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DIREITO E LEGISLAÇÃO AMBIENTAL Cinthia Louzada Direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Comparar o conceito de meio ambiente ecologicamente equilibrado com o de direito fundamental. Relacionar a positivação dos direitos fundamentais em relação ao seu contexto histórico. Descrever o conteúdo do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado no ordenamento jurídico. Introdução No Brasil, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi alçado como direito fundamental na Constituição Federal de 1988. Esses direitos são espécies de garantias constitucionais positivadas para definir os valores de determinado Estado. Esses valores são fruto do contexto histórico e social de determinado período, e refletem as condições da sociedade em preocupar-se em garantir determinados valores. Neste capítulo, você vai ler sobre o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um produto de nossa época e sobre o conteúdo dos direitos fundamentais de terceira geração em nosso ordenamento jurídico. Direitos fundamentais e as suas gerações O direito a um meio ambiente equilibrado é alçado à categoria de direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro no art. 225 da Constituição Federal, integrando um sistema de direitos fundamentais constitucionais juntamente aos arts. 5º, 7º e 170 da Carta Magna. Cap_3_Direito_e_Legislacao_Ambiental.indd 1 18/12/2017 17:16:53 O que são direitos fundamentais e qual é o seu papel no ordenamento jurídico? Segundo a lição de Bobbio (2004, p. 54): No Preâmbulo ao Estatuto das Nações Unidas, emanado depois da tragédia da Segunda Guerra Mundial, afirma-se que doravante deverão ser protegidos os direitos do homem fora e acima dos Estados particulares, “se se quer evitar que o homem seja obrigado, como última instância, a rebelar-se contra a tira- nia e a opressão”. Três anos depois, foi solenemente aprovada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, através da qual todos os homens da Terra, tornando-se idealmente sujeitos do direito internacional, adquiriram uma nova cidadania, a cidadania mundial, e, enquanto tais, tornaram-se potencialmente titulares do direito de exigir o respeito aos direitos fundamentais contra o seu próprio Estado. Naquele luminoso opúsculo que é a paz perpétua, Kant traça as linhas de um direito que vai além do direito público interno e do direito pública externo, chamando-o de “direito cosmopolita”. É o direito do futuro, que deveria regular não mais o direito entre Estados e súditos, não mais aquele entre os Estados particulares, mas o direito entre os cidadãos dos diversos Estados entre si, um direito que, para Kant, não é “uma representação fantástica de mentes exaltadas”, mas uma das condições necessárias para a busca da paz perpétua, numa época da história em que “a violação do direito ocorrida num ponto da Terra é percebida em todos os outros pontos”. Dessa forma, os direitos fundamentais são direitos garantidos pelo Es- tado nas suas Constituições. Emergem dos direitos humanos como uma categoria contra todos, inclusive contra o próprio Estado em relação aos seus súditos no âmbito internacional, em um primeiro princípio emanando dos princípios da Revolução Francesa contra a tirania e a opressão, e, mais tarde, em busca de termos gerais para obtenção da paz, como consagrado no período pós-guerra na carta da Organização das Nações Unidas (ONU) dos Direitos Humanos. Essa positivação de valores humanos, no entanto, não é estanque, como ensina o autor: [...] os direitos do homem constituem uma classe variável, como a história destes últimos séculos demonstra suficientemente. O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transfor- mações técnicas, etc. Direitos que foram declarados absolutos no final do século XVIII, como a propriedade sacre et inviolable, foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas; direitos que as decla- rações do século XVIII nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados com grande ostentação nas recentes declarações (BOBBIO, 2004, p. 12). Direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental2 Cap_3_Direito_e_Legislacao_Ambiental.indd 2 18/12/2017 17:16:54 Assim, é possível compreender que, nas suas origens remotas, a Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão, de 1789, proveniente da Revolução Francesa, possui um escopo de liberdade e proteção contra as ações do Es- tado — portanto, declara direitos do cidadão privados e abstenção da ação estatal, que configura a propriedade sagrada e inviolável como uma forma de o cidadão proteger o domínio da intervenção outrora abusiva de um Estado totalitário. Por sua vez, os direitos tutelados pela declaração da ONU de 1948 tinham conteúdo de liberdade originado dos princípios da Revolução Francesa como uma reafirmação da sua importância, mas também direitos contra a arbitrariedade do tratamento dos cidadãos, que refletiram o período das duas guerras mundiais que a antecederam. Em continuidade a esse panorama, Bobbio (2004, p. 12) declara que: Não é difícil prever que, no futuro, poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar, como o direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o direito de respeitar a vida também dos animais e não só dos homens. O que prova que não existem direitos fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época histórica e numa determi- nada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas. Não se concebe como seja possível atribuir um fundamento absoluto a direitos historicamente relativos. De resto, não há por que ter medo do relativismo. A constatada pluralidade das concepções religiosas e morais é um fato histórico, também ele sujeito a modificação. O relativismo que deriva dessa pluralidade é também relativo. E, além do mais, é precisamente esse relativismo o mais forte argumento em favor de alguns direitos do homem, dos mais celebrados, como a liberdade de religião e, em geral, a liberdade de pensamento. Se não estivéssemos convencidos da irresistível pluralidade das concepções últimas, e se, ao contrário, estivéssemos convencidos de que asserções religiosas, éticas e políticas são demonstráveis como teoremas (e essa era, mais uma vez, a ilusão dos jusnaturalistas, de um Hobbes, por exemplo, que chamava as leis naturais de “teoremas”). Dessa forma, em que pese os direitos fundamentais serem uma proteção forte de direitos tutelados pelo Estado ou contra a atividade estatal em prol da liberdade privada, eles são dinâmicos, o que explica a sua evolução em gerações, conforme desenvolvido por Bobbio. Segundo o autor: [...] os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem — que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens — ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através 3Direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental Cap_3_Direito_e_Legislacao_Ambiental.indd 3 18/12/2017 17:16:54 de demandas de limitações do poder; remédios que são providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor. As primeiras correspondem os direitos de liberdade, ou um não agir do Estado; aos segundos, os direitos sociais, ou uma ação positiva do Estado. Embora as exigências de direitos possam estar dispostas cronologicamente em diversas fases ou gerações, suas espécies são sempre — com relação aos poderes constituídos,apenas duas: ou impedir os malefícios de tais poderes ou obter seus benefícios. Nos direitos de terceira e de quarta geração, podem existir direitos tanto de uma quanto de outra espécie (BOBBIO, 2004, p. 8). Assim, conforme a sociedade evolui da proteção de direitos à liberdade, é possível refletir e exigir direitos sociais e, a partir do cumprimento desses postulados, podemos observar direitos que fogem da esfera individual para uma perspectiva difusa, como os direitos de terceira geração, ou mesmo em relação a outros seres, ou à constituição biológica do ser humano, como o autor prevê em relação aos direitos de quarta geração: Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecoló- gicos: o direito de viver num ambiente não poluído. Mas já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo (BOBBIO, 2004, p. 8). Dessa forma, podemos caracterizar os direitos fundamentais como um reflexo do tempo e dos valores de determinada nação a partir dos avanços tec- nológicos e da reflexão que determinada sociedade emprega sobre o conteúdo mínimo dos direitos a serem tutelados pelo Estado ou contra o Estado. A sua previsão se encontra normalmente na Constituição, no âmbito interno e nos tratados internacionais de direitos humanos da ONU no âmbito internacional, tendo abrangência dinâmica desde a sua criação conceitual. Trata-se de direitos positivos, uma vez que estão escritos e ratificados no âmbito interno de cada Estado, mas com relação íntima do conteúdo filosófico do que se consideram direitos naturais do homem em determinado contexto e discussão acerca das influências entre o Estado, a ciência, o homem e a natureza. Direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental4 Cap_3_Direito_e_Legislacao_Ambiental.indd 4 18/12/2017 17:16:54 Os direitos fundamentais evoluem conforme as sociedades se reorganizam em perí- odos históricos. Os direitos de primeira geração, contextualizados no final do regime absolutista e da revolução burguesa, tinham como condão os chamados direitos de liberdade; já os direitos de segunda geração, após as discussões políticas entre esquerda e direita durante a Guerra Fria, determinaram os chamados direitos sociais. Por fim, os direitos atuais, que focam na afirmação de determinados grupos e titulares sem voz, compõem os direitos de solidariedade ou direitos de terceira geração, sendo esse processo dinâmico quanto à história e às mudanças sociais enfrentadas por todos os povos e por povos específicos dentro do seu Estado nacional. Direito a um meio ambiente equilibrado e o seu contexto histórico Conforme vimos, o direito a um meio ambiente equilibrado, assim como os demais direitos fundamentais, é produto do seu tempo, de modo que Bobbio (2004, p. 10) afi rma que: Os direitos de terceira geração, como o de viver num ambiente não polu- ído, não poderiam ter sido sequer imaginados quando foram propostos os de Segunda geração, do mesmo modo como estes últimos (por exemplo, o direito à instrução ou à assistência) não eram sequer concebíveis quando foram promulgadas as primeiras declarações setecentistas. Essas exigências nascem somente quando nascem determinados carecimentos. Novos care- cimentos nascem em função da mudança das condições sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazê-los. Falar de direitos naturais ou fundamentais, inalienáveis ou invioláveis, é usar fórmulas de uma linguagem persuasiva, que podem ter uma função prática num documento político, a de dar maior força à exigência, mas não têm nenhum valor teórico, sendo, portanto, completamente irrelevantes numa discussão de teoria do direito. Assim, para compreendermos o conteúdo do direito a um meio ambiente equilibrado, devemos observar o seu contexto de criação, a sua evolução e o contexto histórico em que vivemos para que ele ganhe relevância prática, e consequentemente, jurídica. A pedra fundamental para o desenvolvimento de um direito humano ao meio ambiente equilibrado foi lançada na Conferência das Nações Unidas de 1972, em Estocolmo, onde foi formulado o seguinte texto: 5Direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental Cap_3_Direito_e_Legislacao_Ambiental.indd 5 18/12/2017 17:16:54 1. O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de trans- formar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma. 2. A proteção e o melhoramento do meio ambiente humano são uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro, um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um dever de todos os governos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1972). Como depreendemos da leitura dos dois primeiros postulados da declaração de Estocolmo, a preocupação com a qualidade ambiental dava-se primeira- mente em relação à saúde e ao bem-estar humano, e, portanto, à proteção de um meio ambiente humano. Essa tendência seguia os direitos de primeira e segunda gerações, em que a tutela dos direitos humanos tinha como sujeitos de direitos o indivíduo e a coletividade de seres que compunham o Estado e a comunidade internacional. Na sua origem, a discussão sobre um meio ambiente saudável, conforme descreve o postulado primeiro da conferência, dá-se pela crescente intervenção do desenvolvimento industrial no meio ambiente em que o homem se insere e no desenvolvimento de doenças vinculadas a essa relação unilateral. O pos- tulado segundo, por sua vez, estabelece a necessidade de mudança de postura do homem em relação à natureza (para o seu próprio bem) e da postura dos seus respectivos governos, a fim de estabelecerem políticas para controlar as suas atividades. A Conferência Rio-92 avança sobre essa matéria de forma significativa, colocando ao lado do homem enquanto sujeito de restrições o próprio Estado, reafirmando a sua função de garantidor de qualidade ambiental. Também retira o termo ambiente humano para privilegiar a harmonia com a natureza ao lado de uma vida saudável e produtiva, portanto alargando o conceito de meio ambiente para os seres não humanos, e estabelece o conceito de desen- volvimento sustentável nos seus princípios 1 e 2: Princípio 1 Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza. Direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental6 Cap_3_Direito_e_Legislacao_Ambiental.indd 6 18/12/2017 17:16:54 Princípio 2 Os Estados, de acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do direito internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recur- sos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e de desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou seu controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1992). Além disso, o princípio 3 da Conferência Rio-92 traz a inovação dares- ponsabilidade intergeracional em relação ao bem meio ambiente: Princípio 3 O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1992). Em Johanesburgo, no ano de 2002, em comemoração aos 10 anos da Con- ferência Rio-92, foi realizada a Conferência Rio+10, que tentou solidificar o conceito de desenvolvimento sustentável a partir do tripé econômico, social e ambiental. A Rio+10 colocou ao lado da preservação ambiental conceitos como a erradicação da pobreza, o desenvolvimento regional e os programas de habitação de forma harmônica, construindo uma ponte entre as diferentes gerações de direitos fundamentais, em especial os direitos de segunda e terceira gerações, no seu plano de ações. A Convenção de Johanesburgo chama a atenção para a necessidade da sustentabilidade do consumo e da mudança de postura individual em relação ao meio ambiente como catalizador de mudanças (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2002). A conferência mais impactante da atualidade, a Rio+20, realizada em 2012, reafirmou diversos aspectos das conferências anteriores, cristalizando a inter- conectividade dos direitos de segunda e terceira gerações nos seus postulados: 7Direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental Cap_3_Direito_e_Legislacao_Ambiental.indd 7 18/12/2017 17:16:54 1. Nós, Chefes de Estado e de Governo, e representantes de alto nível, reu- nidos no Rio de Janeiro, Brasil, de 20 a 22 de junho de 2012, com a plena participação da sociedade civil, renovamos o nosso compromisso com o desenvolvimento sustentável e com a promoção de um futuro econômico, social e ambientalmente sustentável para o nosso planeta e para as atuais e futuras gerações. 2. Erradicar a pobreza é o maior desafio global que o mundo enfrenta hoje, e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável. Neste sentido temos o compromisso de libertar a humanidade, urgentemente, da pobreza e da fome. 3. Afirmamos, portanto, a necessidade de uma melhor integração dos aspectos econômicos, sociais e ambientais do desenvolvimento sustentável em todos os níveis, e reconhecemos as relações existentes entre esses diversos aspectos para se alcançar o desenvolvimento sustentável em todas as suas dimensões. 4. Reconhecemos que a erradicação da pobreza, a mudança dos modos de consumo e produção não viáveis para modos sustentáveis, bem como a proteção e gestão dos recursos naturais, que estruturam o desenvolvimento econômico e social, são objetivos fundamentais e requisitos essenciais para o desenvol- vimento sustentável (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2012). Dessa forma, em sintonia com a teoria de Bobbio, o direito a um meio ambiente equilibrado surge a partir da noção social de um alcance relativo dos direitos de liberdade e direitos sociais de primeira e segunda gerações, respectivamente. No entanto, a partir da evolução das discussões sobre a preservação do meio ambiente no cenário internacional (e de forma reflexa no cenário na- cional), é possível observarmos a necessidade de desenvolvimento paralelo entre esses direitos, sendo reafirmados direitos básicos, como a erradicação da pobreza, como pressupostos para o alcance de direitos sociais e transindi- viduais respectivamente. Dessa forma, o conceito-chave para estabelecer o conteúdo do direito a um meio ambiente equilibrado, conforme a evolução das conferências mun- diais sobre o tema, encontra-se na noção de desenvolvimento sustentável nas suas esferas econômica (que pressupõe a liberdade privada para o seu alcance), social (que prevê ações positivas do Estado para a sua tutela) e ambiental (que deve incentivar ações econômicas para o desenvolvimento de inovações menos nocivas ao meio ambiente e para resolver problemas existentes). Ao mesmo tempo, é necessário o desenvolvimento de políticas de igualdade social para promover a possibilidade de ação e reflexão do povo em relação à tutela do meio ambiente como uma necessidade solidária da humanidade). Direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental8 Cap_3_Direito_e_Legislacao_Ambiental.indd 8 18/12/2017 17:16:55 Direito a um meio ambiente equilibrado no âmbito interno O art. 225 da Constituição Federal de 1988 positiva, no nosso ordenamento, o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, a partir do seguinte teor: Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988). Dessa forma, é possível extrair do Texto Constitucional a evolução do conceito de meio ambiente humano para convivência com a natureza a partir da abstenção do termo “os seres humanos”, seguido do termo “to- dos”, conforme defendido pela corrente biocêntrica da doutrina ambiental, a exemplo do reconhecimento da personalidade jurídica dos animais feito pelo Código Civil francês no art. 515 e pelo Código Civil português no art. 201-B, que reconhecem animais como seres vivos dotados de sensibilidade como titulares de direitos. O mesmo trecho, porém, é interpretado pela doutrina mais conservadora como restrito aos seres humanos como os seus detentores. Em uma segunda leitura do texto, é possível extrair o conteúdo de um meio ambiente equilibrado, em conjunto com os trechos bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Nesse segundo trecho, extraímos a noção de bem coletivo enquanto de uso comum do povo, bem como o direito subjetivo entre cada sujeito que compõe esse povo, podendo esse meio ambiente se situar na sua propriedade privada ou em propriedade pública; mas o seu uso, gozo e fruição são coletivos. Já o segundo segmento compreende as partículas de uso comum vinculadas aos bens essenciais à sadia qualidade de vida; portanto, nem todos os elementos ambientais são de uso comum, somente aqueles elementos indispensáveis para a qualidade de vida (novamente, a Constituição não res- tringe o texto à vida humana, podendo ser interpretada de maneira extensiva ou restritiva de acordo com a posição doutrinária adotada). Finalmente, o caput emprega ao Poder Público e à coletividade o poder de tutelar esse direito, em nome da atual e das futuras gerações, absorvendo o postulado da Rio-92 quanto à responsabilidade multigeracional e do dever do Estado de garantir a tutela desse direito, em conjunto com os seus sujeitos, de- tentores do direito subjetivo ao meio ambiente equilibrado nos seus elementos essenciais à saúde. 9Direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental Cap_3_Direito_e_Legislacao_Ambiental.indd 9 18/12/2017 17:16:55 Para tanto, o art. 225 dispõe, nos seus parágrafos, os deveres específicos e ferramentais do Poder Público como (BRASIL, 1988): preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e dos ecossistemas; preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e os seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente por meio de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencial- mente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, mé- todos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; promover a educação ambiental em todos os níveis deensino e a cons- cientização pública para a preservação do meio ambiente; proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco a sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade. Já o § 2º outorga ao ente público ou privado que explorar recursos minerais o dever de recuperação do ambiente degradado de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, que, segundo a Lei Complementar nº. 140, de 8 de dezembro de 2011, e o Código de Mineração, é a subseção do Departamento Nacional de Mineração mais próximo ou da prefeitura ou órgão do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) responsável pela expedição da licença ambiental do empreen- dimento (BRASIL, 2011). Já o § 3º estabelece a tríplice responsabilidade penal, administrativa e civil, que, conforme o caput, é de titularidade da coletividade (por meio de organizações não governamentais ou do Ministério Público) ou do Poder Público (por meio do SISNAMA) para buscar a reparação, retaliação ou pe- nalização por danos, infrações e/ou crimes cometidos contra o meio ambiente (BRASIL, 1988). Direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental10 Cap_3_Direito_e_Legislacao_Ambiental.indd 10 18/12/2017 17:16:55 O § 4º define como biomas de proteção especial (BRASIL, 1988): Floresta Amazônica brasileira; Mata Atlântica; Serra do Mar; Pantanal Mato-Grossense; zona costeira. Já o § 5º torna indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais (BRASIL, 1988). Finalmente, o § 6º vincula a operação de usinas com reator nuclear à defi- nição da sua localização em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas, dado o potencial risco dessa atividade. Essas atividades possuem regramento especial dado pela Lei nº. 6.453, de 17 de outubro de 1977. Por meio da leitura do caput do art. 225 e dos seus parágrafos, fica clara a amplitude do direito a um meio ambiente equilibrado, a partir da proteção de áreas especiais, biodiversidade, saúde humana, direitos de animais, plantas e outros seres vivos, tutela das atividades energéticas, minerárias e outras, além da responsabilidade civil, penal e administrativa, criando um verdadeiro subsistema jurídico centrado na proteção sistêmica dos direitos humanos a partir de um conceito de desenvolvimento sustentável das suas atividades. Esse sistema deve ser extraído em harmonia com os princípios internacionais de Direito Ambiental dados pelas diversas convenções ratificadas pelo Brasil, que, pela força do art. 5º, §§ 1º e 2º, contemplam os tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, com aplicação imediata. 11Direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental Cap_3_Direito_e_Legislacao_Ambiental.indd 11 18/12/2017 17:16:56 BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BRASIL. Lei complementar nº. 140, de 8 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. 2011. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp140.htm>. Acesso em: 11 dez. 2017. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração final da conferência das nações unidas sobre desenvolvimento sustentável (Rio+20). 2012. Disponível em: <http://www. mma.gov.br/port/conama/processos/61AA3835/O-Futuro-que-queremos1.pdf>. Acesso em: 11 dez. 2017. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Rio+10: o plano de ação de Joanesburgo. 2002. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/ estudos-e-notas-tecnicas/arquivos-pdf/pdf/207993.pdf>. Acesso em: 11 dez. 2017. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração sobre meio ambiente e desenvol- vimento. 1992. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/ Meio-Ambiente/declaracao-sobre-meio-ambiente-e-desenvolvimento.html>. Acesso em: 11 dez. 2017. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano. 1972. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/ Meio-Ambiente/declaracao-de-estocolmo-sobre-o-ambiente-humano.html>. Acesso em: 11 dez. 2017. Leituras recomendadas BRASIL. Lei nº. 6.453, de 17 de outubro de 1977. Dispõe sobre a responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos relacionados com atividades nucleares e dá outras providências. 1977. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/l6453.htm>. Acesso em: 12 dez. 2017. MILARÉ, E. Direito do ambiente. 8. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2013. NARDY, A. et al. Princípios de direito ambiental: na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. 13Direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental Cap_3_Direito_e_Legislacao_Ambiental.indd 13 18/12/2017 17:16:58 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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