sinfonia ou esti­
mulante toque de tambores.
Maggie Simpson não possui o dom da fala. No século XX, os filósofos 
preocupados com o lugar da humanidade no Universo retomaram a ques­
tão do relacionamento entre palavras e pensamentos. Como pensamentos, 
se não for em palavras? Ludwig Wittgenstein nos diz: “Os limites de minha 
linguagem significam os limites do meu mundo” (Tractatus 5.6). Para aquelas 
pessoas que têm a sorte de falar livremente, nossas palavras são inexora­
velmente ligadas aos nossos pensamentos. O que devo comer no café da 
manhã? Devo ir à escola hoje? Por que ele está se comportando feito um 
babaca? Perguntas assim são continuamente feitas, discutidas e considera­
das. Por meio desses debates internos, chegamos a conclusões. Não tomo 
café e vou à escola. Como aquele cara é um babaca, não vou perder meu 
tempo. Finalmente, estamos prontos para agir de acordo com nossas con­
clusões. Todo o nosso processo de pensamento parece estar intimamente 
relacionado a um fluxo interminável de palavras.
Agora, o que aconteceria se as palavras desaparecessem? Que fer­
ramentas teríamos para tomar até as menores decisões? O que vem pri­
meiro, a linguagem ou os pensamentos? Em “Brother, Can You Spare Two 
Dimes?”, o irmão de Homer, interpretado por Danny DeVito, inventa um 
dispositivo que traduz a linguagem de bebês. A idéia é que Maggie é capaz 
de pensar corretamente embora não tenha a capacidade de expressar es­
ses pensamentos em palavras. Claro que suas idéias não são profundas 
(um dos pensamentos que ela tem é que gostaria de comer ração para 
cães), mas a máquina tradutora faz o irmão de Homer enriquecer nova­
mente. E bem que deveria. Um aparelho assim resolvería muitos proble­
mas filosóficos a respeito da origem da linguagem e sua relação com o 
processo do pensamento humano.
Palavras é o título da autobiografia do existencialista francês do 
século XX, Jean-Paul Sartre. Segundo Sartre, a vida de uma pessoa é 
caracterizada por suas interações com outras pessoas, e essas interações 
são grandemente estabelecidas por meio de palavras. Portanto, para en­
tender Sartre ou qualquer outro ser humano, uma pessoa deve examinar 
as palavras. Em O idiota da família, uma obra de cinco volumes que é 
uma investigação de 3.000 páginas da vida e época do novelista francês 
Gustave Flaubert, Sartre nos mostra o que acontece quando as palavras 
são removidas. A biografia foi a última obra filosófica importante de Sartre, 
e nunca foi terminada apesar do incrível volume de material escrito. Nes­
sa obra final, Sartre pratica sua psicologia existencial: examinar o projeto 
de vida do autor sob a luz de sua criação, na infância. A formação de Flaubert, 
segundo Sartre, foi caracterizada pela falta de conversas e pela idiotice. O 
desenvolvimento na infância de Flaubert foi marcado pelaaquisição tardia
4 6 Os Simpsons e a Filosofia
da fala. Além disso, ele tinha dificuldade em sair de sua infância mental por 
causa de uma obstrução na fala. Sobre Flaubert, Sartre escreve: “Ele fica­
va sentado por horas a fio, com o dedo na boca, parecendo quase um idiota; 
essa calma criança, que mal reage quando se fala com ela, sente menos 
que as outras a necessidade de falar - as palavras, por assim dizer, não 
lhe ocorrem, tampouco o desejo de usá-las.”39 Segundo Sartre, a fala é o 
modo como os seres humanos começam a se integrar à sociedade huma­
na. Flaubert, desde os 6 anos de idade, fora colocado à deriva num mar de 
isolamento por causa de sua deficiência oral, e não conseguia articular 
suas emoções e medos infantis. O argumento de Sartre não é que Flaubert 
fosse um idiota - sabemos que ele escreveu obras eternamente clássicas 
como Madame Bovary - mas sim que sua vida como escritor pode ser 
vista como uma tentativa desesperada de superar as insuficiências de sua 
infância.
De acordo com Sartre, a auto-estima é parcialmente incutida em nós 
pelas palavras dos outros. Aqueles que nos são mais próximos obviamente 
têm uma influência maior. Como a maioria das crianças, Flaubert teve seu 
primeiro vínculo com o mundo por meio dos pais. Superficialmente, era 
um relacionamento de amor. Uma criança em crescimento precisa saber que 
sua existência é justificada e importante. Seus projetos, por mais pequenos 
que sejam, devem ser incentivados e criticados, examinados e aprovados 
pelo uso amoroso da linguagem. Dessa forma, a criança tem onde se apoiar, 
sabendo que não está sozinha no universo. “Isso não é uma conjectura”, 
escreve Sartre. “Uma criança deve ter um mandato para viver, e os pais 
são as autoridades que expedem o mandato.”40 Uma maneira de os pais 
transmitirem esse mandato é pela comunicação constante, reforçada por 
palavras afetuosas e ações carinhosas. Flaubert parece não ter tido essa 
valorização parental. Sem tal atenção, o futuro novelista se frustrava facil­
mente, voltava-se para dentro de si, e ficava em silêncio por mais tempo do 
que ficam as crianças felizes de sua idade.
Embora a cidade fictícia de Springfield seja muito diferente da zona 
rural francesa (como Bart descobriría em seu miserável estudo no exterior, 
em “The Crepes of Wrath”), a formação de Maggie tem alguma semelhan­
ça com a de Flaubert. Sartre nos conta como a mãe de Flaubert cuidava do 
corpo de seu filho mas nunca se dava ao trabalho de se preocupar com 
suas necessidades mais profundas. Madame Flaubert é descrita como “uma 
mãe excelente, mas não agradável; pontual, assídua, hábil. Nada mais que 
isso.”41 Como Maggie é amada por sua mãe? A resposta não é clara.
39 O idiota da família (vol. 1), traduzido para o inglês por Carol Cosman (Chicago: University 
of Chicago Press, 1981), p. 35.
40 Ib„ p. 133.
41 O idiota da família, p. 129.
A importância de Maggie: sons do silêncio, leste e oeste 4 7
Parece que Marge Simpson tem um profundo amor por sua filha mais nova, 
mas, como Madame Flaubert, é um amor prático, envolvendo pouco mais 
que alimentar, limpar, vestir e colocar na cama. Às vezes, parece que a 
mamãe Marge trata o aspirador de pó com o mesmo cuidado e atenção que 
dedica aos filhos. Na abertura do programa, Maggie é retirada do carrinho de 
compras pelo caixa e marcada com um preço, como todos os outros arti­
gos. Marge fica aliviada quando descobre que seu bebê, que ela pensava 
estar desaparecida, está segura dentro de um dos pacotes de compras. É 
como se levar os mantimentos e as crianças para casa em segurança basta 
para ela cumprir seu papel de mãe.
Claro que, se Maggie crescer com uma auto-estima baixa, Marge 
não será a única culpada. Homer certamente não é o paradigma do papai 
atencioso; não pode haver muita intimidade de alguém que canta “prefiro 
tomar uma cerveja a ser o pai do ano.” É verdade que foi Homer quem 
convenceu o Sr. Burns a aceitar de volta seu filho perdido havia muito 
tempo (cuja voz foi a de Rodney Dangerfield em “Burns. Baby Burns”). 
Homer insiste que “embora os filhos possam ser horríveis e nojentos, a 
única coisa com que eles sempre podem contar é com o amor do pai.” 
Também é verdade que Homer finalmente se dá conta da existência de 
Maggie e enche seu escritório com fotos dela (“And Maggie Makes 
Three”), mas esses rompantes momentâneos de emoções não correspon­
dem aos requisitos do “guia de Sartre para os bons pais.”
É revelador o fato de que no episódio “Home Sweet Homediddly- 
Dum-Doodily”, em que os Simpsons perdem a custódia de seus filhos para os 
vizinhos Flanders, é Maggie quem começa a desabrochar com tanta aten­
ção.42 Cercada de constante carinho e renovado interesse, a quietinha Maggie, 
de repente, tem vontade de falar e, para surpresa de todos, grunhe “papai-ai- 
ai...” no carro de Ned Flanders. Antes, no mesmo episódio, os irmãos de 
Maggie comentam sobre sua mudança positiva depois que o juizado de me­
nores a tirou da casa dos pais.
Bart: Nunca vi Maggie sorrir assim.
Lisa: Bem, quando fo i a última vez que o papai lhe deu tanta atenção?
Bart: Quando ela engoliu uma moeda, ele ficou com ela o dia todo.
Nesse episódio, vemos a atuação do conceito de Sartre. Por meio do 
amor e da atenção da família, uma pessoa começa a se expressar por 
intermédio de palavras. Sem essa atenção inicial, ela cai no silêncio. Sem 
palavras, ela poderá ter um conceito limitado da própria auto-estima. Crian­
ças assim podem ou não ser consideradas inferiores, mas conforme o Sr. 
Burns aprendeu do jeito mais difícil, elas raramente gostam que as pessoas 
tentem tirar delas seu pirulito.
42 Para uma discussão mais extensa desse episodio, ver capítulo 14 deste livro.
48 Os Simpsons e a Filosofia
Maggie é iluminada^
Maggie não fala, mas, diferente do Flaubert de Sartre, ela parece 
exibir pelo menos um processo rudimentar de pensamento. Afinal de con­
tas, ela ajuda Bart e Lisa a vencer a “babá criminosa” em “Some Enchanted 
Evening”, e novamente os resgata do perigo quando o monstruoso Willie 
vem em busca de vingança em um dos especiais tétricos de Halloween 
(“Treehouse of Horror VI”). Ela até mostra lampejos de gênio quando ca­
sualmente toca a “A dança das Fadas”, de Tchaikovsky, em seu xilofone de 
brinquedo (“A Streetcar Named Marge”). Mas o que realmente se passa 
na mente déla, se é que passa alguma coisa, é um mistério para os 
telespectadores, pois ela não consegue falar conosco.
Deixemos o Ocidente para trás por um momento. Na antiga China, os 
filósofos raramente tinham o mesmo entusiasmo pela palavra oral. Como 
dizia o grande filósofo chinês, Confúcio: “Ouça muito, mas mantenha o 
silêncio.”43 Com mais veemência, o Tao Te Ching chinês insiste,
Aqueles que sabem não falam.
Aqueles que falam não sabem.44
Em boa parte da tradição oriental, as palavras são usadas meramente 
como indicadores do mistério da vida que é eternamente envolta no silên­
cio. Diferente das Escrituras ocidentais, muitos textos orientais escritos há 
muito tempo diziam que o silêncio era a fundação sobre a qual nosso mundo 
se originou. No Bhagavad-Gita, por exemplo, o Criador do mundo não 
pode ser descrito oralmente, nem compreendido intelectualmente.
Raramente alguém 
o vê,
raramente outro 
dele fala,
raramente alguém 
o ouve -
mesmo ao ouvi-lo, 
ninguém de fato o conhece.45
As religiões ocidentais também têm suas interpretações místicas do 
Todo-Poderoso, embora em nenhum outro lugar o silêncio seja mais enrai­
zado na filosofia do que no Oriente.
43 The Analects ofConfucius, traduzido para o inglês por Arthur Waley (Nova York: Vintage, 
1989), 2:18.
44 The Tao Te Ching, traduzido para o inglês por Stephen Addis e Stanley Lombardo 
(Indianápolis: Hackett, 1993), capítulo 56.
45 The Bhagavad-Gita, traduzido para o inglês por Barbara Stoler Miller (Nova York: 
Bantam, 1986), p. 33.
A importância de Maggie: sons do silencio, leste e oeste 4 9
Ser iluminado, então, é retomar às nossas origens, ficarmos livres dos 
apegos mundanos e retomarà infinita quietude do mundo. Na religião hindu 
(e posteriormente desenvolvida pelo budismo), o termo sánscrito “Nirvana” 
geralmente implica um “esfriamento”, um desligamento das paixões. As 
palavras serem apenas para destruir essa paz interior. Tomamo-nos apega­
dos demais às nossas palavras e facilmente discursamos sobre a grandeza 
e o mistério por trás de nossas vidas. De acordo com muitas escolas orien­
tais de pensamento, nossa infelicidade terrena é causada por excesso de 
pensamentos, excesso de palavras. O Bhagavad-Gita nos lembra que ao 
“focar a mente no eu, ele [o homem de disciplina] não deve pensar coisa 
alguma.”46 Isso não quer dizer que temos de parar de pensar totalmente 
(para isso não precisaríamos de tantos livros de Filosofia), mas muitos bu­
distas, em particular, fazem uma distinção entre pensar espontaneamente e 
pensar obsessivamente em conceitos. As palavras são úteis, até necessá­
rias para a transmissão de conhecimento. Os zen-budistas, específicamente, 
usam palavras para ajudar a transmissão de conhecimento do professor 
para o aluno. Tanto os hindus quanto os budistas compreendem o lado ne­
gro da fala mal usada. As palavras geram mais palavras que podem levar a 
um maior estresse e a uma maior ansiedade. A iluminação, segundo o con­
ceito oriental, envolve uma ligação mística com o mundo natural e essa 
transformação é raramente concluída com palavras.
Agir espontaneamente sem se atolar na areia movediça das palavras 
é um começo necessário no caminho da iluminação, segundo muitas esco­
las orientais. No Ocidente, a tentação é grande de se viver uma vida de 
falatórios e nada de ação. Em “30 Minutes over Tokyo”, por algum tempo 
Bart abre a mente no Japão, e Lisa é capaz de montar um quebra-cabeça 
do Taj Mahal com apenas três anos (“Lisa’s Sax”), mas nenhum dos dois 
pode ser considerado iluminado. Diferente de seus irmãos, Maggie é jovem 
demais para se distrair com palavras, e pode agir espontaneamente com 
mais eficácia. Entretanto, de acordo com essa linha de pensamento, todos 
os bebês seriam considerados iluminados. Temos de tomar cuidado para 
distinguir entre os pensamentos não desenvolvidos e os não-pensamentos 
rigorosamente desenvolvidos. Como explica o renomado historiador india­
no, Sarvepalli Radhakrishnan: “Observando o silêncio, um homem não se 
toma sábio se for tolo ou ignorante.”47 No pensamento zen-budista, são 
necessários anos e anos de pensamento disciplinado e meditação para al­
guém alcançar o estado extático de inocência infantil.
O chefe Wiggum assegura aos moradores de Springfield que nenhum 
júri acusará Maggie de balear o Sr. Bums (exceto no Estado do Texas),
46 Ib., p. 66.
17 A Source Book oflndian Philosophy, editado por Sarvepalli Radhakrishnan e Charles A. 
Moore (Princeton: Princeton University Press), p. 313.
5 0 Os Simpsons e a Filosofia
porque ela é muito nova. Ela é também provavelmente jovem demais para 
se livrar de todos os apegos terrenos. No entanto, os moradores de Springfield 
aprenderam uma lição importante. Uma criança sem palavras não é neces­
sariamente incapaz de cometer um ato grave. Se por um lado Maggie qua­
se matou o Sr. Bums, ela salvou a pátria em várias outras ocasiões, sem o 
empecilho da fala. As vezes, o silêncio é um sinal de pensamento complexo 
e profunda intuição (embora provavelmente não no caso de Maggie). Se 
todos o praticássemos com mais regularidade, poderiamos viver um pouco 
melhor, e certamente passaríamos menos tardes na escola em detenção, 
escrevendo na lousa ou sentados na sala do diretor Skinner.
0 que Maggie pode nos ensinar?
A filosofia ocidental também tem alguns proponentes do silêncio. Dos 
antigos místicos judeus à filosofia contemporânea de Wittgenstein, desen­
volveu-se uma desagradável tensão quanto ao melhor momento para al­
guém se calar. Nos Estados Unidos, o século XX terminou com uma miríade 
de mensagens contraditórias. Dizem que é preciso “se impor e exigir seu 
espaço”, mas, por outro lado, “o silêncio é de ouro.” “Conhecer é poder”, 
mas “nenhuma notícia é o mesmo que uma notícia boa”. “Expresse-se”, mas 
“em boca fechada não entra mosquito”. Raramente nos sentimos à vonta­
de quanto à questão de falar ou não falar.
Um século antes, a antiga filosofia oriental já tinha penetrado o fértil 
solo intelectual da Europa Ocidental. Importantes filósofos alemães como 
Schopenhauer e Nietzsche foram estudantes do Oriente, e muitas alusões 
orientais podem ser encontradas em suas obras. Seguindo essa tradição, 
em 1930, o filósofo alemão Martin Heidegger deu à filosofia oriental uma 
nova popularidade no Ocidente. Embora ele sem dúvida tenha seu lugar 
na tradição ocidental, sua ênfase no silêncio tem um sabor distintamente 
oriental. O silêncio, argumentava Heidegger, é essencial para os seres 
humanos que esperam viver uma existência autêntica, enquanto a con­
versa fiada é um sinal definitivo da existência inautêntica. Heidegger es­
perava criar um vínculo entre o Ocidente e o Oriente, falando apenas a 
respeito das questões mais sérias da “Existência” e ficando em silêncio 
quanto a todo o resto.
De todos os extremos do globo, Heidegger foi aclamado como um 
grande pensador, alguém que sabia quando falar e quando se calar. No fim 
da década de 1930, porém, a Alemanha tinha preocupações mais premen­
tes do que a teoria existencial. Adolf Hitler chegara ao poder, e a Segunda 
Guerra Mundial tinha se tomado uma realidade inevitável. Com algumas 
notáveis exceções, Heidegger permanecia quieto, fiel à sua filosofia, e não 
se retratou de seu apoio inicial ao Nacional-Socialismo e ao Terceiro Reich. 
Quando os nazistas declararam guerra aos países vizinhos, Heidegger re-
A importância de Maggie: sons do silêncio, leste e oeste 51
cusou-se a se pronunciar. E quando seus alunos e colegas judeus foram 
publicamente forçados a sair da universidade, ele nada disse.48
A historia condena o silêncio de Heidegger, e nós também. Desde a 
Segunda Guerra Mundial, aprendemos que falar o que se pensa pode cau­
sar mal-entendidos e conflitos, mas não falar pode ser um endosso para 
algo pior. O ganhador do prêmio Nobel, Elie Wiesel, gosta de dizer que o 
oposto do amor não é o ódio, e sim o silêncio. Assim, parece que não con­
seguimos determinar se o silêncio oriental está certo ou se devemos confiar 
na fala ocidental.
Em “Lisa’s Wedding”, Lisa vê seu futuro com o auxílio de uma viden­
te. Ela vai se casar com o homem de seus sonhos e, no casamento, Maggie, 
já adolescente e dona de urna linda voz, vai cantar. Quando ela está para 
começar, porém, Lisa cancela o casamento, e Maggie simbolicamente fe­
cha a boca. Mais urna vez, o tumulto familiar abafa sua voz.
Num mundo sobrecarregado de burocracia e informações, nós tam­
bém corremos o risco de ter nossas vozes abafadas. No mundo moderno, o 
grande desafio tanto do Oriente quanto do Ocidente é descobrir como res­
peitar criticamente os projetos dos outros de uma maneira que todas as 
vozes possam ser ouvidas. Mais do que tolerantes, devemos ser atencio­
sos. Do contrário, mais pessoas, como Maggie Simpson, sentir-se-ão fora 
da sociedade e recorrerão a meios mais destrutivos de comunicação. E no 
mundo real, nem sempre levantamos com tanta rapidez.49
48 Para uma visão equilibrada do papel de Heidegger no Partido Nazista, ver Richard Wolin, 
The Heidegger Controversy (Cambridge, MA: MIT Press, 1992).
49 Um agradecimento especial a Pasquale Baldino, pelo benefício de seu vasto conhecimento 
e pesquisa sobre Os Simpsons, e a Jennifer McMahon, pelas úteis sugestões.
4
A motivação moral de Marga
G erald J. E rion e Joseph A. Z eccardi
Do corrupto prefeito Joe Quimby e do recidivista incorrigível “Cobra” 
(Snake) a figuras fiéis como o Reverendo Lovejoy e Ned Flanders, os 
extremos morais de Springfield só são limitados pelo número de persona­
gens caminhando em suas ruas. Bart admite que não sabe a diferença 
entre certo e errado e faz acordo com o diabo tratando-o pelo primeiro 
nome, enquanto Homer assume um projetoegoísta e impulsivo atrás do 
outro, tentando até convencer Deus do valor de não ir à igreja para assistir 
a uma partida de futebol. Enquanto isso, Flanders consulta autoridades re­
ligiosas e as Escrituras para lidar com cada problema enfrentado, desde 
aqueles que dizem respeito à moralidade e ética até as questões de moda e 
flocos de milhos para o café da manhã.
Em meio a esses extremos éticos estonteantes, Marge destaca-se 
como uma extraordinária e notável pedra de toque da moralidade. Para 
resolver seus dilemas morais, Marge simplesmente deixa a razão guiar sua 
conduta, chegando a um admirável equilíbrio entre os extremos. Ela é dife­
rente de Flanders, pois este age conforme os ditames de sua religião, inde­
pendentemente de algo realmente lhe parecer certo. Marge é religiosa, 
mas sua consciência bem desenvolvida a leva a fazer só o que qualquer 
pessoa decente faria, mesmo que isso entre em conflito com a orientação 
recebida de suas autoridades religiosas. Essas observações sugerem que a 
filosofia moral inerente de Marge pode ter muito em comum com aquela do 
grande filósofo da Grécia antiga, Aristóteles; por isso, este ensaio vai ilus­
trar a ética da virtude aristotélica por meio de uma discussão sobre a vida 
de Marge em Springfield.
Não afirmamos, porém, que Marge é uma espécie de paradigma 
aristotélico que aplica com atenção e coerência a filosofia moral de Aristó­
teles a cada oportunidade. Na verdade, há muitas coisas que ela diz e faz 
que não são particularmente virtuosas (do ponto de vista aristotélico).50
50 Para mais idéias a respeito desse assunto, ver capítulo 1 deste livro.
5 3
54 Os Simpsons e a Filosofía
Entretanto, nosso exame de seu caráter moral deve depender não apenas 
de ações isoladas, mas de uma amostragem mais ampla de seu comporta­
mento. Portanto, assim como Barney Gumble ainda é um bêbado apesar de 
seus ocasionais momentos de responsabilidade em “The Days of Whine 
and D’oh’ses”, realizações artísticas em “A Star is Bums”, e treino para 
astronauta com “Deep Space Homer”, o padrão geral do comportamento 
de Marge pode servir como uma introdução especialmente ilustrativa da 
filosofia moral de Aristóteles.51
Virtude e ceráter
Enquanto o utilitarismo, a deontologia kantiana e outras filosofias mo­
rais modernas tipicamente investigam as qualidades que fazem uma ação 
ser certa, os antigos gregos eram mais propensos a se concentrar em tra­
ços de caráter que fazem uma pessoa ser boa.52 Aristóteles fez uma das 
mais importantes contribuições a essa tradição com A Etica a Nicômaco. 
Nesse livro, Aristóteles não só compila uma longa lista dos traços virtuosos 
de personalidade, mas também apresenta uma explicação sistemática de 
cada virtude como um meio entre dois extremos. Além disso, ele tenta 
justificar a vida de virtude, e até oferece sugestões àqueles interessados 
em tomar suas vidas mais virtuosas.
Diante do singular foco da ética da virtude dos antigos gregos, pode­
mos compreender uma virtude aristotélica como um traço de caráter que 
ajuda a fazer uma pessoa ser boa. Esses traços incluem não só tendências 
para agir de determinados modos virtuosos, mas também disposições para 
experimentar determinadas emoções e sentimentos virtuosos. Em sua Eti­
ca a Nicômaco, Aristóteles apresenta um número dessas virtudes, incluin­
do: 1. bravura; 2. temperança; 3. generosidade (especialmente quando 
demonstrada em larga escala); 4. orgulho adequado, autoconfiante no pró­
prio valor pessoal; 5. moderação; 6. amabilidade; 7. honestidade; 8. perspi­
cácia; e 9. modéstia.53 Claro que a lista não é limitante, e desde os tempos
51 Daniel Barwick apresenta um projeto semelhante em “George’s Failed Quest for 
Happiness: An Aristotelian Analysis”, em William Irwin, ed, Seinfeld and Philosophy 
(Chicago: Open Court, 2000). Ver também o capítulo de Aeon Skoble no mesmo livro, 
“Virtue Ethics and TV’s Seinfeld”.
52 James Racheis inclui uma ótima discussão introdutória de sua distinção em Elements o f 
Moral Philosophy (Nova York: McGraw Hill, 1999), p. 175-77.
53 Essa lista aparece no livro VI de A Etica a Nicômaco (abreviada aqui como E N)\ consultar 
tradução para o inglês de T. Irwin (Indianápolis: Hacket, 1985), ou de W. D. Ross e J. O. 
Urmson na edição de J. Bames, The Complete Works of Aristotle: The Revised Oxford 
Translation (Princeton: Princeton University Press, 1984).
A motivação moral de Marge 55
de Aristóteles, outros filósofos vêm acrescentando outras virtudes; porém, 
essa lista nos dá uma idéia preliminar dos tipos de traços de personalidade 
que Aristóteles considera necessários para o bom caráter.
Encontramos excelentes ilustrações dos traços virtuosos de uma per­
sonalidade em Marge. Primeiro, ela é, sem dúvida, uma mulher corajosa. 
Desmontando uma fábrica clandestina de jeans em sua garagem em “The 
Springfield Connection”, fugindo dos fanáticos de culto em “The Joy of 
Sect”, ou enfrentando o sobrenatural em “Treehouse of Horror”, Marge 
raramente perde a coragem. A propensão à temperança permeia sua vida 
cotidiana, levando-a a fazer compras em locais de desconto, como o brechó 
Ogdenville, em “Scenes from the Class Struggle in Springfield.” E, final­
mente, o forte senso de honestidade de Marge custa à família Simpson 
milhões de dólares em potenciais acordos legais (“Bart Gets Hit By a Car”). 
Nesses exemplos e muitos outros, Marge exibe os traços de personalidade 
que Aristóteles considerava importantes para um bom caráter.
Enquanto enumera suas virtudes, Aristóteles também explica cada 
um como um meio ou equilíbrio entre dois extremos viciosos, um excessi­
vo e o outro deficitário.54 Por exemplo, uma espécie virtuosa de bravura 
existe em algum ponto entre o desleixo de Homer e sua viciosa covardia. 
Do mesmo modo, uma pessoa virtuosamente em autocontrole não tem a 
auto-indulgência de Barney nem a indiferença de Flanders aos prazeres 
físicos, mas algo entre uma coisa e outra. As pessoas com a virtude da 
generosidade não fazem caridade indiscriminadamente (não sendo, por­
tanto, exageradamente generosas, como Homer parece, às vezes); tam­
pouco são muquiranas como o Sr. Bums. Podemos definir qualquer virtude 
na lista de Aristóteles, então, se a relacionarmos aos seus dois extremos 
correspondentes.55
Também no caso de Marge, sua vigilância anticrime em “The 
Springfield Connection” e sua fuga perigosa da comunidade fanática em 
“The Joy of Sect” demonstram que ela é genuinamente corajosa, mas não 
precipitada. Ela é capaz de saltar sobre rios cheios de jacarés famintos ao 
estilo de James Bond, mas não pula do táxi de Jimmy para o carro da 
família, enquanto ambos correm pelo Central Park em “The City of New 
York vs. Homer Simpson.” Embora ela possa ser tão corajosa quando exi­
ge quase toda situação, não vai simplesmente travar qualquer batalha que
54 £ A l106a6-l 107a25
55 Aristóteles admitia que não existe um meio virtuoso para todos os traços de caráter. Por 
exemplo, segundo ele, o despeito, a falta de vergonha e a inveja nunca podem ser virtuosos, e 
adultério, roubo e assassinato são sempre errados. Segundo seus próprios escritos: “[Achar 
que essas coisas admitem um meio] é como pensar que a ação injusta, covarde ou ¡moderada 
também admitem um meio, um excesso ou uma deficiência. Nesse caso, havería um meio do 
excesso, um meio da deficiência, um excesso do excesso e uma deficiência da deficiência” (E 
A1107a9-25).
5 6 Os Simpsons e a Filosofia
lhe surja no caminho. Ela emprega táticas evasivas, como “aquela coisa da 
mão” (“Blood Feud”), quando sabe que a força bruta será inútil. Também 
reconhece o valor da resistência passiva, apoiando Lisa no boicote ao es­
quema de Homer na luta de Watson versus Tatum (“Homer vs. Lisa and 
the Eighth Commandment”). Finalmente, quando um novo Krusty 
superexcitado enfrenta sua “Ultima Tentação” e incita membros da platéia 
a queimar o dinheiro, Homer pede a Marge que lhe dê todo o dinheiro que 
ela tiver na bolsa. Em vez de perder tempo com argumentos inúteis, Margedá o dinheiro a Lisa, mandando-a correr para casa e enterrá-lo no quintal.
Quanto à temperança, Marge costuma ser mais espartana do que 
auto-indulgente. Como esposa de homem ocasionalmente desempregado, 
encarcerado e dimensionalmente confuso, Marge tem poucos meios finan­
ceiros. Ela vai às compras em lugares onde acha que haverá promoções, e 
se recusa a usar as economias da família num par de sapatos que ela sabe 
que não precisará, semilamentando: “Se ao menos eu já não tivesse um par 
de sapatos” em “The City of New York v í . Homer Simpson.” Ela também 
fica chocada com a extravagância da propriedade do Sr. Bums, quando a 
família Simpson vai cuidar da casa em sua ausência, observando que a má­
quina que queima a cama não feita todas as manhãs antes de tirar uma 
cama nova da parede “parece um certo desperdício” (“The Mansión 
Family”). Entretanto, ela não é tão sovina quanto o mega-muquirana Chuck 
Garabedian, que economiza dinheiro dando festas em seu iate vagabundo 
que tem cheiro de urina de gato, com mulheres bonitas que já foram ho­
mens (“Thirty Minutes Over Tokyo”). Garabedian representa uma frugali­
dade verdadeiramente viciosa que Marge rejeita, principalmente depois que 
a comida estragada comprada na loja de 330 faz Homer ter uma convulsão 
no chão (embora ainda queira mais).
Tendo em vista a renda flutuante da família Simpson, talvez não seja 
surpreendente que Marge hesite em doar o dinheiro da família à caridade; 
ela até se recusa a deixar Lisa “desperdiçar” uma herança de 100 dólares 
com uma doação para comunicação pública, em “Bart the Fink”. Como 
escreveu Aristóteles: “Aquele que doa menos [do que os outros], pode ser 
mais generoso que todos, se tiver menos para dar”, e Marge é tão generosa 
quanto o status financeiro da família lhe permite ser.56 Por um lado, verifica 
sempre se Homer dá dinheiro suficiente na coleta da igreja, repreendendo-o 
quando ele tenta substituir a contribuição semanal da família por um cupom 
no valor de 330, em “Bart’s Girlfriend”. E mesmo quando as contribuições 
financeiras da família são modestas, Marge ainda doa tempo, talento e ou­
tros recursos aos que necessitam. Ela abrigou o Vovô e Otto, o motorista de 
ônibus; esfregou rochas manchadas de óleo com Lisa (“Bart after Dark”), 
foi voluntária no serviço de aconselhamento por telefone para a Igreja Co-
56 EN 1120b8-10.
A motivação moral de Marge 5 7
munitária de Springfield (“In Marge We Trust”), e fez doação de comida a 
um movimento local (“Homer Defined”).
Marge é inerentemente moderada em todas as coisas, desde sua fun­
ção como mãe e rainha do lar até caçoar do tamanho do órgão genital de 
Bums, em “Brush with Greatness”. Ela não é exagerada como Maude Flanders 
ou Agnes Skinner, nem tão permissiva quanto a Sra. Muntz ou a recém- 
divorciada Luann Van Houten. Marge até prega a moderação a Homer, insis­
tindo para que ele só coma seis porções de carne de porco por semana, em 
“Principal Charming”. Assim como Aristóteles compreende a importância 
de se buscar um meio racional na vida de verdadeiras virtudes, Marge 
orienta suas ações na direção de um equilibrio entre os extremos viciosos.
Justificando a vida de virtude
Embora a virtude possa ser elusiva, Aristóteles acredita que há urna 
compensação significativa para aqueles que a encontram. Isso porque a vir­
tude é um componente essencial do viver bem. Como explica no inicio da 
Ética a Nicómaco, o propósito final da vida humana é a felicidade. Há muitas 
outras coisas (como fama, dinheiro e costeleta de porco) que podemos de­
sejar, mas queremos essas coisas porque acreditamos que elas nos deixa­
rão felizes. As vezes estamos errados quanto a isso, claro, mas a idéia 
básica aqui é que a “felicidade, mais do que tudo, parece incondicionalmen­
te completa, urna vez que sempre [a escolhemos, e também] a escolhemos 
pelo que ela é em si, e não por causa de outra coisa.”57
Ora, é importante distinguimos a noção de Aristóteles da felicidade 
(o termo original grego é eudaimonia) do mero prazer (hmm... prazer), 
pois Aristóteles não quer dizer que a meta da vida humana é aquela espé­
cie de mera gratificação física que Homer (não Homero) vive buscando. 
Na verdade, ele parecia ter em mente aqui uma felicidade mais duradou­
ra, ou um florescimento generalizado; Terence Irwin sugere que uma tra­
dução melhor de “eudaimonia” podería ser “estar bem”.58 Com esse tipo 
de felicidade definida como meta suprema da vida humana, Aristóteles ar­
gumenta que as virtudes são desejáveis porque promovem a felicidade pe­
rene daqueles que a possuem. Embora a vida virtuosa não garanta que nos 
daremos bem na vida, traços como a autoconfiança, a amabilidade e a 
honestidade de fato aumentam nossas chances de sucesso. Assim, pode­
mos justificar a vida virtuosa porque as virtudes promovem o bem-estar 
das pessoas que as têm.
57 E N 1097b 1-5.
58 Ver tradução de Irwin de E N, p. 407.
58 Os Simpsons e a Filosofia
Muitos confundiram a justificativa de Aristóteles da virtude com um 
mero apelo egoístico aos nossos motivos egoístas.59 No entanto, Aristóteles 
compreendia que nós somos uma espécie muito social, e que nossa felicida­
de duradoura depende muito de nossa família e de nossos amigos. Não 
podemos alcançar eudaimonia sem a contribuição dos outros, e muitas de 
nossas virtudes (generosidade, amabilidade e honestidade, por exemplo) nos 
são valiosas justamente porque ajudam a cultivar os fortes vínculos de fa­
mília e amizade que são essenciais para um viver bem-sucedido.
A felicidade de Marge, como a de qualquer pessoa, exemplifica isso. 
Além de suas irmãs Patty e Selma (“a dupla grotesca”), ela não tem ami­
gos, e sem ter um emprego ou hobby com que se ocupar, sua concentração 
vagueia entre Bart, Lisa, Maggie e Homer. A coisa mais importante para 
ela é, sem dúvida, o bem-estar de seu marido e de seus filhos; de fato, isso 
é algo que ela valoriza por seu próprio valor. Como ela mesma diz: “A única 
coisa em que sou viciada é o amor; o amor por meu filho e por minhas 
filhas. Sim, só preciso mesmo de um pouco de L-S-D.”(“Home Sweet 
Home-Diddily-Dum-Doodily”).* É, portanto, pela felicidade de sua família 
que Marge alcança eudaimonia para si. As simples tarefas de casa como 
lavar roupas, fazer bonequinhos de carne (“Mr. Lisa Goes to Washington”), 
e tricotar cintos de segurança para carrinhos de brinquedo, feitos em casa, em 
“The City of New York vx. Homer Simpson”, não são indesejáveis para 
ela. Pelo contrário, são coisas que lhe trazem felicidade porque contribuem 
para o bem da família que ela tanto ama.60 Na verdade, Marge quase perde 
seu senso de propósito quando o novo emprego de Homer com a Globex 
Corporation exige que a família se mude para uma casa automatizada que 
faz a maior parte do trabalho doméstico sozinha, em “You Only Move Twice”. 
Sem saber mais como contribuir para o bem de sua família, Marge cai em 
depressão e começa a beber (embora ainda moderadamente, não precisan­
do da intervenção de David Crosby). Assim, vivendo a vida de acordo com 
as virtudes de Aristóteles, Marge alimenta as fortes relações sociais que 
trazem uma profunda e poderosa felicidade à sua vida.
Cultivando virtude
Diante da importante função da virtude em promover eudamonia, 
podemos nos perguntar o que fazer para que nossas vidas se tomem mais
59 p. xviii da tradução de Irwin.
*N. do T.: A brincadeira que Marge faz com as letras L.S.D. se perde em português: “Love 
for my Son and Daughters (“amor por meu filho e por minhas filhas”)
60 Pode-se questionar se essas atividades levam Marge a desfrutar a verdadeira eudaimonia ou 
uma coisa mais parecida com o prazer físico; note, porém, que ela não parece fazer tais coisas 
por motivação egoísta, mas porque vê a importância de tais ações nas boas relações familiares. 
Quanto à reação feminista e à crítica dos modos de Marge, ver capítulo 9 deste livro.
A motivação moral de Marge 5 9
virtuosas e, consequentemente, mais bem-vividas. Segundo Aristóteles, 
“Nenhuma das virtudes do carátersurge em nós naturalmente.”61 Na ver­
dade, diz ele, temos uma habilidade natural para adquirir virtude pela força 
do hábito. “Tomamo-nos justos cometendo ações justas, moderados come­
tendo ações moderadas, e bravos por meio de atos de bravura.”62
Ao nos afastarmos dos prazeres nos tomamos moderados, e quando nos 
tomamos moderados somos ainda mais capazes de nos afastarmos dos pra­
zeres. E o mesmo acontece com a bravura; o hábito de desdenhar a coisa 
que é temível e a enfrentarmos nos torna mais bravos, e quando nos 
tomamos mais bravos, somos mais capazes de enfrentar o temor. (E N 
1104a25-n5)
As pessoas virtuosas podem, portanto, servir como importantes mo­
delos em nosso desenvolvimento moral. Se escolhermos fazer o tipo de 
coisa que as pessoas virtuosas fazem, também poderemos nos tornar vir­
tuosos. Finalmente, poderemos até aprender a sentir a devida motivação 
virtuosa daqueles que agem virtuosamente porque reconhecem o valor se 
ser virtuoso.
Marge também sabe como o seu modelo pode ser importante para o 
desenvolvimento moral de seus filhos. Sua influência é mais forte sobre 
Lisa, e ela aproveita todas as oportunidades que encontra para encorajar na 
filha o crescimento do sentido de certo e errado. Quando Homer decide 
roubar o sinal da tevê a cabo local em “Homer vs. Lisa and the Eighth 
Commandment”, Marge encoraja o protesto de Lisa com limonada e o 
conselho que “Quando você ama uma pessoa, tem de ter fé que, no fim, ela 
fará a coisa certa.” Em “The Oíd Man and the Lisa”, Marge incentiva a 
filha a escutar a voz da própria consciência enquanto a menina enfrenta o 
dilema moral gerado por uma sorte multimilionária inesperada de uma fá­
brica de reciclagem animal que ela, inadvertidamente, convenceu o Sr. Bums 
a construir. “Lisa, faça o que a sua consciência mandar”, ela diz. O efeito 
da influência moral de Marge sobre Lisa é expressado de forma marcante 
na conversa que se dá na Tavema de Moe:
Marge: Lisa, aqui está todo o dinheiro que eu tenho. Pegue-o e enterre-o 
no quintal.
Lisa: Eu amo você, mamãe. ( “The Last Temptation ofK rusty”)
A influência de Marge também tem um efeito no desenvolvimento 
moral mais lento e um pouco hesitante de Bart. Por exemplo, ela aconselha 
a Bart “escutar o coração, e não as vozes na cabeça”, enquanto ele se 
debate com a questão de testemunhar ou não testemunhar contra Freddy
61 £W1103al5.
62 E N 1104a30-35.
6 0 Os Simpsons e a Filosofia
Quimby e arriscar ser punido por matar a aula em “The Boy Who Knew 
Too Much.”63 Como Aristóteles, então, Marge sabe o que deve ser feito 
para se cultivarem as virtudes naqueles que ainda são incapazes de apre­
ciar plenamente seu valor.
A oposição de Marge à teoria do comando divino
Muitas pessoas acreditam que as questões éticas só podem ser resol­
vidas com referência a religião. É por isso que recorremos a nossos minis­
tros, padres, rabinos e outros líderes religiosos, como se eles fossem 
especialistas morais com capacidades especiais para resolver problemas 
éticos. Também é comum que os especialistas institucionais e governamen­
tais em ética reorganizem seus painéis para incluir representantes das prin­
cipais religiões. Além disso, muitas pessoas sugerem que a prática de oração 
nas escolas, o estudo dos Dez Mandamentos, ou o ensino do criacionismo 
religioso nas aulas de ciência poderiam ajudar a eliminar problemas sociais 
como abuso de álcool e drogas e a violência nas escolas.
Em Springfield, Ned Flanders exemplifica um meio (se não o único 
meio) de compreender a influência da religião sobre a ética.64 Ned parece 
ser o que os filósofos chamam de teorista do comando divino, pois ele acha 
que a moralidade é uma função simples do comando divino de Deus; para ele, 
“moralmente correto” significa simplesmente ser “comandado por Deus.”65 
Conseqüentemente, Ned consulta o Reverendo Lovejoy ou reza diretamente 
ao próprio Deus para resolver os dilemas morais que enfrenta. Por exemplo, 
ele pede permissão ao Reverendo para brincar de “capturar a bandeira” com 
Rod e Todd no sabá em “King of the Hill”; Lovejoy responde: “Ora, vá e 
jogue a porcaria do jogo, Ned.” Ned também faz um telefonema especial 
para o porão onde está o Reverendo Lovejoy com seus trens de modelo, 
quando decide batizar seus novos filhos adotivos, Bart, Lisa e Maggie, em 
“Home Sweet Home-Diddily-Dum-Doodily.”66 (Isso faz com que Lovejoy 
imediatamente pergunte: “Ned, você já pensou em uma ou outra das grandes 
religiões? Todas são praticamente iguais.”) E quando um furacão destrói a
63 Infelizmente para Bart, porém, as coisas nem sempre são tão claras; sua consciência 
realmente o convence a furtar um exemplar do videogame “Bonestorm ”, em “Marge Be 
Not Proud”.
64 Para outra interpretação da filosofia moral de Flanders, ver capítulo 14 deste livro. A 
teoria do comando divino não é a única teoria religiosa da ética; a teoria da lei natural de São 
Tomás de Aquino, por exemplo, é uma filosofia moral religiosa, mas muito diferente daquela 
do comando divino.
65 Essa apresentação da teoria do comando divino é de Racheis, Elements, p. 55-59.
66 Também telefona preocupado em aumentar sua humildade e porque está cobiçando a 
própria esposa, além de outros assuntos que não envolvem moral, como quando engole um 
palito de dente (“In Marge We Trust”).
A motivação moral de Marge 61
casa de sua familia, mas deixa o resto de Springfield intacta em “Hurricane 
Neddy”, Ned tenta encontrar uma explicação de Deus, confessando, “Fiz 
tudo o que a Biblia manda; até aquelas coisas que contradizem as outras 
coisas!” Portanto, Ned parece acreditar que pode encontrar soluções para 
seus problemas morais, não pensando por si próprio, mas consultando o 
comando divino apropriado. Sua fé é tão cega quanto completa, e ele flutua 
pela vida numa velocidade de cruzeiro moral, com seus dilemas éticos efe- 
tivamente pré-resolvidos.
Nesse contexto, parece que as crenças religiosas de Marge têm rela­
tivamente pouca influência em suas decisões morais. É óbvio que ela acre­
dita em Deus; ela reza pedindo para que Deus impeça a iminente destruição 
de Springfield em “Bart’s Comef ’ e “Lisa the Skeptic”, e quando Homer 
abandona a igreja, ela o alerta: “Não me faça escolher entre meu homem e 
meu Deus, pois você não ganha” (“Homer the Herede”). Ela até procura a 
ajuda do Reverendo Lovejoy em seu casamento, em duas ocasiões não 
consecutivas, em “War of the Simpsons” e “Secrets of a Successful 
Marriage”. No entanto, as decisões cotidianas morais de Marge são mais 
guiadas por sua consciência bem desenvolvida do que pela fé religiosa, e 
ela não se incomoda em rejeitar os julgamentos morais oficiais da Igreja, 
coisa que Flanders jamais conseguida fazer. Por exemplo, em vez de juntar 
as famílias de Lovejoy e Flanders para protestar contra uma exibição da 
estátua nua de David, de Michelangelo, Marge defende a grande obra-de- 
arte no noticiário especial Smartline, de Kent Brockman (“Itchy & Scratchy 
& Marge”). Ela se recusa a liderar ou sequer apoiar o tolo protesto porque 
não vê a nudez como algo necessariamente ruim ou imoral, enquanto Helen 
Lovejoy só consegue berrar seu chavão preferido: “Ninguém pensa nas 
crianças?” Ela também critica o aconselhamento pastoral vazio do reve­
rendo, e depois monta seu próprio serviço de aconselhamento, que recebe 
raras visitas dos moradores de Springfield:
Moe: Perdí a vontade de viver.
Marge: Ora, isso é ridículo, Moe. Você tem muito por que viver.
Moe: Verdade? Não é isso que o reverendo Lovejoy me diz. Nossa, você é
boa nisso. Obrigado. ( “In Marge We Trust”)
Assim, os padrões éticos de Marge são independentes daqueles ensi­
nados pelas autoridades mais proeminentes de Springfield.
Muitos filósofos morais, até filósofos religiosos, têm as mesmas dúvi­
das de Marge quanto à teoria do comando divino.67 O grande filósofo da 
Grécia antiga, Platão (professor de Aristóteles na Academia em Atenas);
67 O próprio reverendo Lovejoy admite que os ensinamentos bíblicos têm suas falhas; 
enquantoaconselha Marge em “Secrets of a Successful Marriage”, ele pergunta: “Você já 
sentou e leu esta coisa? Tecnicamente, não temos a permissão de ir ao banheiro.”
6 2 Os Simpsons e a Filosofía
teve um papel particularmente influente nessa tradição. Em seu clássico 
diálogo, Eutifro, Platão afirma que a moralidade se tomaria totalmente ar­
bitrária se a teoria do comando divino fosse verdadeira.68 Deus podería nos 
comandar para fazer qualquer coisa, e esse simples comando a faria ser 
moralmente certa. Entretanto, essa linha geral de argumento parece suge­
rir que o mero comando de Deus tomaria atos como assassinato ou estupro 
aceitáveis; portanto, a teoria do comando divino deve estar errada. A filo­
sofia moral começa não com a observação de que o comando de Deus 
toma uma ação correta, mas com perguntas sobre quais qualidades a tor­
nam correta, e assim (talvez) dignas do favor divino. De qualquer forma, a 
crítica de Platão levou muitos filósofos morais a investigar mais profunda­
mente essas questões éticas, e se esses pensadores estiverem corretos, 
então a moralidade pode ser investigada e compreendida independente­
mente de religião
Conclusão: "Faça o que eu faria"
Marge seria o modelo aristotélico? Não. Como o resto do elenco de 
Os Simpsons, Marge nunca se define totalmente, está sempre pronta para 
fazer ou dizer alguma coisa engraçada a Homer ou Bart, mesmo que pare­
ça totalmente fora de propósito. Na verdade, o caráter de todos os perso­
nagens do programa é repleto de contradições devido à própria natureza da 
série; como diz Bums em “Team Homer”: “Tive uma de minhas caracterís­
ticas mudanças de coração”. Marge, porém, segue uma receita tipicamen­
te aristotélica para uma vida moral feliz, e com grande sucesso. O bem que 
ela visa em suas decisões (morais ou outras) é o bem de sua família, por­
tanto dela mesma. Ela toma decisões não porque espera uma reação recí­
proca, mas porque essas decisões já têm uma reciprocidade por sua própria 
natureza; o que é bom para eles, é bom para ela. Vemos em Marge que 
virtudes morais de Aristóteles podem ser aplicadas com sucesso não só nas 
abstratas torres de marfim do meio acadêmico, mas no desenho animado 
que retrata o mundo real, pé-no-chão. Sua bravura, honestidade, temperan­
ça e outras virtudes não podem ser negadas, tampouco sua resultante feli­
cidade. Marge gosta de ser corajosa, honesta e moderada porque essas 
qualidades lhe possibilitam ajudar sua família. Sua felicidade justifica sua 
vida de virtudes aristotélicas e prova que as pessoas (pelos menos nos 
desenhos animados) podem levar uma vida moral, independente de suas 
convicções religiosas.
68 Ver a tradução (para o inglês) de G. M. A. Grube de Eutifro, na coletânea Five Dialogues 
(Indianápolis: Hackett, 1981)
A motivação moral de Marge 6 3
Como muita gente hoje em dia, Marge poderia ser descrita como 
aristotélica com toques de crista. Pessoas assim valorizam a mensagem 
subjacente de paz na terra aos homens de boa vontade, mas desconsideram 
as rígidas regras morais da Biblia, as orientações sanitárias e as exigên­
cias nutricionais. Em vez de tentar seguir “todas as regras bem intencio­
nadas que não funcionam na vida real” como Flanders, pessoas como 
Marge são capazes de defender a pena de morte, votar pró-escolha, e 
ainda se sentar confortavelmente na igreja aos domingos com o conheci­
mento de que suas decisões éticas se baseiam na razão e na consciência, 
não só na fé cega. Na verdade, Marge é muito menos preocupada em ser 
uma boa cristã do que uma boa pessoa.
E
Assim falava Barí: Nietzsche 
e as virtudes de ser mau
M ark T. C onard
Até o presente, a comédia da existência ainda não “se tornou consciente ” 
de si própria. Até o presente, ainda vivemos na era da tragédia, a era das 
moralidades e religiões.
Nietzsche69 70
Jessica Lovejoy: Você é mau, Bart Simpson. 
Bart: Não, não sou! Na verdade...
JL: E, sim. Você é mau... e eu gosto disso. 
Bart: Sou mau até os ossos, gatinha.10
Meninas boazinhas e meninos maus
Você conhece as histórias: ele cortou a cabeça da estátua de Jebediah 
Springfield; queimou a árvore de Natal da família; roubou um videogame 
de uma loja; colou num teste de QI e acabou entrando numa escola para 
gênios; enganou a cidade inteira, fazendo todo mundo pensar que havia um 
garotinho preso num poço, etc., etc., etc. Bart Simpson não é o tipo de pestinha 
adorável que vive se metendo em encrenca; ele não é um rebelde com 
um coração de ouro. É, isto sim, um delinqüente esperto, um “bad boy” em 
calças azuis, um destruidor, um servo de satanás - se você acredita nesse 
tipo de coisa.
69 Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência, traduzida para o inglês por Walter Kaufmann (Nova 
York: Vintage, 1974), seção 1, p. 74.
70 “Bart’s Girlfriend” .
65
66 Os Simpsons e a Filosofia
Provavelmente você acha que a irmã dele, Lisa, é a virtuosa da fami­
lia. Ela é brilhante, talentosa, muito lógica e racional, sensível. Ela tem prin­
cípios: combate a injustiça quando a vê; é vegetariana porque acredita nos 
direitos dos animais; enfrenta o ganancioso Sr. Bums; e tem amor e com­
paixão por sua família e seus amigos, e por todos os menos afortunados. 
Ela é a garotinha que todos amamos. Provavelmente você diría que ela é a 
única personagem admirável no desenho.
Bem, deixe-me contar sobre outro menino mau, o menino mau da 
Filosofia (o quê? Você não achava que a filosofia tinha meninos maus?). O 
nome dele era Friedrich Nietzsche, e - filosoficamente - era mau, mau de 
verdade. Também era um tipo de delinqüente esperto. Desprezava a auto­
ridade e foi uma espécie de destruidor. Se era um servo de satanás? Bom, 
ele escreveu um livro intitulado O anticristo! Parecia detestar tudo, todos 
os ideais que a maioria das pessoas ama e quer seguir - e mais ainda, ele 
derrubava por terra esses ideais, mostrando astutamente como eles eram 
ligados a coisas que as mesmas pessoas odeiam. Ele rechaçava a religião, 
e ria da piedade. Dizia que Sócrates era um bufão que se levava a sério. 
Chamou Kant de decadente, Descartes de superficial e John Stuart Mili de 
cabeça-oca! E em sua obra Assim falava Zaratustra, ele chegou à infâ­
mia de dizer, “Se você vai procurar mulheres, não esqueça o chicote!”71
Embora Nietzsche rejeitasse e até risse do ideal tradicional da assim 
chamada “boa pessoa”, a pessoa solidária, religiosamente virtuosa, ele pró­
prio tinha um ideal: o espírito livre; a pessoa que rejeita a moralidade tradi­
cional, as virtudes tradicionais; a pessoa que abraça o caos do mundo e dá 
estilo ao caráter.
Será que, do ponto de vista nietzschiano, estamos admirando o perso­
nagem errado? Será que Lisa Simpson é parte do que Nietzsche chama de 
cansaço do mundo, decadência, moralidade de escravo, ressentimento? 
Claro, é divertido ser mau, mas pode haver algo saudável e vital, ou filoso­
ficamente importante nisso? Seria Bart Simpson, afinal de contas, o ideal 
nietzschiano?
A origem do comédia: aparência veteas realidade
Para respondermos às perguntas acima, precisamos compreender por 
que Nietzsche era o menino mau dos filósofos, e por que ele exaltava as 
virtudes de atuar (por assim dizer).
71 Zaratustra é uma obra de ficção, portanto essa frase é dita por um personagem fictício, 
uma velha que está dando conselhos a Zaratustra. Consequentemente, não fica claro se isso 
representa o próprio pensamento de Nietzsche, embora ele fosse conhecido por dizer 
coisas horríveis a respeito das mulheres. Por outro lado, não fica claro na história para que 
seria o chicote!
Assim falava Barí: Nietzsche e as virtudes de ser mau 6 7
Em suas primeiras obras, Nietzsche foi muito influenciado pelo filóso­
fo Arthur Schopenhauer, que era um homem particularmente nada engra­
çado. Segundo as lendas, ele certa vez empurrou uma velha senhora escada 
abaixo. Entre outras coisas, Schopenhauer tinha uma versão da divisão 
entre aparência e realidade. Ele acreditava que o mundo como o experi­
mentamos, na qualidade de coisas, pessoas, árvores e cachorros,é apenas 
uma aparência superficial ou, nas palavras dele, uma representação. Por 
baixo ou por trás dessa aparência se encontra a verdadeira natureza do 
mundo, a qual ele chamava de vontade. Essa vontade é uma força cega, 
incessante, impulsiva, a mesma força e vontade que encontramos em nós 
mesmos, como por exemplo, o impulso social, ou o instinto pela cerveja 
Duff. Como a vontade é uma luta interminável, os desejos são satisfeitos 
mas ressurgem repetidamente. Você bebe uma Duff (ou dez), fica bêbado, 
e seu desejo é momentaneamente satisfeito. Mas amanhã, ele ressurge. 
Bem, Schopenhauer acreditava que desejar e ter o desejo frustrado é so­
frer, e assim, como não há um fim para o desejo, nenhuma satisfação su­
prema, a vida é um sofrimento perpétuo.
Em seu primeiro livro, A Origem da Tragédia,* Nietzsche claramen­
te adota essa visão dualística de Schopenhauer de uma distinção entre apa­
rência e realidade, vontade e representação; mas é interessante que ele 
personifique a palavra “vontade”, trate-a como se fosse um agente cons­
ciente, e se refira a ela como “a unidade primordial”.72 73 Bem, a palavra 
“estética”, que também tem a ver com o estudo da arte e beleza, deriva do 
grego, “aisthetikos”, que se refere à qualidade perceptiva, ou à aparência 
das coisas. Já que o mundo é uma representação, o mundo que experimen­
tamos à nossa volta todo dia é de fato uma aparência, Nietzsche fala em 
sua obra deste mundo como se fosse uma espécie de criação artística des­
sa unidade primordial personificada, no centro das coisas: “Podemos presu­
mir que somos apenas imagens e projeções artísticas do verdadeiro autor, e 
que temos nossa maior dignidade em nossa importância como obras-de- 
arte - pois só como fenômeno artístico a existência e o mundo são eterna­
mente justificados..."11, O “verdadeiro autor” é obviamente a unidade 
primordial, mas - continuando o antropomorfismo - por que ela projeta a 
nós e o resto do mundo? Por que ela cria arte? Nietzsche diz:
... a verdadeira unidade primordial, eternamente em sofrimento e contra­
ditória... precisa da visão extática, da ilusão prazerosa, para a sua contí­
nua redenção. E nós, completamente envoltos nessa ilusão e compostos 
dela, somos compelidos a considerar essa ilusão como o verdadeiro não-
* Um dos próximos lançamentos da Madras Editora.
72 Friedrich Nietzsche, A Origem da Tragédia, traduzido para o inglês por Walter Kaufmann 
(Nova York: Vintage, 1967), seção 4, p. 45.
73 Ib., seção 5, p. 52.
68 Os Simpsons e a Filosofía
existente — isto é, um perpétuo vir a ser no tempo, espaço e causalidade — 
em outras palavras, uma realidade empírica.74
O mundo que conhecemos, o mundo do dia-a-dia, o mundo da repre­
sentação, é urna mera ilusão, o “verdadeiro não-existente”. E no seu cen­
tro, a realidade é tão ruim - uma vontade incessante, cega, impulsiva, na 
verdade sem objetivo e, portanto, insatisfeita e sofredora - que olhar para 
esse centro, compreender a verdadeira natureza da existência, é debilitan­
te. E mais ainda, a maldição dos seres humanos é (ser capaz de) estar 
ciente de sua situação, perceber a natureza do mundo e querer corrigi-lo. 
Mas claro que isso é impossível. Nietzsche diz: “Consciente da verdade 
que ele viu uma vez, o homem agora vê em todo lugar o horror ou o absurdo 
da existência.”75
De acordo com Nietzsche, a arte - e só a arte - e a nossa graça 
salvífica:
Aqui, quando o perigo para essa vontade é o maior de todos, a arte 
chega como uma feiticeira salvadora, especialista em cura. Só ela sabe 
como transformar esses nauseantes pensamentos no horror e absurdo da 
existência em noções com as quais se pode viver: elas são sublimes, na 
qualidade do domínio artístico do horrível, e cômicas, na qualidade de desa­
bafo artístico do nauseante absurdo.76
Nós e a unidade primordial, tendo compreendido a natureza sem sen­
tido e caótica das coisas, precisamos da “visão extática” e da “ilusão praze­
rosa” para a nossa “contínua redenção”; precisamos disso para sobreviver.
A Origem da Tragédia é sobre o modo como os antigos gregos lida­
vam com o horror e o absurdo da existência: por meio da arte, especialmen­
te da tragédia ática, eles eram capazes de encontrar a redenção. Segundo 
Nietzsche, essa é a maneira saudável e honesta de enfrentar a existência 
caótica e sem sentido. Mas também há maneiras insalubres e desonestas. 
Estas consistem basicamente em negar a falta de sentido, o absurdo, o caos 
e o horror, ignorando-os, mentindo para si mesmo e para os outros sobre a 
natureza da realidade. Na Grécia antiga, essa insalubridade e desonestidade 
é personificada, segundo Nietzsche, na pessoa de Sócrates. Ele diz:
... na verdade, há uma profunda ilusão, que viu a luz do mundo pela pri­
meira vez na pessoa de Sócrates: a fé inabalável de que o pensamento, 
usando a linha da causalidade, pode penetrar os abismos mais profundos 
do ser, e esse pensamento é capaz não só de conhecer o ser, mas também de 
corrigi-lo.77
74 Ib., seção 4, p. 45.
75 Ib., seção 7, p. 60.
76 Ib., seção 7, p. 60.
77 Ib., seção 15, p. 95.
Assim falava Bart: Nietzsche e as virtudes de ser mau 69
Em vez de reconhecer o verdadeiro caráter do mundo e aprender a 
lidar com o caos, Sócrates acreditava que o pensamento era capaz não só 
de entender o mundo, mas também de consertá-lo. Nietzsche prossegue:
Sócrates é o protótipo do otimista teórico que, com sua fé em que a natu­
reza das coisas pode ser perscrutada, atribui ao conhecimento e à visão 
interior o poder de uma panacéia, enquanto entende o erro como o mal 
parexcellence.78
Todos nós sabemos que Sócrates era uma pessoa supremamente ra­
cional. A razão não só é o nosso guia para a compreensão do mundo, diz 
ele, mas a chave para vivermos bem, e o mal é só a ignorância. Para 
Nietzsche, nessa primeira obra, esse é um grande erro, um sintoma de 
degeneração e fraqueza; é uma mentira que contamos a nós mesmos por­
que somos fracos demais para encarar a realidade.
É óbvio que se o nosso mundo é caótico, sem sentido e absurdo, o 
universo Simpson é ainda pior. Pense na loucura que testemunhamos em um 
episódio após o outro. Jasper confunde as pílulas de sexta-feira com as de 
quarta e ¡mediatamente se transforma numa criatura parecida com um lobi­
somem; o Sr. Bums tem ao mesmo tempo 72 e 104 anos de idade; Maggie 
consegue atirar no Sr. Bums; tia Selma acha um marido atrás do outro; 
Marge e o chefe Wiggum têm o mesmo tom azul de cabelo; e ninguém fica 
mais velho.
O ponto a que chamo atenção aqui é que em Springfield, a cidade sem 
estado, Lisa faz o papel de Sócrates, o otimista teórico. Apesar de deparar 
com o mundo caótico e absurdo à sua volta, ela persiste em acreditar que a 
razão não só pode ajudá-la a entender esse mundo, mas também corrigi-lo. 
Ela tenta defender os direitos dos animais; tenta curar o Sr. Bums de sua 
ganância e Homer de sua ignorância. Tenta moldar o caráter de Bart, ensi­
nar a ele como ser virtuoso. Ela usa cartões coloridos para tentar ensinar a 
Maggie palavras como “credenza”, embora Maggie nem ao menos saiba 
falar. Lisa luta semana após semana para penetrar as negras e abismais 
nuvens do absurdo e da falta de sentido, do vício e da ignorância, com seu 
intelecto afiado e o uso da razão. Mas nada muda, realmente. O Sr. Bums 
continua ganancioso, Homer ignorante, Bart vicioso, e Springfield absurda. 
Consequentemente, do ponto de vista nietzschiano, as mesas são viradas 
para cima de Lisa. Todas as características e virtudes pelas quais nós a 
admiramos e elogiamos podem ser sintomas de uma doença socrática, uma 
fraqueza hiper-racional, uma fuga da realidade para a ilusão e o auto-engano.
Mas mesmo que isso seja verdade, mesmo que essa seja a forma 
como deveríamos ver Lisa, não significa automaticamente que Bart, o re-
78 Ib., seção 15, p. 97.
70 Os Simpsons e a Filosofia
belde, o destruidor, aquele que emite ruídos de flatulência, e o pesadelo dos 
professores da escola dominical e das babás, deva ser admirado.
Liea como arte, ou pelomenos 
como um dceenho animado
Pouco depois de A Origem da Tragédia, Nietzsche abandonou toda 
e qualquer forma de dualismo, rejeitou a divisão entre representação e von­
tade, aparência e realidade. A partir daí, ele afirma que só existe um fluxo 
caótico; o fluxo é a única realidade. “Os motivos pelos quais ‘este’ mundo 
tem se caracterizado como ‘aparente’ são os mesmos que indicam sua 
realidade”, diz Nietzsche. Em outras palavras, o fato de ele estar em fluxo 
significa que é real; “qualquer outro tipo de realidade é absolutamente 
indemonstrável.”79 Então, por que um dia acreditamos que havia algo além 
daquilo que experimentamos, além “deste” mundo? Por que pensamos que 
havia uma distinção entre aparência e realidade? Um dos principais moti­
vos para isso, diz Nietzsche, é a estrutura da linguagem. Vemos ações, atos 
sendo cometidos (ou seja, experimentamos fenómenos no mundo caótico 
ao nosso redor), e o único modo de compreendermos esses atos ou fenô­
menos é projetar por trás deles, por meio da linguagem, algum sujeito ou 
agente estável, causando-os. (“Eu” corro; “você” grita; “Nelson” dá um 
soco.) Como o pensamento e a linguagem não podem descrever ou repre­
sentar um mundo em fluxo, é necessário falar como se houvesse coisas 
estáveis que possuem propriedades, e sujeitos estáveis que causam ações. 
Essa limitação de pensamento e linguagem, então, se projeta no mundo. 
Passamos a acreditar de fato em unidade, substância, identidade, perma­
nência (em outras palavras, em ser). Nietzsche diz:
... a mente popular separa o relâmpago de seu brilho e interpreta o últi­
mo como uma ação, para a operação de um sujeito chamado relâmpago... 
Mas não existe em substrato; não há um “ser” por trás, fazendo, efetuan­
do, tornando-se: “o agente” é apenas uma ficção acrescentada ao ato - 
o ato é tudo. A mente popular na verdade duplica o ato; quando ela vê o 
brilho do relâmpago, é o ato de um ato: ela interpreta o mesmo even­
to primeiro como causa e depois, uma segunda vez, como seu efeito.80
79 Friedrich Nietzsche, O Crepúsculo dos ídolos, “Razão na filosofía”, de The Portable 
Nietzsche (Nova York: Penguin, 1954), seção 6, p. 484.
80 Friedrich Nietzsche, A Genealogia da Moral, “Bem e mal”, “Bom e mau” (Nova York: 
Vintage, 1967), seção 13, p. 45.
Assim falava Bart: Nietzsche e as virtudes de ser mau 7 1
Nós dizemos “brilho do relâmpago”, mas será que existem as duas 
coisas, o relâmpago e o brilho? Não, claro que não. Mas essa parece ser a 
nossa única maneira de entender e expressar as coisas. Precisamos de um 
sujeito, “relâmpago”, e um verbo, “brilhar” para expressar o que vivenciamos. 
Mas, ao fazermos isso, forçamo-nos a acreditar que existe uma coisa está­
vel por trás da ação causadora. Ou seja, porque temos a distinção sujeito/ 
predicado embutida em nossa língua, acreditamos que ela reflete de manei­
ra adequada a estrutura da realidade. Mas isso é um erro. Dizemos “Homer 
come”, “Homer bebe”, “Homer arrota”, quando na realidade não há nada 
chamado “Homer” que se encontre além do comer, do beber e do arrotar. 
Não há um ser por trás do ato. Homer é apenas a soma de suas ações, e 
nada mais.
Essa distinção entre agente e ato, petrificada em nossa linguagem, é o 
início da cisão entre aparência e realidade, diz Nietzsche, transformada por 
Platão, por exemplo, na dicotomia formas/particulares; por Schopenhauer 
na distinção vontade/representação; e pelos cristãos na separação entre o 
céu e a terra, Deus e o homem. “Temo que não estejamos livres de Deus 
porque ainda temos fé na gramática,”81 diz Nietzsche.
Antes de prosseguirmos falando a respeito da reversão de Nietzsche 
do “tradicionalmente bom e tradicionalmente mau”, quero enfatizar que, 
embora, claro, não existisse televisão na época de Nietzsche, e embora a 
animação nem lhe passasse pela cabeça, um desenho como Os Simpsons 
pode ser a perfeita retratação (ou metáfora) da visão de Nietzsche sobre a 
ficção do “agente” sendo projetado por trás do “ato”. Ou seja, num pro­
grama como Os Simpsons realmente não há agente algum por trás das 
ações. Homer, Bart, Lisa, Marge e Maggie são de fato nada além da soma 
de suas ações. Não há substância nem ego, não há um ser por trás dos 
fenômenos causando essas ações. Claro que um desenho animado é pura­
mente fenomenal, pura aparência; não há sequer atores na tela ou no palco 
representando personagens que podem a qualquer momento tirar as másca­
ras e abandonar o personagem. O que resta a Bart além de suas diabruras 
semanais? Resposta: nada. Nem poderia haver. Ele é meramente a soma de 
tudo o que faz. A visão de Nietzsche, novamente, é que esse não é apenas 
o único modo de um desenho animado funcionar: é o único modo de o 
mundo inteiro funcionar, o modo como a realidade é construída. O mundo 
é um fluxo caótico e sem sentido; e ser real, ser parte do mundo do fluxo, é 
parecer. A aparência não mascara a realidade; a aparência é a realidade. Ou 
melhor: agora podemos nos livrar totalmente desses conceitos, aparência e 
realidade. Só o que podemos realmente dizer é que existe o fluxo.
81 Friedrich Nietzsche, O Crepúsculo dos ídolos, “Razão em filosofía”, de The Portable 
Nietzsche, seção 5, p. 483.
72 Os Simpsons e a Filosofia
O ideal nietzschiano
Repetindo o que já dissemos, em seus primeiros escritos, Nietzsche 
propunha que o mundo era dividido e aparência em realidade, vontade e 
representação, uma visão que ele logo repudiou, afirmando que não exis­
te nada mascarando o caos, nenhum ser por trás do ato. Agora, eis a 
consequência realmente interessante dessa mudança de posição: em con­
traste à visão anterior, na qual nós éramos meros fenômenos da vontade 
subjacente, projeções artísticas, obras-de-arte para a unidade primordial, 
que é a verdadeira artista e espectadora, somos agora tanto a vontade quan­
to o fenômeno, ou melhor, ambos são a mesma coisa. Assim, nós próprios 
nos tomamos artista, espectador e obra-de-arte, tudo em um: “Como um 
fenômeno estético, a existência ainda é suportável para nós, e arte nos dá 
olhos e mãos e, acima de tudo, a boa consciência para sermos capazes 
de nos transformarmos nesse fenômeno.”82 Nietzsche obliterou a distinção 
entre arte e vida. Consequentemente, já que é a existência como um fenô­
meno estético, uma realização artística, que é justificada ou redimida, 
Nietzsche parte da justificativa do mundo para a justificação individual. 
Como expressões da vontade - da vontade manifesta - somos um misto de 
artista e obra-de-arte, e assim nos justificamos, encontramos sentido para 
as nossas vidas, criando-nos a nós próprios por meio dessas expressões da 
vontade e por intermédio nossas ações.
O que significaria, então, fazer uma obra-de-arte da vida de uma pes­
soa? Lembremos que, para Nietzsche, abandonar a realidade oculta por 
trás da aparência significa também abandonar qualquer noção de um ego 
ou sujeito estável ou perene: “O ‘sujeito’ não é algo acrescentado e inven­
tado e projetado por trás do que existe.”83 Parte do que Nietzsche procura 
aqui, portanto, é construir um eu para o indivíduo a partir dos vários desejos 
desse indivíduo, de seus vários instintos, vontades, ações, etc. Em sua in­
fluente obra, Nietzsche: Life as Literature, Alexander Nehamas nos diz: 
“A unidade do eu, que portanto também constitui sua identidade, não é uma 
coisa dada e sim conquistada, não um começo mas uma meta.”84 Em A 
Gaia Ciência, Nietzsche insinua esse ideal ou projeto quando fala de se 
“dar estilo” a si próprio:
Uma coisa é necessária.- “Dar estilo”ao caráter de alguém — uma gran­
de e rara arte! Ela é praticada por aqueles que examinam todas as forças e 
fraquezas de sua natureza e as encaixam num plano artístico, até que
82 A Gaia Ciência, seção 107, p. 163.
83 A Vontade de Potência, seção 481, p. 267.
84 Alexander Nehamas, Nietzsche: Life as Literature (Cambridge: Harvard University Press), 
1985, p. 182.
Assim falava Bart: Nietzsche e as virtudes de ser mau 73
cada uma delas apareça, à medida que a arte e a razão,e até as fraquezas, 
deliciem o olhar... No fim, quando o trabalho termina, fica evidente como 
a constriçâo de um único gosto governou e formou tudo o que é grande e 
pequeno. Se esse gosto era bom ou ruim, isso é menos importante do que 
se pode imaginar, desde que tenha sido um único gosto! ”ss
Como o ego é “apenas uma síntese conceituai”,85 86 87 não algo estável ou 
dado, faz parte do fluxo, como tudo o mais, a meta para Nietzsche passa a 
realizar essa síntese, construir uma identidade para si próprio, criar a si 
próprio, de acordo com alguma espécie de plano ou esquema, assim dando 
“estilo” ao caráter pessoal.
O ideal nietzschiano culmina na figura do Übermensch, ou super­
homem, o ser que realizou esse projeto extremamente difícil de transformar 
sua vida numa obra-de-arte, o ser autocriador. Nehamas diz: “Assim fala­
va Zaratustra é construído em tomo da idéia de criar o próprio eu de 
alguém ou, o que seria a mesma coisa, o Übermensch.”*1 E Richard Schacht 
diz: o ‘super-homem’ deve ser interpretado como um símbolo da vida
humana elevado ao nível de arte...”88
Claro que é divertido ser mau, mas...
Discuti há pouco o “otimismo socrático”, a crença de que o universo 
é inteligível e significativo, e como ele é também um meio para evitar e 
abraçar o fluxo caótico e sem sentido da existência. Durante toda a sua 
vida, Nietzsche nunca deixou de vociferar contra aqueles que, segundo ele, 
negam a realidade, aqueles que não são suficientemente fortes para reco­
nhecer a vida como ela é. Entre esses se encontram os filósofos mais tradi­
cionais e quase todas as religiões. Geralmente o que eles têm em comum, diz 
Nietzsche, é a proposta de um outro mundo fictício, algo além, uma nega­
ção do aqui e agora, ou do fluxo, num esforço de buscar conforto. Platão, 
por exemplo, acredita num reino das formas eternas e imutáveis, além des­
te mundo de particulares transientes e instáveis. Os cristãos propõem o 
outro mundo como Deus, o céu e uma alma, em contraste aos seres huma­
nos, à terra e ao corpo. Em outras palavras, este mundo é caótico e sem 
sentido e, portanto, finito; conseqüentemente, para que eu me sinta melhor, 
acredito que haja algo que é o oposto, algo eterno e não transiente, estável 
em vez de caótico, e significativo em vez de sem sentido.
85 A Gaia Ciência, seção 290, p. 232-3.
86 A Vontade de Potência, seção 371, p. 200.
87 Alexander Nehamas, Nietzsche: Life as Literature, p. 174.
88 Richard Schacht, Making Sense o f Nietzsche, “Making Life Worth Living: Nietzsche on 
Art in The Birth ofTragedy" (Urbana: University of Illionois Press), 1995, p. 133
7 4 Os Simpsons e a Filosofia
Estaria tudo bem se não fossem algumas terríveis consequências, 
diz Nietzsche. Em primeiro lugar, na proposta de um mundo de valor infi­
nito, a realidade - o que e agora - perde qualquer possível valor que 
poderia ter. O fato de o mundo ser inerentemente sem sentido, não signi­
fica que ele não tenha valor. O valor é algo gerado pelos seres humanos, 
no modo como vivemos nossas vidas, e no decorrer de nossos relaciona­
mentos com as coisas e as outras pessoas. Nossas vidas e este mundo 
têm valor porque os investimos de valor. Mas quando criamos e acredita­
mos num além que é de valor infinito, algo eterno e imutável, o aqui e o 
agora - a realidade - em comparação fica desprovido de qualquer valor. 
De que valem a terra e meu corpo em comparação com o céu e minha 
alma imortal? Para que servem os particulares no mundo, em compara­
ção com as formas eternas de Platão? Nada, é claro! Todo valor e quali­
dade são transferidos para fora do mundo, fora desta vida, a um além não 
existente, deixando-nos com um mundo que nada vale.
Em segundo lugar, essa espécie de pensamento não é apenas um 
consolo privado. Aqueles que acreditam no além querem tradicionalmente 
forçar os outros, o resto do mundo, a aceitar essa crença também. No 
primeiro ensaio de A Genealogia da Moral, “Bem e mal”, “bom e mau”. 
Nietzsche nos conta a história de como surgiram as avaliações morais. O 
julgamento “bom”, ele diz, foi feito pela primeira vez quando os fortes, sau­
dáveis, ativos e nobres designavam a si próprios e a tudo o que fosse pare­
cido com eles como “bons”:
Foram os próprios “bons ”, isto é, os nobres, poderosos, de alta posição e 
inteligência, que se sentiam e declaravam — bem como às próprias ações 
— bons, ou seja, da primeira classe, em contraposição aos plebeus comuns 
e de baixo nível.89
Os fortes nobres, como medida de auto-afirmação e para garantir a 
qualidade de tudo o que fosse como eles, cunharam a palavra “bom” para 
designar a si próprios e os de sua espécie. Em contraste, e por conseqüência, 
tudo o que não fosse como eles, tudo o que fosse fraco, doente, ignóbil, 
seria também “mau”, não implicando um sentido de condenação. Esses 
termos ainda não tinham nenhuma espécie de conotação moral. Os no­
bres não pensavam que as coisas pudessem ou devessem ser diferentes, 
que uma pessoa má fosse realmente responsável por ser má. Essa forma 
de avaliação era simplesmente um modo de distinção e de classificar aque­
les que não eram como eles.
Nietzsche refere-se a esse modo de avaliação como “moralidade de 
mestre”, e não tem papas na língua ao descrever esses antigos “mestres” 
ou “nobres”: na verdade, eram fortes, saudáveis e ativos, mas sem a menor
89 A Genealogia da Moral, “Bem e mal”, “Bom e Mau”, seção 2, p. 26.
Assim falava Bart: Nietzsche e as virtudes de ser mau 75
educação ou auto-reflexão, e eram violentos. Pegavam o que queriam, rou­
bavam, estupravam, pilhavam, simplesmente porque podiam, porque eram 
suficientemente fortes para fazer tudo isso, e porque gostavam de agir assim. 
Pense em Nelson e seus capangas. Eles batem nas crianças, tomam os lan­
ches delas, roubam seus doces, tudo com uma aparente impunidade. Por 
quê? Porque podem, é claro. Ninguém é durão o suficiente para impedi-los.
Os “maus”, conforme a designação dos nobres, os fracos, doentes, 
ignóbeis e inativos, certamente não gostavam de apanhar e ter seus do­
ces roubados. Mas nada podiam fazer a respeito. Não tinham força para 
se defender. Consequentemente, foi se desenvolvendo neles um profundo 
e inflamado ressentimento contra os nobres. Esse inflamado ressenti­
mento é a origem da “moralidade de escravo”:
A revolta dos escravos na moralidade começa quando o próprio ressenti­
mento se toma criativo e gera valores: o ressentimento das naturezas às 
quais é negada a verdadeira reação, a dos atos, e compensam com uma 
vingança imaginária. Enquanto toda mentalidade nobre se desenvolve 
de uma afirmação triunfante dela própria, a moralidade de escravo des­
de o início diz Não ao que é “de fora”, o que é “diferente”, o que não é 
“ela mesma ”, e esse Não é o ato criativo. Essa inversão do olhar dos 
valores — essa necessidade de direcionar a visão para o exterior em vez 
de para o interior e de volta ao indivíduo — é da essência do ressenti­
mento: para existir, a moralidade de escravo sempre precisa primeiro de 
um mundo externo hostil; precisa, fisiológicamente falando, de estímulos 
extemos para poder agir — sua ação é fundamentalmente uma reação.90
Por causa desse recentimento por ser fraco, doente e maltratado, e 
ser incapaz de tomar qualquer medida, o “escravo” reage, e grita Não para 
o que é diferente, nobre, aquilo que ele gostaria de ser. Ele rotula o nobre de 
“maligno” e, consequentemente, chama a si próprio de “bom”.
Nietzsche não quer dizer que essas pessoas eram escravas no sentido 
real e literal. Ele usa o termo para designar o tipo de homem fraco e doente 
cuja moralidade se origina, mais do que qualquer outra fonte, do ressenti­
mento. O que esse “escravo”, esse homem fraco quer, mais do que tudo, é 
ser forte, saudável e ativo, tomar, conquistar, mandar; ele quer ser como os 
nobres. Incapaz disso, vinga-se dos fortes e saudáveis. Primeiro, diz 
Nietzsche, a fraqueza do escravo se transforma em “algo meritório”; sua 
“impotência que não tem cura [não muda] se converte em “bondade docoração”; a ansiosa inferioridade em “humildade”; a sujeição àqueles que 
ele odeia em “obediência”.91 Sua incapacidade de ser forte, saudável e
90 Ib., seção 10, p. 36-37. Nietzsche gosta de usar a palavra francesa, “ressentiment”. Para 
uma explicação disso, ver a Introdução de Walter Kaufmann à Genealogia.
91 Ib., seção 13, p. 47.
76 Os Simpsons e a Filosofia
ativo é interpretada como uma virtude, como algo desejável; e claro, a for­
ça e a vitalidade dominantes do “mestre” é, em contraste, redefinida como 
algo repreensível. Assim, numa manobra bem elaborada e sigilosa, o ho­
mem fraco cria seu céu como o reino onde ele será o governante, e onde os 
fortes serão punidos por sua força: “Essas pessoas fracas - um dia ou 
outro, elas também pretendem ser fortes, não resta dúvida, algum dia o 
“reino” delas virá - elas o chamam de ‘o reino de Deus’, claro...”92 Os 
humildes herdarão a Terra, e os “ímpios” serão punidos por toda a eternida­
de. Nietzsche diz: “Quando o homem do rebanho for irradiado pela glória da 
mais pura virtude, o homem excepcional deverá ter sido desvalorizado pelo 
próprio mal”.93
A moralidade de escravo triunfou, é claro. Os fracos conseguiram 
convencer os nobres de mentes simples que a fraqueza, a humildade, a 
obediência, piedade, etc., são virtudes, e que a força, a ação, a vitalidade, 
etc., etc. são vícios. Segundo Nietzsche, isso foi uma calamidade de pro­
porções inimagináveis. Força, saúde, vitalidade, uma habilidade não só para 
aceitar o caos do mundo, mas abraçá-lo e transformá-lo em algo belo - 
esses são os próprios traços e características necessárias para que a pes­
soa capaz de investir sua vida com significado e valor, o faça de verdade. E 
essas características não só foram transformadas em mentiras e converti­
das em algo repugnante, mas a terra e esta vida foram desvalorizadas. 
Conseqüentemente, sobra-nos uma existência sem valor, desqualificada, e 
não temos o poder de reinvesti-la com significado, vitalidade e valor.
Essa, portanto, é a raiz da persona “bad boy” de Nietzsche; esse é o 
motivo por que ele desdém da tradição e da moralidade, despreza a maioria 
das coisas que a maior parte das pessoas fracas considera importantes, 
mas que, na visão dele, são perigosas, negam e difamam a vida. Conse­
qüentemente, ele nos aconselha a ir “além do bem e do mal”, ir além da 
“moralidade de escravo”, parar de transferir valor deste mundo e desta 
vida, e ter a força e coragem para abraçar o caos da existência e de 
nossas vidas e criar delas algo que tenha sentido.
Bart o SiipGi’-hornem'P
Muito bem, então Nietzsche é o menino mau dos filósofos, e Bart 
Simpson é o menino mau de Springfield. Certamente Bart despreza a auto­
ridade, e rejeitou (ou talvez nunca tenha adotado) a moralidade tradicional. 
Ao tentar convencer o Sr. Bums a lhe deixar ir junto na caça ao tesouro,
92 Ib., seção 15, p. 48.
93 Friedrich Nietzsche, Ecce Homo, “Por que eu sou um destino” (Nova York: Vintage, 
1967), seção 5, p. 330.
Assim falava Bart: Nietzsche e as virtudes de ser mau 77
por exemplo, ele diz: “Posso ir com o senhor atrás do tesouro? Não como 
muito e não sei a diferença entre certo e errado”.94 Mas será que Nietzsche 
aprovaria Bart? De alguma maneira, Bart poderia ser um exemplo do ideal 
(reverso) nietzschiano? Claro que a resposta é não.
Em primeiro lugar - e muitas pessoas cometem esse erro - embora 
Nietzsche condene a “moralidade de escravo”, chamando-a de infame e 
negadora da vida, ele não defende a moralidade de mestre. Os mestres são 
homens grosseiros, violentos e irracionais. Nietzsche não os vê como um 
modelo de ideal, dizendo que nós deveríamos ser como eles, que as ações 
deles são certas, etc. Ele não nos aconselha a intimidar os outros, roubar- 
lhes a lancheira e comer seus doces. Assim, mesmo que Bart seguisse a 
ética da moralidade de mestre - e parece que essa caracterização se apli­
caria melhor a Nelson e Jimbo do que a ele - isso ainda não faria dele um 
exemplar do ideal nietzschiano.
Não, o ideal de Nietzsche é mais o indivíduo artístico, que supera 
obstáculos, criativo, que desenvolve novos valores e transforma sua vida 
numa obra-de-arte. E eu creio que estaríamos sendo precipitados em 
descrever Bart dessa forma. Às vezes, ele parece compreender o caos 
do mundo e de sua existência. Por exemplo, esperando ter um papel no 
novo filme do Homem Radioativo, ele diz: “Se eu conseguir o papel, pode­
ria finalmente me dar bem com esse carinha confuso chamado Bart”.95 
Ele percebe que sua vida é caótica, e que ele é um “carinha confuso”, 
que precisa de forma. E, realmente, parece haver uma espécie coerente de 
estilo em seu caráter, mas a maneira como ele define a si próprio é em grande 
parte reativa, e isso, claro, é algo que Nietzsche jamais aceitaria. O que eu 
quero dizer é que Bart se define e forja sua identidade, não como algum tipo 
de afirmação triunfante de seus talentos e habilidades, não como uma misce­
lânea de elementos díspares, mas sim como alguém em oposição à autorida­
de. Por exemplo, Bart acidentalmente provoca a demissão do diretor Skinner 
quando traz à escola o Ajudante do Papai Noel para falar de sua profissão. 
Ned Flanders assume a diretoria da escola, elimina a detenção, coloca todas 
as crianças na lista de honra, e serve pasta de amendoim a todos os que são 
mandados à sua sala. Bart e Skinner ficam amigos, por estranho que pare­
ça, e após Skinner voltar ao exército, Bart percebe que sente falta do auto­
ritarismo de Skinner (contrário ao exagero de liberdade de Flanders). Lisa 
explica porque:
94 “The Curse of the Flying Hellfish’
95 “Radioactive Man”
7 8 Os Simpsons e a Filosofía
Bart: É estranho, Lisa. Eu sinto falta dele como amigo, mas mais ainda 
como inimigo.
Lisa: Acho que você precisa de Skinner, Bart. Todo muito precisa de urna 
nêmesis. Sherlock Holmes tinha o Dr. Moriarty; Mountain Dew tinha 
seu Mellow Yellow, até Maggie tem aquele bebê que só tem uma sobran­
celha.96
Todo mundo pode precisar de uma nêmesis, mas enquanto Holmes 
tinha um caráter próprio e distinto, e só usava Moriarty para testar suas 
formidáveis habilidades, Bart de fato parece criar ou definir a si próprio em 
oposição à autoridade, não como algum personagem identificável com di­
reitos próprios.
Em um episódio muito significativo, Springfield inteira se deixa con­
vencer pelo guru de auto-ajuda Brad Goodman que todos deveríam agir como 
Bart, e “fazer o que quiserem”. O repórter apresentador Kent Brockman 
xinga na televisão ao vivo e enche a boca de creme; o reverendo Lovejoy 
toca (muito mal) Marvin Hamlish no órgão da igreja diante de toda a con­
gregação; tia Patty e tia Selma andam a cavalo pela cidade, nuas. Vendo 
que todos seguem seu exemplo, Bart proclama à sua irmã: “Lisa, hoje eu 
sou um deus”.
Mas Bart logo descobre que ver todo mundo agindo como ele não é 
sempre um mar de rosas. Ele quer responder à pergunta da Sra. Krabappel 
na aula, mas todas as crianças começam a dar respostas engraçadinhas. 
Ele quer pôr em prática sua brincadeira patenteada de cuspir de cima do 
viaduto, mas quando chega lá, encontra dezenas de pessoas já posicionadas 
e fazendo a mesma coisa. Bart não é feliz, e novamente é Lisa quem expli­
ca por que:
Bart: Lisa, todo mundo na cidade está se comportando como eu. Então, 
por que é tão ruim?
Lisa: Simples, Bart: você se autodefine como um rebelde, e na ausência de 
um ambiente repressivo, sua natureza social foi co-optada.
Bart: Sei.
Lisa: Desde que aquele guru de auto-ajuda chegou à cidade, você perdeu 
sua identidade. Você caiu pelas fendas de nossa sociedade onde tudo é 
rápido: consertos rápidos, fotos tiradas em uma hora, mingau de aveia 
instantâneo.
Bart: Qual é a solução?
Lisa: Bem, esta é a sua chance de desenvolver uma identidade nova e 
melhor. Posso sugerir... a de um capacho de boa índole?
Bart: Parece legal, mana. Diga-me o que fazer.97
96 “Sweet Seymour Skinner’s Badasssss Song”
97 “Bart’s Inner Child”
Assim falava Barí: Nietzsche e as virtudesde ser mau 7 9
Toda a identidade de Bart é criada em tomo da rebeldia, do desafio à 
autoridade. Conseqüentemente, quando a autoridade desaparece, Bart per­
de a identidade. Não sabe mais quem ou o que é. Interessante é que Lisa, 
em toda a sua sabedoria, sugere a Bart que ele forje uma nova identidade, 
a de um capacho de boa índole, provavelmente um sujeito bonzinho ao 
estilo de Ned Flanders, em quem as pessoas (como Homer) pisam. Bart, 
sem saber como fazer isso, quer que a irmã lhe diga o que fazer. Em outras 
palavras, longe de ser o ideal autocriador, que tudo supera, de Nietzsche, o 
ser que ativamente dá estilo ao seu caráter e forja novos valores, Bart 
ainda procura se identificar de maneira reativa, em resposta aos outros, 
pela mediação dos outros (tanto de Lisa, que lhe dá instruções de como agir, 
quanto de outros que, presumivelmente, pisarão nele). Num “ambiente repre­
sentativo”, Bart é a antiautoridade, ele faz tudo o que seus pais e professores 
lhe proíbem de fazer - isso é Bart, e Bart é só isso. Na falta desse ambiente, 
Bart tropeça e grita por alguém que o ajude a se definir e se criar.
Bart pode, de fato, representar a precariedade de nossa posição num 
mundo pós-Nietzsche. Isto é, de acordo com Nietzsche, nós devemos ir 
“além do bem e do mal”, e deixar todos os nossos confortos metafísicos 
para trás: Deus, céu, alma, uma ordem mundial moral, e assim por diante. 
Mas se abandonarmos o outro mundo, o além, corremos o grande risco de 
cair no niilismo: “A mais extrema forma de niilismo seria a visão de que 
toda crença, toda coisa considerada verdadeira, é necessariamente falsa 
porque simplesmente não existe um mundo verdadeiro",98 Ele acrescen­
ta: “Uma interpretação ruiu; mas como era considerada a interpretação, 
agora parece que não há sentido na existência, como tudo fosse em vão”.99 
Em outras palavras, quando abandonarmos toda e qualquer noção de um 
eterno e perfeito além, e só ficarmos com o fluxo caótico que é o mundo, 
estaremos em perigo de cair no niilismo do “qualquer coisa passa”, uma 
libertinagem intelectual e moral. Embora essa possibilidade apavorasse 
Nietzsche, não era algo que ele precisasse enfrentar. Na sua época, o 
mundo ocidental ainda era um lugar muito religioso e opressivamente moral. 
Conseqüentemente, fazia muito sentido - e na verdade era um ato de 
grande coragem e visão - agir como ele agia, desafiando as tradições, 
criticando a igreja. A última coisa que Nietzsche queria fazer era criar 
outra religião, outro sistema eterno e absoluto; o que ele pretendia, isto sim, 
era aconselhar seus leitores a investir suas vidas com significado, abraçar o 
caos e transformar a vida numa obra-de-arte.
Mas o que nós devemos fazer, agora que o negro manto do niilismo 
nos encobriu (se você não percebeu isso ainda, confie em mim: encobriu 
mesmo)? Há uma divisão muito tênue entre continuar a rebater os velhos
98 A Vontade de Potência, seção 15, p. 14.
99 Ib., seção 55, p. 35.
8 0 Os Simpsons e a Filosofia
ídolos num esforço de forjar um novo caminho, novos valores, por um lado; 
e por outro, mergulharmos no niilismo, na libertinagem intelectual e moral, 
não levando nada a sério, acreditando que, como não há valores absolu­
tos, nada tem valor real. Bart, o menino de calças azuis, pode, de fato, 
representar esse perigo niilista. Ele não tem virtudes (ou tem muito pou­
cas); ele não tem espírito criativo; aceitou o caos da existência, mas de uma 
maneira que possa criar algo belo desse caos; ele aceita e lida com isso 
com uma espécie de espírito resignado. Nada tem significado, então por 
que não fazer o que eu quero? Ele rejeita, rechaça e critica duramente, não 
para destruir ídolos velhos, infames, vazios, que negam a vida, mas por 
causa de sua falta de identidade sólida, da falta de um eu completo.
Comédia que se toma consciente
Sim, tristemente, no fim das contas Bart talvez apenas seja parte da 
decadência e do niilismo que permeia nossa era. E, nesse sentido, podemos 
vê-lo como um tipo de exemplo precavido: era disso que Nietzsche tentava 
nos alertar. Mas, para encerrarmos com um tom mais animador, embora 
Bart não seja nosso herói nietzschiano e possa ser um exemplo de declínio 
niilista, Os Simpsons pode ser muito mais do que isso. Nossas vidas e nosso 
mundo não são menos caóticos e absurdos do que eram para os antigos 
gregos, e se, como diz Nietzsche, a comédia deles era um necessário “de­
sabafo artístico da náusea e do absurdo”,100 então talvez Os Simpsons 
possa nos servir nessa função também. Como sátira social, um comentário 
a respeito da sociedade contemporânea, o programa freqüentemente atin­
ge um incrível brilhantismo; costuma ser excelente, no melhor sentido gre­
go da palavra. E geralmente alcança essa excelência juntando os elementos 
díspares de nossas caóticas vidas americanas, dando-lhes forma e estilo e 
forjando-os em algo significativo e, às vezes, até belo. Mesmo que seja 
apenas um desenho animado.
100 A Origem da Tragédia, seção 7, p. 60
Parte II
Temas de 
Os Simpsons
*
6
Os Qirnpsons e alusão:
" 0 pior ensaio ¡á escrito*
W illiam Irwin e J. R. L ombardo
“Muitos roteiristas talentosos trabalham no programa, metade dos quais 
vem de Harvard. E quando você estuda a semiótica de No País dos Espe­
lhos, ou assiste a todos os episodios de Jomada nas Estrelas, tem que fazer 
isso compensar; por isso, você joga um monte de referências de seus estu­
dos em qualquer coisa que fizer na vida. ”
Matt Groening
“Estamos realmente escrevendo um programa que tem o maior número 
de referências esotéricas na televisão. Eu quero dizer, pequenos momentos 
muito, muito, muito estranhos que poucas pessoas entendem. Escreve­
mos para adultos inteligentes. ”
David Mirkin
“Eu detesto citações. Diga-me o que você sabe. ”
Ralph Waldo Emerson
Matt Groening diz: “Os Simpsons é uma série que compensa pela 
atenção prestada.” Todo fã pode confirmar a afirmação do criador e, na 
verdade, a maioria dos verdadeiros fas de Os Simpsons deve concordar 
que cada episódio precisa ser visto mais de uma vez. Graças a Deus exis­
tem as reprises! Um dos muitos motivos pelos quais os fãs continuam assis­
tindo e revendo Os Simpsons é o rico e claro uso da alusão, no programa. 
Desde o venerável nome de “Homer” ao “Uivo”, a paródias de O Corvo, 
Cabo do Medo, e All in the Family, Os Simpsons se liga tanto à alta 
cultura quanto à cultura popular, tecendo um intrincado desenho, digno de 
ser visto novamente e merecer uma atenção apurada.
83
8 4 Os Simpsons e a Filosofia
O que é uma alusão*?
Os Simpsons é rico era sátiras, sarcasmo, ironia e caricaturas. Fre- 
qüentemente, esses elementos estilísticos são ligados ao uso da alusão em 
Os Simpsons, mas, para sermos claros, não são o mesmo que alusão. O 
Quimby com traços de Kennedy e os estereotipados Scot, Willie, não são o 
nosso interesse imediato aqui. Nossa intenção se volta, isto sim, para pás­
saros, em referência a Os Pássaros e ao “yaba-daba-du” que associa 
Springfield a Bedrock, dos Flintstones. Por definição, uma alusão é uma 
referência intencional cuja associação transcende a mera substituição de 
um referente.101 Uma referência comum nos permite facilmente substituir um 
termo ou frase por outro. Já uma alusão nos obriga a ir além de tal substitui­
ção. Por exemplo, em “Lisa The Simpson”, em que Homer tenta mostrar a 
Lisa que o “gene Simpson” não faz com que todos os Simpsons sejam debilóides 
fracassados, um dos parentes de Homer nos informa que tem uma “uma 
empresa de camarões, mal-sucedida”. Essa é uma alusão clara a Forrest 
Gump. Observe, porém, que não estamos meramente substituindo uma 
frase por outra. Pelo contrário, para captarmos bem a alusão, precisamos fa­
zer associações adicionais. Gump, embora com problemas mentais, admi­
nistra a incrivelmente bem-sucedida Bubba Gump Shrimp Company, cujo 
negócio é camarão (“é um nome de família”). A alusão sugere que o pa­
rente dos Simpsons é estúpido e azarado, que não se dá bem nem num 
negócio no qualaté os deficientes mentais prosperam.
O intento por trás de muitas alusões é que o público se lembre de 
certas coisas e deixe outras associações fluir livremente. Por exemplo, o 
episódio intitulado “The Day the Violence Died” não só alude a um alegóri­
co Don McClean, mas inclui “Amendment To Be” (literalmente, futura 
emenda), uma paródia de “I’m just a Bill” (ou “Sou apenas um Bill”). Nes­
se caso, o intento não é apenas que reconheçamos que esse comentário 
político cínico é uma brincadeira com o belo clássico de Schoolhouse Rock, 
mas também que nos recordemos das agradáveis manhãs de sábado, com 
cereal matinal, de tempos já passados. Se havia alguma dúvida quanto a 
isso no começo de “Amendment To Be”, ela rapidamente se dissipa quan­
do Lisa explica a Bart: “É um daqueles saudosismos dos anos 1970, que 
mexem com quem é da Geração X.”
Uma alusão deve ser intencional? Certamente, há muitas associações 
que o telespectador atento pode fazer ao assistir Os Simpsons, e nem todas 
podem ter sido pretendidas pelos roteiristas do desenho. Essas não são, na 
verdade, alusões, mas sim “associações acidentais”. São “acidentais” não
101 Não podemos apresentar uma defesa teórica dessa definição aqui, mas para uma discus­
são mais completa, leia o artigo de William Irwin, “What Is an Allusion?” The Journal o f 
Aesthetics andArt Criticism, publicado em 2001.
Os Simpsons e Alusão: "O pior ensaio já escrito ” 8 5
no sentido negativo, mas de acordo com a etimologia de “acidente”; elas 
simplesmente acontecem. A motivação para se distinguir entre alusões e 
associações acidentais é que, na melhor das hipóteses, seria incorreto, e na 
pior, antiético, atribuir uma associação a um roteirista - mesmo de desenho 
animado - que ele não tivesse pretendido. Embora seja difícil saber com 
certeza se uma associação foi intencional ou não, pistas como o contexto 
podem esclarecer as coisas. Por exemplo, quando Homer canta “I’m gonna 
make it after all” (“Vou conseguir, afinal”), celebrando seu sucesso no 
novo emprego no boliche (“And Maggie Makes Three”), os roteiristas 
criaram uma alusão à “mulher de carreira” em Mary Tyler Moore. Não 
só essa frase faz parte da música tema da série, mas Homer joga sua bola 
para cima, parodiando o modo como Mary joga o chapéu, na abertura do 
programa.
Uma maneira de termos certeza que estamos diante de uma associa­
ção acidental, e não uma alusão, é quando seria anacrônico atribuir a 
intenção de um roteirista a uma determinada associação. Por exemplo, 
vendo reprises de alguns episódios, podemos ficar tentados a ver a curta 
carreira de Marge como corretora de imóveis em “Realy Bites” como uma 
alusão à personagem de Annette Benning, em Beleza Americana. Mas 
isso seria impossível, pois o episódio foi ao ar pela primeira vez em 1997, e 
o filme estreou em 1999. Obviamente, não se pode fazer uma referência a 
algo que ainda não existe. (O título “Realty Bites” é, porém, claramente 
uma alusão ao filme de 1994 Reality Bites, e o episódio também alude a 
elementos do filme Glen Garry Glen Ross.) Qualquer ligação ou associa­
ção feita com o filme Beleza Americana é por conta do telespectador, não 
podendo ser atribuída aos roteiristas. Pode haver elementos intercontextuais 
(como é moda chamá-los agora) não pretendidos pelos roteiristas, mas que 
um telespectador ideal, ou no mínimo sensato, percebe, como o contraste 
nas técnicas de venda imobiliárias de Marge e Carolyn. Não há mal al­
gum em observarmos esses elementos intercontextuais, desde que não os 
atribuamos incorretamente às intenções dos roteiristas. Devidamente de­
finidos, esses elementos são as nossas associações acidentais. Para dar­
mos outro exemplo, o telespectador instruído não pode deixar de se lembrar 
do poeta épico Homero, da Grécia antiga, quando ouve o nome Homer. 
Entretanto, o personagem de Os Simpsons leva o nome do pai de Matt 
Groening, assim como os outros Simpsons têm todos o nome de alguém 
da família Groening. É normal, porém, a suspeita de que Groening queria 
que fizéssemos a associação com o autor de A Odisséia. Afinal de con­
tas, essa ligação é muito clara e, na verdade, menos esotérica, e delicio­
samente irônica. Hmmm... ironia.
Considere outro exemplo. Ao ver uma reprise, o telespectador pode 
achar que Otto cantarolando “Iron Man” em “Blood Feud” é uma alusão à 
canção tema de Beavis e Butthead. Mas como o episódio foi ao ar em
8 6 Os Simpsons e a Filosofia
1991, quando Beavis e Butthead ainda não tinha agraciado (ou desgraça­
do) as ondas do ar, isso é impossível. A escolha de Otto para cantarolar tem 
o intento de conjurar imagens macabras da banda que originalmente gravou 
a música, “Black Sabbath”, e seu ex-líder vocal Ozzy Osbourne. Poderia­
mos sugerir, isto sim, que Mike Judge, a voz e o criador de Beavis e Butthead, 
usa “Iron Man” para aludir a Otto e a Os Simpsons. Isso seria cronologica­
mente possível, embora improvável. O mais plausível é que qualquer liga­
ção entre Os Simpsons e Beavis e Butthead com relação ao “Iron Man” 
de Otto não passe de uma associação acidental por parte dos telespectado­
res, e é melhor reconhecer isso do que atribuir uma alusão aos roteiristas. 
O telespectador tem o direito de ser criativo enquanto assiste a algo, mas 
deve ceder ao que os roteiristas nos oferecem.
Estética da alusão
Estética é um ramo da filosofia que estuda a natureza do belo e do 
agradável, e inclui o estudo filosófico da arte. Por que encontramos prazer 
estético nas alusões feitas por outros? Pois, como membros de uma platéia, 
gostamos de reconhecer, compreender e apreciar alusões de um modo bem 
especial. A compreensão de uma alusão combina o prazer que sentimos ao 
reconhecer algo familiar, como um brinquedo favorito de nossa infância, 
com o prazer de saber a resposta certa à grande pergunta nos programas 
tipo Quizz na televisão. Sentimos um prazer especial ao entender alusões, 
maior do que quando entendemos afirmações diretas. Por exemplo, no epi­
sódio “Colonel Homer”, em que Homer agencia a carreira da cantora de 
country Lurleen Lumpkin, um garoto numa varanda toca, em seu banjo, o 
tema de Deliverance. Esse é um modo muito mais eficaz de dizer ao público 
que Homer entrou numa área restrita, do que tal coisa fosse dita abertamen­
te. O público sente prazer tanto por reconhecer o significado da música no 
banjo quanto por se lembrar de um filme favorito, perguntando-se: Será que 
Homer vai acabar gritando feito um porco sendo sacrificado?
Os telespectadores gostam de se envolver no processo criativo; gos­
tam de preencher as lacunas eles mesmos, em vez de receber tudo pronto. 
Por exemplo, em “A Streetcar Named Marge”, Maggie é colocada na “Ayn 
Rand Escola para Bebês”, onde a proprietária, Sra. Sinclair, lê A dieta 
Fountainhead. Para entender por que as chupetas são tiradas de Maggie 
e das outras crianças, o telespectador deve captar a alusão à filosofia 
libertária radical de Ayn Rand. Reconhecer e compreender essa alusão 
desperta mais prazer do que uma explicação direta por que Maggie foi 
colocada numa creche em que os bebês são treinados a cuidar de si mes­
mos, não depender dos outros nem das chupetas.
Gostamos de alusões também por causa de sua qualidade lúdica. Há 
uma certa brincadeira envolvida na alusão, e somos, em certo sentido, con­
Os Simpsons e Alusão: “O pior ensaio já escrito” 8 7
vidados a brincar também. Por exemplo, em “Sepárate Vocations”, Lisa 
cria problemas na escola quando um teste vocacional sugere que sua linha 
ideal de trabalho seria a de dona-de-casa.102 Quando o diretor Skinner per­
gunta a ela: “Contra o que você está se rebelando?” O público já prevé a 
resposta: típica de Marión Brando em The Wild One, “O que você tem?”
Um dos efeitos estéticos mais importantes que a alusão pode ter é o 
“cultivo da intimidade” e a criação da comunidade.103 A clara vantagem 
das alusões que contam com informações que nem todos possuem é que 
elas fortalecem a ligação entre o autor e o público. Autor e público tomam-se intimamente ligados; tornam-se, na verdade, membros de um clube 
que conhece o “aperto de mão secreto” . É o caso da alusão em 
“Amendment to Be” a Schoolhouse Rock. De modo semelhante, as alu­
sões recorrentes em Os Simpsons aos filmes de Hitchcock como Os Pás­
saros, Janela Indiscreta, Intriga Internacional e Um Corpo que Cai 
forjam um elo entre os membros do público (que os reconhecem) e os 
roteiristas do programa. Qualquer leitor de Ginsberg com bom senso de 
humor reconhecería a astúcia dos roteiristas quando Lisa diz: “Eu vi as 
melhores refeições de minha geração destruídas pela loucura de meu irmão 
/ Minha alma cortada em pedaços por demônios peludos.” Os fãs dos clás­
sicos da TV certamente encontram alusões inequívocas, e também paró­
dias, aos memoráveis episódios de Além da Imaginação. Aqueles que não 
resistem a assistir a A Primeira Noite de Um Homem (fácil de encontrar 
tarde da noite, para quem tem TV a cabo) sentem uma certa familiaridade 
e não deixam de rir quando o Vovô acaba com o casamento entre a Sra. 
Bouvier e o Sr. Bums, gritando atrás do vidro da cabina do organista na 
igreja (“Lady Bouvier’s Lover”).
No caso de Os Simpsons, talvez nada contribua mais para cultivar 
intimidade e criar comunidade do que as alusões a episódios passados. 
Os Simpsons não segue uma linha contínua de um episódio para o próxi­
mo, nem é particularmente linear na narrativa das histórias dentro da 
mesma temporada. Em parte por causa disso, a visão de um objeto de um 
episódio anterior tem um efeito real no telespectador. Em “Natural Born 
Kissers”, por exemplo, Homer encontra um folheto do funeral de Frank 
Grimes no bolso de seu paletó. Para o telespectador casual, isso parece 
incidental, mas para o fã atento e fiel, o folheto relembra um dos episó­
dios favoritos que apresenta a nêmesis de Homer, Frank “Grimey” Grimes.* 
O folheto também faz uma referência à roupa típica de Homer, sugerindo 
que o funeral de Grimes, quase um ano antes em termos de exibição na
102 Para uma maior discussão sobre esse episódio, ver capítulo 9 deste livro.
103 Ver Ted Cohén, Jokes: Philosophical Thoughts on Joking Matters (Chicago: University 
of Chicago Press, 1999), p. 29.
* N. do T.: “Grime” ou “grimey” - imundo, imundície.
Os Simpsons e a Filosofia
TV, foi a última vez que Homer usou aquele paleto. Em “Mayored to the 
Mob”, Benjamín, Doug e Gary, colegas de classe de Homer do episodio 
“Homer Goes to College”, vestem-se como Sr. Spock para a Conven­
ção de Ficção Científica. Essa escolha de vestimenta alude às suas 
tendências meio “nerd”, reveladas num episódio anterior, embora o 
telespectador casual pensaria que eles são típicos freqüentadores (nerds) 
da convenção. Em “Viva Ned Flanders”, um dos adesivos de pára-cho­
ques do Cara dos Quadrinhos diz “Kang é meu co-piloto”. Isso é o que 
poderiamos chamar de “dupla alusão”. O adesivo alude ao extraterrestre 
que vive aterrorizando a família Simpson nos episódios de terror “Treehouse 
of Horror”, enquanto o próprio extraterrestre é uma alusão ao capitão 
Klingon com o mesmo nome de um episódio da Jornada nas Estrelas, a 
série original.
Sem dúvida, há um certo elitismo e exclusão envolvidos no uso da 
alusão. Cultivar a intimidade com alguns é, às vezes, excluir outros. Nem 
todos os telespectadores de Os Simpsons entenderão as alusões a Ayn 
Rand; menos ainda a Ginsberg e Kerouac; pouquíssimos compreenderíam 
que a visão de Bart do inferno alude a uma pintura hieronímica de Bosch 
(“Bart Gets Hit by a Car”). Em toda a história da arte e da literatura (e 
agora da TV) algumas pessoas compreenderam alusões culturais, enquan­
to outras não, mas o número crescente daqueles que não compreendem é 
um problema que devemos enfrentar, hoje em dia. Um motivo para o atual 
problema é a falta de um cabedal de conhecimentos comum a todos, o que 
E.D. Hirsch Jr. chama de “alfabetização cultural”, em aclamado e difama­
do best-seller, Cultural Literacy: What Every American Needs to Know. 
A alfabetização cultural é essencial para a boa comunicação e compreen­
são, como se nota no caso das alusões. A alfabetização cultural pressupos­
ta em Os Simpsons nem sempre (quase nunca) é intelectual, recorrendo ao 
conhecimento que o público tem de programas “clássicos” da televisão. 
Isso tem o efeito de excluir telespectadores mais jovens, que não conhe­
cem, por exemplo, Zé Colméia, Gasparzinho, Além da Imaginação, 
Supermáquina, Dallas, Twin Peaks, Os Smurfs, I Love Lucy, Magda o 
Gorila, That Girl, A Feiticeira, etc., etc. Homer Simpson não deixa de 
notar isso, lamentando a morte da “alfabetização pop-cultural”, repreen­
dendo Bart por não saber o que era Fonzie. “Quem é Fonzie? Você não 
aprende nada na escola? Ele libertou os quadrados (“Make Room for Lisa”). 
Sempre o campeão da cultura popular nos anos 1970 e 1980, Homer fica 
perplexo quando o rapaz da loja de discos lhe diz que Hullaballooza é o 
maior festival de rock de todos os tempos. A resposta de Homer? Só existe 
um grande festival, o Festival Americano. Era patrocinado pelo cara dos 
computadores Apple. A resposta do rapaz? Que computadores? Hirsch 
não hesita em admitir que a alfabetização cultural é um fenômeno sempre 
mutável, e qualquer lista que a especifica seria descritiva e não prescritiva.
Os Simpsons e Alusão: “O pior ensaio já escrito” 8 9
Mesmo assim, acho que ele não iria tão longe como Homer a ponto de 
incluir “Fonzie” e o Festival Americano na lista de “Tudo o que o americano 
precisa saber”, embora talvez a empresa Apple Computer ainda tenha uma 
chance.
Um motivo pelo qual o uso em Os Simpsons da alusão é esteticamen­
te bem-sucedido é por não ser destrutivo. Os roteiristas reconhecem que 
nem todos serão capazes de captar todas as alusões, por isso as tecem de 
tal maneira que elas aumentam nosso prazer, se forem entendidas, mas não 
prejudicam a diversão, se não forem. A textura artisticamente mesclada 
das alusões do desenho permite ao velho e ao jovem, ao esperto e ao ingê­
nuo, ao educado e ao ignorante, apreciar o mesmo programa. Na verdade, 
o verdadeiro teste do sucesso cômico e estético do uso das alusões em Os 
Simpsons é assistir ao programa ao lado de uma criança. Se ela rir de 
uma alusão obscura, sabemos que é por causa do humor e não porque 
“captou” a mensagem. A mescla funcionou. Por exemplo, em “Trash of 
the Titans”, a banda toca um breve trecho da canção de três temas Sanford 
and Son, enquanto Homer é destituído do cargo, e o fiscal sanitário Patterson 
é chamado de volta. Se alguém não reconhecer a alusão musical a Sanford 
and Son, mesmo assim não fica boiando. Na verdade, parte da beleza da 
alusão é que ela se funde à cena perfeitamente; pode passar sem ser en­
tendida, talvez interpretada apenas como uma musiquinha engraçada, sem 
deixar a sensação de que se perdeu alguma coisa importante. De modo 
semelhante, em “Lisa’s Wedding”, um episódio que projeta o futuro, há 
uma referência a Os Jetsons. Homer usa uma camisa branca exatamente 
igual à do “futurístico” George Jetson, e há um amplo uso de efeitos sono­
ros dos Jetsons. Mais uma vez, essas alusões se fundem de modo perfeito, 
trazendo prazer àqueles que as reconhecem sem atrair atenção para si ou 
deixar dúvidas naqueles que não as captaram. O mesmo se aplica às 
alusões à alta cultura, como a paródia do Homem do Pretzel do famoso 
discurso de Tom Joad em As Vinhas da Ira. Como o Homem do Pretzel 
diz a Marge: “Sempre que uma jovem mãe não souber o que dar de co­
mer ao seu bebê, você estará lá. Sempre que a penetração do nacho não 
for total, você estará lá”. Se um bavário não estiver completamente satis­
feito, você estará lá (“The Twisted World of Marge Simpson”). De novo, a 
alusão a As Vinhas da Ira, de Steinbeck, traz prazer a quem a reconhece, 
mas passa despercebida e sem causar danos aos que não têm o preparo 
para compreendê-la. Talvez alguns telespectadores astutos percebam, nes­
te caso ou em outros, que uma alusão está sendo feita embora não saibam 
a que. Mesmo assim, isso nãotem o efeito de deixar o telespectador perdi­
do. Ele pode até dar risada, sentindo que alguma coisa está acontecendo, 
mesmo que não saiba exatamente o que. A mesma textura mesclada pode 
ser encontrada em alusões mais inclusivas, paródias que abordam um epi­
sódio inteiro ou segmento, tais como “The Shinning”, “The Raven” and
9 0 Os Simpsons e a Filosofia
“Bart of Darkness” (cujo título é um trocadilho com um livro de Conrad, 
embora o episodio parodie Janela Indiscreta, de Hitchcock).*
Qual é a ligaçãô P
As alusões têm um valor prático adicional ao seu valor estético, e além 
dele. O valor prático das alusões é encontrado em sua habilidade de propor­
cionar vínculos com outras obras-de-arte. Esses vínculos, por sua vez, pro­
porcionam um contexto e uma tradição nos quais uma obra-de-arte deve ser 
interpretada. Enquanto os filósofos lidam com seus predecessores ou con­
temporâneos, criticando seus argumentos e oferecendo novos - e, espera-se, 
melhores - argumentos, os artistas costumam aludir justamente a seus pre­
decessores e contemporâneos. Os artistas usam alusões nesse sentido para 
prestar homenagem, parodiar,* 104 caçoar e superar.
Normalmente, não esperaríamos que os roteiristas de um desenho 
animado empregassem alusão com o propósito de associar sua arte e criar 
um contexto, mas Os Simpsons não é um desenho animado comum. Que 
contexto e tradição os roteiristas de Os Simpsons tentariam ditar por meio 
de seu uso da alusão? Consideremos brevemente as listas de obras-de-arte 
às quais eles aludem.
A lista de filmes referidos em Os Simpsons inclui, mas não se limita, 
aos seguintes: Os 101 Dálmatas, 2001: Uma Odisséia no Espaço, Alien 
o 8‘! passageiro, Horror em Amytiville, Apocalypse Now, Mar de Cha­
mas, Instinto Selvagem, Ben Hur, Quero Ser Grande, Os Pássaros, O 
Guarda-costa, Cabo do Medo, Carruagem de Fogo, Cidadão Kane, 
Contatos Imediatos do 3o Grau, Laranja Mecânica, Cocktail, O Fran­
co Atirador, Deliverance, Dr. Strangelove, Drácula, E.T., O Exorcista, 
Medo e Delírio, A Mosca, Forrest Gump, Frankenstein, Nascido para 
Matar, O Poderoso Chefão, Godzilla, E o Vento Levou..., Os Bons Com­
panheiros, A Primeira Noite de um Homem, I t’s a Wonderful Life, Tu­
barão, The Jazz Singer, Jumanji, Parque dos Dinossauros, King Kong, 
Lawrence da Arábia, Mary Poppins, O Expresso da Meia-noite, A Hora 
do Pesadelo, Intriga Internacional, A Força do Destino, Estranho no 
Ninho, Patton, Pink Flamingoes, Planeta dos Macacos, Amante e He­
rói, Psicose, Pulp Fiction - Tempo de Violência, Os Caçadores da Arca 
Perdida, Rain Man, Janela Indiscreta, Os Eleitos, Negócio Arriscado, 
Rocky, Rocky Horror Picture Show, Rudy, O Iluminado, O Silêncio
* N. do T.: o livro referido é Heart o f Darkness, de Joseph Conrad, escrito e publicado no 
século XIX.
104 Para uma maior discussão sobre a paródia específicamente, ver capítulo 7 deste livro.
Os Simpsons e Alusão: “O pior ensaio já escrito” 9 1
dos Inocentes, Soylen Green, Velocidade Máxima, Guerras nas Estre­
las, Steamboat Willie, O Exterminador, Titanic, O Tesouro de Sierra 
Madre, Um Corpo que Cai, A Cidade dos Amaldiçoados, Waterworld, 
The Wild One e O Mágico de Oz.
A lista dos programas de televisão referidos em Os Simpsons inclui, 
mas se limita aos seguintes: All in the Family, Batman, Beavis e Butthead, 
A Feiticeira, Bonanza, Gasparzinho o fantasminha camarada, O Na­
tal de Charlie Brown, Cheers, The Cosby Show, Dallas, Davey and 
Goliath, Denis o Pimentinha, Doctor Who, Fish, Os Flintstontes, O 
Fugitivo, Futurama, A Ilha dos Birutas, Happy Days, Hekyll and Jekyll, 
Home Improvement, Howdy Doody, I Fove Lucy, In Search Of, Os 
Jeffersons, Os Jetsons, Supermáquina, Lassie, Faverne and Shirley, 
The Little Rascais, Magila o Gorila, Mary Tyler Moore, Popeye, O 
Prisioneiro, Ren and Stimpy, Rhoda, The Ropers, Scoolhouse Rock, 
Os Smurfs, Jomada nas Estrelas, That Girl, That 70’s Show, Twin Peaks, 
Além da Imaginação, Os Anos Incríveis, Arquivo X, Xena - A Princesa 
Guerreira, e Zé Colméia.
A lista de autores e obras da literatura referidas em Os Simpsons 
inclui, mas não se limita aos seguintes: A Biblia, Castañeda, Dickens (A 
Christmas Carrol), Ginsberg (Howl), Golding (Ford o f the Flies), 
Hemingway O Velho e o Mar, Homero (A Odisséia), Kerouac, Melville 
(Mobi Dick), Michener, Poe (Telltale Heart, O Corvo, e The Fall o f 
the House o f Usher, Ayn Rand (The Fountainhead), Shakespeare, 
Steinbeck (As Vinhas da Ira, e Tenesse Williams (Um Bonde Chamado 
Desejo).
A primeira coisa que notamos nessas listas é que os roteiristas de Os 
Simpsons não limitam suas alusões ao gênero do desenho animado, tam­
pouco à televisão. Há amplas alusões ao cinema e à literatura. Embora 
menos comuns, também percebemos alusões a pinturas como “The 
Kentuckian” e a acontecimentos musicais como o “USA for Africa”. A 
segunda coisa que notamos é que as alusões predominantemente, embora 
não apenas, a obras-de-arte americanas, tanto culturais quanto populares. 
Isso parece apropriado, uma vez que Springfield (a cidade sem estado) 
provavelmente representa a própria América.
As alusões em Os Simpsons são muito “americanas” de um modo 
não lisonjeiro, mostrando-as como uma sociedade fast-food, em que as 
massas não gostam de “pensar muito”. Em muitos casos, embora não to­
dos, as alusões são declaradas ou mostradas abertamente ao telespectador. 
Canções como “The End” ou “Hot Blooded” acenam para outras formas 
de arte popular e não exigem grande esforço ou conhecimento esotérico 
por parte do telespectador, que simplesmente deve reconhecer a alusão e 
registrar o pensamento. Os Simpsons usa com frequência pessoas reais ou 
personagens fictícios, como Ron Howard, Denis o Pimentinha, ou The Red
9 2 Os Simpsons e a Filosofia
Hot Chili Peppers. O uso dessas pessoas constitui uma alusão por causa 
das duplas camadas; o telespectador deve saber por que a pessoa ou situa­
ção é engraçada além do mero fato de estarem na cena. Por exemplo, 
David Crosby deu voz ao seu personagem no desenho em vários episódios, 
geralmente no contexto de função reabilitadora ou de auto-ajuda, como um 
encontro em 12 passos de um grupo “anônimo”. Ficam estas perguntas: Os 
americanos gostam ou (pior) precisam de “cabeças ocas”? Todas as alu­
sões à cultura popular são sinais da decadência americana? Elas represen­
tam a imolação da alfabetização cultural de Hirsch, com apenas uma 
alfabetização pop-cultural niilista a surgir das cinzas?
Não, provavelmente o intuito não é tão negativo. Devemos considerar 
que os filhos do pós-guerra e a geração X tiveram seu primeiro contato 
com a música clássica por meio dos desenhos do Pemalonga, para depois 
amadurecer o gosto por Bach e Beethoven. As alusões diretas e a combi­
nação da cultura popular e da alta cultura não assinalam “o fim da mente 
americana”. Tal toque de morte só seria soado se uma geração de ameri­
canos nunca transcendesse Os Simpsons no gosto estético. Não há um 
“perigo claro e presente” disso. Na verdade, tanto Os Simpsons quanto 
este livro cumprirão melhor seu propósito se incitarem o público a ponderar 
sobre temas filosóficos, culturais e estéticos, cuja superfície é apenas leve­
mente abordada pelo desenho.
Entendendo o piada
Talvez você ache que estamos fazendo “muito auê por nada” nesta 
discussão sobre as alusões.* Nesse caso, saiba que Homer está do seu 
lado. “Ora, Marge, os desenhos animados não têm nenhum sentido pro­
fundo. São apenas uns rabiscos idiotas que se movem e fazem a gente rir 
feito bobo” (“Mr. Lisa Goes to Washington”). Preferimos ficar do lado de 
Matt Groening, que diz: “Essa é uma das grandes coisas em Os Simpsons 
- se você lê alguns livros, entende melhor as piadas.”* 105 * No fim, só pedi­
mos que você leve este ensaio tão a sério quanto levaria um episódio de 
Os Simpsons.'06
Nota do tradutor: o autor faz uma alusão, em brincadeira, à obra de Shakespeare, Muito 
Barulho por Nada (“Much Ado about Nothing”), usando o título de um episódio de Os 
Simpsons, “Much Apu aboutNothing”.
105 http://www.snpp.com/other/interviews/groeining99e.html
i°6 Agradeço às seguintes pessoas pela ajuda com este ensaio: Mark Conard, Raja Halwani, 
Megan Lloyd, Jennifer O’Neil, David Weberman, Sarah Worth e Joe Zeccardi.
http://www.snpp.com/other/interviews/groeining99e.html
7
Paródia popular:
Os Simpsons e. o film e policial
D eborah K night
Neste ensaio, em vez de me basear no conjunto de episodios que 
compõem Os Simpsons para estabelecer pontos filosóficos gerais, quero 
trabalhar na outra direção, examinando um episodio específico da série. 
Concentro-me aqui na parodia, em particular nas estratégias da parodia 
que caracterizam as narrativas populares, em vez da “Arte Culta”.107 O 
tópico da parodia obviamente tem afinidades com a alusão. Irwin e Lombardo 
fazem a observação muito pertinente de que para algo ser uma alusão em 
vez de uma “associação acidental”, deve ser assim pretendido pelos cria­
dores da ficção - geralmente, para os propósitos de Os Simpsons, as alu­
sões devem ser pretendidas pelos roteiristas.108 A parodia funciona do 
mesmo modo - referências não pretendidas são, na melhor das hipóteses, 
acidentais. Os Simpsons cita numerosas séries e filmes da televisão ame­
ricana e apresenta tais citações numa variedade de maneiras. Estou parti­
cularmente interessada num modo específico de citar e também usar um 
gênero narrativo reconhecível. Falo do filme policial; e o episódio em ques-
107 Contrastar as formas de arte “culta” e arte popular é um meio conveniente, embora 
problemático, de falar. O cinema e mais recentemente a televisão são exemplos óbvios de 
mídia que podem jogar por terra essa distinção. Os filósofos de arte como Stanley Cavell 
e Ted Cohén há muito reconhecem que Intriga Internacional, de Hitchcock, é um exemplo 
de arte tão claro quando um auto-retrato de Rembrandt. Noêl Carroll, em A Philosophy o f 
Mass Art (Oxford: Clarendon Press, 1998) sugere que estaremos mais corretos ao falar de 
arte das “massas” se aquilo a que nos referimos for “arte popular produzida e distribuída 
por uma tecnologia de massa” (p. 3). Acho que não resta dúvida de que Os Simpsons se 
qualifica como um exemplo desse tipo de arte popular e das massas. Não pressuponho que 
a arte “culta” seja necessariamente superior à arte “popular”: há grandes obras-de-arte 
populares, assim como há péssimas obras-de-arte “culta”.
108 Ver capítulo 6 deste livro.
9 3
9 4 Os Simpsons e a Filosofia
tão é “Bart the Murderer” (literalmente, “Bart, o assassino”). Mas minha 
noção é aplicável a qualquer episodio de Os Simpsons que use as mesmas 
estratégias encontradas em “Bart the Murderer”.
"Barí the Murderer7'
Você deve se lembrar desse episodio. Bart acorda cantando e desee 
a escada todo feliz, achando que vai ter um grandioso dia. Mas as coisas 
logo vão por água abaixo. Primeiro, Homer roubou o distintivo policial da 
caixa de cereais de Bart. Depois, Bart perde o ônibus para a escola. O dia 
ensolarado se transforma em tempestade, enquanto ele vai para a escola - 
ficando ensolarado novamente quando ele chega lá. Ele tem de preencher 
uma notificação de atraso. E como se tudo isso não fosse suficiente, ele 
esqueceu de trazer a permissão escrita para a excursão da tarde até a fábri­
ca de chocolate. Ele vê os colegas entrando no ônibus e é obrigado a selar 
envelopes para a reunião de pais e mestres, recebendo o conselho do diretor 
Skinner de “fazer disso um jogo”, contando quantos envelopes consegue 
“lamber” em uma hora, tentando superar a conta na hora seguinte. Bart diz 
que aquilo é “uma droga de jogo”, e tem razão. Com a língua amortecida, 
ele vai de skate para casa, de novo na chuva. Mas as coisas não pararam 
de dar errado: ele cai do skate e rola por uma escada. “O que mais, ago­
ra?”, ele se desespera. A pergunta é rapidamente respondida quando deze­
nas de armas são apontadas para o menino.
Por pior que o dia tenha sido, esse é o momento mais infeliz de todos. 
Bart caiu perto do esconderijo de uma gangue liderada por Fat Tony (Joe 
Mantegna) e seus capangas. Mas nem tudo está perdido. Fat Tony, que 
gosta de apostar em cavalos, faz um teste de iniciação com Bart. Quando 
lhe pergunta qual cavalo vai ganhar a terceira corrida, Bart responde: 
“Don’t have a cow”. E realmente Don’t have a cow chega em primeiro 
lugar e Fat Tony ganha a aposta. Ele parece acreditar que Bart pode tra­
zer sorte. E lhe dá um segundo teste. Parece que o clube não tem um bom 
barman e Fat Tony quer saber se Bart é capaz de fazer um Manhattan. 
Nervoso, ele consegue fazer, e isso lhe garante a entrada na “família” mañosa. 
Sua carreira como barman da gangue prospera - se ignorarmos o fato de 
que ele transforma seu quarto num depósito de cigarros roubados de um 
caminhão, começa a falar de um jeito afetado e com maneirismos de gángster, 
e cria o hábito de enfiar dinheiro no bolso das pessoas, pedindo favores, além 
de se vestir como gángster júnior depois que Fat Tony lhe dá um temo de 
presente. Mas quando o diretor Skinner deixa Bart detido na escola por ten­
tar subomá-lo, ele se atrasa para trabalhar no clube; e isso é um problema, 
pois Fat Tony tinha prometido a um chefão antagonista um soberbo Manhattan 
- só que Bart não está lá para fazê-lo. Quando este vai embora, dá a Fat 
Tony o “beijo da morte”, como só um chefe de gangue sabe fazer (“Era tudo
Parodia popular: Os S im p son s e o filme policial 95
de que eu precisava!”, diz Fat Tony). E tudo porque Bart estava atrasado. 
Finalmente ele chega, e diz que o diretor Skinner o deixou em detenção, e Fat 
Tony resolve ir falar com Skinner. O diretor logo se vê na presença de “ho­
mens altos” em sua sala, que não marcaram hora. (Skinner quer saber como 
eles passaram pelo monitor do corredor.)
Quando Skinner desaparece, Bart atrai a atenção da polícia. Na ver­
dade, ele acaba sendo julgado pelo assassinato de Skinner. No julgamento, 
todos se voltam contra Bart: Homer confessa que as evidências apontam 
contra ele. Fat Tony insiste que Bart é o verdadeiro “Capo” da organiza­
ção. As coisas teriam ficado pretas, se não fosse pelo súbito e miraculoso 
reaparecimento de Skinner. Skinner explica que ficou preso durante dias 
debaixo de uma pilha de jornais em sua garagem - mantendo a mente 
ocupada brincando com urna bola de basquete, contando o número de ve­
zes que conseguia rebatê-la num dia e, no dia seguinte, superar a conta­
gem. O processo contra Bart é anulado. Na escadaria do tribunal, Bart 
anuncia a Fat Tony o que aprendeu: que o “crime não compensa”. Tony 
concorda, antes de entrar na primeira de uma frota de limusines que levam 
a ele e seus capangas embora. A familia Simpson está unida novamente.
Parodia e narrativas populares
Como argumenta Thomas J. Roberts em An Aesthetics o f Junk 
Fiction,m uma característica da ficção popular - ou descartável, como 
Roberts a chama afetuosamente - é ser repleta de referências à sua pró­
pria cultura contemporânea. As obras de ficção popular estabelecem liga­
ções com seus leitores e espectadores, argumenta Roberts, por causa de 
sua frequente citação de pessoas, eventos e objetos extra-textuais familiares 
ou pelo menos reconhecíveis. Por exemplo, a ficção popular faz referência 
a marcas de carro e de arma, músicas, filmes e programas de televisão, 
figuras públicas como astros de cinema ou de rock, esportistas, políticos, 
roupas e maquiagem, manchetes dos jornais, tipos de tecnologia. Essas referên­
cias podem envolver algo tão objetivo como a descrição declarada, ou podem 
ser sutis como algumas das alusões associativas mencionadas por Irwin e 
Lombardo. Considerando-se a rapidez com que mudam os carros, filmes, 
astros, modas e tecnologias - reconhecendo como muitos simplesmente dei­
xam de ser lembrados - mesmo uma ou duas gerações mais tarde, as refe­
rências que um público contemporâneo reconhecería imediatamente podem 
se tornar opacas. Uma coisa notável que acontece quando uma obra de 
ficção descartável muda seus status de popular para clássicaé que nossa 109
109 Thomas J. Roberts, An Aesthetics o f Junk Fiction (Athens, GA: University of Georgia 
Press, 1990).
96 Os Simpsons e a Filosofia
atenção muda do reconhecimento imediato dessas referências extratextuais 
para questões literárias críticas como forma e tema. Essa mudança de fato 
naturaliza nosso próprio esquecimento cultural. Consideremos alguns exem­
plos. Quem se lembra dos ídolos adolescentes dos anos 1970 como Bobby 
Sherman e Leif Garrett? Se alguém lhe perguntar sobre Barracuda, você 
vai pensar primeiro na marca do carro ou no personagem em Frasier? Um 
dos traços determinantes da ficção descartável é sua constante referência 
ao que freqüentemente se tomam entidades culturalmente (e tecnológica­
mente) transientes. A possibilidade de se reconhecer essa espécie de refe­
rência específica não pode ser prevista com certeza fora da estrutura 
temporal imediata dirigida ao público-alvo da referência. Homer Simpson 
toca nesse ponto quando percebe que Bart não sabe quem era The Fonz, 
como Irwin e Lombardo nos lembram.
Os Simpsons, claro, é um programa repleto dessas espécies de refe­
rências à cultura popular. Para mencionarmos só um dos episódios em ques­
tão: no café da manhã, enquanto Bart fica caçando o distintivo policial em 
sua caixa de cereais, vemos que o cereal matinal de Lisa é “Jackie-Os.” 
Provavelmente nem preciso explicar que esse era o apelido de Jacqueline 
Kennedy Onassis, criado pela imprensa popular - e mesmo a imprensa 
popular reconhecia Jackie O como uma mulher de distinta beleza, sem 
falar de seus notáveis contatos, seu poder e influência. Tampouco preciso 
mencionar que os Jackie-Os também aludem aos Cheerios, os cereais pro­
vavelmente mais bem conhecidos por sua ênfase na boa saúde, e notáveis 
pela apregoada ausência de açúcar, aditivos, sabor ou qualquer outra coisa 
que normalmente vem com cereais. Daqui a algum tempo, talvez tenha­
mos que explicar quem era Jackie O e o que eram Cheerios. O que enfatizamos 
aqui, porém, é que Os Simpsons não adota uma atitude única com relação às 
referências culturais extratextuais citadas no programa. Diante disso, não 
podemos isolar precisamente que tipo de atitude motiva a referência a Jackie- 
O. Nem sequer podemos ter certeza que a referência a ela seja pretendida 
como algo além de uma brincadeira com outros cereais matinais america­
nos cujo nome termina com “O”.
Há, porém, outro tipo de referência que deve ser considerada ao fa­
larmos, por exemplo, de “Bart the Murderer”. Muitos episódios de Os 
Simpsons (incluindo esse) se referem a gêneros reconhecíveis de cinema e 
da televisão. Chamamos a isso de referência genérica. Nem todas as refe­
rências a cinema e TV em Os Simpsons são da mesma ordem, e em parti­
cular nem todas sugerem uma única atitude para com os gêneros referidos. 
Em outro episódio, Apu tenta convencer Homer e sua família a assistir a 
um filme indiano na televisão. Apu está apenas tentando partilhar sua cultu­
ra com Homer e Marge, embora, como já podíamos prever, não consegue. 
Homer só é capaz de ver as diferenças visíveis entre as convenções desse
Parodia popular: O s S im p son s e o filme policial 9 7
filme indiano e os tipos de filmes que ele costuma ver, ou sejam, america­
nos. O máximo que Homer consegue fazer é rir feito bobo porque acha que 
as roupas na India são ridículas. Uma das magníficas referências implícitas 
nessa cena, e digna de nota, é Apu garantindo a Homer e Marge que o 
filme esteve na lista dos “400 Mais” do cinema indiano.
Uma maneira de compreender essa piada, embora eu ache errada, é 
supor que o cinema da índia não sabe fazer discriminações sensatas entre 
seus filmes, valorizando exageradamente todos eles, e compondo assim 
uma lista enorme. Outra maneira de compreender a piada, também errada, 
é achar que o comentário de Apu é simplesmente um exagero - nesse 
caso, o humor estaria em se pensar que poucos filmes indianos na lista dos 
“Mais...” O modo correto, porém, de entender a piada é saber que o cinema 
da índia é um dos mais produtivos e vibrantes do mundo. Tem uma das 
maiores quantidades de filmes produzidos do que qualquer cinema nacional, 
incluindo o americano. O conhecimento desse fato facilita entender a idéia 
dos “400 Mais”, já que a vastíssima produção de filmes indianos não pode­
ría se restringir a um “10 Mais” ou até “100 Mais”, necessitando realmente 
de um “400 Mais.” A piada só funciona para as pessoas que sabem alguma 
coisa acerca do cinema indiano. E se sabem, então podem ter alguma afini­
dade com Apu, concordando com ele e não com a resposta tosca de Homer. 
Certamente não há como garantir o reconhecimento da piada por parte do 
público. Temos aqui um problema familiar na hermenêutica da narrativa: 
alimentar uma afinidade como Homer é possível, mas se você fizer isso, 
estará realmente no círculo hermenêutico errado.
Chamarei essa referência ao cinema indiano e outras que funcionam 
da mesma forma de referências extrínsecas. São extrínsecas no sentido de 
que a referência se origina e aponta para algo fora da narrativa. É uma 
referência que, no entanto, não incorpora na narrativa aspectos das práti­
cas cinematográficas aludidas. A referência ao cinema indiano, por exem­
plo, é comparável à de Jackie Onassis, no nome do cereal matinal. O sentido 
de ambas é extratextual. “Bart the Murderer”, em contraste, envolve refe­
rência intrínseca: esta é uma referência que incorpora padrões genéricos 
específicos na própria história que faz a alusão. O gênero em questão é o 
filme policial. “Bart the Murderer” nos permite pensar na contribuição mais 
geral de Os Simpsons a coisas como desenvolvimento genérico e transfor­
mação, paródia e homenagem. Também nos permite pensar na temática 
central do filme policial: a família. Há diferentes tipos de filmes policiais - e 
dentro do próprio gênero, diferentes maneiras de enfocar a figura do 
gángster. Donnie Brasco (Mike Newell, 1997), por exemplo, segue um 
policial disfarçado (Johnny Depp), que se infiltra num grupo de gángsteres 
fazendo amizade com um de seus membros mais fracos (Al Pacino). But 
Donnie Brasco é mais reconhecido como um filme de suspense num ce­
nário de gángsteres. Por outro lado, um importante subgénero de filme
9 8 Os Simpsons e a Filosofia
policial popular desde a década de 1930 até hoje é aquele que enfoca a 
ascensão e a queda do gángster. A dinámica central desse tipo de filme é 
o contraste entre a familia americana comum e a familia do criminoso. 
Esse subgénero é o que dá forma a “Bart the Murderer”. O contraste 
temático entre a famñia comum americana e familia do criminoso se desta­
ca com veemência nesse episodio, pois são os próprios Simpsons que cum­
prem o papel da “familia americana comum”.
0 gênero familiar e popular
Entre os géneros de filmes populares em Hollywood, só dois são basi­
camente definidos pelo enfoque da famñia. Um, o melodrama familiar, cos­
tuma ser considerado género para “mulheres” - também conhecido como 
“dramalhão”, do tipo que faz o público se debulhar em lágrimas. Melodra­
mas familiares como Stella Dallas (King Vidor, 1937), Mildred Pierce 
(Michael Curtiz, 1945) e Imitação da Vida (Douglas Sirk, 1958) se con­
centram numa famñia nuclear incompleta, geralmente encabeçada por urna 
mãe solteira, necessitando de um marido. Entre as décadas de 1930 e 1950, 
em particular, um tema freqüente nesses filmes era a tensão entre ser mãe e 
a chefe da casa. Os personagens centrais de dois dos três filmes citados 
procuraram uma carreira profissional de sucesso, e é esse sucesso na esfe­
ra pública que ameaça a estabilidade de suas famflias e causa problemas no 
relacionamento com os homens, sejam eles maridos ou amantes. Outro 
gênero de Hollywood centrado na famñia é, ironicamente, o filme de gángster. 
Entre os clássicos, incluem The Public Enemy (William Wellman, 1931), O 
Poderoso Chefão (Francis Ford Coppola, 1971), 1974, 1990), e Os Bons 
Companheiros (Martin Scorcese, 1990). Nos melodramas familiares cen­
tradosna mulher, a famñia geralmente é considerada a unidade social bási­
ca, dependente das figuras da mãe e do pai, do bom relacionamento entre 
pais e filhos, e da importância de incutir valores sociais. No melodrama 
familiar, a lealdade é, idealmente, centrífuga, partindo do casal para o resto 
da famñia, e daí para a comunidade. O filme de gángster oferece uma 
visão inversa da famñia, em que as personagens femininas são marginaliza­
das, geralmente reduzidas a papéis de esposas ou amantes submissas. Os 
sistemas de valores dos filmes de gángsteres também são o reverso dos melo­
dramas familiares. Os valores dos gángsteres nunca beneficiam a comuni­
dade maior, mas só apoiam e preservam o microcosmo criminal. No filme 
policial, a lealdade é radicalmente centrípeta, voltada para a famñia do cri­
minoso e, mais importante, dirigida para o chefe da gangue. Como diz o 
personagem de Robert DeNiro em Os Bons Companheiros, na gangue há 
duas regras: não diga nada a ninguém e fique sempre de boca fechada.
A referência genérica de “Bart the Murderer” faz nossa atenção se 
voltar para o filme de gángster, desviando do melodrama familiar. Qual é a
Parodia popular: O s S im p son s e o filme policial 99
relação, enfim, de Os Simpsons e esses dois gêneros de filme? Examine­
mos primeiro Os Simpsons. Claramente, é um programa muito mais próximo, 
em estrutura e formato, às comédias de familia do que ao melodrama fami­
liar ou filme policial. Na verdade, parte da tradição dessas comédias é o 
enfoque maior na classe trabalhadora do que na classe média e em dispu­
tas entre membros da familia, ambos constituindo um mecanismo primá­
rio para a construção da trama. Isso deixa Os Simpsons em sintonia com 
comédias de televisão desde All in the Family a Roseanne. E distingue 
esses programas e outras comédias relacionadas dos dramas de TV cen­
trados na familia, por exemplo, Os Waltons, Os Pioneiros e, paradigmáti­
camente, Family, todos tendendo mais para o melodrama que para a comédia. 
Entretanto, as comédias de familia possuem afinidades reconhecíveis com 
o melodrama familiar, pois em ambos os casos o enfoque é sempre as lutas da 
familia. Podemos considerar a comédia de família uma transformação 
dos melodramas familiares dos anos 1950, filtrados através de novas con­
venções e formatos da televisão dos anos 1960 e pós-1960.
Podemos dizer, portanto, que a ligação entre Os Simpsons e o melo­
drama familiar não é intrínseca nem extrínseca, mas sim de herança histó­
rica e variação da temática da família. A relação entre “Bart the Murderer” 
e o filme policial, porém, é mais intrínseca que extrínseca, pois nesse episo­
dio, o gênero não tem uma simples referência extrínseca; ele é incorporado 
como parte da estrutura narrativa do episodio. “Bart the Murderer” pode 
ser considerado uma combinação de parodia e homenagem ao filme poli­
cial, assim como Os Simpsons é uma combinação de parodia e homena­
gem à comédia de família. O que nos leva a analisar como funciona a 
parodia.
Parodia arfe e paródia popular
Estamos considerando a parodia num contexto popular. Até que pon­
to a parodia popular se enquadra nas teorias da parodia? Vejamos a teoria 
de Linda Hutcheon. A parodia arte - que Hutcheon chama simplesmente de 
“parodia” - é “um género sofisticado nas exigências que faz de seus prati­
cantes e intérpretes.”110 A parodia descreve uma relação entre dois textos: 
o próprio texto parodístico e o texto-alvo parodiado. Para Hutcheon, a pa­
rodia é uma prática autoconsciente, na verdade, auto-reflexivo, que envol­
ve a intenção do artista ou autor na codificação, e a atividade interpretativa 
do público em decodificar. A intenção do artista é necessária porque a 
parodia envolve “repetição com diferença” - repetição denotando o reco-
110 Linda Hutcheon, A Theory o f Parody: The Teachings o f Twentieth-Century Artforms 
(Nova York: Methuen, 1985), p. 33.
100 Os Simpsons e a Filosofia
nhecimento de precedentes históricos no mundo da arte, e diferença mar­
cando as mudanças, variações ou o exame irônico aos quais aquele prece­
dente histórico é submetido (p. 101). A atividade interpretativa do público 
também é necessária para reconhecer o texto-alvo e, assim, estabelecer a 
relação entre o parodístico e o parodiado.
Hutcheon pretende distinguir paródia de uma gama de práticas artís­
ticas e literárias com as quais é frequentemente confundida, entre elas, “o 
burlesco, a fantasia, o pasticho, o plágio, a citação e a alusão” (p. 43). 
Entretanto, a visão dela pertence primariamente às práticas da “Arte Cul­
ta” modernistas e pós-modemistas. Talvez seu exemplo favorito seja a pa­
ródia de Magritte de paródia de Manet de Majas on a Balcony, de Goya. 
Na verdade, esse exemplo nos leva a perguntar o que exatamente conta 
como paródia e quando, só que não apresenta a resposta. Podemos então 
perguntar qual é a vantagem crítica de se tratar Le Balcón, de Manet, 
como uma paródia. Será que isso só aconteceu depois de Magritte pintar 
Perspective: Le Balcón de Manetl Quando não faz referências à pintura 
a óleo, Hutcheon se concentra nas obras-primas da novela européia, como a 
relação supostamente parodística de Proust para com Flaubert. As paródi­
as de filmes também são mencionadas; por exemplo, Vestida para Matar 
(1980), de Brian de Palma, que é uma espécie de remake de Psicose, de 
Hitchcock (1960); e Blow-Up (1966), de Michelangelo Antonioni, em Blow- 
Out (1981). Mas pouca coisa é falada sobre o quanto o público precisa saber 
a respeito dos textos-alvo para entender os filmes de De Palma. Sem dúvida, 
Psicose é um clássico tão marcante do cinema de Hollywood que seria difícil 
o público não ver a ligação. Mas Blow-Up, também uma obra-prima, obvia­
mente não é tão popular quanto Psicose, nem tão conhecido; e eu noto que o 
conhecimento do texto-alvo nesse caso é apenas um desvio da trama de 
Blow-Out, cujo público certamente está mais familiarizado com os papéis 
anteriores de John Travolta do que com o filme de Antonioni.
Embora Hutcheon mencione esporadicamente obras-de-arte popula­
res em vez de canônicas, sua visão tem alguns problemas óbvios. Para 
começar, um texto parodístico não precisa parodiar alguma obra-de-arte 
canônica específica. Aliás, não precisa parodiar obra-de-arte alguma: ele 
pode facilmente parodiar as convenções reconhecíveis de um gênero nar­
rativo. Em segundo lugar, os textos parodísticos não precisam se referir às 
assim chamadas obras de arte “cultas” - considere, por exemplo, as paró­
dias que Roy Lichtensein faz de desenhos animados. Tampouco o texto 
parodístico em si precisa ser qualificado como arte “culta”: veja esse e outros 
episódios relacionados de Os Simpsons. Hutcheon provavelmente concor­
daria comigo nesses dois pontos, mas vale enfatizar que mesmo a seleção 
que ela faz de obras-de-arte (nesse caso, filmes) se concentra em textos- 
alvo que são reconhecidos como obras-primas por autores admirados.
Talvez o problema mais premente do trabalho de Hutcheon, porém, 
seja o privilégio que ela dá à ironia: “A inversão irônica é uma característica
Parodia popular: O s S im p son s e o filme policial 101
de toda parodia” (p. 6). Essa premissa se deve em grande parte à centralidade 
da ironia entre os valores literários que encontramos na maioria das prá­
ticas críticas dos Novos Críticos até o presente. A ironia fundamenta a 
noção de Hutcheon de que a parodia “marca a interseção da... inven­
ção e crítica”, já que a ironia é entendida como tendo uma função ine­
rentemente crítica (101). Mas isso subestima a ironia como uma marca 
de seriedade literária, e qualquer coisa que busque a seriedade como um 
critério de mérito estético pode ser associada às tradições críticas da “arte 
culta”. Não é surpresa, portanto, a citação honrosa que Hutcheon faz de 
Robert Burden,111 repetindo a observação deste de que a paródia “é criada 
para se auto-interrogar diante de precedentes significativos; é um modelo 
sério” (Hutcheon, p. 101; Burden, p. 136; ênfase acrescentada).Obvia­
mente, Hutcheon tem razão em insistir que a paródia não se auto-exauri, 
simplesmente por ridicularizar ou zombar do texto-alvo. Mas ela descarta 
muito rapidamente a noção de Margaret Rose de que a paródia é “a citação 
crítica de uma linguagem literária pré-formada com efeito cômico” (p. 41). 
Se entendermos que Rose se refere a algo como formas literárias, conven­
ções, estruturas narrativas e assim por diante quando diz “linguagem”, o 
reconhecimento do efeito cômico em vez do paradigmáticamente irônico 
obtido pelos textos parodísticos é uma importante correção às idéias de 
Hutcheon.
Em que sentido, então, “Bart the Murderer” é um exemplo de paró­
dia? Não é o que chamamos de paródia arte. O episódio parece explorar o 
efeito cômico, e não o irônico. Não se dá ao trabalho de interrogar prece­
dentes significativos. “Bart the Murderer” simplesmente não é crítico no 
sentido venerado pelos teóricos críticos. Isso significaria que a referência 
intrínseca que encontramos no episódio não é uma paródia? A resposta, 
sugiro, é que esse episódio é um exemplo de paródia popular, e sua atitude 
primária não é a de criticar, e sim homenagear. Na homenagem parodística, 
a intenção é reapresentar um texto ou forma narrativa muito apreciados e 
bem conhecidos. Podemos ver essa espécie de homenagem, por exemplo, 
em As Patricinhas de Beverly Hills (Clueless) (Amy Heckerling, 1995), em 
que, entre a gama de referências intrínsecas, não deixamos de notar Emma, 
de Jane Austen - um ponto que não é afetado pelo fato de que boa parte do 
cômico no filme depende de referências extrínsecas à moda, à mídia e à 
cultura popular. Se As Patricinhas ascende ao status de clássico, a ten­
dência de Cher a descrever homens bonitos como Baldwins talvez precise de 
uma explicação, caso um dia os irmãos Baldwin sejam esquecidos. Espera­
mos que isso não seja necessário em relação a Emma. Há outras homena-
111 Robert Burden, “The Novel Interrogates Itself: Parody as Self-consciousness in 
Contemporary Englich Fiction”, em Malcom Bradbury e David Palmer, eds., The 
Contemporary English Novel (Londres: Edward Amold, 1979).
102 Os Simpsons e a Filosofia
gens parodísticas, claro. Charada (Stanley Donen, 1963) e outras comédi­
as de suspense dos anos 1960 são homenagens parodísticas às grandes 
comédias de suspense de Hitchcock, notadamente Intriga Internacional 
(1959). Muitos filmes de Woody Alien são homenagens desse tipo. Os de 
Brian De Palma também. Embora Hutcheon afirme que a parodia arte 
envolve o uso da ironia para criar uma distância crítica entre o texto 
parodístico e seu alvo, esse objetivo parece estar ausente em As Patricinhas 
e Charada, assim como em “Bart the Murderer”.
De volta a "Bart the Murderer"
O alvo primário de “Bart the Murderer” é o brilhante filme de Scorcese, 
Os Bons Companheiros, estrelado por Ray Liotta, Robert De Niro, e Joe 
Pesci.112 Mas Os Bons Companheiros é um exemplo do género gángster, 
e das convenções próprias desse gênero, e os filmes mais importantes que 
compõem esse gênero também são alvos. Os espectadores de Os Bons 
Companheiros já têm algum conhecimento do gênero gángster, e esse co­
nhecimento genérico é o que lhes permite entender a situação e as ações 
dos personagens envolvidos. Há uma verossimilhança ativa em todos os 
gêneros de filmes. É ela que permite aos personagens irromper em can­
ções nos musicais, aos heróis de ação sobreviver quando estão cercados 
por uma dúzia de vilões armados, e a Wile o Coiote cair (de novo!) até o 
fundo de um desfiladeiro para, na cena seguinte, estar abrindo uma caixa 
da Acmé Inc. que lhe ajudará a apanhar o Papa-Léguas. Algumas das 
características do filme de gángster que contribuem para a sua verossimi­
lhança genérica incluem a evidente etnicidade dos gángsteres (americanos 
de descendência irlandesa, ítalo-americanos, e assim por diante), o ambien­
te em bares, cassinos, e qualquer lugar que incentive o uso de bebida, cigar­
ro e jogos de azar, os típicos empreendimentos financeiros ilegais, o grupinho 
de homens que exibem armas e servem ao chefe. No episódio “Bart the 
Murderer”, demora um pouco até chegarmos ao mundo dos gángsteres, 
mas quando Bart cai nas mãos dos homens de Fat Tony, encontramos todas 
essas características do filme de gángster.
Uma temática recorrente do filme de gángster, que vemos na figura 
de James Cagney em The Public Enemy e também em Ray Liotta em Os 
Bons Companheiros, é o jovem impressionável que entra para a Máfia e
112 A enorme popularidade de Martin Scorsese não deve ser subestimada. Por exemplo, ele 
foi votado como o diretor de cinema mais popular pelos leitores de Time-Out Film Guides 
- mais popular inclusive que Hitchcock - e em sua edição de 2000, Os Bons Companheiros 
ocupam o 11? lugar na lista dos filmes mais populares, entre I t’s A Wonderful Life e Intriga 
Internacional. Dos 30 filmes mais populares dessa lista, só dois - Pulp Fiction (13?) e A 
Lista de Schindler (20?) foram feitos mais recentemente que Os Bons Companheiros.
Parodia popular: O s S im p son s e o filme policial 1 0 3
lentamente ascende a posições de maior confiança e importância, adaptan­
do-se às dinâmicas da nova família de gángsteres e se voltando contra os 
seus. A trajetória da narrativa do filme de gángster é paradoxal: a ascen­
são na estrutura de poder da família criminosa corresponde à queda até o 
mundo moralmente distorcido dos gángsteres. Essa conjunção peculiar de 
ascensão e queda faz sentido, claro, porque o gángster não é um herói, 
mas um anti-herói. E os valores que dominam o mundo dos bandidos tam­
bém são uma inversão daqueles geralmente associados ao Sonho America­
no. Se o Sonho Americano é o mito de que todo mundo pode crescer na 
América trabalhando com afinco e tendo os contatos certos, então o mundo 
dos gángsteres é exatamente esse mito, porém afetado pela corrupção, 
pelos excessos, violência, ética masculina desequilibrada na forma de força 
bruta e ganância. A estrutura básica da história apresentando um anti-herói 
ou vilão envolve uma série de sucessos cumulativos - compreendidos aqui 
como a ascensão lenta, porém constante do gángster em poder, posição, 
riqueza e acessórios materiais - que, no entanto, geram um evento precipi­
tado que “toma inevitável um fracasso seguido de um castigo.”7 Assim, 
The Public Enemy termina com a morte de Cagney - uma punição ade­
quada para a sua vida de crimes. O fim de Os Bons Companheiros é bem 
diferente. O destino de Henry Hill é selado quando ele se toma testemunha 
do estado. Mas ao contrário de Cagney, ele não morre. Sua punição é pior 
que a morte; na verdade, para ele, é uma morte em vida. Hill é obrigado a 
retomar à vida anônima de classe média, numa América anônima. Nada 
mais daquele dinheirão, nada de roupas caras ou carros modernos, nem de 
noitadas com os ricos e poderosos em cassinos e boates, nada de mulheres 
de vida fácil, nada de influências: apenas uma casa suburbana normal num 
bairro normal. Castigo mesmo.
Bart segue o caminho da ascensão no mundo mafioso, como revela 
o seu emprego, o dinheiro que ele não pára de ganhar, o terno chique, e o 
modo como os outros gángsteres, principalmente Fat Tony, passam a con­
siderá-lo. Essa série de sucessos leva ao fracasso inevitável - sua prisão 
no caso do suposto assassinato do diretor Skinner. Mas “Bart the Murderer” 
é uma paródia seletiva do gênero gángster, o que deveriamos de fato espe­
rar de uma comédia em desenho animado. A falta mais óbvia é o excesso de 
violência, que é uma marca registrada do gênero, personificada em todos os 
protagonistas gángsteres, de Cagney a Liotta. Também não há o senso de 
corrupção de valores. Sim, Bart passa um pouco dos limites quando chama 
o diretor Skinner de “meu chapa” e coloca dinheiro no bolso dele. Entretan­
to, essa forma de insolência é típica de Bart. Um contraste mais importante 
é que, diferente de The Public Enemy e Os Bons Companheiros, não há 
uma estrutura temporal épica. Os filmes clássicos de gángsteresse desen- 113
113 Algis Budry, citado em Roberts, p. 90.
1 0 4 O s S im psons e a Filosofia
volvem no decorrer dos anos, exibindo a “boa vida” que o anti-herói desfru­
ta antes de sua queda. Como ninguém envelhece em Os Simpsons, essa 
opção não existe.
Embora a paródia seja seletiva, “Bart the Murderer” explora a idéia 
do castigo que vimos em Os Bons Companheiros. Assim como o perso­
nagem de Liotta, Henry Hill tem de voltar ao modo de vida do qual tenta­
va fugir, Bart também acaba voltando à sua vida normal. Isso implica sair 
da gangue e reingressar na própria família.
O gángster como anti-herói, na melhor das hipóteses, sempre anseia 
em ser um melhor provedor para sua família do que fora o pai, e na pior, 
fugir de uma vez por todas da família, do bairro e de sua classe. Nos filmes 
de gángster, a família do protagonista é ingênua ou desinteressada. Seja 
qual for o caso, eles não entendem bem com que tipo de companhia o filho 
se envolveu. As reações de Marge e Homer à nova situação de Bart são 
típicas, nesse sentido. Embora Marge se preocupe com as mudanças de 
comportamento do filho, tanto ela quanto Homer acham que é bom para um 
garoto ter um emprego de meio-período. Mas as ansiedades dela vão au­
mentando, e ela convence Homer a tentar descobrir onde Bart trabalha. 
Homer, não vendo os sinais óbvios, ganha no pôquer (porque eles deixam) 
e acha que está tudo em ordem. Em suma, Homer e Marge exercem muito 
pouca influência positiva em Bart durante sua breve carreira de mafioso.
O que significa para Bart retomar à família quando as acusações 
contra ele são retiradas? Há duas maneiras de responder à pergunta, e a 
sua escolha depende de você achar irônica ou não a conclusão de “Bart the 
Murderer”. Se não achar que há ironia, então a seletividade da paródia 
significa que, como nunca ocorre uma mudança fundamental em comédias 
em desenho animado como Os Simpsons, é simplesmente inevitável que no 
fim do episódio, Bart volte à situação de onde partiu. Se achar que há ironia 
no desfecho, então, apesar da seletividade da paródia, essa conclusão é 
uma observação crítica sobre os limites da estrutura familiar em que Bart 
se encontra. Se a punição de Ray Liotta é o retomo à vida americana 
“normal” - isto é, “média” - podemos achar que a volta de Bart ao seio 
familiar é uma ironia à custa da própria noção da vida em família na Amé­
rica. O que, sem dúvida, é um dos temas mais marcantes e persistentes em 
Os Simpsons.
Conclusão
A que conclusões podemos chegar quanto à paródia popular como 
oposta à paródia arte? Primeiro, que ela tende a enfocar o cômico, em vez 
do irônico. Isso não significa que a ironia esteja necessariamente ausente; 
mas apenas que os mecanismos primários são cômicos, com a ironia subor­
dinada a intenções cômicas. Além disso, a paródia popular geralmente é
Parodia popular: O s S im p son s e o filme policial 1 0 5
feita por apreço pelos textos-alvo, em vez de uma atitude de autocons- 
ciéncia estética ou auto-reflexão. A parodia popular, diferente da parodia 
arte, não é basicamente crítica de seus alvos - pelo menos, não no senti­
do de “interrogar” seus precedentes. Prestar homenagem, em vez de cri­
ticar, é uma estratégia parodística significativa e recorrente, encontrada 
na arte popular. Certamente a arte popular pode ridicularizar e satirizar 
seu texto-alvo. Mas a sátira geralmente nas referências extrínsecas em 
vez de intrínsecas. “Bart the Murderer” explora as referências intrínse­
cas, empregando alguns dos temas mais centrais e estruturas narrativas 
do género gángster. Mas como já vimos, a parodia aqui é seletiva: nem 
todas as temáticas determinantes estão explícitamente presentes. Será que 
o próprio “Bart the Murderer” é parte do género gángster? Dificilmente, 
seria um paradigma do género, principalmente por causa da falta de violên­
cia extrema. Mesmo assim, é um bom exemplo misto. O que Os Simpsons 
nos diz sobre a familia nos anos 1990, graças ao outro componente genéri­
co primário da mistura, a versão em desenho da comédia de famñia, é 
analisado com perspicácia por Paul A. Cantón neste livro.114 E veremos 
que é algo que nem urna obra como Os Bons Companheiros podería di­
zer.115
114 Ver capítulo 11.
115 Agradeço a George McRnight, Bill Irwin e Cari Matheson por seus comentarios e suges­
tões.
Os£/mpsons, hiper-ífonismo e 
o significado da vida
C arl M atheson
Jovem descontente 1: Lá vem aquele cara que é bala. E le é legal.
Jovem descontente 2: Você está sendo sarcástico, cara?
Jovem descontente 1: Nem sei mais.
“H om erpalooza ”, 7a. temporada
O que separa as comédias que eram mostradas na televisão cin- 
qüenta, quarenta ou até vinte e cinco anos atrás das de hoje? Primeiro, 
podemos notar diferenças tecnológicas, a diferença entre preto-e-branco 
e colorido, filme (ou até cinescopio) e vídeo. Depois, há numerosas dife­
renças sociais. Por exemplo, o mito da tradicional familia universal, com 
pai e mãe, não é mais tão seguro quanto nos anos 1950 e 1960, e as 
comédias das diferentes épocas refletem mudanças em seu status - 
embora mesmo as velhas comédias do viúvo ou da viúva feliz dos anos 
1950, 1960 e 1970, sejam repletas de famílias não tradicionais, como em 
A Família Dó-ré-mi, Nós e o Fantasma, Julia, The Jerry Van Dike 
Show, A Família Sol, Lá, Si, Dó, The Courship o f Eddie’s Father, The 
Andy Griffith Show, The Brady Bunch, Bachelor Father e My Little 
Margie. Além disso, também notamos que temas como raça, por exem­
plo, vêm recebendo diferentes tratamentos no decorrer das décadas.
Mas eu gostaria de me concentrar numa transformação mais profun­
da: as comédias atuais, pelos menos a maioria delas, são engraçadas de 
uma maneira diferente daquelas em décadas passadas. Tanto em textura 
quanto em substância, a comédia presente em Os Simpsons e Seinfeld 
está a mundos de distância de Leave it to Beaver e The Jack Benny 
Show, e é muito diferente até de comédias mais recentes como MASH e 
Maude. Em primeiro lugar, as comédias de hoje costumam recorrer fre-
1 0 7
1 0 8 Os Simpsons e a Filosofia
qüentemente à citação, muitas das comédias atuais dependem essencial­
mente do dispositivo da referência, ou seja, precisam citar outras obras de 
cultura popular. Em segundo lugar, são hiper-irônicas: o sabor do humor 
oferecido por elas é mais frio, menos baseado num senso de humanidade 
do que no cansaço do mundo por parte de alguém mais sagaz que a maio­
ria. Neste ensaio, eu gostaria de explorar o modo como Os Simpsons usa 
tanto a técnica de citação quanto a de hiper-ironismo, e relaciona esses 
dispositivos na história contemporânea das idéias.
Técnica da citação
A comédia na televisão nunca abandonou totalmente o prazer do re­
curso que é a cultura popular. Entretanto, os primeiros casos de citações 
costumavam ser oportunistas; não embutiam a substância do gênero. As­
sim, em termos de comédia de esquete, encontraríamos referências ocasio­
nais à cultura popular em Wayne and Shuster e Johnny Carston, mas 
essas referências eram imediatamente tratadas como apenas mais uma fonte 
de material. As raízes da citação como principal fonte de material podem 
ser encontradas no início dos anos 1970 com as duas comédias visionárias: 
Mary Hartman Mary Hartman, que satiriza as telenovelas justamente por 
ser uma telenovela que nunca acabava, e Femwood 2Night, que, sendo um 
talk show de orçamento baixo, zombava dos talk shows de orçamento 
baixo. A técnica de citação conquistou mais ainda a atenção do público 
geral entre meados dos anos 1970 e início dos anos 1980, por meio dos 
programas Saturday Night Live, David Letterman e SCTV. Considerando 
as habilidades cômicas de seu elenco e sua necessidade para material se­
manal, o principal dispositivo de comédia do SNL era a paródia - de gêneros 
(noticiários noturnos, debates na televisão), de programas de televisão espe­
cíficos (I Love Lucy, Jornada nas Estrelas) e de cinema (Guerra nas 
Estrelas). O tipo de citação empregado por Letterman era maisabstrato e 
menos baseado em programas específicos. Influenciado pelo absurdo bem 
mais antigo de anfitriões como Dave Garroway, Letterman imediatamente 
levou as fórmulas da televisão e do cinema além de suas conclusões lógicas 
(The Equalizer Guy, o cameraman e o porta-voz Larry “Bud” Melman).
Entretanto, foi SCTV que reuniu as várias tendências da técnica de 
citação e as sintetizou num todo mais profundo, complexo e misterioso. Como 
Mary Hartman, e diferente de SNL, era uma série contínua com persona­
gens recorrentes tais como Johnny Lanie, Lola Heatherton e Bobby Bittman. 
Porém, diferente de Mary Hartman, a série era a respeito dos macetes de 
uma estação de televisão. SCTV era um programa de televisão sobre os 
processos da televisão. Com o passar dos anos, os modelos nos quais se 
baseavam Heatherton e Bittman desapareceram no pano de fundo, à medi­
da que os dois passavam a ocupar um espaço obscuro entre personagens
O s S im psons, hiper-ironismo e o significado da vida 1 0 9
reais (ficticios) e simulacro. Além disso, o mundo de SCTV começou a 
interagir com o mundo real, já que alguns dos arquétipos representados 
(como Jerry Lewis) existiam na vida real. Assim, SCTV acabou produzindo 
e dependendo de padrões de intertextualidade e referência cruzada que 
eram muito mais minuciosos e sutis do que aqueles de qualquer outro pro­
grama anterior.
Os Simpsons nasceu, portanto, no momento em que o uso da citação 
estava amadurecendo. Entretanto, não era o mesmo tipo de programa que 
SNL e SCTV. Urna importante diferença, claro, era que Os Simpsons era 
um desenho animado, enquanto os outros não eram (de um modo geral), 
mas essa diferença não afeta grandemente o potencial relevante para se 
usar citação - embora seja mais fácil desenhar a ponte da U.S.S. Enterprise 
do que reconstruí-la e reempregar todo o elenco original de Jornada nas 
Estrelas. A principal diferença é que como uma comédia de família contí­
nua, Os Simpsons era orientado tanto pela trama quanto pelos persona­
gens, enquanto os outros programas, mesmo aqueles que continham 
personagens contínuos, eram fortemente orientados por esquete. Além do 
mais, diferente de Mary Hartman Mary Hartman, que existiu para paro­
diar as telenovelas, Os Simpsons não tinha a raison d ’étre de parodiar as 
comédias baseadas na vida familiar, das quais era um exemplo. O proble­
ma, então, era este: como transformar um formato que essencialmente não 
contava com citações em um programa que, pelo contrário, dependia es­
sencialmente delas?
A resposta a esta pergunta está na forma de citação usada em Os 
Simpsons. A guisa de contraste, deixe-me esboçar o que essa forma não é. 
Vejamos, por exemplo, uma paródia que Wayne and Shuster faz de O retra­
to de Dorian Gray, de Oscar Wilde. Na paródia, em vez de os pecados de 
Gray se refletirem numa obra-de-arte, enquanto ele permanece puro e jovem 
na aparência, são os efeitos de sua comilança que se refletem na obra de 
arte, enquanto ele permanece esbelto. As permissões e combinações da si­
tuação são comprimidas e canalizadas para produzir a surpresa desejada. 
Fim da história. Aqui, a citação é muito direta; é a fonte tanto da história 
quanto do contraste supostamente humorístico entre a peça satírica e o livro 
original. Agora, comparemos esse uso linear e unidimensional da citação para 
fins de paródia com o padrão de citação usado numa passagem bem curta de 
um episódio de Os Simpsons intitulado “A Streetcar Named Marge”. No 
episódio, Marge está interpretando Blanche Dubois contracenando com Ned 
Flanders (que interpreta Stanley) em Streetcar (Bonde), a versão musical 
para a comunidade da peça original de Tennessee Williams.* Procurando 
uma creche para a pequena Maggie, ela deixa a garotinha na Ayn Rand 
Escola para Bebês, que pertence à irmã do diretor. A diretora Sinclair, uma
* N. do T.: A Streetcar Named Desire (Um bonde chamado desejo).
110 Os Simpsons e a Filosofia
disciplinadora rígida que acredita na auto-suficiência do bebé, confisca to­
das as chupetas dos bebés, o que faz com que Maggie, enfurecida, lidere os 
colegas numa missão de resgates altamente organizada, durante a qual se 
ouve no fundo a música tema de Fugindo do Inferno. Tendo reconquistado 
as chupetas, o grupo se senta em fileiras, produzindo pequenos sons de chu­
petas sendo chupadas; e quando Homer chega para pegar Maggie, depara 
com uma cena de Os Pássaros, de Hitchcock.
A primeira coisa que podemos dizer a respeito dessas citações é que 
elas são muito engraçadas. Entretanto, não quero cair no jogo perigoso de 
explicar por que são engraçadas, pois qualquer tolo que tente analisar as 
fontes de humor fica tão engraçado quanto Emil Jannings em Blue Angel 
(e não na parte realmente engraçada, em que ele é “comeado” por um 
homem forte de um circo, forçado a fazer uma imitação dolorosa e impo­
tente de um galo na frente de seus alunos gozadores, mas nas partes anterio­
res menos engraçadas). Se você quer ver como essas citações são engraçadas, 
simplesmente assista ao programa novamente. Em segundo lugar, notamos 
que essas citações não são usadas com o propósito de paródia.116 São, isto 
sim, alusões cujo objetivo é fornecer uma elaboração metafórica não-verbal 
e um comentário sobre o que está acontecendo na cena. A alusão a Ayn 
Rand revela a ideologia e a rigidez pessoal da diretora Sinclair. O tema musi­
cal de Fugindo do Inferno enfatiza a determinação de Maggie e sua tropa. 
A alusão a Os Pássaros comunica a ameaça de uma colméia de mentes 
formada por muitos seres pequenos trabalhando como um único. Saindo do 
texto através dessas referências quase instantâneas, Os Simpsons conse­
gue transmitir uma grande quantidade de informações extras, de maneira 
extremamente econômica. Em terceiro lugar, a característica mais impres­
sionante desse padrão de alusão é seu ritmo e densidade, em que essa 
mesma característica se toma mais comum à medida que o programa vai 
amadurecendo. Os primeiros episódios, como aquele em que Bart corta a 
cabeça da estátua municipal de Jebediah Springfield, são surpreendente­
mente desprovidos de citações. Os episódios posteriores tiram muito de sua 
energia cômica das rápidas seqüências de alusões. Talvez essa densidade 
de alusão seja o fator que mais diferencia Os Simpsons de qualquer outro 
programa que o tenha precedido.117
Há, porém, um custo por Os Simpsons depender de outros elementos 
da cultura popular. Assim como aqueles leitores que não conhecem Golden 
Bough, de Frazer, terão dificuldade para entender “The Waste Land” (lite-
116 Não quero dizer com isso, que Os Simpsons não faça uso da paródia. O episódio de que 
estamos falando contém um uma paródia brilhante de adaptações da Broadway, desde o 
título até à música “A Stranger is Just a Friend You Haven’t Met - um estranho é só um 
amigo que você não conheceu ainda.”
117 Para mais detalhes sobre alusão em Os Simpsons, ver capítulo 6 deste livro.
O s S im psons, hiper-ironismo e o significado da vida 111
raímente, A Terra Improdutiva), de Eliot, e assim como muitos leitores mo­
dernos ficam embasbacados com as várias alusões bíblicas e clássicas que 
ocupam lugar importante na história da literatura, muitos dos telespectadores 
de hoje não compreendem totalmente o que se passa em Os Simpsons por 
causa da falta de familiaridade com a cultura popular que forma a base 
para as referências do desenho. Não entendendo as referências, essas pes­
soas podem interpretar Os Simpsons como nada mais do que uma comédia 
de família ligeiramente diferente, povoada de personagens que não são bri­
lhantes nem muito interessantes. A partir dessas proposições, eles poderão 
chegar à conclusão de que o programa não é substancial nem engraçado, e 
também rotular aqueles que gostam de Os Simpsons de indivíduos de mau 
gosto, pouca inteligência e sem bons padrões de higiene mental. Entretanto, 
os detratores do desenho não só perdem boa parte de seu humor, mas 
também não percebem que seu padrão de citações é um veículo absoluta­mente essencial para o desenvolvimento de caráter e tom. E, como esses 
mesmos detratores geralmente não são fãs de cultura popular em geral, 
recusam-se a admitir que estão perdendo alguma coisa significativa. Bem... 
E difícil explicar a cor para um cego, principalmente se ele não quer prestar 
atenção. Por outro lado, aqueles que apreciam as tiradas das citações gos­
tam da tarefa ainda mais, por causa de sua exclusividade. Não há piada 
melhor do que a piada particular: o fato de muitas pessoas não entenderem 
Os Simpsons pode tornar a série ainda mais divertida e melhor para aque­
las que entendem.
Hiper-ironismo e os conceitos morois
Sem o folgado espertinho, a própria comédia seria impossível. Quer 
você concorde com a tese (como eu concordo) de que toda comédia é funda­
mentalmente cruel, quer assuma a posição relativamente neutra de que a 
maioria das comédias é fundamentalmente cruel, terá de admitir que a comé­
dia sempre contou com o prazer de caçoar de alguém. Geralmente, porém, 
a crueldade é usada com um propósito social positivo. No santimonial MASH, 
Hawkeye e a gangue brincavam simplesmente para “amortecer a dor de 
um mundo enlouquecido”, e as vítimas das piadas, como o Major Frank 
Bums, simbolizavam ameaças aos valores liberais que o programa vivia 
reforçando nas almas dos telespectadores do século XX. Em Leave it To 
Beaver, o elo entre humor e a importância dos valores familiares é didatica­
mente óbvio. Pouquíssimos programas de TV, mais notadamente Seinfeld, 
evitam totalmente os conceitos morais.118 A habilidade de Seinfeld em
118 Para uma visão diferente, ver Robert A. Epperson, “Seinfeld and the Moral Life”, de 
William Irwin, ed., Seinfeld and Philosophy: A Book about Everything and Nothing (Chica­
go: Open Court, 2000), p. 163-174.
112 Os Simpsons e a Filosofia
manter um público cativo apesar do elenco de personagens frívolos e mes­
quinhos, engajados em atividades igualmente frívolas e mesquinhas é mira­
culosa. Quando falo, portanto, de Os Simpsons, quero discutir as seguintes 
perguntas: Os Simpsons usa humor para promover conceitos morais? Ou 
para transmitir a idéia de que não existem conceitos morais justificáveis? 
Ou será que simplesmente se omite da questão dos valores morais?
São perguntas capciosas, pois encontramos dados que afirmam cada 
uma delas. Para sustentar a afirmação de que Os Simpsons promove 
conceitos morais, basta olharmos Lisa e Marge. Considere as palavras 
de Lisa a favor da integridade, liberdade de censura, ou qualquer espécie de 
causa social, e você será da opinião que Os Simpsons é apenas mais um 
programa liberal por baixo da crosta final, porém saborosa, da sordidez. 
Pode-se até esperar que Bart mostre humanidade quando necessário, como 
na escola militar, quando ele desafia a pressão machista e incentiva Lisa 
a completar uma corrida de obstáculos. O desenho também parece con­
denar vários ultrajes institucionais. O sistema político de Springfield é cor­
rupto, seu chefe de polícia é preguiçoso e egoísta, e o reverendo Lovejoy, 
na melhor das hipóteses, é ineficiente. Os empreiteiros encenam um falso 
milagre religioso para promover a construção de um shopping center. O 
Sr. Bums tenta aumentar os lucros na usina de força, bloqueando o sol. 
Juntos, esses exemplos parecem advogar uma posição moral de respeito no 
nível do indivíduo, dando prioridade à família acima de qualquer institui­
ção.119
No entanto, podemos encontrar exemplos da série que parecem não 
se acomodar em nenhum padrão moral plausível. Em determinado episódio, 
Frank Grimes (que detesta ser chamado de “Grimey”) é trabalhador-mo- 
delo constantemente não apreciado, enquanto Homer é um preguiçoso con­
victo, muito mais amado. Grimes acaba cedendo e resolve agir exatamente 
como Homer Simpson. Enquanto “age como Homer”, ele toca num trans­
formador e morre instantaneamente. No funeral conduzido pelo reveren­
do Lovejoy (para “Grai-ia-mi”, como ele gostava de ser chamado”), 
Homer, espirrando, grita: “Mude de canal, Marge!” Os presentes caem 
na risada, espontânea e apreciativa, e Lenny diz: “Esse é o nosso Homer!” 
Fim do episódio. Em outro episódio, Homer é responsável involuntário 
pela morte de Maude Flanders, a mulher de Ned. Em meio à multidão 
num jogo de futebol, Homer está ansioso para pegar uma camiseta dentre 
várias que são jogada no campo. Enquanto uma está caindo perto dele, ele 
se abaixa para pegar um amendoim. A camiseta passa por ele e atinge a 
devota Maude, derrubando-a das arquibancadas e matando-a. Esses episó-
119 Para a defesa da tese de que Os Simpsons promove valores da instituição familiar, ver 
capítulo 11 deste livro.
O s S im psons, hiper-ironismo e o significado da vida 1 1 3
dios são difíceis de se encaixar num mapa moral; eles certamente não com­
binam com a trajetória padrão da virtude recompensada.
Diante de tantos dados diversos, alguns tendendo para a afirmação de 
que Os Simpsons promove valores liberais e de família, e outros indicando a 
direção contrária, o que devemos concluir? Antes de tentar chegar a uma 
conclusão, eu gostaria de ir além dos detalhes de vários episódios da série e 
apresentar outra forma de evidência possivelmente relevante. Talvez possa­
mos destrinchar melhor a questão dos compromissos morais de Os Simpsons, 
examinando o modo como o programa aborda tendências intelectuais da atua­
lidade. O leitor deve ser alertado de que, embora eu ache que meus comen­
tários a respeito do estado atual da história das idéias estão mais ou menos 
corretos, eles são, no entanto, grandemente simplificados. Especificamente, 
as posições que traçarei aqui não são aceitas com unanimidade.
Comecemos pela pintura. O crítico influente, Clement Greenberg, afir­
mava que a meta da pintura era trabalhar com a insipidez da natureza de 
seu meio, e ele reconstruiu a história da pintura para que culminasse na 
dissolução do espaço tridimensional pictorial e na aceitação da insipidez 
total por parte dos pintores dos meados do século XX. Os pintores eram 
vistos como pesquisadores científicos cujo trabalho fomentava o progresso 
de seu meio, em que a idéia de progresso artístico era interpretada tão literal­
mente quanto a do científico. Por serem fundamentalmente injustificáveis e 
porque prendiam os pintores numa camisa de força, as posições de Greenberg 
gradualmente perderam terreno, e nenhum outro candidato bem embasado 
para a essência da pintura foi encontrado para substituí-las. Consequente­
mente, a pintura e as outras artes entraram numa fase que o filósofo da arte, 
Arthur Danto, chamou de “o fim da arte”. Com essas palavras, Danto não 
quis dizer que a arte não podería mais ser produzida, mas sim que não 
podería mais ser subsumida sob um histórico de progresso na direção de 
um determinado fim.120 No fim da década de 1970, muitos pintores tinham 
se voltado para estilos anteriores, mas representacionais, e seus quadros 
eram comentários tanto acerca de movimentos do passado, como o 
expressionismo, ou o atual vácuo na história da arte, quanto a respeito do 
próprio tema que eles retratavam. Em vez de tratar da essência da pintu­
ra, boa parte dela passou a tratar da história da pintura. Eventos seme­
lhantes se desenrolaram em outros meios artísticos, à medida que os arquitetos, 
cineastas e escritores retomavam à história de suas disciplinas.
A pintura, porém, não foi a única área em que convicções arraigadas 
sobre natureza e a inevitabilidade do progresso foram agressivamente desa­
fiadas. A ciência, o próprio ícone da progressividade, sofreu ataques de nu­
merosas direções. Kuhn afirmava (dependendo do intérprete com quem você 
concorda) que, ou não existia essa coisa de progresso científico, ou se exis-
120 Ver Arthur Danto, After the End ofA rt (Princeton: Princeton University Press, 1996).
1 1 4 Os Simpsons e a Filosofia
tisse, não havia regras para determinar o que eram o progresso e a raciona­
lidade científica. Feyerabend argumentava que as pessoas com teorias subs­
tancialmente diferentesnão podiam sequer entender umas às outras; por 
isso não havia esperança de um consenso racional. Ele exaltava, isto sim, 
as virtudes anarquistas de “qualquer coisa passa”. Os primeiros pesquisa­
dores sociológicos no campo da ciência tentaram mostrar que, em vez de 
ser uma narrativa inspiradora da busca desinteressada da verdade, a histó­
ria da ciência foi essencialmente uma história de política de gabinete, pois 
toda transição nessa história poderia ser explicada pelo apelo aos interes­
ses pessoais e alianças dos participantes.121 E é claro que a idéia do pro­
gresso filosófico continua sendo desafiada. Escrevendo sobre Derrida, o 
filósofo americano Richard Rorty argumenta que algo como a verdade filo­
sófica ou é inalcançável, não-existente ou desinteressante, e que a própria 
filosofia é um gênero literário e os filósofos deveríam interpretar a si pró­
prios como escritores que elaboram e re-interpretam os escritos de outros 
filósofos. Em outras palavras, a versão de Rorty de Derrida recomenda 
que os filósofos vejam a si mesmos como participantes historicamente ci­
entes numa conversa, em oposição aos pesquisadores semi-científicos.122 
O próprio Derrida defendia um método conhecido como desconstrução, 
que era popular vários anos atrás, e consistia em uma abordagem altamen­
te técnica para ironizar (no sentido de “desmontar”, ¿/«construir) textos e 
revelar contradições ocultas e motivos ulteriores inconscientes. Rorty ques­
tiona se, diante da proposta de Derrida acerca da possibilidade de progresso 
filosófico, a desconstrução poderia ser usada com propósitos negativos, ou 
seja, se poderia ser usada para outro fim que não fosse apenas caçoar filoso­
ficamente de outros escritos.
Deixe-me repetir que essas afirmações sobre a natureza da arte, da 
ciência e da filosofia são altamente controvertidas. No entanto, para os 
meus propósitos só preciso da afirmação relativamente incontroversa de 
que visões assim andam em voga hoje em dia, a um ponto sem preceden­
tes. Vivemos cercados por uma crise penetrante de autoridade, seja ela 
artística, científica ou filosófica, religiosa ou moral, de uma maneira que as 
gerações anteriores não conheceram. Voltando lentamente à terra e a Os 
Simpsons, devemos fazer esta pergunta: se a crise que eu descrevi fosse 
tão penetrante quanto acredito ser, como poderia ser refletida de um modo 
geral na cultura popular, e especificamente na comédia?
121 Thomas Kuhn, The Structure ofScientific Revolutions, 2a edição (Chicago: University of 
Chicago Press, 1970). Paul Feyerabend, Against Method (Londres: NLB, 1975). Para um 
inflamado debate sobre os limites da sociologia do conhecimento, ver James Robert Brown 
(ed.), Scientific Rationality: The Sociological Tum (Dordrecht: Reidel, 1984)
122 Richard Rorty, “Philosophy as a Kind of Writing”, p. 90-109, em Consequences o f 
Pragmatism (Mineápolis: University of Minnesota Press, 1982).
O s S im psons, hiper-ironismo e o significado da vida 1 1 5
Já discutimos um fenómeno que pode ser visto como uma conse­
quência da crise de autoridade. Confrontados com a morte da idéia do 
progresso em seu campo, pensadores e artistas costumam se voltar para 
urna historia de sua disciplina. Assim, os artistas recorrem à historia da 
arte, arquitetos à historia do desenho, e assim por diante. A motivação 
para esse apelo é natural; quando se abandona a idéia de que o passado é 
apenas um caminho inferior para um presente melhor e um futuro melhor 
ainda, pode-se tentar abordar o passado em seus próprios termos, como 
um parceiro igual. Adicionalmente, se o tópico do progresso estiver fora 
da lista de itens a ser discutidos, um conhecimento da historia pode ser 
urna das poucas coisas que restam para preencher o vazio conversacional 
disciplinar. Portanto, podemos pensar que a técnica de citação é um pro­
duto natural da crise de autoridade, e que a prevalência da citação em Os 
Simpsons resulta dessa crise.
A idéia de que a técnica de citação em Os Simpsons é o resultado de 
“alguma coisa no ar” se confirma pela estonteante onipresença de apro­
priação histórica em toda a cultura popular. Carros como o novo Fusca (nos 
Estados Unidos) e o PT Cruiser são citações de dias passados, e as fábri­
cas não conseguem construir uma quantidade suficiente deles. Na arquite­
tura, o avanço Novo Urbanista em conceito de moradia tenta recriar a 
sensação de se viver em cidadezinhas de décadas passadas, e acabou se 
tomando tão popular que só os poucos extremamente ricos podem comprar 
casas assim. O mundo musical é uma miscelânea de citações de estilos, em 
que freqüentemente a música original sendo citada passou por um sampler 
e foi reprocessada.
Para sermos justos, nem todo exemplo de citação histórica deve ser 
visto como o resultado de alguma crise espalhada de autoridade. Por exem­
plo, o movimento Novo Urbanista na arquitetura foi uma resposta direta a 
uma erosão percebida na comunidade, causada pela fatal combinação de 
suburbios economicamente segregados e shopping centers sem rosto; o 
movimento usou a historia para transformar o mundo num lugar melhor 
para as pessoas viverem com outras pessoas. Assim, o grau de citações 
em Os Simpsons pode apontar para uma crise em autoridade, mas tam­
bém pode advir de uma estratégia para tornar o mundo melhor, como o 
Novo Urbanismo, ou pode simplesmente ser um acessório da moda, como 
as grifes.
Não, se quisermos mergulhar nas profundezas da ligação de Os 
Simpsons com a crise de autoridade, teremos de procurar outra coisa, e é 
nesse ponto que eu volto à pergunta original desta seção: Os Simpsons usa 
o humor para promover conceitos morais? Minha resposta é esta: Os 
Simpsons não promove coisa alguma, porque seu humor opera apresentan­
do posições para, logo em seguida, ironizá-las. Além disso, esse processo de 
ironizar é tão profundo que não podemos considerar a série como uma
1 1 6 Os Simpsons e a Filosofia
coisa meramente cínica; ela consegue ironizar seu próprio cinismo. Esse 
processo constante de ironizar é o que eu chamo de “hiper-ironismo”.
Para compreender o que eu digo, considere o episodio “Scenes from 
the Class Struggle in Springfield”, um episodio da sétima temporada. Nele, 
Marge compra uma roupa Coco Chanel por US$90 num brechó. Enquanto 
está usando-a, ela se encontra com uma velha colega da escola. Vendo a 
marca da roupa e achando que Marge é da mesma classe que ela, a colega 
a convida para ir ao chique Springfield Glen Country Club. Fascinada pelo 
luxo do clube, e apesar de ser caçoada pelos outros membros por usar 
sempre a mesma roupa, Marge se inclina para a escalada social. A princi­
pio alienados, Homer e Lisa se apaixonam pelo campo de golfe e pelos 
estábulos do clube. Entretanto, quando eles estão prestes a se tomar mem­
bros, Marge percebe que sua nova obsessão está passando para trás a sua 
família. Achando que, de qualquer forma, o clube provavelmente não os 
aceitaria, ela e a família desistem. Sem que os Simpsons saibam, porém, o 
clube preparou uma luxuosa festa de boas-vindas para a família, e fica 
terrivelmente desapontado quando eles não vão - o Sr. Bums tinha até 
“escolhido os figos para o bolo” pessoalmente.
À primeira vista, esse episódio pode parecer outro caso de afirmação, 
por parte do programa, dos valores da família: afinal de contas, Marge prefe­
re a família ao status. Além disso, o que podería ser mais fútil do que status 
em meio a um bando de fúteis esnobes inumanos? Entretanto, as pessoas do 
clube acabam se mostrando inclusivas e bastante afetuosas, desde o joga­
dor de golfe Tom Kite, que dá conselhos a Homer sobre o modo de bater, 
embora ele tenha roubado os tacos e os sapatos de Kite, até o Sr. Bums, 
que agradece a Homer por ter denunciado sua desonestidade no golfe. O 
cinismo que parece permear o clube aos poucos se mostra como um mero 
artifício de conversa; o clube se prepara para receber os Simpsons, mem­
bros da classe trabalhadora, de braços abertos - ou será que ainda não 
percebeu que eles são daclasse trabalhadora?123 Outros elementos 
complicadores são os motivos de Marge para se afastar. Primeiro, há o 
falso dilema entre cuidar da família e receber as boas-vindas do clube. Por 
que uma opção precisa excluir a outra? Depois, há a crença de Marge de 
que os Simpsons não pertencem a um clube social. Tal crença parece se 
basear num conceito de classes que o próprio clube não tem. Esse episódio 
não dá ao telespectador um solo firme. Insinua a santidade dos valores 
familiares e desvia para o determinismo de classe, mas não fica em lugar 
algum. Além disso, se refletirmos bem, nenhuma das “soluções” tempora­
riamente apresentadas é satisfatória. De certa forma, esse episódio é tão 
cruel e sangue-frio quando ao de Grimey. Entretanto, enquanto o episódio
123 Para uma discussão mais detalhada sobre a classe trabalhadora, ver capítulo 16 deste 
volume.
O s S im psons, hiper-ironismo e o significado da vida 1 1 7
de Grimey é mais direto e aberto em sua frieza, este conjura ilusões de urna 
resolução caridosa satisfatória, apenas para logo em seguida ironizá-las. 
Na minha opinião, é um paradigma do verdadeiro Os Simpsons.
Penso que, na presença de uma crise de autoridade, o hiper-ironismo 
é a forma mais apropriada de comédia. Lembre-se de que muitos pintores 
e arquitetos se voltaram para a historia da pintura e da arquitetura quando 
abandonaram a idéia de uma meta trans-histórica fundamental para as suas 
áreas respectivas. Lembre-se também de quando Rorty, em sua versão de 
Derrida, convenceu-se da não-existência da verdade filosófica transcen­
dente, ele reconstruiu a filosofía como urna conversa historicamente ciente, 
que consistia em grande parte da desconstrução de obras passadas. Um 
modo de ver todas essas transações é que, com o abandono do conheci­
mento, veio culto do saber. Ou seja, mesmo que não haja uma verdade 
final (ou um método para se chegar a ela), ainda posso mostrar que com­
preendo as regras intelectuais pelas quais você se orienta melhor do que 
você mesmo. Posso mostrar minha superioridade sobre você, demonstran­
do minha percepção daquilo o que o faz funcionar. No fim, nenhuma de 
nossas posições é superior, mas pelo menos eu posso me mostrar numa 
posição superior agora nas areias movediças do jogo que estamos jogando. 
O hiper-ironismo é a exemplificação em comédia do culto do saber. Por 
causa das crises de autoridade, não há mais propósitos superiores que 
possam ser associados à comédia, tais como instrução moral, revelação 
teológica, ou tentativa de mostrar como é o mundo. Entretanto, a comédia 
pode ser usada para atacar qualquer um que julgue ter algum tipo de con­
trole da resposta à grande pergunta, não com um jeito melhor de ver as 
coisas, mas simplesmente pelo prazer do ataque, ou talvez pelo sentido de 
superioridade momentânea mencionada antes. Os Simpsons refestela-se 
no ataque, tratando quase tudo como se fosse um alvo, todo personagem 
estereotipado, toda excentricidade e toda instituição. Joga com o público, 
desafiando-o a identificar a avalanche de alusões que joga sobre ele. E, 
como ilustra o episódio “Scenes from the Class Struggle in Springfield”, 
evita assumir uma posição própria.
Seria correto afirmarmos que muitos outros episódios são bem menos 
sombrios ou instáveis do ponto de vista narrativo do que o de Frank Grimes 
e o do clube de campo. A maioria dos primeiros episódios, como aquele em 
que Bart decapita a estátua municipal, possui resoluções simples, orientadas 
pelos valores da família. Os episódios mais recentes são mais carregados de 
ironia. No começo de “Deep Space Homer”, da 5“ temporada, Bart escre­
ve “Colocar Cérebro Aqui” com um marcador, na nuca de Homer. Mais 
tarde, quando o astronauta Homer salva sua cápsula espacial, Bart escreve 
“Herói” no mesmo lugar. Aqui, a ilusão da ironia serve apenas para amar­
gar uma pílula açucarada intragável. Será? Afinal, Homer salvou a missão 
por engano: sem querer, ele consertou uma passagem de ar danificada en­
1 1 8 Os Simpsons e a Filosofia
quanto tentava matar outro astronauta com uma vara de carbono. A passa­
gem de ar tinha ficado solta numa tentativa de evacuar algumas formigas 
experimentais que Homer tinha libertado acidentalmente. Além disso, o 
mundo - e a revista Time - reconheceram “a vara inanimada de carbono” 
como a salvadora da nave, e não Homer. Portanto, seria justo dizer que o 
momento entre Homer e Bart fora, de certa forma, contaminado por even­
tos anteriores.
No entanto, por questão de justiça com aqueles que acreditam que Os 
Simpsons assume uma posição moral, há episódios que não parecem se 
auto-ironizar. Considere, por exemplo, o episódio mencionado anteriormen­
te, em que Bart ajuda Lisa na escola militar. Muitas coisas são ridiculariza­
das, mas a bondade fundamental do relacionamento entre Bart e Lisa não é 
questionada. Em outro episódio, quando Lisa descobre que Jebediah 
Springfíeld, o lendário fundador da cidade, era uma farsa, ela deixa de anun­
ciar à cidade sua descoberta, quando nota o valor social do mito de 
Jebediah Springfield.124 E, é claro, devemos mencionar o episódio em que 
músico de jazz Murphy morre, que realmente merece o epíteto de “pior 
de todos os episódios”. Ele mistura um sentimentalismo não crítico com 
uma adoração ingênua da arte, e coloca por cima de tudo isso um pouco 
de pseudojazz não intencional, que serviría melhor como música tema de 
algum talk show em TV a cabo. A canção de Lisa, “Jazzman”, simultanea­
mente personifica esses três defeitos, e deve ser considerada como o pior 
momento do pior episódio de todos. Levando em conta esse episódio e 
outros do mesmo tipo, que ocorrem com muita freqüência para ser simples­
mente ignorados, ainda ficamos com os dados conflitantes com os quais 
iniciamos esta seção. Os Simpsons é hiper-irônico ou não? Alguém podería 
dizer que o hiper-ironismo é um moderno acessório da moda, ironia da loja 
The Gap, que não reflete o etos da série. Outro programa bem recebido 
pela crítica, Buffy, é fortemente comprometido com uma distinção em pre­
to e branco entre certo e errado, de um modo que só os adolescentes con­
seguem. Sua dependência de piadas ferinas e ironia subversiva é apenas 
superficial. Debaixo da crosta, encontraremos adolescentes ansiosos, tra­
vando uma batalha solene contra demônios do mal que querem destruir o 
mundo. Talvez, diriam alguns, abaixo da ironia superficial de Os Simpsons, 
encontre-se um forte compromisso com os valores da família.
Quero acrescentar que o hiper-ironismo simpsoniano não é uma 
máscara para um compromisso moral subjacente. Vejamos as três razões 
para isso, duas das quais sendo plausíveis, mas provavelmente insuficien­
tes. A primeira, Os Simpsons não consiste em um único episódio, mas mais 
de duzentos, em mais de dez temporadas. Há motivos para pensarmos que
124 Lisa estaria sendo hipócrita? Para uma discussão sobre a hipocrisia justificável, ver 
capítulo 12 deste volume.
O s S im psons, hiper-ironismo e o significado da vida 1 1 9
as aparentes resoluções alcançadas num episodio geralmente são ironizadas 
em outros.125 Em outras palavras, somos levados a reagir ironicamente a 
um episódio, por causa das dicas fornecidas por muitos outros episódios. 
Entretanto, pode-se argumentar, esse ironismo - ou esse emprego da ironia 
- entre os episódios é, em si, ironizado pelo freqüente uso no programa de 
finais felizes em família.
A segunda razão é que Os Simpsons pode ser considerado um pro­
grama moderno e consciente disso e, ao mesmo tempo, ciente do que é 
atual, abraçando a atualidade. Os valores da família não são os mais popu­
lares e atuais, e não podemos acreditar que o desenho os adotaria de bom 
grado. Mas essa é, na melhor das hipóteses, uma confirmação fraca. 
Como programa da moda, Os Simpsons poderia simplesmente flertar 
com a hiper-ironia sem adotá-la plenamente. Afinal de contas, não seria 
muito hiper-irônico jurar aliança a qualquer bandeira, incluindo a bandeira 
do hiper-ironismo. E além de um programamoderno e autoconsciente, tam­
bém é um programa que deve viver dentro das restrições do horário nobre 
(ou prime-time) da televisão americana. Poderiamos dizer que essas restri­
ções forçam Os Simpsons na direção de um compromisso com alguma 
espécie de posição moral palatável. Portanto, não podemos inferir que o 
programa é hiper-irônico partindo apenas da premissa de que é moderno e 
autoconsciente.
A terceira e mais forte razão para um hiper-ironismo penetrante e 
contra a afirmação de que Os Simpsons assume uma posição pró-família 
se baseia na percepção de que a energia cômica do programa faz um mer­
gulho significativo sempre que a moralidade e didaticismo sobem à superfí­
cie (como nos episódios de Murphy). Diferente de Buffy, Os Simpsons é 
fundamentalmente uma comédia. Buffy pode se virar sem sua posição irô­
nica, pois é uma aventura concentrada na eterna batalha entre bem e mal. 
Os Simpsons não tem para onde ir se deixar de ser engraçado. Por isso, é 
muito divertido quando celebra a crueldade física no programa que as crian­
ças vêem na TV, Comichão e Coçadinha. E muito divertido quando ridi­
culariza Krusty e os gênios do marketing que transmitem o Comichão e 
Coçadinha. O sangue vital de Os Simpsons, e seu surpreendente sucesso, 
é o ritmo da crueldade e do ridículo que o programa consegue manter du­
rante uma década. A prevalência das citações ajuda a sustentar esse ritmo, 
porque o programa pode transcender a si próprio, indo atrás de um fluxo 
constante de alvos. Quando o tiro ao alvo desacelera e abre espaço para 
uma mensagem sadia ou um caloroso momento familiar, o ritmo do progra­
ma cai a ponto de engatinhar, mal podendo sustentar um único riso.
Não pretendo com isso dizer que os criadores de Os Simpsons te­
nham bolado o programa como um teatro deliberado de crueldade, embora
125 Agradeço a meu colega e colaborador, Jason Hold, por ter-me sugerido isso.
120 Os Simpsons e a Filosofia
eu imagine que foi isso o que fizeram. Meu argumento é que, como comé­
dia, seu objetivo é ser engraçado, e devemos interpretá-lo de um modo 
que maximize sua capacidade de ser engraçado. Quando o interpretamos 
como um endosso louco, porém honesto, dos valores familiares, encon­
tramos o meio de sustentar seu potencial cômico. Quando o interpreta­
mos como um programa construido sobre os dois pilares do humor 
misantrópico e da sábia sacanagem intelectual, maximizamos seu poten­
cial cômico, prestando atenção às características do programa que nos 
fazem rir. Também fornecemos uma função vital para o grau de citações 
usadas, e como bônus, vinculamos o programa à tendência dominante do 
pensamento no século XX.
Mas se os calorosos momentos de família não contribuem para o po­
tencial cômico do desenho, para que eles existem? Uma possível explica­
ção é que são apenas erros; deveríam ser engraçados, mas não são. Essa 
hipótese é implausível. Outra hipótese é de que a série não é exclusivamen­
te uma comédia, e sim uma comédia de família - algo sadio e não muito 
engraçado que toda a família finge apreciar. Isso também é implausível. 
Alternativamente, podemos procurar uma função para esses momentos 
afetuosos. Acho que existe essa função. Suponhamos que o motor pro­
pulsor de Os Simpsons seja alimentado por crueldade e sacanagem. 
Seus telespectadores, embora apreciem o humor, talvez não queiram 
rever semana após semana o mesmo tipo de mensagem sacana, princi­
palmente se ele for centrada numa família com crianças. Seinfeld na 
verdade nunca ofereceu nenhuma esperança; era uma série com o cora­
ção frio como gelo. No entanto, Seinfeld era um programa sobre adultos 
insatisfeitos. Um programa semelhantemente lúgubre apresentando crian­
ças parecería uma paródia de uma comédia mostrada no filme Natural 
Bom Killers, dê Oliver Stone, na qual Rodney Dangerfield faz um bêbado 
que abusa de crianças. Com o passar dos anos, uma série assim perdería o 
interesse dos telespectadores, na melhor das hipóteses. Acredito que os trin­
ta e poucos segundos de aparente redenção em cada episódio de Os 
Simpsons estão lá para nos trazer algum alívio dos vinte e um minutos e 
meio de crueldade maníaca, no começo de cada episódio. Em outras pala­
vras, os momentos afetuosos de família ajudam Os Simpsons a se manter 
como série. A comédia não existe para dar uma mensagem; a ilusão oca­
sional de uma mensagem positiva existe para nos permitir tolerar mais co­
média. Os filósofos e críticos falam constantemente do paradoxo do horror e 
do paradoxo da tragédia. Por que procuramos ansiosamente formas de arte 
que despertam em nós emoções desagradáveis como pena, tristeza e medo? 
Creio que, pelo menos para algumas formas de comédia, há um paradoxo 
igualmente importante. Por que procuramos uma arte que nos faz rir da 
desgraça alheia, num mundo sem redenção? A risada aqui parece ter um 
alto preço. O uso em Os Simpsons de finais felizes em família deve ser
O s S im psons, hiper-ironismo e o significado da vida 121
visto como urna tentativa por parte do programa de encobrir o paradoxo da 
comédia que ele exemplifica tão bem.
Espero ter mostrado que a técnica de citação e o hiper-ironismo são 
prevalentes, interdependentes e igualmente responsáveis pelo modo como 
o humor em Os Simpsons funciona. O quadro que pintei de Os Simpsons é 
sombrio porque caracterizei seu humor como negativo, um humor de cruel­
dade e condescendência.126 Deixei de fora, porém, uma parte muito impor­
tante do quadro. Os Simpsons, consistindo em uma versão não tão brilhante 
do id freudiano para pai, filho sociopata, uma filha sabida e uma mãe sim­
plória e inócua, é uma família cujos membros amam um ao outro. E nós os 
amamos. A despeito do fato de que o programa descarta qualquer seme­
lhança com valor, e de nos oferecer semana após semana pouco consolo, 
ainda assim consegue transmitir o poder bruto do amor irracional (ou não- 
racional), do amor de um ser humano por outro, e nos faz participar do jogo, 
amando esses erráticos borrões de tinta sobre celulóide que vivem num 
errático mundo oco. Bem, essa é a diversão da comédia.127
126 Embora eu tenha mostrado que o humor de Os Simpsons é frequentemente cruel, não 
mostrei que é um homem sempre cruel. Na verdade, não é. Alguns momentos muito engra­
çados se baseiam em piadas visuais inofensivas, como quando Bob se esconde atrás de 
uma estátua de forma intrincada representando uma aeronave que combina exatamente 
com o formato de seu cabelo. Além disso, eu apenas disse que o programa deixa de ser 
engraçado quando se afasta da crueldade por muito tempo. Parte de meus motivos para 
essa afirmação é a minha crença de que toda comédia (diferente de todo exemplo de humor) 
se baseia na crueldade. Entretanto, essa idéia é extremamente controvertida, e não há espaço 
suficiente para argumentar sobre isso aqui. Para acessarmos a centralidade da crueldade 
como mola principal do humor de Os Simpsons, devemos examinar muitos exemplos su­
postamente engraçados do programa. Temo simplesmente que pessoas diferentes discor­
dem quanto ao engraçado. Já que, nesse ponto, as questões se tomem filosoficamente 
interessantes, mas também extremamente confusas. Devo admitir que qualquer espécie de 
afirmação universal sobre o papel da crueldade dentro do programa é controvertida e neces­
sita de suporte adicional.
127 Este ensaio contou o grande benefício das discussões que tive com Heide Rees, Jason 
Holt, Adam Muller, Emily Muller, George Toles, Steve Snyder e Guy Maddin. Agradeço 
também a W illiam Irwin, pelo apoio como editor e ao Arquivo The Simpsons 
(www.snpp.com), pelas utilíssimas listas de episódios.
http://www.snpp.com
9
Política sexual simpsonfana
D ale E . S now e James J. Snow
O que Os Simpsons faz de melhor é questionar as devoções televisivas 
desde o recatado “Papai sabe tudo” dos anos 1950 até a inflamada questão 
da qualidade da atuai programação do Canal Fox. Entretanto, continua e 
prolonga urna política sexual conservadora. O programa faz isso de três ma­
neiras: adescrição de Springfield como uma cidade de população predomi­
nantemente masculina; o fato de a grande maioria dos episodios se concentrar 
em Bart e Homer; e a caracterização apresentada de Marge e Lisa.
E um mundo dos homens, mesmo
Congressista Amold: Você deve ser Lisa Simpson.
Lisa: Olá, senhor.
Congressista Amold: Lisa, você é uma empreendedora. E quem sabe, tal­
vez um dia seja congressista ou senadora. Temos várias mulheres senado­
ras, sabe?
Lisa: Só duas, eu verifiquei.
Congressista Amold: [ri] Você é esperta. (“Mr. Lisa goes to Washington”)
Um dos recursos visuais mais deliciosos em muitos episódios de Os 
Simpsons é a riqueza e o detalhe das cenas de fundo, principalmente com 
multidões. Pemalonga talvez tenha jogado baseball em um estádio de for­
mas ovais indistintas, e encontramos os mesmos rostos vazios em Doug ou 
Ren and Stimpy (para mencionarmos dois desenhos recentes e muito di­
ferentes), mas Springfield é viva, com pessoas reais e reconhecíveis em 
toda cena de multidões. É fácil entender por que cada episódio leva seis 
meses para ser animado, quando se leva em conta o cuidado com os 
detalhes, paisagens de fundo urbanas e rurais, e a criação de dezenas de 
residentes de Springfield instantaneamente reconhecíveis.
1 2 3
1 2 4 Os Simpsons e a Filosofia
O telespectador assíduo não se surpreende ao ver Moe, Otto, o Sr. 
Bums, Smithers e Jasper na platéia em eventos escolares, por exemplo, 
apesar de não terem (pelo que saibamos) filhos em idade escolar na escola 
de Springfield. De modo semelhante, o diretor Skinner, Willy e Edna 
Krabappel são rostos conhecidos nas multidões, dando ouvidos a vendedo­
res ambulantes, indo ao circo ou participando de passeatas em frente à 
prefeitura. O telespectador assíduo sente que conhece a cidade, como apon­
tam numerosos críticos. De fato, Springfield é um elemento vital para o 
sucesso de Os Simpsons:
D ando vida a um “cosmos tão m agníficam ente congestionado ”, Groening 
consegue deixar a linha do enredo pré-determ inada p o r um período de 
tempo relativam ente longo... O am biente da série e sua com posição bási­
ca contribuem e são pré-condições para uma variedade excepcional de 
enredos, abrindo todo um universo infinito de histórias de que é capaz o 
gênero da animação; ou seja, retratando tanto a realidade quanto o surreal 
de uma m aneira artística bem como dramática, só popu lar na literatura e 
raramente encontrada nos film e s m odernos.'28
Portanto, mal precisaríamos mencionar que, em termos de divisão dos 
sexos, a cidade de Springfield é, no mínimo, ligeiramente mais conservadora 
do que o universo dos programas criticados na série. Julia Wood descreve o 
mundo da televisão:
Homens brancos compõem quase dois terços da população. A s mulheres 
são menos numerosas, talvez porque menos de 10% delas vivam além dos 35 
anos. A s que conseguem, como os colegas do sexo masculino e mais jovens, 
são quase todas brancas e heterossexuais. A lém de jovem , a m aioria das 
m ulheres é bonita, m uito magra, passiva e interessada principalm ente 
num a relação am orosa... H á algum as m ulheres más, ousadas, não tão 
bonitas nem tão subordinadas, e nem tão atenciosas como as m ulheres 
boazinhas. A m aioria das m ulheres más trabalha fo ra de casa, motivo 
provável pelo qual elas se to m a m duras e indesejáveis.'29
Pelo que sabemos, o censo 2000 não visitou Springfield, por isso con­
tamos com três fontes para estabelecermos a distribuição dos sexos. “Who’s 
Who? in Springfield”, um site na internet que alega ser “uma extensa lista 
de alusões literárias, políticas, históricas, televisivas, militares, cinemato- 128 129
128 Gerd Steiger, “The Simpsons: Just Funny of More?” Arquivo The Simpsons, http:// 
www.snpp.com/other/papers/gs.paper.html.
129 Gendered Uves: Communication, Gender, and Culture (Belmont, CA: Wadsworth, 
1994), p. 232. Donald M. Davis encontra um padrão semelhante no horário nobre da 
televisão: os homens ocupam 65,4% de todos os personagens do horário nobre, as mulheres 
34,6% (“Portrayals of Women in Prime-Time Network Televisión: Some Demographic 
Characteristics”, SexRoles 23:325-332).
http://www.snpp.com/other/papers/gs.paper.html
Política sexual simpsoniana 1 2 5
gráficas, musicais, comerciais e de animação para os personagens secun­
dários de Os Simpsons”,130 131 132 contém uma sub-seção chamada “Recurring 
Characters”, ou personagens recorrentes, que afirma incluir todos os per­
sonagens que já apareceram em mais de um episodio, desde Murphy a 
Rainer Wolfcastle. Além dos cinco membros da familia Simpson, há urna 
lista de 45 personagens masculinos, bem como o “Homem Radioativo” (o 
personagem de gibi favorito de Bart), e 11 personagens femininos, incluindo 
“Malibu Stacy”, a boneca de Lisa. Mesmo que Comichão e Coçadinha 
sejam considerados assexuados, a proporção é 4:1.
Outras fontes de informação são The Simpsons: A Complete Guide 
to Our Favorite Family131 e Simpsons Forever: A Complete Guide to 
Our Favorite Family Continued122. A seção “Who Does the Voice?”, 
quem faz a voz? do Complete Guide, traz uma lista de 59 personagens 
masculinos, à qual acrescentaríamos Lionel Hutz, Troy McClure, Bob e 
Mel, totalizando 63, e 16 personagens femininos.133 The Simpsons Forever 
acrescenta cinco personagens masculinos (Database, Dr. Loren, J. Pryor, 
Sr. Bouvier, Gavin e Billy) e um feminino, ou mais ou menos (a voz da 
boneca Malibu Stacy); mas exclui Jacqueline Bouvier e tia Gladys, prova­
velmente porque estão mortas, o que faria com que Maude Flanders tam­
bém fosse excluída.134
Também nós fizemos nossa conta. Acrescentaríamos à lista Agnes 
Skinner, (Sra.) Helen Lovejoy, (Sra.) Luanne Van Houten, Manjula (noiva/ 
esposa de Apu) e Janey Powell, o que totalizaria 15 personagens femininos 
recorrentes. A lista está longe de ser inspiradora: das 15 mulheres, seis 
aparecem exclusivamente como esposas ou mães de personagens mascu­
linos muito mais desenvolvidos: Sra. Bouvier, Maude Flanders, Sra. Lovejoy, 
Sra. Van Houten, Agnes Skinner, e Manjula. Cinco são personagens meno­
res que mal falam: Sherri e Terri, as gêmeas de cabelo roxo, Janey Powell, 
Doris, além de Edna Krabappel, para representar as mulheres trabalhado­
ras (e como a característica determinante das três é fumar sem parar, elas 
parecem ser apresentadas como “duras e indesejáveis”, como explica Wood). 
Só Ruth Powers, a vizinha divorciada dos Simpsons, é uma mulher adulta 
desapegada, e com opinião própria (e teve falas em dois episódios: “New 
Kid on the Block” e “Marge on the Lam”).
Por isso, é um choque (e aqui apenas escolhemos um dos muitos 
críticos que expressaram sentimentos semelhantes) quando lemos no en­
i3° “Who’s Who? in Springfield” http://snpp.com/guides/whoiswho.html.
131 Matt Groening, Ray Richmond, ed., Nova York: Harperperennial Library, 1997.
132 Matt Groening, Scott M. Gimple, ed., Nova York: Harperperennial Library, 1999.
133 A Complete Guide, p. 178-79.
134 Simpsons Forever, p. 86-87.
http://snpp.com/guides/whoiswho.html
1 2 6 Os Simpsons e a Filosofia
saio de James Poniewozik para a revista Time, “The Best TV Show Ever”, 
que um dos pontos fortes de Os Simpsons é:
O program a tem um dos m elhores elencos da TV. N enhum a outra série 
desenvolveu um elenco de apoio tão num eroso e palpável quanto a p o p u ­
lação de Springfield. Os roteiristas de “Os S im psons” abriram m undos 
dentro de mundos, investindo personagens aparentem ente m enores com 
histórias e vidas próprias e completas. Q ualquer personagem que tenha 
aparecido p o r alguns segundo num episódio p ode conduzir episódios 
inteiros m ais tarde: Apu, Smithers, B a m ey o bêbado. Se olharm os para 
um desses coadjuvantes, Krusty o Palhaço, com preenderem os a fe r tilid a ­
de infinita de “Os S im psons”. A princípio, um recurso para Bart e Lisa 
assistirem a algo na TV, Krusty desenvolveu uma história de identidade 
étnica (nome de nascim ento H erschel Krustofsky, ele se rebelou contra 
seu pai, que erarabino) e se to m o u um artista satírico para toda a indús­
tria do entretenim ento.135
Se “o melhor elenco da TV” for pelo menos três quartos masculino, o 
que isso nos diz sobre o espelho da realidade que a TV mostra a nós, os 
telespectadores? E não adianta dizer que Os Simpsons é um espelho distorcido, 
do tipo de parques de diversão, pois, nesse caso, a população predominan­
temente masculina de Springfield não é um comentário irônico acerca da 
televisão, mas sim uma extensão passiva da norma.
Que a população de Springfield tende tão fortemente para o masculi­
no pode parecer uma questão de menos importância, quando consideramos 
o conteúdo e o foco dos episódios. Dos 248 episódios das 11 primeiras 
temporadas, o “Arquivo de Lisa”136 traz 28 episódios de “Lisa”, aos quais 
acrescentaríamos mais oito.137 O “Arquivo de Marge”138 tem uma lista 
obviamente incompleta de episódios que se concentram em Marge; 
totalizamos 21, incluindo aqueles em “flash back” que mostram os tempos 
de namoro de Homer e Marge. Entramos nesses detalhes para mostrar 
evidências de nossa afirmação de que há uma proporção de episódios apro­
ximada à população de Springfield (ou seja, quatro ou cinco episódios cen­
trados em Bart, Homer ou outro personagem masculino em proporção a 
um episódio dedicado a Lisa, Marge ou outro personagem feminino.139) As
135 http://www.time.com/time/daily/special/simpsons.html.
136 Arquivo The Simpsons, “The Lisa File”, criado por Dave Flall, mantido pr Dale G. 
Abersold, http://www.snpp.com/guides/lisa.file.html.
137 “Round Springfield ", “MakeRoom fo r Lisa”, “They Saved Lisa’s Brain”, “Desperately 
Xeeking Xena” de “Treehouse o f Horror X ”, “Little Big Mom", “Bart to the Future”, 
“Last Tap Dance in Springfield” e “Lisa Gets an A.”
138 http://www.snpp.com/guides/marge.file.html.
139 Só Patty e Selma, em “Homer vs. Patty and Selma”, “A Fish Called Selma”, “Selma’s 
Choice” e “Black Widower” e a Sra. Simpson, em “Mother Simpson” parecem receber essa 
honra; “Lady Bouvier’s Mother” é claramente dedicado ao Vovô.
http://www.time.com/time/daily/special/simpsons.html
http://www.snpp.com/guides/lisa.file.html
http://www.snpp.com/guides/marge.file.html
Política sexual simpsoniana 1 2 7
pessoas que gostam das teorias de conspirações poderão notar que, de 
acordo com o artigo no Arquivo The Simpsons, “Simpsons Guest Stars” 
(astros convidados), houve exatamente 160 convidados (sem contar as 
múltiplas participações de Phil Hartman, Albert Brooks, Jon Lovitz, etc.) e 
40 convidadas.140 Na grande maioria dos casos, esses astros convidados 
interpretavam a si próprios, o que mostra que a proporção tendenciosa mas- 
culino-feminino se estende também para a lista dos convidados.
0 conteúdo do caráter dos personagens
Marge descende diretamente de uma longa linhagem de esposas e 
mães da TV, boazinhas, sofredoras, cuja principal função dramática é com­
preender, amar, e limpar a sujeira do homem. Claro que essa adorável cria­
tura já existia antes da televisão; Virginia Woolf a descreveu com precisão 
taxonómica em seu ensaio “Professions for Women” como o nome “The 
Angel in the House” (O Anjo na Casa):
Você que vem de um a geração m ais jo vem e fe liz talvez nunca tenha ouvi­
do fa la r nela - talvez não saiba que o que eu quero d izer com O A njo na 
Casa. Eu a descreverei da m aneira m ais sucinta possível. E la era intensa­
m ente compassiva. E ra ¡mensamente encantadora. Totalmente altruísta. 
D estacava-se nas difíceis artes da vida em fam ília . Sacrificava-se d iaria­
mente. Se havia fra n g o para comer, ela fica va com a coxa; se havia uma 
corrente de ar, ela é que se sentava n á fren te dela - em síntese, era o tipo 
de pessoa que nunca tinha opinião ou desejo próprio, m as preferia sem ­
pre ceder aos desejos e opiniões dos outros.141 142
Marge não é um personagem tão angelical assim, mas suas 
antecessoras na telinha são fáceis de identificar: Alice Kramden tolerava 
seu irascível Ralph, Edith Bunker com as imprevisíveis explosões emocionais 
de Archie, e Marión Cunningham com sua família de loucos, lidando com eles 
com o mesmo espírito que tudo perdoa, usado por Marge com Homer. Patri­
cia Mellencamp, discutindo a comédia arquetípica dos anos 1950, Papai 
Sabe-Tudo, explica que um elemento básico da comédia de situação do­
méstica é um retrato da “limitação das mulheres” às funções domésticas 
tradicionais.145 Uma tentativa de romper com o papel tradicional da mulher 
é obviamente engraçada, e um grande número de episódios de Marge conta
140 http://www.snpp.com/guides/gueststars.html.
141 William Smart (ed.), Eight Modem Essayists, 4! edição (Nova York: St. Martin’s Press, 
1985), p. 9.
142 Citado em June M. Frazer e Timothy C. Frazer, “Father Knows Best” e “The Cosby 
Show: Nostalgia and the Sitcom Tradition”, Journal o f Popular Culture, 13, p. 167.
http://www.snpp.com/guides/gueststars.html
1 2 8 Os Simpsons e a Filosofia
precisamente com esse tipo de humor. O outro aspecto principal da “limita­
ção cômica das mulheres” é visto nos esforços da tradicional esposa para 
manter a etiqueta, os padrões morais ou legais; isso a transforma na “cha­
ta” da família, o motivo de muitas piadas de humor masculino, e nisso tam­
bém Marge se encaixa no molde.
À primeira vista, Marge é insurgente como mãe da televisão. Seu 
cabelo azul bem armado e sua pele amarela a tomam visualmente espanto­
sa. Sob um exame mais cauteloso, porém, ela permanece dentro dos limites 
das mães de TV dos anos 1950 e início dos anos 1960. O cabelo bem feito 
faz lembrar as mães de Harriet Nelson e June Cleaver. Seu colar de péro­
las lembra Margaret Anderson (Papai Sabe-Tudó), June Cleaver, Donna 
Stone (The Donna Reed Show), e até Wilma Flintstone. Na casa ou em 
público, Marge usa o convencional vestido de suas antecessoras dos anos 
1950 e 1960. O vestido da mãe de TV foi apenas brevemente subvertido 
por Mortícia Addams e Lily Munster entre 1964 e 1966. E como muitas de 
sua linhagem, a maternidade a tomou relativamente assexuada, embora 
sempre tradicionalmente feminina.
Lembre-se de que as primeiras mamães sexuadas da TV - Mortícia 
Addams e Lily Munster - eram simplesmente aberrações da natureza (Lily 
e Hermán Munster foram o primeiro casal da TV a dormir na mesma 
cama).143 A primeira mãe da TV sexualmente definida, Peg Bundy, obteve 
sua sexualidade por meio de uma espécie de não-participação birrenta das 
funções tipicamente femininas na família; embora ela não trabalhasse fora 
de casa, também não fazia as tarefas domésticas, tampouco agia como mãe. 
A primeira mãe da TV a subverter completamente todos os papéis maternais 
tradicionais é a Sra. Cartman, de South Park. A Sra. Cartman desafia as 
funções maternas tradicionais, já que ela é uma contradição calamitosa. 
Ela reconhece a maternidade como uma função, ou mesmo uma fachada 
(na qual não é muito boa), bebe, fuma crack e é sexualmente promíscua. Se 
nos aventurarmos um pouco aqui e construirmos um contínuo de mães da 
televisão desde, por exemplo, Harriet Nelson, à Sra. Cartman, vemos que 
Marge se encaixa firmemente dentro da tradição da maternidade dos anos 
1950 e 1960.
Marge é profundamente tradicional como mãe da televisão também 
em outro aspecto; ela não só é o “Anjo” de temperamento descrito por 
Virginia Woolf, mas, como muitas de suas antecessoras, é uma mulher que
143 Ray Richmond observa: “Até Os Monstros, os casais na televisão tinham de dormir em 
camas de solteiro, separadas, o que deveria tomar muito difícil a concepção de filhos, que 
viviam aparecendo nas séries. Mas Lily e Hermán se aconchegavam sob os mesmos lençóis 
numa cama de tamanho médio, a idéia sendo que, como eles eram parecidos com persona­
gens de desenho animado, não contava. Mas contava, sim.” TV Monis: An Illustrated Guide 
(Nova York: TV Books, 2000), p. 52.
Política sexual simpsoniana 1 2 9
fica “em casa”. Lembre-se que Harriet Nelson nunca safa de casa, nem 
June Cleaver, Donna Stone, Mortícia Addams, Lily Munster,Samantha 
Stevens e outras. Muitas mães tradicionais da TV que trabalhavam fora 
(como Elyse Keaton ou Clair Huxtable) cumpriam suas tarefas profissio­
nais fora da câmera, para não interferir com suas funções de mãe. É o caso 
de Marge Simpson; mulheres casadas não trabalham no mundo de Os 
Simpsons, e o drama de sua vida se desenrola dentro dos limites da casa 
em Evergreen Terrace.
A casa em Evergreen Terrace é um bastião de harmonia doméstica e 
serenidade moral. Springfield, representando a esfera pública, é marcada 
pela decadência moral, seja pelo capitalismo glutão do Sr. Bums ou pela 
bebedeira no bar de Moe. Isso não quer dizer que o lar dos Simpsons seja um 
primor de moral, mas o desafio moral ocorre quando a esfera privada é ameaçada 
pela subversão pública. Frequentemente, Groening e os roteiristas permitem 
que o mal invada a casa pela televisão (Krusty o Palhaço e principalmente 
Comichão e Coçadinha, mas também com mais sutileza no noticiário aberta­
mente tendencioso de Kent Brockman, ou nos longos comerciais enganosos 
de Troy McClure). Mas no fim, o lar permanece impermeável à desintegra­
ção moral; a família permanece intacta e moralmente funcional.
Marge geralmente é a única pessoa adulta que defende os valores 
morais e estéticos, lembrando-nos de “O Anjo na Casa” e sua lendária 
pureza. Ela se opõe à violência nos desenhos animados (“Itchy and Scratchy 
and Marge”) e a projetos públicos inúteis (“Marge vs. the Monorail”) e 
defende o mérito artístico de Davi, de Michelangelo. Ela consegue até fa­
zer com que Homer pare de beber, pelo menos por um mês (“Duffless”). 
As cenas em flashback do namoro de Homer e Marge revelam uma histó­
ria completamente convencional de Homer procurando-a para lhe dar au­
las particulares de francês; quando ela descobre que ele nem sequer estuda 
francês, já é tarde demais - os dois estão apaixonados, e Marge está firme­
mente envolvida com um homem que esgotaria a paciência de um santo. 
Não nos surpreendemos ao ouvir a litania de queixas bastante justificáveis 
que ela faz em sua primeira visita a um psicólogo de casais:
Ele é tão egocêntrico. Esquece de aniversários, feriados - tanto religio­
sos quanto cívicos - mastiga com a boca aberta, joga, freqüenta um bar 
de baixo nível com vagabundos e miseráveis. Limpa o nariz nas toalhas e 
as guarda de volta. Bebe no bico. Nunca troca a fralda do bebê. Quando 
ele vai dormir, faz barulhos com a boca. Quando acorda, faz outro tipo de 
barulho. Ah, e se coça com as chaves. Acho que é isso. (“The War of the 
Simpsons ”)
Embora Marge ocasionalmente faça alguns serviços fora (“Marge 
Gets a Job”, “Marge in Chains”, “Springfield Connection”, “Realiy Bites”, 
“The Twisted World of Marge”), ou até se desligue da rotina para um des-
1 3 0 O s Simpsons e a Filosofia
canso no Rancho Relaxo (“Homer Alone”), sempre volta (ou larga o em­
prego) no fim do episodio. Muito mais comuns são os cenários que a obri­
gam a livrar a cara de Homer ou ser cúmplice de algum plano louco dele, 
geralmente por motivos não muito obvios, como na ocasião em que ele 
pede que ela finja ser a esposa de Apu para enganar a mãe deste, achando 
que ele é casado, o que - entre outras coisas - a faz hospedar a mulher em 
sua casa, enquanto Homer vai se refestelar, em meio à sua irresponsabili­
dade, no asilo Springfield Retirement Castle.144 Isso equivale a pedir a Marge 
que participe de dois casamentos, quando o seu casamento com Homer 
obviamente já lhe traz todo o peso que uma mulher podería carregar; é 
pedir que alguém seja esposa além das exigências do dever, ou até do que 
as comédias dos anos 1950 e 1960 exigiam da mãe; por isso, Marge é a 
campeã indiscutível do gênero.
A crise de Lisa em “Sepárate Vocations”, quando o teste de aptidão 
prevê que sua futura carreira seria a de “dona-de-casa”, é particularmente 
reveladora com respeito ao papel de Marge. Primeiro, vemos Lisa em sua 
escrivaninha, anotando: “Querido diário: esta é a última vez que escrevo, 
pois você é um diário de meus sonhos e esperanças. E agora, eu não tenho 
mais nenhum.” Na manhã seguinte, quando ela desce para tomar café, 
resmungando, Marge tenta convencê-la da criatividade de ser uma dona- 
de-casa, indicando com orgulho as carinhas sorridentes que ela fez nos 
pratos de Bart e Homer com bacon, ovos e torrada.
Lisa: De que adianta? Eles nem vão notar.
Marge: Voce terá uma surpresa.
Sem dúvida, Bart e Homer chegam à mesa e devoram a comida sem 
sequer dirigir uma palavra a Marge.
Embora seja um anjo, Marge se permite ao menos um murmúrio de desa­
pontamento; Lisa, porém, fica perplexa diante da verdade fria da. falta de 
gratidão pelo trabalho de dona-de-casa, embora tivesse previsto a reação 
de Bart e Homer (ou falta de reação) poucos minutos antes. Nesse sentido, 
a condição de Marge é pior que a de suas antecessoras. Embora as outras 
mães pudessem fazer sacrifícios que passavam desapercebidos e não eram 
reconhecidos, pelo menos elas eram respeitadas. O modo de vida de Marge 
é desprezado por Lisa e isso também é algo que Marge aceita resignada- 
mente.
Devemos admitir que Homer tem consciência de que precisa dela, 
como demonstram suas falas imortais no episódio “Marge in Chains”. En­
quanto ela está sendo levada à cadeia para cumprir sua sentença por furto de 
loja, Homer geme: “Marge, vou sentir tanto a sua falta. E não é só o sexo.
144 Homer reflete a respeito da vida num asilo: “É como se você fosse um bebê, só que já está 
velho demais para aproveitar.”
Política sexual simpsoniana 131
É também a comida.” Marge tem urna enorme vantagem sobre suas cole­
gas em séries não animadas: mesmo depois de anos de casamento e já com 
três filhos, ela tem uma vida sexual satisfatória. Das camas de solteiros de 
Rob e Laura Petrie em The Dick Van Dyke Show aos constantes delizes 
de Peg e Al Bundy em Um Amor de Família, os roteiristas de televisão 
retratam o casamento, quer implícita quer explícitamente, como a morte do 
sexo (pelo menos entre marido e mulher). A quebra da norma televisiva em 
Os Simpsons nesse aspecto pode explicar em parte a personalidade curio­
samente anacrônica de Marge: ela deve ser a suprema amável e resignada 
esposa para que os telespectadores vejam Homer como o simplório inimitável 
que ele é. Independentemente de suas palhaçadas, desde a afiliação à seita 
dos “Movementarians” até escalar o monte Springfield, e do prejuízo público 
que sua leviandade cause, e independentemente também das multas ou do 
auto-respeito, sabemos que Marge o salvará e o trará de volta.
Se Marge é, em alguns aspectos, um verdadeiro retomo à figura de 
esposa e mãe generosa, condolente, da Era de Ouro da televisão, o que 
explica seu papel limitado, o mesmo tipo de explicação não serve para Lisa, 
que, no mínimo, vive anos adiante de sua época. Nas vinhetas exibidas em 
The Tracey Ullman Show que apresentaram a família Simpson como per­
sonagens, Lisa era pouco mais que a cúmplice de Bart; e ainda há alguns 
episódios em temporadas recentes nos quais Bart e Lisa são um time, em­
bora as metas de suas atividades sejam mais elevadas agora. Vemos isso 
quando os fraudes da eleição são denunciados em “Sideshow Bob Roberts”, 
ou na tentativa de reconciliação de Krusty com com seu pai em “Like 
Father, Like Clown”.
Lisa tomou-se um personagem complexo, e os roteiristas fazem um 
bom trabalho, permitindo que os diferentes lados de sua personalidade 
transpareçam, sem abandonar totalmente a ficção de que a oradora de 
suas palavras deve ser uma menina de 8 anos de idade, embora extrema­
mente inteligente. Lisa tem uma queda por um professor substituto, implora 
ao pai por um pônei, fica chateada por causa de uma caricatura ofensiva, 
tem ciúme de outras meninas (inteligentes), e briga com o irmão. Mas tam­
bém sofre de crises existenciais, toca o saxofone como um Marsalis, ganha 
concursos de redação, exibe uma rara habilidade matemática e científica, e 
entra para a Mensa. Então, por que esse personagem dinâmico e inteligen­
te nãoé mais que uma presença na série?
Um possível motivo é a suposta impopularidade de suas opiniões: al­
guns críticos rotulam Lisa como uma pequena e precoce feminista, basean­
do-se em sua rejeição da vida limitada de Marge e sua tendência para as 
campanhas e protestos, como a campanha para reformar toda a indústria 
de bonecas em “Lisa versus Malibu Stacy”, que aparece em quase todos 
os “melhores episódios” da lista. Lisa desaprova as coisas tolas e chauvinistas 
que sua nova Malibu Stacy falante foi programada para dizer, e com seu
1 3 2 Os Simpsons e a Filosofia
jeitinho impetuoso vai diretamente ao encontro com o criador da boneca. 
Uma entrevista com a atriz que faz a voz original de Lisa, Yeardly Smith, 
revela que ela sentía que os roteiristas tentavam chegar a um equilíbrio 
elusivo sobre um tema difícil no episódio da Malibu Stacy: “Sempre me 
orgulho de Lisa quando ela se apega aos princípios e faz a coisa certa, mas 
me preocupo um pouco quando ela se envolve demais nesses mesmos prin­
cípios e não age como uma criança de 8 anos.”145
Às vezes, a cruzada de Lisa é moral, como em “Homer vs. Lisa and 
8th Commandment”, quando ela tenta convencer a família e principalmente 
Homer de que é errado roubar sinal da TV a cabo; até Marge, que respeita 
as leis, hesita, e Lisa precisa do episódio inteiro para vencer. O vegetarianismo 
é outra causa moral de Lisa, mas nesse caso ela não consegue persuadir os 
outros Simpsons, embora se possa dizer que a lição de moral mais impor­
tante de “Lisa the Vegetarian” venha no fim do episódio, quando ela apren­
de tolerância com Apu, o ultravegetariano. Alguns roteiristas identificam 
Marge e Lisa nesse aspecto, mas a comparação costuma pender para o 
crédito de Lisa:
Como sua mãe, ela possui fortes virtudes éticas. Embora Marge aceite os 
pecados menores como parte da sociedade, Lisa defende a moralidade em 
qualquer situação... Com seus princípios honestos, Lisa fica desiludida 
pela corrupção na sociedade, geralmente se tomando “a criança mais 
triste no segundo ano escolar. ”146
É Lisa a intelectual147 - a super-realizadora em contraste à ineficácia 
de Bart - que recebe a maior atenção, pelo menos dos críticos. Uma des­
crição típica a reduz a nada mais do que isto:
Lisa Simpson, assim como Homer, é governada por uma característica.
Ela é o centro de racionalidade. Lisa age como a voz da razão, questi­
onando com olho crítico os motivos e o comportamento dos outros 
personagens. Sua inteligência, porém, só a torna uma excluída. A fa ­
mília geralmente ignora seus conselhos, e ela tem poucos amigos na 
escola. Não combina com o resto da comunidade, o que sugere o abando­
no da razão na cultura americana.148
145 “Yeardley’s Top Ten Episodes”, em “The Simpsons Folder: Writings”.
146 John Sohn, “Simpson Ethics”. Arquivo The Simpsons, http://snpp.com/other/papers/ 
js.paper.html.
147 Para uma análise mais completa do papel de Lisa na representação do intelectual, ver o 
ensaio de Aeon J. Skobble, "Lisa e o antiintelectualismo americano”, neste livro.
148 Sam Tingleff, “The Simpsons as a Critique of Consumer Culture”, http://www.snpp.com/ 
other papers/st.paper.html.
http://snpp.com/other/papers/
http://www.snpp.com/
Política sexual simpsoniana 1 3 3
Desde seus poderes quase divinos, no episodio de “Treehouse of Hor­
ror VII”, “The Génesis Tub”, em que ela cria uma raça inteira de pessoas 
minúsculas, até suas habilidades matemáticas em “Lisa the Greek”, e sua 
insistência obstinada em uma explicação científica para o fóssil em forma 
de anjo encontrado no local de construção de um novo shopping center 
em “Lisa the Skeptic”, vemos um retrato ardiloso, mas claramente reco­
nhecível, de um “nerd”. E a mesma “criança esperta”, menino ou menina, 
sempre foi um personagem de menor importância, pelo menos na televisão.
Achamos que o principal motivo por que só cerca de 15% dos episo­
dios se concentram em Lisa não é apenas seu feminismo ou seus dons 
intelectuais. Na verdade, as variantes da idéia freqüentemente citada de 
que Lisa é o oposto de Bart confundem em vez explicar a questão, pois se 
os dois fossem realmente opostos extremos, poderiamos esperar que am­
bos tivessem igual destaque. Jeff MacGregor, em The New York Times 
defende uma das versões mais articuladas dessa visão, quando comenta:
Bart e Lisa, o malandro e a super-realizadora, o deliquente yin e a inte­
lectual yang, id e superego das crianças americanas em todo lugar, são 
personagens muito mais ricos e totalmente mais evocados do que os 
espertinhos unidimensionais vistos tão freqüentemente em outras comé­
dias. Seus medos e neuroses impedem que os dois se tornem simples plata­
formas de clichês, como as crianças Olsen.149
Talvez o que MacGregor viu é que para a maioria das pessoas (e 
possivelmente a cultura americana em geral), há muito mais energia psíqui­
ca investida no id (Bart) do que no superego (Lisa). Os Simpsons precisa 
de Lisa para um equilíbrio psíquico, mas num sentido bem mais real, não 
precisa muito dela. Ela não é o yang para o yin de Bart, pois essa imagem 
assume a complementaridade, se não a igualdade da influência, que prova­
mos - abundantemente - não ser o caso.
Um aspecto relacionado das dimensões filosóficas incomuns da per­
sonalidade de Lisa emerge com maior clareza no episódio “They Saved 
Lisa’s Brain”, em que Lisa é secretamente convidada para se filiar ao ca­
pítulo da Mensa em Springfield. Mesmo em comparação com os outros 
membros, ela rapidamente se mostra uma utopista e idealista. Depois que o 
prefeito Quimby renuncia e os membros da Mensa se tomam o novo gover­
no de Springfield, Lisa se surpreende ao notar como mesmo as pessoas muito 
inteligentes podem se tomar estreitamente partidárias e argumentativas. Nem
149 “More Than Sight Gags and Subversive Satire”, The New York Times (20 de junho, 1999); 
também no Arquivo The Simpsons, http://www.snpp.com/other/articles/morethan.html.
http://www.snpp.com/other/articles/morethan.html
134 Os Simpsons e a Filosofia
Steven Hawking consegue convencê-la de que seu sonho do bem co­
mum é uma miragem inatingível. Já que a maioria das sociedades é 
capaz de tolerar no máximo um idealista ou reformador sem martirizá-lo, 
a família Simpson provavelmente deveria ser elogiada por abraçar a idea­
lista que a ela pertence.
Boae meninas e su¡eitos estúpidos
Certamente, devemos reconhecer que alguns episodios de Os 
Simpsons costumam oferecer uma rica parodia da televisão, família, e muitas 
outras institu ições e convenções culturais. Portanto, com uma 
desconstrução demasiadamente séria do texto, correriamos um risco de 
apagar o humor e desvalorizar o comentário social que sustentou a série 
por 11 temporadas diante de um público demográficamente diverso. Mes­
mo assim, a série exige análise dentro do próprio gênero da comédia de 
situação que ela perceptivamente parodia.
A demografía de Springfield, como já observamos, reflete precisa­
mente a demografía do mundo da televisão, de um modo geral. Springfield 
(e na maior parte da televisão) é um mundo dos homens, embora os ho­
mens (e meninos), na maioria, sejam em grande parte idiotas balbuciantes. 
Os personagens masculinos em Os Simpsons, como os personagens na maior 
parte das comédias da televisão exibidas no último quarto do século XX, 
funcionam (mal) num mundo público de trabalho e comércio, de recreação 
e diversão pública. E o mundo público no qual esses homens funcionam 
(mal) geralmente é um mundo amargurado, de desafios morais, uma verda­
deira arena pós-modema desprovida de estrutura social significativa e sem 
um centro moral. E é graças a Groening e aos roteiristas que esse mundo público 
é tão astutamente examinado, desembaraçado e, às vezes, virado de cabeça 
para baixo. E igualmente irônico, portanto, que Homer e Bart, como tantos 
na terra da televisão antes deles, sejam capazes de ir para casa em Evergreen 
Terrace, que apesar de todas as suas excentricidades, ainda é um asilo num 
mundo pós-modemo. O lar, em EvergreenTerrace, é um lugar que não 
difere da casa dos Nelsons, dos Cleavers e dos Munsters, onde existe um 
centro e as coisas (no fim das contas) não desmoronam, e onde Marge Simpson 
espera fielmente, como o “Anjo na Casa”.
Alguém poderá contestar nossa observação, dizendo que não com­
preendemos o ponto básico: que Os Simpsons tem o objetivo de parodiar “a 
família normal americana em toda a sua beleza e horror.”150 Achamos que 
não: o ideal da família não recebe o mesmo destaque dado a outras coisas.
150 Descrição da família Simpson atribuída ao produtor executivo da série, James L. Brooks 
em “The Simpsons: Just Funny of More?”, de Gerd Steiger, Arquivo The Simpsons, http:/ 
/www.snpp.com/other/papers/gs.paper.html.
http://www.snpp.com/other/papers/gs.paper.html
Política sexual simpsoniana 1 3 5
Veja o caso do capitalismo: o Sr. Bums é apresentado como uma caracte­
rização exagerada do capitalista típico que até respira lucros, e cuja raison 
d ’étre é a ganância. No personagem do Sr. Bums, temos urna caricatura 
eficaz do capitalista cruel. Como todos os bons satiristas, Groening é capaz 
de apresentar críticas mordazes contra a visão que os capitalistas têm do 
mundo, exagerando ou amplificando essa visão. Em outras palavras, o Sr. 
Bums nos mostra a conclusão lógica da visão capitalista do mundo, quando 
esta não tem o equilíbrio de outros compromissos morais ou sociais. No 
entanto, o Sr. Bums não é uma mera personificação da ganância capitalis­
ta, mas um personagem com direitos próprios, tendo momentos de ansieda­
de, senão desespero existencial, como um resultado direto de suas 
maquinações capitalistas inflexíveis. Seguindo esse raciocínio, poderiamos 
dizer também que o personagem de Marge (assim como o Sr. Bums) é uma 
paródia do ideal culturalmente construído da esposa e mãe, uma figura exa­
gerada com o objetivo de revelar a natureza derradeiramente vaga de suas 
funções. Sem dúvida, essa visão tem algum mérito.
Entretanto, se interpretarmos o personagem de Marge como sendo 
grandemente satírico em natureza, surgirão problemas. Primeiro, a sátira, 
por sua natureza, exige que assumamos uma convenção cultural (capitalis­
mo, religião, maternidade...) demasiada familiar e que exagera suas ca­
racterísticas mais salientes, revelando assim absurdos latentes dentro da 
própria convenção cultural, porém sendo por meio do exagero satírico des­
sa convenção ou idéia. O personagem de Marge não exagera a maternida­
de, a feminilidade ou a qualidade de esposa ao mesmo nível extremo do 
personagem de Bums exagerando e idolatrando o capitalismo, ou de Lovejoy 
satirizando a religião pós-moderna. Bums leva o capitalismo à sua conclu­
são lógica e o revela como um modo estéril de vida. Marge, em contraste, não 
leva as convenções por ela personificadas às suas conclusões lógicas, mas 
as exagera de maneira grotesca, e certamante não as expõe como vazias 
ou superficiais. Em segundo lugar, a paródia (no melhor dos casos) nos reve­
la um aspecto de algo até então não percebido ou apreciado. Ela nos arranca 
aos trancos de nossas complacências, mostrando-nos onde uma convenção ou 
idéia pode terminar, se não for freada por outras idéias ou convenções. No 
caso do Sr. Bums e do capitalismo, somos lembrados dos efeitos nocivos 
do ideal capitalista desenfreado (destruição ambiental, exploração dos tra­
balhadores, autodesprezo e solidão). Com Marge é diferente: ela não pare­
ce um retrato grosseiro e exagerado da esposa e mãe, e seu personagem 
mantém as virtudes que conhecemos tão bem desde suas antecessoras. 
Marge apresenta ao telespectador uma visão valorizada e altamente afetu­
osa de uma mulher que reina como esposa e mãe.
Groening e Companhia devem ser parabenizados por sua originalida­
de em expandir o centro moral com o personagem de Lisa como “a idealis­
ta na casa” (pedindo desculpas a Virginia Woolf). Não sendo apenas a voz
1 3 6 Os Simpsons e a Filosofía
da razão, Lisa emerge como ser plenamente humano, rindo dos dese­
nhos de Comichão e Coçadinha, participando animada da luta de graxa 
que interrompe um baile na escola, e arriscando a própria vida para resga­
tar preciosas passagens de avião para a família. Com o passar do tempo, 
até conseguiu mudar o comportamento de Bart para melhor, pelo menos até 
certo ponto. Um exemplo disso pode ser encontrado no episodio “Bart Gets 
an F”, da segunda temporada; após rezar por mais um dia para estudar 
para um teste, e recebê-lo na forma de uma estranha tempestade de neve, 
ele é tentado a esquecer de estudar e brincar na neve. E Lisa quem o 
alerta: “Eu ouvi você ontem à noite, Bart. Você rezou por isto. Agora suas 
preces foram ouvidas. Não sou teóloga. Não sei exatamente quem ou o 
que é Deus. Só sei que ele é uma força mais poderosa do que mamãe e 
papai juntos, e você deve muito a ele.” Bart estuda (e passa).
Na quarta temporada, Lisa e Bart trabalham juntos para denunciar 
horríveis condições em “Kamp Krusty”, a crueldade com animais em 
“Watching Day”, e ajudar Krusty a revitalizar sua imagem em “Krusty gets 
Kancelled”. A sexta temporada apresenta Lisa e Bart se enfrentando como 
atletas rivais em hockey infantil, encorajados pela maior parte da popula­
ção adulta de Springfield, incluindo Homer. Quando o jogo chega quase ao 
fim, Bart e Lisa abandonam o equipamento e se abraçam; a partida termina 
num empate (“Lisa on Ice”). Para meninos, é uma coisa notável se elevar 
acima da frivolidade de ganhar a qualquer custo; mas a verdadeira medida 
da influência de Lisa sobre Bart pode ser vista em “The Secret War of Lisa 
Simpson”. Como única cadete feminina na Academia Militar Rommelwood, 
Lisa vai perdendo a fé em sua capacidade de lidar com os difíceis e exigen­
tes testes físicos à medida que seu isolamento vai aumentando. No come­
ço, Bart só a ajuda a treinar em segredo, mas no momento crucial, durante 
o temível teste da corda, ele arrisca ser jogado no ostracismo pelos outros 
meninos, gritando palavras de incentivo para a irmã. Lisa completa o teste 
com sucesso.
Uma espécie de simetria foi alcançada: Bart, o ineficaz, cresceu sufi­
cientemente (até o fim da oitava temporada) para colocar o valor da lealda­
de à família acima da solidariedade entre os machos num ambiente público. 
As verdades morais que só Lisa podería ver nas primeiras temporadas 
(cumprir promessas, protejar os vulneráveis - mesmo que sejam cobras, 
apoiar os amigos) foram adotadas por Bart, a ponto de o menino agir de 
maneira nobre por conta própria, sem a pressão de Marge ou Lisa (essa 
interpretação convenientemente ignora o fato de Bart não falar com Lisa 
no começo do episódio).
O verdadeiro teste ácido para a influência moral de Lisa obviamente não 
é Bart, mas Homer. O tempo necessário para isso é obrigatoriamente maior 
- na verdade, o único reconhecimento explícito do valor de Lisa vem no 
episódio baseado no futuro “Lisa’ Wedding”. Já com 23 anos, Lisa conhece
Política sexual simpsoniana 1 3 7
e se apaixona por Hugh Parkfield, um inglês de classe alta, que, como ela, 
se interessa por questões ambientais, gosta muito da arte de Jim Carrey, e 
segue o vegetarianismo. Quando ela retoma a Springfield para se casar, 
Homer é dominado pela emoção:
Homer: Pequena Lisa, Lisa Simpson. Sabe, eu sempre senti que você é 
a melhor coisa que já levou meu nome. Desde o dia em que você aprendeu a 
colocar alfinetes nas próprias fraldas, sempre foi mais esperta do que eu. 
Lisa: Oh, papai...
Homer: Não, não, deixe-me terminar. Só quero que você saiba que eu 
sempre tive orgulho de você. Você é a minha maior realização, e fez tudo 
sozinha. Ajudou-me a entender minha vida melhor e me ensinou a ser uma 
pessoa melhor, mas também é minha filha, e acho que ninguém podería ter 
uma filha melhor.
Lisa: Papai, o senhor está balbuciando.
Homer: Viu? Ainda está me ajudando.
Apesar de seus valentes esforços, Hugh se assusta um pouco com a 
família de Lisa, e quando diz, casualmente, que será um alívio voltar à In­
glaterra e não ter de lidar com eles, Lisa resolvenão casar mais. Esse é um 
momento vital no desenvolvimento do caráter de Lisa. Apesar da dica bas­
tante clara em “Lisa the Simpsons”, na qual ela descobre que a imbecili­
dade é um traço que aparece em todos os Simpsons do sexo masculino (o 
que parece indicar que seus talentos e sua inteligência a levarão para 
longe de Springfield e da família), a reação de Lisa à crítica que a família 
recebe mostra que seu amor por ela talvez supere a promessa de sua 
inteligência. Um episódio não define o caráter de Lisa, e podemos até espe­
rar que o amor pela família possa ser mantido junto à promessa de inteli­
gência, mas a escolha de Lisa em permanecer no pântano da vida com a 
família Simpson sugere que sua promessa ainda não se cumpriu. Em uma 
entrevista para a Loaded Magazine, o próprio Groening aborda esse pro­
blema com o personagem de Lisa. “Em Os Simpsons, os homens não têm 
a menor autoconsciência, e as mulheres estão prestes a desenvolver um 
pouco. Acho que Lisa ainda pode fugir de Springfield; por isso, há esperan­
ça para ela.”151 A promessa ainda não foi cumprida.
Marge é a guardiã do lar e o refúgio para o qual Homer e Bart correm 
em cada episódio, e nós sabemos que ela é importante demais nessa função 
para ser liberada mais do que apenas temporariamente. De qualquer for­
ma, ela é muito bondosa para se dar bem na dura e corrupta esfera pública. 
Afinal, não conseguiu vender uma única casa durante seu curto emprego 
na Imobiliária Red Blazer, de Lionel Hutz, porque não conseguia mentir
151 “And on the Seventh Day M att created Bart” , Arquivo The Simpsons, http:// 
www.snpp.coin/other/interviews/groening96.html.
http://www.snpp.coin/other/interviews/groening96.html
1 3 8 Os Simpsons e a Filosofia
para os clientes. Lisa também nunca crescerá ou sairá de casa porque é 
importante demais como exemplar moral. Marge garante aos seus homens 
que os ama do jeito que eles são; Lisa os faz querer melhorar, e os orienta 
na direção dessa possibilidade. Esses papéis são magníficos e dramatica­
mente significativos, e parecem atribuir as melhores qualidades humanas à 
fêmea da espécie. Entretanto, ser uma inspiração para sujeitos estúpidos 
em todo lugar (ou na sua família) ainda não questiona a posição desses 
mesmos sujeitos bem no centro do palco da vida.
Parte III
Mão fui ou
✓
Etica e Os Simpsons
1 3 9
• •
10
0 mundo moco! do 
fam ília Simpson: urna 
perspectiva kantiana
J ames Lawler
Em sua crítica literária de Harry Potter and the Goblet o f Fire, de 
J.K. Rowling, o autor de ficção científica Spider Robinson escreve: “Ok, Harry 
é um tanto bonzinho demais... na verdade, vamos admitir: ele é um AntiBart. 
Mas será que você quer que seus filhos não tenham nenhum modelo melhor 
que um Simpson?” {The Globe and Mail, 15 de julho, 2000, p. D14).
Como modelo a ser seguido pelas crianças, não precisamos escolher 
entre o bonzinho Harry Potter e um endiabrado Bart Simpson. Há também, 
por exemplo, Lisa Simpson. Os Simpsons não se reduz a nenhuma de suas 
partes, mas vem na totalidade de suas perspectivas. O não reconhecimento 
da singular perspectiva moral de Lisa Simpson e a representação do mode­
lo de moral na forma do indivíduo “bonzinho” são atitudes que sugerem 
uma visão estreita da bondade moral.
O que é bondade moral? Uma característica central do ponto de vista 
moral, de acordo com Immanuel Kant, é um compromisso com a realização 
do “dever”. O termo “dever” implica a presença de duas forças contrárias. 
De um lado temos nossos desejos, sentimentos e interesses espontâneos 
- incluindo nossos medos e ódios, nossos ciúmes e inseguranças. Do ou­
tro lado, há o que alguém acredita que deve fazer e o tipo de pessoa que 
deve ser. O termo “dever” sugere que essas duas forças vivem em cons­
tante conflito; e, consequentemente, fazer o que se deve fazer e tentar 
ser o que se deve ser pode ser difícil ou doloroso, envolvendo sacrifícios de 
vários tipos. O indivíduo que se compromete a manter um ponto de vista 
moral - o modelo moral ideal - é aquele que resolve se subordinar e sacri-
141
1 4 2 Os Simpsons e a Filosofia
ficar, se necessário, os desejos, sentimentos e interesses pessoais em nome 
do dever - para fazer a coisa certa ou se tomar o tipo certo de pessoa.
Os episódios de Os Simpsons costumam destacar o conflito entre 
desejos, sentimentos e interesses pessoais de um lado, e o senso de dever 
moral, do outro. Cada membro da família Simpson, incluindo Maggie, con­
tribui para a criação de um clima moral complexo, no qual a moralidade se 
destaca em sua importância como dever, justamente porque também existe 
o contrário - os desejos, sentimentos e interesses apaixonados de persona­
lidades fortes. Examinaremos rapidamente o modo como esses temas são 
desenvolvidos nos personagens de Homer, Bart e Marge, antes de enfocar­
mos o exemplo primário da pessoa moral diligente, no personagem de Lisa. 
Nessa exposição, ficará claro que é toda a família Simpson que resolve e 
supera as contradições entre dever e desejo.
Homer entre Moe e Planderg
Às vezes, esse conflito é entendido por meio de uma caricatura do 
senso de dever. Homer Simpson exibe uma grande habilidade para racio­
nalizar seus desejos e interesses como se estes constituíssem o próprio 
dever moral, de modo que não surge nenhum conflito difícil para ele. Em 
“Dumbell Indemnity”, Moe quer que Homer destrua seu automóvel para 
poder receber o dinheiro do seguro. Homer sente uma pressão intensa de 
Moe, um personagem geralmente egoísta, sempre pensando primeiro em 
si. Ele é intimidado pela ameaça da língua ferina de Moe e está propenso 
a ceder à insistência do amigo. Como modelo, Moe coloca os interesses e 
desejos pessoais em primeiro lugar, e não liga para deveres morais 
conflitantes. Em contrapartida, Homer tem um momento de dúvida, no 
qual se pergunta se está ou não agindo corretamente. Ele consulta sua 
“consciência”, que assume a forma de uma imagem mental de Marge, 
falando com ele. Ridiculamente, “Marge” lhe diz com determinação: seu 
dever consiste em destruir o carro de “Moe” para que ele possa receber 
o dinheiro do seguro. Com a “consciência” satisfeita, Homer parte para a 
ação, com sua característica energia.
Embora de uma maneira satírica, o episódio claramente levanta a pers­
pectiva moral do dever. Em vez de servir como um modelo positivo, Homer 
Simpson nos mostra, aqui, como não agir. Nós rimos dessa caricatura da 
situação moral, mas ao mesmo tempo nos perguntamos se nossos concei­
tos de obrigação moral são ou não freqüentemente determinados por um 
procedimento semelhante.
Os dilemas morais de Homer emergem grandemente de uma forma 
concreta, como no caso em que ele precisa pesar seu amor por Marge e o 
dever de marido para com ela contra o amor pela pescaria e outros interes­
ses pessoais. Homer quer de fato ser um bom pai e marido, mas a atração
O mundo moral da familia Simpson: urna perspectiva kantiana 1 4 3
dos prazeres pessoais continuamente afastam esses pensamentos de sua 
cabeça. Em “War of the Simpsons”, depois de uma demonstração particu­
larmente flagrante da falta de consideração de Homer, Marge o convence 
a ir com ela a uma sessão de aconselhamento matrimonial, num fim de 
semana em Catfish Lake, coordenada pelo reverendo Lovejoy. Embora 
reconheça o problema marital que ele criou, Homer é mais motivado a ir 
por causa da possibilidade de pegar o lendário peixe-gato gigante, “General 
Sherman”, “quase 250 quilos de fúria no fundo do lago”.
Bem cedo na primeira manhã, Marge pega Homer saindo furtiva­
mente do chalé, levando o equipamento de pesca. Como ele pode pensar 
em pescar quando seu casamento está por um fio? Genuinamente enver­
gonhado, Homer abandona seus planos de pescaria e resolve fazer uma 
caminhada perto do lago. Vendo que alguém esqueceu uma vara de pesca, 
Homer, consciencioso, pega a vara para devolver ao dono. Nesse momen­
to, General Sherman morde a isca com tanta força que arremessa Homer 
sobre um barco a remo, arranstando-oaté o meio do lago.
Daí surge uma batalha épica de vontade e força entre homem e ani­
mal, uma luta solitária e heróica de O Velho e o Mar, de Emest Hemingway. 
Homer, finalmente vitorioso, retoma à margem do lago com grandes ex­
pectativas de fama, tomando-se o maior pescador da história, e encontra 
Marge furiosa, acusando-o de total egoísmo. Diante da escolha entre o 
desejo egoísta e o dever moral, Homer renuncia a fama em nome da família 
e solta o arfante General Sherman, deixando-o voltar às profundezas do 
lago. Superando esses poderosos impulsos de desejo pessoal, Homer 
transmuta sua aventura física num ato verdadeiramente grande de heroísmo 
pessoal. Homer reconhece seu sacrifício honroso: “Desisti da fama e do 
café da manhã por nosso casamento.”
O “bonzinho” Flanders também está passando o fim de semana no 
mesmo local com sua esposa, atrás de aconselhamento matrimonial. Qual é 
o problema com o casamento dos dois, se tal pergunta é possível? A mulher 
de Ned, às vezes, sublinha a Bíblia dele! Flanders é uma figura importante 
no universo moral de Os Simpsons, pois representa a moralidade trans­
bordante, uma moralidade que já não envolve conflitos com desejos e 
interesses pessoais, pois Flanders, aparentemente, não tem mais desejos 
e interesses pessoais.152 Nesse sentido, Flanders é o oposto de Moe. Pois, 
para haver um verdadeiro senso de dever moral, devem existir duas for­
ças, não só uma: uma consciência de dever moral e um saudável senso de 
desejo individual, prazer e interesse social. As duas tendências contêm a 
possibilidade de conflito. Enquanto Moe decididamente só pensa em si, Flanders, 
em sua caricatura da moralidade cristã, não tem a menor vida pessoal.
152 Para uma discussão sobre a moralidade de Ned, ver capítulo 14 deste livro.
1 4 4 Os Simpsons e a Filosofia
Esse ponto é humoristicamente trazido à tona em “Viva Ned Flanders”, 
quando o aparente jovem Flanders confessa que tem na verdade 60 anos 
de idade. O motivo dessa aparência jovem, Homer lhe diz, é que Ned não 
tem uma vida própria. Lamentavelmente aceitando essa análise, ele pede a 
Homer que seja seu instrutor sobre como viver.153 O resultado, claro, é 
desastroso, envolvendo um duplo casamento por bebedeira em Las Vegas. 
A paixão de Homer pela gratificação pessoal imediata é o inverso do fra­
casso moralista de Flanders em “ter uma vida”. Nenhum dos dois tem mui­
to senso de limite em suas respectivas abordagens à vida.
Até Bart sabe que isso é errado
Bart Simpson tem muito do pai em seu caráter. Ele tem a atitude de 
não-estou-nem-aí, do garoto que só quer se divertir, e que vive procurando 
encrenca. Em “Bart’s Girlfriend”, Bart desenvolve uma paixão impulsiva 
pela filha do reverendo Lovejoy, Jéssica. A princípio, Bart acha que precisa 
freqüentar a escola dominical para conquistar a afeição de Jéssica. Mas 
ela só fica interessada nele quando reconhece em Bart um possível parcei­
ro no crime. Esse episódio ilustra as possibilidades da hipocrisia moral154 
quando a moralidade é identificada com a conformidade a um código exter­
no de comportamento. Como filha de um ministro religioso, Jéssica faz o 
papel da menina “boazinha”. Para garantir seus desejos egoístas, ela apela 
com hipocrisia para,a moralidade. Mas com Bart há limites, uma atitude de 
“já basta”. Quando Jéssica rouba dinheiro da coleta na igreja, Bart faz o 
possível para se opor ao furto: “Roubar dinheiro da igreja é muito errado!”, 
ele lhe diz. “Até eu sei isso.” Quando acusam Bart do furto, ele pergunta a 
Jéssica por que deveria protegê-la. Ela responde: “Porque ninguém vai acre­
ditar em você, se contar. Lembre-se que eu sou a doce e perfeita filha do 
ministro, e você é só um delinqüente.”
Por causa de suas costumeiras diabruras, os ocasionais reconheci­
mentos de Bart do dever podem assinalar certos pontos morais mais efeti­
vamente do que no caso de crianças normalmente bem comportadas. Em 
“Bart the Mother”, Bart passa por uma comovente crise de consciência 
quando seus atos impensados provocam a morte de uma mamãe-pássaro. 
Ele resolve se dedicar totalmente aos cuidados dos ovinhos órfãos, sacrifi­
cando - de modo incomum - seus prazeres preferidos para se encarregar 
da nobre tarefa. A vida tem um jeito especial de transformar até as melho­
res intenções, talvez principalmente quando oriundas de impulsos emocio-
153 Para uma discussão sobre o admirável “amor pela vida” de Homer, apesar das falhas 
morais, ver capítulo 1 deste livro.
154 Para mais detalhes referentes a hipocrisia, ver capítulo 12 deste livro.
O mundo moral da familia Simpson: urna perspectiva kantiana 1 4 5
nais, jogando-as no caminho do inferno. Quando se descobre que os ovos 
não contêm pássaros e sim répteis comedores de pássaros, proibidos por lei 
federal, Bart não arreda o pé. Ele diz à sua mãe: “Todo mundo acha que 
eles são monstros. Mas eu os criei, e os amo! Eu sei que é difícil de enten­
der.” Marge replica: “Não tão difícil quanto você pensa.”
No fim, os lagartos de Bart acabam dizimando a amolante população de 
pombos de Springfield, e Bart é aclamado como herói municipal. Ele deixa 
que a fama sufoque quaisquer princípios morais que tivessem motivado 
suas ações originais. “Não entendo, Bart”, diz sua irmã Lisa. “Você ficou 
triste quando matou um pássaro, mas agora que matou milhares, isso não 
o incomoda.” Mas Bart já voltou para o seu costumeiro modelo não-moral 
e nem consegue compreender o paradoxo ecologicamente relevante de 
Lisa.
Marge é característicamente imersa em seu papel de esposa e mãe 
convencional, sem vida própria.155 Ela se torna o centro de um alto nível 
de consciência moral quando desafia e transcende sua formação conven­
cional. Temos deveres para com nós mesmos, bem como com os outros, 
insiste Kant. Temos uma obrigação de desenvolver os talentos em nos­
so íntimo ao máximo que pudermos. O caminho para o autodesenvolvi- 
mento independente pode, sob determinadas circunstâncias, serum doloroso 
dever moral. E preciso coragem para uma pessoa se impor e defender o pró­
prio desenvolvimento pessoal, quando as pressões sociais e a formação insis­
tem no serviço e na subserviência aos outros. Por isso, o grande caso moral 
do feminismo é freqüentemente apregoado por Marge, que normalmente é 
a tradicional dona-de-casa.
No episódio “Reality Bites”, copiando do filme Glengarry Glen Ross, 
Marge arruma um emprego de corretora imobiliária. Está cansada de ver 
seus serviços totalmente altruístas serem ignorados pela família. Ela tam­
bém é um ser humano, com direito a uma vida própria. Marge quer uma 
carreira em que possa provar seu valor e suas habilidades para si mesma, 
para a família e para a sociedade maior de Springfield. Quando é apresen­
tada aos colegas na firma, vemos que ela está entrando num mundo de 
competição, no qual um quer cortar a garganta do outro. Um corretor vene­
nosamente defende o direito dela de assumir a região oeste, enquanto um 
homem mais velho, parecido com um Jack Lemmon acabado, está à beira 
de um total colapso pessoal. A princípio, Marge não tem consciência desse
155 Para uma crítica feminista de Marge, ver capítulo 9 deste livro.
1 4 6 Os Simpsons e a Filosofia
ambiente, vestindo com entusiasmo e orgulho o imponente casaco verme­
lho da empresa.
O problema é que Marge quer sinceramente ajudar os clientes, e está 
pronta para sacrificar seus interesses próprios em nome do dever honesto.156 
Confiando em Marge, amigos e vizinhos seguem a opinião dela. Respeitan­
do essa confiança, Marge diz o que ela realmente acha das casas que as 
pessoas estão interessadas em comprar. Ela é honesta com os clientes, 
sentindo com eles os laços de amizade nessa comunidade intimamente liga­
da, e como resultado não faz as vendas que lhe garantiríam sua posição na 
imobiliária. Ela não consegue “fechar” os negócios.
Marge defende seus métodos ao conversar com o delicado gerente, 
Lionel Hutz: “Bem, como a gente diz: ‘A casa certa para a pessoa cer­
ta!’” Lionel diz: “Ouça, deixe-me contar-lheum segredinho, Marge. A 
casa certa é aquela que está à venda. A pessoa certa é qualquer pessoa.” 
“Mas eu só falei a verdade!”, retruca Marge. “Claro que falou”, diz Hutz. “Mas 
há verdades” (ele franze a testa e balança a cabeça negativamente) “e 
verdades” (agora ele faz uma expressão animada e um sinal positivo com a 
cabeça). Uma venda podería ser feita se ela expusesse o produto sob a luz 
certa: chamar uma casa pequena e apertada, por exemplo, de “aconche­
gante”; descrever uma velharia caindo aos pedaços como “o sonho de quem 
gosta de trabalhos manuais”, e assim por diante.
Marge não se convence, mas acaba enfrentando a opção: perder o 
emprego ou omitir um pouco a verdade. No conflito entre o interesse pes­
soal e o dever moral, vemos que ela é pressionada a escolher o primeiro por 
causa das estruturas subjacentes da organização social competitiva. Mu­
dando o modo de falar com o cliente, Marge faz uma grande venda, escon­
dendo dos ingênuos Flanders o fato de que houve um brutal assassinato na 
casa que eles estão comprando. Ela tenta encontrar prazer na posse do 
cheque dos Flanders, sinal de seu sucesso na carreira escolhida, o tributo 
ao seu valor como pessoa. Mas se sente culpada por sentir que cometeu 
uma traição ao dever. Seu senso de dever acaba triunfando sobre o desejo 
e interesse pessoal. Ela decide arriscar o sacrifício de tudo por que aspirou, e 
volta a contar aos clientes a história completa da casa. A reação que ela 
temia vir da família Flanders não ocorreu. Na verdade, eles ficam maravi­
lhados ante a aventura de viver numa casa com uma história tão interes­
sante e sombria. Paradoxalmente, nesse caso a honestidade completa teria 
sido, desde o princípio, a melhor política.
Após uma hesitação inicial, Marge finalmente cumpre seu dever pelo 
próprio dever, e ainda alcança suas metas pessoais. E a vida não deveria ser 
sempre assim? Por que a coisa certa deve resultar em sacrifício pessoal?
156 Para uma discussão acerca das virtudes de Marge, em oposição aos deveres, ver capítulo 
4 deste livro.
O mundo moral da familia Simpson: urna perspectiva kantiana 147
Isso nos leva à segunda característica importante da consciência moral: se 
você faz a coisa certa, deve ser recompensado de alguma forma. Essa 
segunda característica da moralidade parece contradizer a primeira - a 
tensão e o possível conflito entre dever e desejo. Mas essa tensão é apenas 
momentánea, diz Kant. No fim, o dever moral e a felicidade pessoal devem 
ser conciliados. O “bem maior” e o dever moral supremo é criar um mundo 
em que a felicidade surja da realização do dever moral. As pessoas que 
cumprem sua obrigação devem ser recompensadas; as pessoas egocêntri­
cas que vão atrás de suas metas à custa dos outros devem ser punidas.
Assim como somos levados a adotar essa conclusão moral e 
consoladora, Homer, numa escapada paralela envolvendo uma disputa so­
bre um carro, bate o carro na casa recém-comprada. Saindo dos destroços, 
Flanders se vira para Marge e diz: “Você ainda tem aquele cheque?” Re- 
signadamente, ela lhe devolve o cheque, e Ned o rasga. A lição? Faça o 
que você deve fazer, quaisquer que sejam as conseqüências.
O sucesso numa carreira não é a coisa mais importante na vida. Marge 
retoma ao seio da família em meio a aclamações e, finalmente, respeito. 
Mas graças ao seu último compromisso com o princípio moral, ela ganha 
uma recompensa ainda maior do que uma grande venda - a felicidade por 
experimentar o amor e o respeito de sua família. Esporadicamente temos 
vislumbres do “bem maior”, a unidade do dever e da felicidade, em momen­
tos harmoniosos no lar dos Simpsons.
Liea defende oe princípios
A consciência moral diligente é mais bem retratada, em termos gráfi­
cos, no personagem da pequena Lisa Simpson, aluna do segundo ano esco­
lar. Lisa tem um profundo senso de dever moral. A moralidade da menina, 
porém, não é individualista, institucionalmente orientada, como a de Flanders, 
confiante na autoridade da Bíblia e da Igreja. A moralidade de Lisa é 
oriunda de uma reflexão pessoal precoce sobre os grandes temas da vida 
moral: ser honesto, ajudar aqueles em necessidade, compromisso com a igual­
dade humana e a justiça. Lisa nos mostra como é difícil, às vezes, viver 
segundo esses princípios diante dos levianos compromissos convencionais 
com o status quo. Isso aponta para outra característica central da moralidade, 
de acordo com Kant. A moralidade é, em essência, determinada interna­
mente. Ela desperta da reflexão pessoal, e não das convenções sociais 
externas ou de ensinamentos religiosos autoritários. Ela envolve clareza e 
consistência nos princípios pelos quais uma pessoa viva sua vida.
Em “Lisa the iconoclast”, Lisa descobre que o lendário e suposta­
mente heróico fundador de Springfield era na verdade um terrível pirata, 
que tentou matar George Washington. Lisa tira nota vermelha por seu en­
saio: “Jebediah Springfield: syperfraude”. A professora explica. “Isso pa-
1 4 8 Os Simpsons e a Filosofía
rece uma descrição policial: homem branco morto por assassino desconhe­
cido. São mulheres como você que impedem a nós, outras mulheres, de 
achar um marido.” Lisa está apenas tentando dizer a verdade, da maneira 
como a descobriu. Não é a verdade disfarçada da profissão de vendedor, 
mas uma verdade objetiva, histórica e científica, a ser defendida como um 
valor inerente, quaisquer que sejam as conseqüências e os sacrifícios.
Algumas verdades a respeito de fundadores, porém, devem ser ocul­
tadas diante de práticas contemporâneas. Em “Mr. Lisa Goes to Washing­
ton”, Lisa descobre que um certo político está na lista dos fazedores de 
dinheiro particulares. Ela tenta expor essa perversão dos ideais fundadores 
da democracia americana. Ela leva o caso ao próprio Thomas Jefferson. 
Como sempre, Lisa defende os princípios e sofre por isso. O caminho mais 
fácil é seguir a multidão, não criar ondas, e fazer vista grossa. Lisa luta 
contra a Prefeitura.
Determinada a cumprir seu dever, guiada por princípios coerentes, 
Lisa está sempre levantando perguntas difíceis. E certo comer carne e 
causar sofrimento aos animais inocentes? Em “Lisa the Vegetarian”, Lisa 
associa a costeleta de carneiro em seu prato com a amável e indefesa 
criatura no zoológico infantil. A partir dessa experiência, ela generaliza e 
adota militantemente o vegetarianismo. Ao defender princípios consisten­
tes, ela exemplifica um aspecto central da teoria moral de Kant, que exige 
que examinemos cuidadosamente os princípios de nossas ações e elimine­
mos as contradições entre elas. Se é errado prejudicar um animal indefeso 
no zoológico, como podería ser certo aceitar o sacrifício de um animal se­
melhante, só pelo prazer de comê-lo? Esse é um modo de compreender a 
formulação de Kant de seu Imperativo Categórico: “Aja apenas segundo 
as máximas que podem ser transformadas em leis universais”.
Ao lutar por seus princípios, Lisa arruina a festa com churrasco de 
Homer. Este fica zangado, e Lisa é jogada no ostracismo pela família e pela 
comunidade em geral, até encontrar refúgio no telhado do jardim do lojista 
hindu e vegetariano, Apu. Lá, ela encontra uma nova comunidade, como 
vegetarianos como Paul e Linda McCartney, na qual ela finalmente sente 
que suas idéias são respeitadas. “Quando esses tolos vão aprender que 
podemos ser perfeitamente saudáveis comendo apenas legumes, frutas, 
grãos e queijo?” Mas o delicado Apu comenta: “Ah, queijo!” Lisa reconhe­
ce a arrogância de seu senso de superioridade moral quando descobre que 
outras pessoas têm padrões mais altos. Apu, que não come nem queijo, 
recomenda a tolerância. Ela desenvolve uma compreensão moral mais su­
til, como resultado dessa experiência. “Acho que fui muito dura com muita 
gente. Principalmente meu pai. Obrigado a vocês.”
O mundo moral dafamñia Simpson: urna perspectiva kantiana 149
O isolamento de Lisa
Lisa concentra-se em princípios morais inescapáveis e deixa as ou­
tras pessoas incomodadas com os compromissos convencionais.Por isso, 
ela acaba ficando isolada, e sofre intensamente com esse isolamento. An­
seia por respeito e amizade. Ela também quer ser popular e quer que gos­
tem dela. Como é uma Simpson, não poder ser uma pessoa boazinha. Ela é 
uma pessoa que encontra a felicidade só por fazer o que todos consideram 
bom. Assim como seu irmão, ela é aventureira, mas suas aventuras são 
mais no plano moral que físico. Por causa disso, os valores morais são mais 
acentuadamente enfatizados nos episódios em que Lisa é o destaque - 
positiva e não negativamente, como em muitos episódios de Homer, e com 
uma coerência embasada em princípios e não pelas inversões de papéis de 
sua mãe.
Em “The Secret War of Lisa Simpson”, o isolamento moral de Lisa é 
graficamente ilustrado em seu encontro com a academia militar. Bart 
é mandado para uma academia militar, pois teoricamente a rígida disciplina 
militar vai controlar seus impulsos desajustados. A sua perfeita adaptação 
à escola nos faz entender que essa jamais seria a forma de restringir suas 
possíveis tendências à delinqüência. “Meu professor de matança diz eu sou 
um [matador] natural”, Bart se gaba. Essas reflexões morais sobre os va­
lores sociais tradicionais saltam aos olhos e gritam nos ouvidos do 
telespectador de Os Simpsons. Qual é a objeção aqui, de fato? Que não há 
moralidade suficiente no programa, ou que há em demasia - uma persectiva 
crítica de nossa sociedade, um excesso da visão de Lisa Simpson?
O episódio, porém, não se concentra em Bart, e sim em Lisa, que insiste 
em ser matriculada também. Lisa está procurando o desafio que não conse­
gue encontrar no currículo medíocre de sua escola. Além disso, está lutando 
por seu direito como mulher de receber o mesmo tratamento que os homens. 
Sua entrada como primeira menina na academia faz todos os meninos saírem 
de seus dormitórios - o que é bem o modo como ela queria ser aceita. Sozi­
nha e enfrentando um ambiente machista, Lisa encontra consolo pensando 
em Emily Dickinson, que também se sentia só mas era capaz de escrever 
lindos poemas. Entretanto, ela lembra, a poetisa acabou enlouquecendo!
Publicamente, Bart segue o ostracismo geral, temendo reconhecer 
sua irmã. Em particular, ele pede desculpas: “Desculpe o gelo, Lis. Eu... eu 
não quero que os caras pensem que eu fiquei mole com meninas.” Entre­
tanto, Bart secretamente ajuda Lisa a treinar à noite no “Eliminador”, um 
exercício de atravessar a corda numa altura vertiginosa, “com um fator 
bolha de doze”. Por fim, Lisa conquista o obstáculo, apesar dos gritos de 
“cai, cai, cai” dos meninos. Bart finalmente desafia os machõezinhos, uma 
única, porém eficaz, voz de incentivo. Até Bart sabe que é errado abando­
nar uma irmã. Pergunto-me se Harry Potter teria a mesma coragem.
1 5 0 Os Simpsons e a Filosofía
A tristeza de Lisa e o saxofone
O que faz de Lisa mais do que uma criança boazinha é o fato de ela ser 
uma pessoa extremamente sensível, com um grande desejo de felicidade 
pessoal. A natureza conflitante do dever moral, com sua tendência a exigir o 
sacrifício pessoal, é devidamente representada aqui em toda a sua pungência. 
Ela recebe todo o sofrimento que um compromisso com um princípio pre­
determinado pode criar numa criança precoce e sensível. Seu profundo amor 
pela vida e pela beleza, aliado a um não menos profundo compromisso 
com a verdade e a bondade, manifesta-se nas frustrações e tristezas que 
ela expressa nos sons tristes e melancólicos do saxofone, tocando jazz. 
Kant afirma que a beleza e a arte convertem em uma presença sensual 
as possibilidades de uma vida moral superior. Quando a vida real parece 
dar pouca ou nenhuma atenção a tais possibilidades, o doloroso grito da 
alma de Lisa encontra uma válvula de escape na lamúria do saxofone. No 
personagem de Lisa, a comédia de Os Simpsons não nos permite esquecer 
uma profundidade da tragédia.
No episódio “Moaning Lisa”, Lisa tem dificuldade em aceitar o pa­
triotismo convencional. Numa aula de música, em vez de tocar as notas 
simples de “My Country T is of Thee”, Lisa improvisa um tocante solo de 
jazz. “Não tem essa barulheira em “My Country T is of Thee”, diz o pro­
fessor. “Mas meu país é isso”, Lisa declama, excitada. “Estou lamentando 
pelo homem sem teto vivendo no carro, o fazendeiro de Iowa cuja terra foi 
tomada pelos burocratas sem coração, o mineiro de West Virginia, pego...” 
“Muito bem, Lisa”, diz o professor. “Mas, nenhuma dessas pessoas desa­
gradáveis estará presente ao recital da semana que vem.”
Uma carta é enviada à casa dos Simpsons, criticando uma mudança 
em Lisa, não em Bart: “Lisa não quer jogar queimada porque está triste.” 
O jogo da queimada parece expressar muito bem a situação de Lisa. 
Uma pessoa é alvo de ataque de todos os outros jogadores. Lisa simples­
mente se deixa bombardear, recusando-se a entrar no espírito do jogo e 
se defender. Devemos nos lembrar que esse episódio foi feito bem antes 
da moda da “Reality TV”, com sua glorificação da luta darwinista pela 
sobrevivência.
O principal problema é que parece não haver ninguém com quem 
Lisa possa conversar a respeito da melancolia que sente. Bart e Homer 
estão absortos em video games ferozes. Como poderíam entender os pro­
blemas dela? Lisa tenta explicar: “Eu me pergunto: qual o sentido? Faria 
alguma diferença se eu deixasse de existir? Como podemos dormir à noite 
quando há tanto sofrimento no mundo?” Homer tenta animá-la, balançan­
do-a sobre seus joelhos. Talvez seja um problema com a roupa de baixo, ele 
presume, quando Marge comenta acerca das dificuldades típicas da idade 
de Lisa. Pelo menos, ele tem o coração no lugar certo.
O mundo moral da famttia Simpson: urna perspectiva kantiana 151
O baixo astral de Lisa começa a se dissipar quando ela ouve os tons 
melancólicos do colega saxofonista, Bleeding Gums Murphy, tocando pela 
noite sobre uma ponte solitária, numa paisagem urbana iluminada pela lua. 
As gengivas de Murphy sangram (“bleeding gums” - gengivas sangrando) 
porque ele nunca foi ao dentista. “Já tenho dor suficiente na vida”, ele diz. 
Lisa lhe fala sobre a dor dela. “Nisso não posso ajudar”, ele diz, “Mas 
podemos tocar juntos”.
Lisa e Murphy tocam e cantam juntos - “Sinto-me só, desde que meu 
amor me deixou...” E Lisa responde:
Meu irmão é malcriado,
Ele me amola todo dia,
E hoje de manhã, minha mãe 
Deu meu último bolinho.
Meu pai parece
Que veio de um zoológico.
Sou a criança mais triste 
No segundo ano da escola.
Marge interrompe o número e chama Lisa. “Nada pessoal”, Marge 
diz a Murphy. “Só tenho medo do que não é conhecido”.
Marge, em sua persona como mãe convencional, aconselha Lisa a 
sorrir. Ela diz: “Faça uma cara feliz”, a mãe de Marge lhe dizia, tmflashback, 
“pois as pessoas sabem como sua mãe é boa pelo tamanho de seu sorriso”. 
Lisa diz que não está com vontade de sorrir. Marge é firme: “Agora Lisa, 
ouça-me. Isso é importante. Eu quero que você sorria hoje. Não importa o 
que sente por dentro. O que conta é aquilo que você mostra na superfície. 
Foi isso que minha mãe me ensinou. Pegue todos os seus sentimentos ruins 
e empurre-os para baixo, abaixo dos joelhos, até ficar sob seus pés e você 
pisar neles. Aí você fará parte do grupo, os meninos vão gostar de você, as 
pessoas vão convidá-la para festas, e você encontrará a felicidade”.
Lisa, talvez desesperada por algum tipo de alívio, segue o conselho da 
mãe. E funciona! “Ei”, exclama um menino, “que sorriso bonito”. Outro 
menino diz ao primeiro: “Por que você está conversando com ela? Ela só 
fala coisas esquisitas”. Lisa continua sorrindo. “Eu pensava que você era 
uma metida a sabe-tudo, mas acho que você é legal.” “Por que não vai para 
a minha casa?”, convida outro menino. “Você pode fazer minha lição de 
casa.” “Tudo bem”, ela concorda. O professor aparece e diz que espera 
que Lisa não tenha “outra explosão de criatividade desenfreada”. “Não, 
senhor”, Lisa responde, com um largo sorriso.
Observando essa cena, Marge reconhece o erro do ensinamento tra­
dicional,e pega Lisa às pressas, saindo com os pneus cantando. “Então, é 
daí que vem a esquisitice”, diz o professor, revelando a verdade mais pro­
funda da relação entre Lisa e sua mãe. Marge pede desculpas a Lisa: “Eu
1 5 2 Os Simpsons e a Filosofia
estava errada. Retiro tudo o que eu disse. Seja sempre você mesma. Se 
quiser ficar triste, querida, fique triste. Nós estaremos do seu lado. E quan­
do não estiver mais triste, ainda estaremos com você. De agora em diante, 
eu sorrio por nós duas”.
Ouvindo essa afirmação de seus próprios sentimentos, Lisa sorri de 
verdade, pela primeira vez. Por sugestão de Lisa, toda a família vai ao 
clube onde Murphy toca em homenagem a “uma das grandes damas do 
jazz” e toca a canção de Lisa. Em companhia de sua feliz e encorajadora 
família - incluindo Maggie chupando a chupeta no ritmo - Lisa está radian­
te de alegria. O indivíduo livre, independente e diligente merece ser feliz.
11
Os Simpsons: política 
atomística e a fam ilia nuclear
P aul A. C antor
Quando o senador Charles Schumer (sul do Estado de Nova York) 
visitou uma escola no norte do Estado em maio de 1999, ele aprendeu uma 
lição inesperada de civismo, de uma fonte também inesperada. Falando do 
tema em voga que era a violência nas escolas, o senador Schumer elogiou 
a Lei Brady, que ele ajudara a defender, por sua função na prevenção do 
crime. Levantando-se para questionar a efetividade desse esforço quanto 
ao controle de armas, um estudante chamado Kevin Davis citou um exem­
plo sem dúvida conhecido pelos colegas, mas não pelo senador de Nova 
York: “Isso me lembra de um episódio de Os Simpsons. Homer queria ter 
uma arma, mas já tinha sido preso duas vezes e também internado num 
hospício. Ele é rotulado de ‘potencialmente perigoso’. Homer pergunta o 
que isso significa, e o vendedor de armas diz: ‘Significa apenas que você 
precisa de mais uma semana até conseguir a arma’”.157 Sem entrarmos 
nos prós e contras da legislação para o controle de armas, podemos reco­
nhecer nesse incidente o quanto a série Os Simpsons, da rede de televisão 
Fox, influencia o modo de pensar dos americanos, particularmente das ge­
rações mais jovens. Portanto, talvez valha a pena examinarmos o programa 
para ver que tipo de lições políticas ele ensina. Os Simpsons pode parecer 
uma diversão inconseqüente para muitos, mas, na verdade, oferece uma 
das mais sofisticadas formas de comédia e sátira que já apareceu na televi­
são americana. Com o passar dos anos, o programa abordou muitas ques­
tões sérias: a segurança envolvendo a energia nuclear, ambientalismo, 
imigração, direitos dos homossexuais, mulheres nas forças armadas e as-
157 Matéria de Ed Henry, “Heard on the Hill”, na coluna Roll Cali, 44, n. 81 (13 de maio de 
1999). A fonte que ele usou foi o Albany Times-Union.
1 5 3
1 5 4 Os Simpsons e a Filosofia
sim por diante. Paradoxalmente, é a natureza absurda da série que a toma 
séria de um modo diferente de muitos outros programas de televisão.
Não pretendo abordar a questão política do programa no sentido estri- 
tamente partidário. Os Simpsons satiriza tanto os Republicanos quanto os 
Democratas. O político local que aparece com mais freqüência no dese­
nho, o prefeito Quimby, fala com um carregado sotaque de Kennedy158 e, 
geralmente, age como um político democrata da máquina urbana. No mes­
mo contexto, a força política mais sinistra na série, a figura que parece 
controlar a cidade de Springfield dos bastidores, é invariavelmente retrata­
da como um Republicano. Para termos um ponto de equilibrio, é justo men­
cionarmos que Os Simpsons, assim como a maioria do material que vem de 
Hollywood, é pró-democrata e anti-republicano. Há um episodio inteiro que 
é um retrato gratuitamente vicioso do ex-presidente Bush,159 enquanto o 
programa é surpreendentemente lerdo ñas sátiras que faz do presidente 
Clinton.160 No entanto, talvez a linha política mais engraçada na historia de 
Os Simpsons tenha sido à custa dos Democratas. Quando o vovô Abraham 
Simpson recebe dinheiro por correspondência, que era na verdade destina­
do aos seus netos, Bart lhe pergunta: “O senhor não achou estranho rece­
ber cheques por absolutamente nada?” Ele responde: “Achei que era porque 
os Democratas estavam no poder novamente.”161 Indispostos a perder qual­
quer oportunidade para o humor, os criadores do programa têm sido prati­
camente imparciais no decorrer das temporadas quanto à gozação que fazem
158 A identificação é completa quando Quimby diz: “Ich bin ein Springfielder” no episódio 
“Bums Verkaufen der Kraftwerk”. Cito todos os episódios de Os Simpsons pelo título, 
usando a informação fornecida na excelente obra de referência The Simpsons: A Complete 
Guide to Our Favorite Family, editada por Ray Richmond e Antonia Coffman (Nova York: 
HarperCollins, 1997).
159 “Two Bad Neighbors.”
160 Sobre a relutância do programa em criticar Clinton, ver a sátira bem leve da campanha 
presidencial de 1996 no segmento “Citizen Kang” do episódio de Halloween, “Treehouse 
of Horror VII.” Por fim, na temporada de 1998-99, diante do acúmulo de escândalos na 
administração Clinton, os criadores de Os Simpsons decidiram tirar as luvas no tratamento 
do presidente, especialmente em “Homer to the Max” (em que Homer, ilegalmente, troca 
seu nome para Max Power). Incomodada por Clinton numa festa, Marge Simpson é obriga­
da a perguntar: “O senhor tem certeza de que é uma lei federal que força a dançar com o 
senhor?” Assegurando-lhe que ela é suficientemente boa para um homem de seu posto, 
Clinton diz a Marge: “Bem, eu já fiz com porcos - de verdade, não de brincadeira.”
161 “The Front.”
O s Sim psons: política atomística e a familia nuclear 1 5 5
de ambos os partidos, e também tanto das tendências de direita quanto de 
esquerda.162
Deixando de lado a questão superficial do partidarismo político, o meu 
interesse é pela política profunda de Os Simpsons, o que o programa sugere 
mais fundamentalmente acerca da vida política nos Estados Unidos. O dese­
nho aborda a questão política por meio da familia, e esse método em si é 
uma estratégia política. Lidando centralmente com a familia, Os Simpsons 
aborda temas humanos reais que todos podem reconhecer; e, por isso mes­
mo, acaba sendo em muitos aspectos menos “desenho” que muitos outros 
programas de televisão. Seus personagens animados são mais humanos, mais 
plausíveis que muitos seres humanos supostamente reais em muitas comédi­
as de situação. Acima de tudo, a série criou uma comunidade humana acre­
ditável: Springfield, EUA. Os Simpsons mostra a família como parte de uma 
comunidade maior, e afirma efetivamente a espécie de comunidade capaz de 
sustentar a família. Esse é, ao mesmo tempo, o segredo da popularidade do 
programa com o público americano e sua posição política mais interessante.
Os Simpsons realmente oferece uma das imagens mais importantes 
da família na cultura americana contemporânea e, em particular, uma ima­
gem da família nuclear. Com os nomes tirados de pessoas da infância do 
criador, Matt Groening, Os Simpsons retrata a típica família americana: pai 
(Homer), mãe (Marge), e dois ou três filhos (Bart, Lisa e a pequena Maggie). 
Muitos comentaristas lamentam o fato de o desenho servir hoje como uma 
das imagens representativas da vida em família nos Estados Unidos, ale­
gando que Os Simpsons dá exemplos horríveis para pais e filhos. A popu­
laridade do programa é freqüentemente citada como evidência do declínio 
dos valores familiares no país. Mas os críticos de Os Simpsons precisam 
observar mais de perto a série e enxergá-la no contexto da história da 
televisão. A despeito de sua natureza de pastelão e da sátira que faz de 
determinados aspectos da vida em família, Os Simpsons tem um lado afir­
mativo e celebra a família nuclear como instituição. Para a televisão, esse
162 Um debate divertido apareceu no The Wall Street Journal sobre a política de Os Simpsons. 
Começou com um material co-editado por Benjamim Stein, sob o título de “TV Land: FromMao to Dow” (5 de fevereiro de 1997), no qual ele argumentava que o programa era 
apolítico. A resposta veio de uma carta de John McGrew intitulada “The Simpsons Bash 
Familiar Valúes” [Oi Simpsons denigre os valores da família] (19de março de 1997),na qual 
o autor dizia que o desenho é político e consistentemente de esquerda. Em 12 de março de 
1997, cartas de Deroy Murdock e H.B. Johnson Jr. argumentavam que o programa atacava 
também os esquerdistas e, freqüentemente, defendia os valores tradicionais. A conclusão de 
Johnson de que a série é “polticamente ambígua” e mexe “tanto com os conservadores 
quanto com os liberais” é sustentada por evidências desse próprio debate.
1 5 6 Os Simpsons e a Filosofia
não é um feito pequeno. Há décadas, a televisão americana tende a menos­
prezar a importância da família nuclear e mostrar familias só com um dos 
pais, ou outros arranjos não tradicionais, alternativos. A comédia de situa­
ção com apenas um dos pais vem desde praticamente o início da televisão, 
pelo menos com My Little Margie (1952-55). Mas as clássicas, como The 
Andy Griffith Show (1960-68) ou My Three Sons (1960-72), geralmente 
encontravam modos de reconstituir a família nuclear (às vezes com a pre­
sença de uma tia ou um tio), apresentando-a ainda como norma (às vezes a 
história partia para o viúvo se casando, como aconteceu com Steve Douglas, 
o personagem de Fred MacMurray em My Three Sons).
Mas começando com programas nos anos 1970 como Alice (1976-85), 
a televisão americana genuinamente começou a se afastar da família nuclear 
como norma, sugerindo que outras formas de criar as crianças eram igual­
mente válidas ou talvez até superiores. A televisão nos anos 1980 e 1990 
experimentou todas as espécies de permutação com o tema da família não- 
nuclear, em programas como Love, Sidney (1981-83), Punky Brewster (1984- 
86) e My Two Dads (1987-90). Esse passo resultou parcialmente do 
procedimento padrão de Hollywood de gerar novas séries, simplesmente va­
riando fórmulas bem-sucedidas.163 Mas a tendência para as famílias não- 
nucleares também expressava o desvio ideológico de Hollywood e seu 
impulso de questionar os valores familiares tradicionais. Acima de tudo, 
embora os programas de televisão geralmente atribuíssem a falta da mãe 
ou do pai na história a uma morte na família, o desvio da família nuclear 
obviamente refletia a realidade do divórcio na vida americana (e especial­
mente em Hollywood). Desejando ser progressistas, os produtores de tele­
visão resolveram endossar as tendências sociais contemporâneas diferentes 
da tradicional e estável família nuclear. Com a típica agitação da indústria de 
entretenimento, Hollywood acabou levando esse desvio à conclusão lógica: 
a família sem pais. Outro programa popular da Fox, Party ofFive [1994- 
2000], mostra uma família de filhos órfãos, cuidando de si próprios de for­
ma galante após a morte dos pais num acidente de carro.
De uma maneira inteligente, Party ofFive transmite uma mensagem 
que alguns produtores de televisão evidentemente acham que o público quer 
ouvir: os filhos podem viver muito bem sem um dos pais, e preferencial­
mente sem os dois. Os jovens telespectadores querem ouvir essa mensa­
gem, porque ela valoriza neles o senso de independência. Os pais também 
querem ouvir a mensagem, porque alivia seu complexo de culpa, ou por 
terem abandonado os filhos completamente (como em alguns casos de di-
163 Talvez o exemplo mais famoso seja a criação de Green Acres (1965-71), invertendo A 
Familia Buscapé (1962-71). Se uma família de caipiras se mudando do campo para a cidade 
era engraçada, os executivos da televisão concluíram que um casal sofisticado mudando-se 
da cidade para o campo também seria um sucesso. E foi.
O s Sim psons: política atomística e a familia nuclear 1 5 7
vórcio) ou por não dedicarem tempo suficiente a eles. Pais ausentes ou 
negligentes podem se consolar com a idéia de que seus filhos realmente 
vivem melhor sem eles, “como aqueles jovens legais - e incrivelmente bo­
nitos - de Party ofFive”. Em síntese, praticamente há duas décadas, boa 
parte da televisão americana vem sugerindo que o colapso da família ame­
ricana não constitui uma crise social nem um problema sério. Na verdade, 
ele deve ser visto como uma forma de liberação de uma imagem da família 
que podia ser muito boa nos anos 1950, mas já não é mais válida nos anos 
1990. É diante desse pano de fundo histórico que a posição de Os Simpsons 
quanto à família nuclear deve ser analisada.
Claro que a televisão nunca abandonou completamente a família nu­
clear, mesmo nos anos 1980, como vemos em programas de sucesso como 
All in the Family (1971-1983), Family Ties (1982-89) e The Cosby Show 
(1984-92). E quanto Os Simpsons estreou como série regular em 1989, não 
era a única a reafirmar o valor da família nuclear. Vários outros programas 
seguiam o mesmo caminho nos anos 1990, refletindo tendências sociais e 
políticas de maior importância, particularmente a reafirmação dos valo­
res familiares que hoje é adotada pelos dois partidos políticos nos Esta­
dos Unidos. O próprio Married with Children (1987-1998) da Fox 
precedeu a Os Simpsons, retratando uma família nuclear divertidamen­
te desordenada. Outro retrato interessante da família nuclear pode ser 
encontrado em Home Improvement (1991-99), da ABC, que tenta recu­
perar os valores tradicionais da família e até dos papéis do homem e da 
mulher, dentro de um contexto pós-modemo de televisão. Mas Os Simpsons 
é, em muitos sentidos, o exemplo mais interessante desse retomo à família 
nuclear. Embora muitas pessoas o vejam como um programa que tenta 
subverter a família americana ou diminuir sua autoridade, na verdade, o 
desenho nos lembra que o antiautoritarismo é em si uma tradição america­
na, e que a autoridade da família sempre foi problemática na América de­
mocrática. O que toma Os Simpsons tão interessante é o modo como a 
série combina tradicionalismo com antitradicionalismo. Mas ela oferece 
continuamente uma imagem perene da família nuclear no próprio ato de 
satirizá-la. Muitos dos valores tradicionais da família americana sobrevi­
vem a essa sátira, principalmente o valor da própria família nuclear.
Como já sugeri, podemos compreender esse ponto, parcialmente em 
termos de história de televisão. Os Simpsons é um programa pós-moderno 
e autoconsciente.164 Mas essa autoconsciência se concentra na representa­
ção tradicional da família americana na televisão. Ela apresenta o paradoxo 
de um programa não-tradicional, profundamente arraigado na tradição 
televisiva. Os Simpsons pode ser comparado aos antigos desenhos animados
164 Sobre o caráter auto-reflexivo de Os Simpsons, ver meu ensaio “The Greatest TV Show 
Ever”, The American Enterprise, vol. 8, n. 5 (setembro-outubro de 1997), p. 34-37.
1 5 8 O s Simpsons e a Filosofía
que lidavam com a família, como Os Flintstones e Os Jetsons. Esses de­
senhos, por sua vez, se comparam às famosas comédias de situação sobre 
a famñia nuclear dos anos 1950: I Love Lucy, The Adventures o f Ozzie 
and Harriet, Papai Sabe-Tudo, Leave it to Bearer. Os Simpsons é urna 
recriação pós-modema da primeira geração das comédias de famñia na 
televisão. Reexaminando esses programas antigos, vemos facilmente as 
transformações e descontinuidades geradas por Os Simpsons. Em Os 
Simpsons, o pai obviamente não sabe tudo. E é muito mais perigoso deixar 
as coisas por conta de Bart, que de Beaver [“Leave it to Beaver” - literal­
mente, “deixe por conta de Beaver”]. Obviamente, Os Simpsons não ofe­
rece um simples retomo aos programas sobre famñia dos anos 1950. Mas 
mesmo no ato de recriar e transformar, a série proporciona elementos de 
continuidade que tomam Os Simpsons mais tradicional do que pode pare­
cer a principio.
Os Simpsons realmente encontrou um jeito esdrúxulo de defender a 
famñia nuclear. De fato, o programa diz: “Pegue o pior cenário possível - 
os Simpsons - e veja que mesmo essa famñia é melhor do que não ter 
famñiaalguma”. Na verdade, a famñia Simpson não é tão mim. Algumas 
pessoas ficariam chocadas se seus meninos imitassem Bart, principalmen­
te no desrespeito à autoridade e aos seus professores. Esses críticos de Os 
Simpsons esquecem que a rebeldia de Bart combina com um venerável 
arquétipo americano, e que os Estados Unidos foram fundados com base 
no desrespeito à autoridade e num ato de rebelião. Bart é um ícone ameri­
cano, uma versão atualizada de Tom Sawyer e Huck Finn juntos. A despei­
to de todas as confusões que ele causa - justamente por causa dessas 
confusões - Bart se comporta exatamente do jeito que um garoto de sua 
idade se comportaria na mitologia americana, desde o Denis, o Pimentinha 
às comédias de Our Gang.m
Quanto à mãe e à filha em Os Simpsons, Marge e Lisa não são maus 
exemplos em hipótese alguma. Marge Simpson é uma mãe dedicada e boa 
dona-de-casa; além disso, freqüentemente, ela mostra um traço feminista, 
particularmente no episódio em que ela se aventura ao estilo de Thelma e 
Louise.165 166 De fato, ela é muito moderna em suas tentativas de combinar 
certos impulsos feministas com o tradicional papel de uma mãe. Lisa é, em 
muitos sentidos, a criança ideal em termos contemporâneos. Ela é uma 
aluna excelente e, como feminista, vegetariana e ambientalista, é a pessoa 
politicamente correta no cenário.
165 Por estranho que pareça, o criador de Bart, Matt Groening, hoje faz parte do coral que 
condena o menino Simpson. Em 1999, Groening teria dito às pessoas que chamam Bart de 
mau exemplo: “Hoje eu tenho um filho com 7 anos de idade e um com 9, e só o que eu posso 
fazer é pedir desculpas. Agora eu entendo do que vocês reclamam” .
166 “Marge on the Lam.”
O s Sim psons: política atomística e a familia nuclear 1 5 9
O verdadeiro problema, portanto, é Homer. Muitas pessoas criticam 
Os Simpsons por sua representação do pai como bobão, ignorante e fraco 
de caráter, além de não ter princípios morais. Homer é tudo isso, mas pelo 
menos está presente. Ele cumpre a obrigação mínima de um pai: está pre­
sente para a mulher e principalmente para os filhos. É verdade que não 
possui muitas das qualidades que gostaríamos de ver no pai ideal. Ele é 
egoísta, pondo os interesses próprios acima dos de sua família. Como ve­
mos num episódio de Halloween, Homer vendería a alma ao diabo por um 
donut (embora, felizmente, Marge já era dona da alma do marido e, portan­
to, ele não podería vendê-la).167 Homer é inegavelmente grosseiro, vulgar e 
incapaz de apreciar as coisas mais belas da vida. É difícil para ele partilhar 
dos interesses de Lisa, exceto quando ela desenvolve um notável talento 
para prever o resultado de partidas de futebol profissional e permite que 
seu pai se tome um grande vencedor na aposta na Taverna de Moe.168 
Além disso, Homer se zanga facilmente e desconta nos filhos, como de­
monstram suas muitas tentativas de estrangular Bart.
Em todos esses sentidos, Homer é um fracasso como pai. Mas se 
refletirmos, é surpreendente o número de qualidades decentes que ele tem. 
Em primeiro lugar, ele é apegado à família - ama-a porque é dele. Seu 
lema basicamente é: “Minha família, certa ou errada.” Essa dificilmente 
seria uma posição filosófica, mais pode fornecer a fundação da família 
como uma instituição, motivo por que a República de Platão deve subver­
ter o poder da família. Homer Simpson é o oposto de um rei-filósofo; ele é 
devotado não ao que é melhor, mas ao que é dele. Essa posição tem seus 
problemas, mas ajuda a explicar como a aparentemente desestruturada fa­
mília Simpson funciona.
Por exemplo, Homer está disposto a trabalhar para sustentar a famí­
lia, mesmo no emprego perigoso de supervisor de segurança da usina nu­
clear, ainda mais perigoso por ser ele. No episódio em que Lisa quer 
desesperadamente um pônei, Homer arruma um segundo emprego, traba­
lhando para Apu Nahasapeemapetilon, no Kwik-E-Mart para ganhar o di­
nheiro para manter o pônei, e quase se mata com o esforço.169 Em ações 
assim, Homer manifesta sua genuína preocupação com a família, e como 
prova repetidamente, a defenderá mesmo diante de risco pessoal. Fre­
quentemente, ele não se dá bem nessas ações, mas isso torna sua devo­
ção à família, de certa forma, ainda mais tocante. Homer é a destilação 
da pura paternidade. Remova todas as qualidades de um bom pai - 
sabedoria, compaixão, temperamento estável, altruísmo - e o que sobra é
167 “The Devil and Homer Simpsons” em “Treehouse of Horror IV.”
168 “Lisa the Greek.”
169 “Lisa’s Pony.”
1 6 0 Os Simpsons e a Filosofia
Homer Simpson com sua devoção pura, tosca e autêntica à família. É por isso 
que, apesar de toda a sua imbecilidade, idolatria e egocentrismo, não consegui­
mos odiar Homer. Ele vive fracassando como bom pai, mas nunca pára de 
tentar, e em algum sentido básico e importante, isso faz dele um bom pai.
A defesa mais efetiva da família na série aparece no episodio em que 
os Simpsons são de fato separados como unidade.170 Esse episodio começa 
significativamente com uma imagem de Marge como boa mãe, preparando 
o café da manhã e o lanche para a escola das crianças. Ela dá instruções 
precisas sobre os sanduíches a Bart e Lisa. “Deixem a alface separada até 
as llh30 .” Mas após esse promissor início parental, ocorre uma série de 
aborrecimentos. Homer e Marge vão a um spa para um bem merecido 
relaxamento à tarde. Na pressa, eles deixam a casa suja, principalmente 
com uma pilha de louça para lavar na pia. Enquanto isso, as coisas não vão 
bem para as crianças, na escola. Bart acidentalmente pega piolho do maca­
co de seu melhor amigo, o que leva o diretor Skinner a dizer: “Que tipo de 
pais permitiríam tamanho lapso na higiene capilar?” As evidências contra o 
casal Simpson aumentam quando Skinnar manda chamar Lisa. Após ter 
seus sapatos roubados pelos colegas, ela fica com os pés cobertos de lama 
e parece uma criança de rua tirada dos romances de Dickens.
Diante de tamanha evidência da falta de cuidados por parte dos pais, 
o chocado direito alerta o juizado de menores, que também se choca ao 
levar Bart e Lisa para casa e explorar o recinto. Os funcionários entendem 
erroneamente a situação. Confrontados com uma pilha de jornais velhos, eles 
supõem que Marge seja uma má dona-de-casa, quando, na verdade, ela tinha 
reunido artigos para ajudar Lisa num trabalho escolar de história. Tirando 
conclusões precipitadas, os burocratas decidem que Marge e Homer são 
pais relapsos, e movem ações específicas contra eles, alegando que “a 
casa dos Simpsons é um depósito de lixo e há papel higiênico pendurado de 
maneira inapropriada”. As autoridades determinam que as crianças 
Simpsons fiquem sob a custódia de pais adotivos. Bart, Lisa e Maggie são 
entregues à família vizinha, presidida pelo patriarca Ned Flanders. Em toda 
a série, a família Flanders serve como contrapeso dos Simpsons. Os Flanders 
são de fato a família perfeita, de acordo com a moralidade e religião do 
estilo antigo. Em contraste marcante a Bart, os filhos do casal, Rod e Todd, 
são bem comportados e obedientes. Acima de tudo, a família Flanders é 
piedosa, devotada a atividades como leitura da Bíblia, e mais zelosa até que 
o reverendo do bairro, Lovejoy. Quando Ned se oferece para brincar de 
“bombardeio” com Bart e Lisa, ele está na verdade pensando em bombardeá- 
los com perguntas sobre a Bíblia. A família Flanders fica chocada ao saber 
que os vizinhos não conhecem a serpente de Reoboão, para não mencionar 
o Poço de Zaassadar ou o banquete nupcial de Bete Cadruharazeb.
170 “Home Sweet Homediddly-Dum-Doodily.”
O s Sim psons: política atomística e a familia nuclear 161
Explorando a questão de se a família Simpson é ou não de fato 
desestruturada, o episodio dos pais adotivos oferece duas alternativas: uma 
é a família moral-religiosa ao estilo antigo; a outra é a opção de uma babá. 
Quem é melhor para criar os filhos dos Simpsons? As autoridades civis inter­
vém, afirmando que Homer e Marge são relapsos como pais. Eles devem ser 
“reeducados”e são obrigados a tomar aulas de “habilidades com a familia”, 
com base na premissa de que são os especialistas que sabem educar crian­
ças. A educação infantil é uma questão de conhecimento especializado, 
que pode ser aprendido. Esta é a resposta moderna: a família é inadequada 
como instituição; por isso, o estado deve intervir para fazê-la funcionar. Ao 
mesmo tempo, o episodio oferece a resposta moral-religiosa ao estilo anti­
go: o que as crianças precisam é de pais tementes a Deus para que elas 
também se tomem tementes a Deus. Na verdade, Ned Flanders faz tudo o 
que pode para reformar Bart e Lisa e fazer com eles se comportem com a 
mesma devoção que seus filhos.
Mas a resposta oferecida pelo programa é que o melhor para as crianças 
Simpsons é ficar mesmo com seus pais - não porque eles sejam mais inte­
ligentes ou habilidosos para educar, nem porque tenham uma moralidade 
superior, mas simplesmente porque Homer e Marge são as pessoas mais 
genuinamente apegadas a Bart, Lisa e Maggie, pois são seus verdadeiros 
pais. O episódio funciona muito bem para mostrar o horror do estado su­
postamente onisciente e onicompetente se intrometendo em todo aspecto 
da vida familiar. Quando Homer desesperadamente tenta ligar para Bart e 
Lisa, ouve a mensagem oficial: “O número que você discou não está mais 
disponível neste telefone, seu monstro negligente.”
Ao mesmo tempo, vemos os defeitos da religião em estilo antigo. Os 
Flanders podem ser pais justos, mas são também prepotentes. A Sra. Flanders 
diz: “Eu não julgo Homer e Marge. Isso cabe a um Deus vingativo.” A 
devoção religiosa de Ned é tão extrema que ele acaba irritando até o reve­
rendo Lovejoy, que lhe pergunta: “Você já pensou em uma ou outra das 
grandes religiões? Todas são praticamente iguais.”
No fim, Bart, Lisa e Maggie voltam, felizes, para Homer e Marge. A 
despeito das acusações de ser desestruturada, a família Simpson funciona mui­
to bem, porque os filhos são apegados aos pais e os pais, aos filhos. A premissa 
daqueles que tentaram tirar as crianças da família é que há um princípio 
externo à família, pelo qual ela pode ser julgada desestruturada, seja o prin­
cípio das teorias contemporâneas da educação ou da religião em estilo an­
tigo. O episódio dos pais adotivos sugere o contrário - que a família contém 
um princípio próprio de legitimidade. A família é quem melhor sabe. Esse 
episódio, portanto, ilustra a estranha combinação do tradicionalismo e do 
antitradicionalismo em Os Simpsons. Ao mesmo tempo em que a série 
rejeita a noção de um simples retomo à idéia moral-religiosa de família, 
recusa-se também a aceitar as tentativas contemporâneas por parte do
1 6 2 Os Simpsons e a Filosofía
estado de subverter a famñia completamente e reafirma os valores perenes 
da familia como instituição.
Como bem nos lembra a importância de Ned Flanders nesse episodio, 
outro aspecto em que o programa é incomum é o papel significativo da 
religião em Os Simpsons. A religião faz parte da vida da familia Simpson. 
Vários episodios giram em torno da ida à igreja, incluindo um em que Deus 
fala diretamente com Homer.171 A religião, aliás, faz parte da vida da popu­
lação de Springfield, em geral. Além de Ned Flanders, o reverendo Lovejoy 
aparece em vários episódios, incluindo um em que nada menos que Meryl 
Streep faz a voz de sua filha.172
Essa atenção à religião é atípica na televisão americana nos anos 1990. 
Na verdade, a julgar por muitos programas de televisão hoje em dia, jamais 
pensaríamos que os americanos são um povo religioso ou que sequer vai à 
igreja. A televisão geralmente age como se a religião tivesse pouca ou 
nenhuma importância na vida diária dos americanos, embora as evidências 
apontem exatamente para a conclusão contrária. Muitas explicações já fo­
ram dadas para o fato de a televisão evitar, de um modo geral, o tema 
religião. Os produtores temem que, se levantarem questões religiosas, ofen­
derão aos telespectadores mais ortodoxos e logo se envolverão em polêmi­
cas; os executivos de televisão se preocupam em ter os patrocinadores de 
seus programas boicotados por grupos religiosos poderosos. Além disso, a 
comunidade da televisão em si é grandemente secular em suas visões e 
desinteressada em questões religiosas. Realmente, boa parte de Hollywood 
é abertamente anti-religiosa, e particularmente contrária a qualquer coisa 
rotulada de fundamentalismo religioso (tendendo, aliás, a rotular qualquer 
coisa à direita do unitarismo de “fundamentalismo religioso”).
A religião, porém, tem voltado à televisão na última década, em parte 
porque os produtores descobriram que existe um nicho no público para 
programas como Toque de um Anjo (1994 - ).173 Mesmo assim, a comuni­
dade do entretenimento tem dificuldade para entender o que a religião real­
mente significa para o público americano e, principalmente, não é capaz de 
lidar com a idéia de que a religião pode muito bem fazer parte da vida diária 
normal dos americanos. As figuras religiosas no cinema e na televisão cos­
tumam ser ou milagrosamente boas e puras ou malignas e hipócritas. Em­
bora haja exceções a essa regra,174 geralmente para Hollywood, os vultos 
religiosos dever ser santos ou pecadores, trabalhando incansavelmente pelo
171 “Homer the Heretic.”
172 “Bart’s Girlfriend.”
173 Eu gostaria de comentar sobre essa série, mas ela é exibida no mesmo horário que Os 
Simpsons, e eu nunca a vi.
174 Considere, por exemplo, o ministro interpretado por Tom Skerrit, no filme de Robert 
Redford, baseado na história de Normal Maclean, A River Runs through It.
O s Sim psons: política atomística e a familia nuclear 1 6 3
bem, ou fanáticos religiosos, idólatras, conturbados por repressão sexual, 
esforçando-se para destruir vidas inocentes de uma maneira ou de outra.175
Mas O s Sim psons aceita a religião como urna parte normal da vida 
em Springfield, EUA. Se o programa caçoa da devoção na pessoa de Ned 
Flanders, em Homer Simpson também sugere que uma pessoa pode ir à 
igreja e não ser fanática nem santa. Um episodio dedicado ao reverendo 
Lovejoy lida de forma realista e até solidária com o problema do estresse 
pastoral.176 O ministro sobrecarregado acabou de escutar muitos proble­
mas de seus fiéis e passa o trabalho para Marge Simpson, como a “senhora 
ouvinte”. O tratamento da religião em O s Sim psons é paralelo e ligado ao 
tratamento dado à família. O s Sim psons não é pró-religião - é um progra­
ma muito modernista, cínico e iconoclasta para isso. Na verdade, superfi­
cialmente, o programa parece ser anti-religioso, com boa dose de sua sátira 
dirigida contra Ned Flanders e outros personagens devotos. Mas vemos 
novamente o princípio em ação, segundo o qual quando O s Sim psons sati­
riza alguma coisa, reconhece sua importância. Mesmo quando ele parece 
estar ridicularizando a religião, reconhece, como poucos outros programas 
de televisão, a verdadeira importância da religião na vida americana.
É nesse ponto que a abordagem da familia em O s S im psons se liga 
à abordagem da política. Embora a série se concentre na familia nuclear, 
ela associa a família às maiores instituições na vida americana, como a 
igreja, a escola e até as próprias instituições políticas, como a prefeitura. 
Em todos esses casos, O s S im psons satiriza essas instituições, fazen­
do-as parecer ridículas e freqüentemente vazias. Mas, ao mesmo tem­
po, o programa reconhece a importância delas e, principalmente, para a familia. 
Ñas últimas décadas, a televisão vem cada vez mais isolando a familia - para 
mostrá-la cada vez mais afastada de qualquer estrutura ou contexto 
institucional maior. Essa é outra tendência contrária ao que mostra Os 
Sim psons, em parte por ser uma recriação pós-moderna das comédias 
dos anos 1950. Programas como P a p a i Sabe-Tudo ou L eave it to B eaver 
costumavam ser baseados em cidadezinhas do interior, com toda a 
intrincada rede de instituições à qual a vida em família se misturava. Ao 
recriar esse mundo, embora faça pouco dele, Os Sim psons não deixa de 
recriar seu ambiente e, às vezes, até seu etos.
Springfield é decididamente uma cidadezinha americana. Em vários 
episódios, a cidade é contrastada com a Capital, uma metrópolis aonde os 
Simpsons vão com medo e hesitação. Um dos principais motivos por que a 
família desestruturada funciona tão bem é que eles vivem numa cidadezi-
175 Um bom exemplo desse estereótipo pode ser visto no filme Contato, com as figuras 
religiosas contrastantes interpretadas por Matthew McConaughey (bom) e Jake Busey 
(mau).
176 “In Marge We Trust.”
1 6 4 Os Simpsons e a Filosofía
nha americana tradicional. As instituições que governam suas vidas não 
são distantes deles ou estranhas a eles. Os filhos dos Simpsons freqüentam 
urna escola do bairro (embora devam ir à escola de ônibus, dirigido pelo ex- 
hippie Otto). Seus amigos na escola são praticamente os mesmos amigos 
do bairro. Os Simpsons não enfrentam uma burocracia educacional elabo­
rada, inacessível e indiferente. O diretor Skinner e a Sra. Krabappel podem 
não ser educadores perfeitos, mas quando Homer e Marge precisam falar 
com eles, estão sempre disponíveis. O mesmo se diga da força policial de 
Springfield. O chefe Wiggum não é um grande combatente do crime, mas é 
bem conhecido pelos cidadãos de Springfield, assim como estes são conhe­
cidos por ele. A polícia em Springfield ainda faz rondas por bairros; e se 
sabe que alguns policiais já dividiram um ou dois donuts com Homer.
De modo semelhante, a política em Springfield é basicamente uma 
questão local, incluindo reuniões municipais, nas quais os cidadãos de 
Springfield influenciam as decisões sobre assuntos importantes de interes­
se comum, como legalizar ou não os jogos de azar e construir um monotrilho. 
Como indica seu sotaque de Kennedy, o prefeito Quimby é demagogo, mas 
pelo menos é um demagogo de Springfield mesmo. Quando ele compra 
votos, compra-os diretamente dos cidadãos de Springfield. Se Quimby quer 
que o vovô Simpson apóie uma rodovia que ele quer construir atravessando 
a cidade, concorda em dar à rodovia o nome do personagem favorito de 
Abe, Matlock. Para onde quer que olhemos em Springfield, vemos um grau 
surpreendente de controle e autonomia local. A usina nuclear é uma fonte 
de poluição e constante perigo, mas pelo menos ela pertence a um 
industrialista tirano e explorador local, Montgomery Burns, e não a uma 
corporação multinacional remota (na verdade, numa exceção que compro­
va a regra, quando a usina é vendida a investidores alemães, Burns logo a 
compra de volta para restaurar seu ego).177
Em suma, apesar de todo o seu modernismo, Os Simpsons é profun­
damente anacrônico, remontando a uma época anterior, quandos os ameri­
canos se sentiam mais em contato com suas instituições governantes e a 
família era solidamente ancorada numa comunidade maior, porém ainda 
local. O governo federal raramente exerce pressão em Os Simpsons, e 
quando isso acontece, a pressão geralmente assume uma forma ardilosa, 
como no caso do ex-presidente Bush se mudando para a casa ao lado da de 
Homer, um arranjo que não dá certo. Os longos tentáculos da receita fede­
ral ocasionalmente atingem Springfield, mas seu punho de ferro sobre a 
América é, sem dúvida, penetrante e inescapável.178 Falando de um modo 
geral, o governo é muito passível de assumir formas locais, no desenho. 
Quando forças sinistras do partido Republicano conspirarm para tirar o
177 “Burns Verkaufen der Kraftwerk.”
178 Ver, por exemplo, “Bart the Fink.”
O s Simpsons: política atomística e a familia nuclear 165
prefeito Quimby do poder, usando como candidato da oposição o ex-presi- 
diário Bob, são as forças sinistras locais que conspiram, lideradas pelo Sr. 
Burns, incluindo Rainer Wolfcastle (o sósia de Árnold Schwarzenneger, 
que interpreta McBain no cinema) e uma espécie de sósia de Rush Limbaugh, 
chamado Burch-Barlow.179
Este é um aspecto no qual o cenário da comunidade local em Os 
Simpsons é irrealista. Em Springfield, até as forças da mídia são locais. 
Claro que não há nada estranho em haver uma estação local de televisão 
em Springfield. E perfeitamente plausível que os Simpsons recebam as no­
tícias de um homem, Kent Brockman, que vive entre eles. E também cabí­
vel que o programa infantil na televisão de Springfield seja local, e que o 
anfitrião, Krusty, o Palhaço, não só more na cidade mas também esteja 
disponível para trabalhos locais como inaugurações de supermercados e 
festas de aniversário. Mas o que os verdadeiros astros de cinema como 
Rainer Wolfcastle estão fazendo em Springfield? E quanto ao fato de que 
os desenhos animados internacionalmente famosos de Comichão e 
Coçadinha são produzidos em Springfield? Aparentemente, todo o império 
Comichão e Coçadinha é sediado em Springfield. Esse não é um fato trivi­
al. Significa que quando Marge faz campanhas contra a violência nos dese­
nhos e monta um piquete em volta da sede de Comichão e Coçadinha, ela 
nem precisa sair de sua cidade natal.180 Os cidadãos de Springfield são 
felizes por terem um impacto direto sobre as forças que moldam suas vidas, 
principalmente a vida familiar. Em suma, Os Simpsons pega o fenômeno 
que mais contribuiu para subverter o poder local na política americana e na 
vida da população em geral - a mídia - e o traz para a órbita de Springfield, 
deixando as forças pelo menos parcialmente sob controle local.181
O retrato irrealista da mídia local ajuda a demonstrar a tendência geral 
de Os Simpsons - apresentar Springfield como uma espécie de metrópole 
clássica: ela é tão auto-suficiente e autônoma como qualquer comunidade no 
mundo moderno. Isso mais uma vez reflete a nostalgia pós-moderna de 
Os Simpsons', com sua recriação autoconsciente da comédia de situação 
dos anos 1950, a série acaba celebrando, por estranho que pareça, o velho 
ideal da América do interior.182 Novamente, não pretendo negar que o pri-
179 “Sideshow Bob Roberts.”
180 “Itchy & Scratchy & Marge.”
181 O episódio intitulado “Radioactive Man” oferece uma divertida inversão do relaciona­
mento usual entre a mídia global e local. Um empresa cinematográfica de Hollywood vem 
a Springfield para fazer um filme apresentando um herói de gibi, o Homem Radioativo. 
Os moradores e comerciantes locais se aproveitam dos ingênuos cineastas, aumentando os 
preços em toda a cidade e impondo toda espécie de taxa à equipe de filmagem. Forçados a 
retomar à Califórnia sem um centavo, os cineastas recebem de seus vizinhos na comunidade 
hollywoodiana as boas vindas como se fossem heróis de uma cidadezinha do interior.
1 6 6 Os Simpsons e a Filosofia
meiro impulso de Os Simpsons é o de caçoar da vida interiorana. Mas 
nesse mesmo processo, a série nos lembra de qual era o velho ideal e o 
como ele era atraente, antes de qualquer coisa, pelo fato de que o cidadão 
americano comum se sentia em contato com as forças que influenciavam 
sua vida e talvez até tivesse um certo controle dessas forças. Numa apre­
sentação para a Sociedade Americana de Editores de Jornais em 12 de 
abril de 1992 (transmitida em C-SPAN), Matt Groening disse que o subtexto 
de Os Simpsons é: “As pessoas no poder nem sempre levam em conta os 
nossos interesses”.182 183 Essa é uma visão de política que atravessa as distin­
ções normais entre esquerda e direita e explica por que o programa pode 
ser relativamente imparcial em seu tratamento dos dois partidos políticos, e 
tem algo a oferecer tanto aos liberais quanto aos conservadores. Os Simpsons 
baseia-se na falta de confiança no poder e, principalmente, no poder distan­
te das pessoas comuns. A série celebra a verdadeira comunidade, na qual 
todos praticamente conhecem todos (ainda que não necessariamente se 
gostem). Recriando esse antigo sentido de comunidade, o desenho conse­
gue gerar uma espécie de calor humano a partir dessa frieza pós-moder- 
na, um calor que é grandemente responsável por seu sucesso com o público 
americano. Essa visão de comunidade pode ser o comentário mais pro­
fundo de Os Simpsonssobre a vida em família, especificamente, e sobre a 
política em geral na América hoje em dia. Por mais desestruturada que 
pareça, a família nuclear é uma instituição que vale a pena ser preservada. 
E o jeito de preservá-la não é por meio de ofícios de um estado distante, 
supostamente especialista e terapêutico, e sim restaurando seus vínculos a 
uma série de instituições locais, que refletem e encorajam o mesmo princí­
pio pelo qual funciona a família Simpson - o apego ao que é nosso, o princípio 
segundo o qual cuidamos melhor de uma coisa que nos pertence.
A celebração do elemento local em Os Simpsons se confirma em 
“They Saved Lisa’s Brain”, que explora em detalhes a possibilidade de uma 
alternativa utópica à política comum em Springfield. O episódio começa 
com Lisa chocada com um concurso grotesco patrocinado por uma esta­
ção de rádio local, que, entre outras coisas, resulta no incêndio de uma 
exposição itinerante de Van Gogh. Com a indignação típica dos mais jo­
vens, Lisa envia uma carta irada ao jornal de Springfield, atacando: “Hoje a 
nossa cidade perdeu o que lhe restava de sua frágil civilidade”. Ultrajada
182 Em sua análise de The Simpsons: A Complete Guide to Our Favorite Family, Michael 
Dirda sabiamente caracteriza o programa como “uma sátira maldosamente engraçada, ainda 
que estranhamente afetuosa da vida americana no fim do século XX. Imagine um filho 
profano da revista Mad, dos filmes de Mel Brooks e de ‘Our Town’”. Ver The Washington 
Post, Book World (11 de janeiro, 1998), p. 5
183 Por estranho que seja, esse tema também é central em outra grande série da Fox, Arquivo X.
O s Sim psons: política atomística e a familia nuclear 1 6 7
pelas limitações culturais de Springfield, Lisa reclama: “Temos oito shopping 
centers, mas nenhuma orquestra sinfónica; 32 bares, mas nenhum teatro 
alternativo”. O desabafo inflamado de Lisa chama a atenção da filial local 
da Mensa, e os poucos cidadãos com QI alto de Springfield (incluindo o Dr. 
Hibbert, o diretor Skinner, o Cara dos Quadrinhos e o professor Frink) convi­
dam a menina a fazer parte da organização (quando percebem que ela trouxe 
uma torta, e não uma quiche para a reunião). Inspirado pelo discurso corajoso 
de Lisa contra o paroquialismo cultural de Springfield, o Dr. Hibbert desafia o 
estilo de vida da cidade; “Por que vivemos numa cidade em que os mais 
inteligentes não têm poder algum e os mais imbecis controlam tudo?” For­
mando um “conselho de cidadãos cultos”, ou o que o repórter Kent Brockman 
chama posteriormente de “junta intelectual”, os membros da Mensa resol­
vem criar o equivalente em desenho animado a República, de Platão, em 
Springfield. Naturalmente, eles começam forçando a saída do prefeito Quimby, 
que, na verdade, deixa a cidade abruptamente, após um pequeno incidente 
envolvendo o desaparecimento dos fundos da loteria.
Aproveitando-se de uma cláusula obscura da constituição local de 
Springfield, os membros da Mensa ocupam o cargo que ficou vago com a 
súbita renúncia de Quimby. Lisa não vê limites para o que o governo platô­
nico dos sábios pode fazer: “Com nossos intelectos superiores, podemos 
reconstruir a cidade com base na razão e no Iluminismo; podemos fazer de 
Springfield uma utopia.” O diretor Skinner tem esperanças de “uma nova 
Atenas”, enquanto outro membro da Mensa pensa em termos de “Walden 
II”, de B. F. Skinner. Os novos governantes imediatamente se empenham 
em pôr em prática sua utopia, redesenhando as rotas de trânsito e abolindo 
todos os esportes que envolvem violência. Mas numa variante da dialética 
do Iluminismo, a racionalidade abstrata e o universalismo benevolente da 
junta intelectual logo se revelam uma fraude. Os membros da Mensa co­
meçam a discordar entre si, e logo fica evidente que sua pretensão de 
representar o interesse público mascara um bom número de interesses pes­
soais. No clímax do episódio, o Cara dos Quadrinhos proclama: “Por inspi­
ração da raça mais lógica na galáxia, os Vulcanos, a procriação será permitida 
uma vez a cada sete anos; para muitos de vocês, isso significará menos 
contato; para mim, muito mais.” Essa referência a Jornada nas Estrelas 
extrai, convenientemente, de Willie uma resposta em seu sotaque nativo, 
que nos lembra o engenheiro chefe da E nterprise, Sr. Scotty: “Não pode 
fazer isso, senhor; não tem o poder.” A tentativa do regime da Mensa, por 
interesses próprios, de imitar a R epública, regulando a procriação na cida­
de é demais para os cidadãos comuns de Springfield suportar.
Com a revolução platônica em Springfield se degenerando em discus­
sões mesquinhas e violência, chega um deus ex m achina na forma do 
físico Stephen Hawking, proclamado “o homem mais inteligente do mun­
do”. Quando Hawking expressa sua decepção com o regime da Mensa, ele
1 6 8 Os Simpsons e a Filosofia
acaba brigando com o diretor Skinner. Aproveitando a oportunidade criada 
pela divisão entre os inteligentes, Homer lidera uma contra-revolução dos 
imbecis, com o grito de guerra: “Venham todos os idiotas, vamos retomar a 
cidade.” Assim, a tentativa de trazer a Springfield um governo de reis filóso­
fos termina de maneira ignóbil, deixando Hawking pronunciar seu epitáfio: 
“Às vezes, os mais sábios entre nós acabam sendo os mais infantis”. A teoria 
falha quando se traduz em prática nesse episódio de Os Simpsons e deve ser 
relegada mais uma vez aos confins da vida contemplativa. O episódio termina 
com Stephen Hawking e Homer bebendo cerveja juntos na Tavema de Moe 
e discutindo a teoria de Homer de um universo em forma de donut.
O episódio da utopia oferece um epítome daquilo que Os Simpsons 
faz tão bem. Ele pode ser apreciado em dois níveis - como farsa deflagrada 
ou sátira intelectual. O episódio contém um dos mais brutos tipos de humor 
na longa história de Os Simpsons (nem sequer mencionei a subtrama sobre 
o encontro de Homer com um fotógrafo pornô). Mas ao mesmo tempo, 
está repleto de alusões culturais sutis; por exemplo, os membros do Mensa 
se reúnem no que é obviamente uma casa de campo tipo “Frank Lloyd 
Wright”. No fim, o episódio da utopia representa a estranha mistura de 
intelectualismo e antiintelectualismo, característica de Os Simpsons. No 
desafio que Lisa faz a Springfield, o desenho chama atenção para os limites 
culturais da América interiorana, mas também nos lembra que o desdém 
intelectual pelo homem comum pode ser levado ao extremo e que a teoria 
pode facilmente perder o contato com o senso comum. Em última instância, 
Os Simpsons parece oferecer uma espécie de defesa intelectual do ho­
mem comum contra os intelectuais, o que ajuda a explicar sua popularidade 
e grande atratividade. Pouquíssimas pessoas acham engraçada A Crítica 
da Razão Pura, mas em A Gaia Ciência, Nietzstche sentiu que tinha 
tocado na piada de Kant:
Kant queria provar, de uma maneira que intrigasse todo o mundo, que 
todo o mundo estava certo - essa era a piada particular de sua alma. Ele 
escrevia contra os cultos sobre o preconceito contra as pessoas comuns, 
mas escrevia para os cultos e não para as pessoas comuns.184
Nos termos de Nietzsche, Os Simpsons é melhor que A Crítica da Ra­
zão Pura num aspecto: defende o homem comum do intelectual, mas de uma 
maneira que ambos possam entender e apreciar.185
184 Ver Diefrõhliche Wissenschaft, sec. 193 (tradução deste autor), em Friedrich Nietzsche, 
Sümtliche Werke: Kritische Studienausgabe, ed. Giorgio Colli e Mazzino Montinari (Berlim: 
de Gruyter, 1867-77), vol. 3, p. 504.
185 Este ensaio é uma revisão substancial de um texto originalmente apresentado no Encon­
tro Anual da Associação Americana de Ciência Política em Boston, setembro de 1988. Foi 
publicado originalmente em Political Theory 27 (1999), p. 734-749, e aparece aqui com 
permissão do autor e da Sage Publications, Inc.
12
[-fífxxiNsia de Spfingfield
Jason H olt
Você é bom de conversa, Quimby, mas é bom de caminhada?
Chefe Wiggum
Da Ayn Rand Escola para Bebês ao zen-budismo, Os Simpsons apre­
senta urna gama de

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