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W BA 01 58 _V 1. 0 A CRIANÇA COMO PRODUTORA CULTURAL 2 Marta Regina Furlan de Oliveira São Paulo Platos Soluções Educacionais S.A 2021 A CRIANÇA COMO PRODUTORA CULTURAL 1ª edição 3 2021 Platos Soluções Educacionais S.A Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César CEP: 01418-002— São Paulo — SP Homepage: https://www.platosedu.com.br/ Diretor Presidente Platos Soluções Educacionais S.A Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Braga de Oliveira Higa Camila Turchetti Bacan Gabiatti Giani Vendramel de Oliveira Gislaine Denisale Ferreira Henrique Salustiano Silva Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Giani Vendramel de Oliveira Revisor Verônica Belfi Roncetti Paulino Editorial Alessandra Cristina Fahl Beatriz Meloni Montefusco Carolina Yaly Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) _________________________________________________________________________________________ Oliveira, Marta Regina Furlan de O48c A criança como produtora cultural / Marta Regina Furlan de Oliveira. – São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2021. 55 p. ISBN 978-65-89881-04-9 1. Contratos. 2. Empresarial. 3. Consumidor. I. Título. CDD 305.231 ____________________________________________________________________________________________ Evelyn Moraes – CRB-8 10289 © 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Platos Soluções Educacionais S.A. 4 SUMÁRIO A construção cultural da infância no Brasil ___________________ 05 Criança, produção cultural e educação da infância ___________ 18 A criança contemporânea: consumo, tecnologia, mídia e lúdico_________________________________________________________33 O sentido de educar a criança na contemporaneidade: proposições pedagógicas ____________________________________ 48 A CRIANÇA COMO PRODUTORA CULTURAL 5 A construção cultural da infância no Brasil Autoria: Marta Regina Furlan de Oliveira Leitura crítica: Verônica Belfi Roncetti Paulino Objetivos • Refletir sobre a construção social e cultural da infância e do ser criança no Brasil. • Reconhecer as diferentes culturas e contextos da educação da infância em sintonia com as mudanças sociais mais amplas. • Desenvolver um olhar crítico sobre a infância e o ser criança em relação à concepção que se tem hoje. 6 1. Primeiras palavras As crianças merecem o nosso respeito, a nossa confiança, a nossa amizade. É bom viver nesta atmosfera particular feita de sentimentos delicados, risos alegres, esforços entusiastas, primeiras admirações, alegrias puras e claras. (KORCZAK, 1984, p. 40) Etimologicamente, infância origina-se do latim infans, infantis, isto é, “que não fala, incapaz de falar” ou, ainda, “que tem pouca idade, infantil, de criança pequena” (KOHAN, 2007, p. 100). Sobre o conceito de infância, nesse sentido, há a percepção de que ela significa “incapacidade de falar”, sendo constituída como uma etapa da vida envolvida por “dependência” e simplicidade. Entretanto, Kohan (2007, p. 101) convida a pensar a infância a partir do que ela tem, e não do que lhe falta: “como presença, e não como ausência; como afirmação, e não como negação; como força, e não como incapacidade […]”. No contexto da infância, percebe-se mediante escritos de autores diversos, tais como Kohan (2007), Kuhlmann Júnior (2007), Sarmento (2016) que afirmam que as crianças existem em todas as partes do mundo e, de certa forma, agem semelhantemente: elas brincam; aprendem por meio de experiências diversas; precisam ser afetivamente acolhidas pelos pares e pelos adultos; necessitam de um ambiente seguro e estimulante criando diversas formas de ser e agir no mundo e com o mundo. Nesse sentido, o objetivo deste texto é tecer uma reflexão acerca da construção social e cultural da infância no Brasil tendo como referência as mudanças em relação à compreensão do que se tem sobre infância e criança no contexto atual. No primeiro momento, apresenta-se breves considerações sobre o conceito de infância e do ser criança e, num segundo momento, dirige-se um olhar especial às infâncias e às crianças enquanto sujeitos de direitos e que apresentam suas especificidades e necessidades que precisam ser reconhecidas pelos adultos. 7 1.1 Concepção de infância É preciso considerar a infância como uma condição da criança. O conjunto das experiências vividas por elas em diferentes lugares históricos, geográficos e sociais é muito mais do que uma representação dos adultos sobre esta fase da vida. (KUHLMANN JÚNIOR, 1998, p. 31) Ao debruçar o olhar para história da infância, é possível identificar que a concepção de representação da infância é construída nos diversos contextos sociais pelos diferentes discursos que incidem sobre essa etapa da vida, conforme afirma Ariès (1981) em sua obra clássica denominada História social da criança e da família. Nesse sentido, a história alimenta a compreensão de que o conceito de infância que se tem atualmente nem sempre foi reconhecido da mesma forma. Segundo Ariès (1981), o final do século XIII foi marcado pela ausência de um sentimento para com a infância, principalmente no que tange a sua inserção desde a mais tenra idade na vida cotidiana dos adultos. Ariès (1981) afirma que no decorrer dos tempos, a presença da criança na organização social passou por transformações que deram origem a diferentes concepções sobre a infância, as quais, por sua vez, estiveram profundamente marcadas pela forma como, nesse processo, os adultos perceberam e trataram as crianças. Por conseguinte, diferentes áreas como a psicologia, a sociologia, a história, a filosofia, a antropologia, entre outras, têm revelado que o conceito de infância e a percepção sobre a criança foram se constituindo e tomando uma proporção em consonância com a forma como adultos e crianças se relacionaram e expressaram tais relacionamentos. Há estudiosos da infância que afirmam que o surgimento do seu conceito se deu no Renascimento e se firmou na Modernidade. Entretanto, segundo considerações de Ariès, (1981) a infância tenha tido seu surgimento apenas a partir do século XVII. Com base em demais estudiosos da infância, considera-se indícios de que as concepções 8 de infância começaram a se construir em períodos anteriores à modernidade. Mesmo que Ariès (1981) afirmasse que no período medieval não havia uma concepção de infância, há que considerar que ao relatar o contexto social da Idade Média, de certa forma, a infância revela-se envolvida com elementos do cotidiano histórico e social da época. As idades correspondem aos planetas, em número de sete: a primeira idade é a infância que planta os dentes, e essa idade começa quando a criança nasce e dura até os sete anos. Após a infância, vem a segunda idade chama-se pueritia1 e essa idade dura até os 14 anos. Depois segue- se a terceira idade, que é chamada adolescência. Essa idade é chamada de adolescência porque a pessoa é bastante grande para procriar. Depois segue-se a juventude, que está no meio das idades, embora a pessoa aí esteja na plenitude de suas forças, e essa idade dura até os 45 anos, 50. Depois segue-se a senectude, que está a meio caminho entre a juventude e a velhice. Após essa idade, segue-se a velhice, que dura, segundo alguns, até 70 e, segundo outros, não tem fim até a morte. (ARIÈS, 1981, p. 36) Dessa maneira, ao descrever as etapas cronológicas, Ariès (1981) traz, mesmo que de formatímida, a concepção que se tinha da infância no período medieval, que, de certa forma, correspondia a uma faixa etária que lhe caracterizava (até os 7 anos) e que após tal idade ingressava no mundo adulto. Nesse prisma, a infância medieval consistiu em um tempo de preparação para a vida adulta. Sobre isso, Oliveira (2000, p. 30) aponta que: Na primeira infância a criança aprendia sobre o espaço da casa, da aldeia, das redondezas. Era o tempo de aprender sobre os brinquedos e as brincadeiras, aprender a relacionar-se com outras crianças da mesma idade ou maiores, aprender as técnicas do corpo, as regras e os comportamentos exigidos, enfim, situações presentes na vida de sua família e de sua comunidade. (OLIVEIRA, 2000, p. 30) 1 Refere-se a pueril, ou seja, um adjetivo relacionado à infância, infantil. 9 Por conseguinte, é notória a percepção que, em cada momento histórico e social, a infância foi sendo percebida e reivindicada pelos olhos adultos de cada tempo e cultura. Sarmento (2016, p. 78) afirma que a “infância é plural, constituindo uma categoria geracional universal, cuja construção é social e historicamente muito diferenciada”. Para isso, a Figura 1 exemplifica os diferentes tipos de crianças, que vão muito além de serem apenas crianças, mas, sim, sujeitos que vivem a partir das condições sociais, políticas, culturais, econômicas e educativas. Figura 1 – Diferentes crianças e sua visibilidade Fonte: Rawpixel/iStock.com. A partir da compreensão da infância e das diferentes crianças atreladas ao contexto social mais amplo, vale reconhecer as representações da infância e considerar as crianças concretas e produtoras de história no sentido de visibilidade, bem como as crianças que em muitos casos estão invisíveis para a sociedade, como mostra a Figura 2. 10 Figura 2 – Diferentes crianças e sua invisibilidade Fonte: fbxx/iStock.com. Desse modo, a infância como realidade social emergente no âmbito de um conjunto de processos sociais, torna-se potência para as crianças construírem intervenções na produção dessa mesma realidade. Assim, Sarmento (2016, p. 78) revela: As crianças são sujeitos individuais integrantes da categoria geracional infância, cuja educação se realiza na base das interações com os adultos, pelo que o seu crescimento está muito dependente da relação estabelecida entre a imagem de infância e as oportunidades daí decorrentes, criadas pelas educadoras, e da agência da própria criança. (SARMENTO, 2016, p. 78) Diante disso, há uma longa caminhada histórica e cultural para que as crianças, hoje, possam ser percebidas na plenitude e na forma de ser e estar no mundo, visto que outrora, embora se falasse da infância, havia uma grande ausência da criança na história, simplesmente porque, no 11 chamado passado, da Antiguidade à Idade Média, não existia esse objeto discursivo a que chamamos infância, nem essa figura social e cultural chamada criança. 1.2 Sobre as crianças e suas infâncias […] É importante perceber que as crianças concretas, na sua materialidade, no seu nascer, no seu viver ou morrer, expressam a inevitabilidade da história e nela se fazem presentes, nos seus mais diferentes momentos. (KUHLMANN JÚNIOR, 1998, p. 32) A partir de Kuhlmann Júnior (1998), a heterogeneidade é a referência dos diferentes contextos em que vivem as crianças. As condições sociais, econômicas e culturais variam muito, sendo reveladas nos tipos de moradias e o número de parentescos que também sofriam alterações. Kramer (2002) afirma que os tipos de construções da maioria das casas das crianças era de alvenaria, mas algumas viviam em casa emprestada, outras em casa própria ou alugada. A diversidade se firmava, também, em termos de cômodo, dos serviços disponíveis (como luz, gás, água encanada e telefone). O número de pessoas residentes nas casas variava de duas a sete, havendo em alguns casos visíveis oscilações para mais ou menos. A partir desse simples exemplo de diversidade há de se afirmar que a sociedade tem se deparado com essa realidade há tempos e que ela precisa ser melhor compreendida por nós, adultos, em relação às nossas crianças. A criança ideal precisa dar espaço para a criança real pode falar, narrar, brincar, expressar-se, enfim, construir suas peculiaridades enquanto sujeito histórico e de direitos. Do ponto de vista histórico, foi preciso quase um século para que a criança tivesse garantido seu direito à educação na legislação. Nesse sentido, o direito de cidadania das crianças revela vários movimentos de lutas e resistência em consonância com a garantia na Constituição 12 Federal de 1988 e, na Convenção sobre os Direitos da Criança pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989, entrando em vigor em 2 de setembro de 1990. Esse direito foi, efetivamente, reconhecido, pois o esforço coletivo dos diversos segmentos visava assegurar, na Constituição, os princípios e as obrigações do Estado para com as crianças e o seu direito à educação. Entretanto, é importante reconhecer que ao tratar do conceito da infância e da criança enquanto sujeito de direitos, faz-se necessário empreender a construção das relações entre fenômeno – histórico – da escolarização das crianças pequenas e a estrutura social. Sobre isso, Kuhlmann Júnior (1998, p. 15) revela que: O fato social da escolarização se explicaria em relação aos outros fatos sociais, envolvendo a demografia infantil, o trabalho feminino, as transformações familiares, novas representações sociais da infância, etc. Uma sociologia centrada sobre a escola das crianças pequenas não poderia ser separada nem de uma sociologia mais global da pequena infância, nem das aquisições de outros campos sociológicos, como as sociologias da família e do trabalho, ou mesmo a sociologia urbana. (KUHLMANN JÚNIOR, 1998, p. 15) A história da educação da infância também sugere esse tipo de consideração, visto que se sabe que a situação sociocultural e as condições econômicas em que vivem as crianças, além do sexo e da etnia, exercem uma forte influência sobre elas e sobre os conhecimentos que constroem. É fundamental o contexto social, psicológico, econômico, cultural e educativo de vida das crianças para quem se dedica a pensar uma educação e uma formação integral, principalmente porque é necessário tecer uma compreensão mais aprofundada de quem são as crianças e de como elas constroem conhecimentos, a fim de explicitar a larga diversidade sociocultural existente na escola e na pré-escola. 13 Por isso, a infância, entre outros aspectos, é entendida como condição social de ser criança e contribui tanto para a melhoria de tal condição como para a constituição desse ser humano de pouca idade, nos diferentes espaços e tempos educacionais. Além disso, para entender a infância é necessário conhecer as representações sociais da criança sobre o mundo e isso é um grande desafio. De acordo com Dahlberg, Moss e Pence (2004, p. 72), a criança tem uma capacidade diferente dos adultos, pois “é entendida e reconhecida como sendo parte da sociedade; ela não existe apenas no lar da família, mas também no mundo mais amplo”. Sobre isso, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009) preconizam por um trabalho voltado aos princípios fundamentais, como solidariedade, respeito às diferenças culturais, valorização das identidades e singularidades das crianças, ou seja: Desde muito pequenas, as crianças devem ser mediadas na construção de uma visão de mundo e de conhecimento como elementos plurais, formar atitudes de solidariedade e aprender a identificar e combater preconceitos que incidem sobre as diferentes formas dos seres humanos se constituírem como pessoas. (BRASIL, 2009, p. 89) Nesse documento a criança é concebida como rica em potencial, com saberes e experiências, que precisam ser considerados pelos adultos, seja a família e/ou a escola. Reitera-se a importância cada vez maior, atualmente, de aprendera ouvir as crianças, visto que o adulto tem ouvido, entendido e dialogado cada vez menos com as crianças. Basta, desse modo, escutá-las para juntamente delas enfrentar os sérios problemas que a sociedade brasileira atual nos coloca (SARMENTO, 2016). Para tanto, reconhecer criticamente como a sociedade concebe a infância e a criança é âncora para lutar em favor dos diferentes tipos de criança e infância. Aqui vale recorrer aos apontamentos de Sarmento (2016, p. 32), que afirma que a “infância é historicamente construída a 14 partir de um processo de longa duração que lhe atribuiu um estatuto social e que elaborou as bases ideológicas, normativas e referenciais do seu lugar na sociedade”. De pronto, ao longo da vida, a criança tem constituída a sua infância entrelaçando-a com o mundo vivido, por meio das mudanças que se firmam ser necessária para a grande engrenagem social, econômica, política, cultural e educativa. Nesse sentido, a criança vai desenvolvendo sua sensibilidade e percepção do mundo e vai construindo leituras sobre as espantosas descobertas do real que cerceia a vida humana: sons, cores, sabores, texturas e odores numa miríade de impressões que o corpo revela no processo de apropriação do sentido de viver e ser/estar no mundo. O sentido de educar e o processo de investida na formação docente requer uma amplitude de olhar para a infância e para a criança, visto que a infância vai além de ser uma etapa cronológica do desenvolvimento humano, como habitualmente é conceituada. A infância é uma condição da experiência humana que se coloca como latência, como tensão constante entre tempo e experiência. É o ponto de partida para reflexões sobre a formação do sujeito, seu modo de pensar e agir. Sua dignidade nos parece estar no fato de se ter algo como horizonte de possibilidade para pensar sua própria condição no mundo contemporâneo. (OLIVEIRA; SILVA, 2020, p. 10) Em Kohan (2007, p. 113), “a infância exige pensar numa temporalidade para além do tempo “normal” da existência humana, das etapas da vida e das fases do desenvolvimento que, de certa forma, ocupa um lugar de debilidade”. Ou seja, infância está mais articulada a uma possibilidade de intensificar certa relação com o tempo, de instaurar um outro tempo e se envolver num círculo repleto de intensidades. De antemão, “o tempo infantil, é o tempo circular, do eterno retorno, sem a sucessão consecutiva do passado, presente e futuro, mas com a afirmação intensiva de um outro tipo de existência” (KOHAN, 2007, p. 114). 15 Por ser a infância e a criança pontos concludentes deste texto, intenciona-se que toda criança tem direito a ser percebida e respeitada na sua individualidade e, para isso, os espaços educativos voltados ao trabalho na infância precisam pautar-se nos princípios de “uma escola equitativa, plural e acolhedora, ou seja, um espaço na qual possa contar com a educação e o cuidado apropriados ao seu desenvolvimento e em que seja respeitada a sua condição peculiar de pessoa em formação” (OLIVEIRA; SILVA, 2020, p. 11). Sarmento (2016, p. 27) afirma que “respeitar o direito à participação das crianças tem se constituído um desafio diário para as práticas pedagógicas dos educadores, por requerer dos mesmos uma escuta sensível”. [...] escuta enquanto processo ativo de comunicação, consistindo em ouvir, interpretar e construir significados que não se limitam à palavra falada, mas tomam como ponto de partida o fato de crianças e adultos estarem expostos a múltiplas vozes, múltiplas perspectivas nos olhares e pensamentos sobre a aprendizagem, sobre a criança e sobre a profissão e, ainda, múltiplas noções de qualidade em educação. (SARMENTO, 2016, p. 27) A educação da infância precisa ser pensada e ressignificada pelo processo formativo intencional e pedagógico, do que simplesmente intermediar modelos e ideais preestabelecidos. Daí a importância de um trabalho educacional que tenha como ponto de partida o reconhecimento daquilo “que é específico da infância; o seu poder de imaginação, fantasia, criação; e entende as crianças como cidadãs, pessoas que produzem cultura e são nelas produzidas” (KRAMER, 2002, p. 81). A imaginação e a fantasia precisam permear o mundo infantil dando a leveza para o que as crianças vivem na realidade, assim exemplificado pela Figura 3. 16 Figura 3 – A criança e a imaginação Fonte: yaruta/iStock.com. Por isso, a escola deve dar oportunidade para que as crianças trabalhem juntas na exploração e na interpretação do mundo que as cerca, pois será dessa maneira que elas assumirão a responsabilidade da própria aprendizagem na perspectiva de Dahlberg, Moss e Pence (2004). Sendo assim, criar condições para um ambiente rico em oportunidades de desenvolvimento da criança e de seus profissionais é condição necessária para uma educação emancipatória e não alienadora. O que se propõe “é que as escolas busquem aproximar cultura, linguagem, cognição e afetividade como elementos constituintes do desenvolvimento humano e voltados para a construção da imaginação, da fantasia e da criatividade de todos os envolvidos” (DAHLBERG; MOSS; PENCE, 2004, p. 10). Assim, a educação infantil, além de ser considerada a primeira etapa da educação básica, é um direito da criança e tem o objetivo de proporcionar condições adequadas para o desenvolvimento de seu bem-estar e a ampliação de suas experiências. 17 Referências ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1998. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 24 out. 2021. BRASIL. Parecer CNE/CEB 020/2009; Resolução CNE/CEB N. 5/2009. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília, DF: Conselho Nacional de Educação/Câmara da Educação Básica, 2009. DAHLBERG, G.; MOSS, P.; PENCE, A. Qualidade na educação da primeira infância: perspectivas pós-modernas. Tradução: Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 2004. KOHAN, W. O. Infância, estrangeiridade e ignorância. Ensaios de filosofia e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. KORCKZAN, Janusz. O direito da criança ao respeito. São Paulo: Perspectiva, 1984. KRAMER, Sônia. Autoria e autorização: questões éticas na pesquisa com crianças. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 116, p. 41-59, jul. 2002. KUHLMANN JÚNIOR, M. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação, 1998. OLIVEIRA, M. Criança na história ou história da criança? Revista Guairacá, Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guairacá, n. 16, p. 25-35, 2000. OLIVEIRA, M. R. F.; SILVA, A. S. Critinfância: novas trilhas e sentidos para a educação da infância em tempos de resistência. Cadernos Cajuína, v. 6, n. 4, 2021, p. 7-21. SARMENTO, T. Infâncias e crianças em narrativas de educadoras da infância. In: PASSEGGI, M. C.; FURLANETTO, E.; PALMA, R. C. (org.). Pesquisa (auto) biográfica, infâncias, escola e diálogos intergeracionais. Curitiba: Editora CRV, 2016, p.77-94. 18 Criança, produção cultural e educação da infância Autoria: Marta Regina Furlan de Oliveira Leitura crítica: Verônica Belfi Roncetti Paulino Objetivos • Refletir sobre a criança na contemporaneidade a partir das contribuições históricas, culturais e legais. • Desenvolver um olhar crítico sobre os sentidos e significados das práticas culturais e formativas em relação às crianças e suas identidades. • Refletir sobre o sentido de educar a infância no contexto contemporâneo a partir das formas de olhar, perceber e escutar as crianças em diferentes contextos. 19 1. Primeiras palavras O tempo de infância apresenta-se no contexto contemporâneo com as particularidades de um espaço envolvido por muitas infâncias, as quais são vividas pelas crianças indígenas, caboclas, quilombolas, pescadoras, camponesas, ribeirinhas, povos dafloresta, sem-terra, assentadas, pequenas agricultoras, imigrantes, colonas, entre outras, imbuídas em suas culturas vividas nas tantas culturas e contextos (BRASIL, 2002). Em tempos de relevantes discussões sobre a sociedade, infância e educação, propõe-se analisar as infâncias e discutir as formas de olhar, perceber e escutar as crianças e suas formas de expressões (corpo, voz, criação, liberdade, movimento, lúdico e protagonismo) em diferentes territórios nacionais. Por conseguinte, pensar a infância nas muitas infâncias potencializa em tempos contemporâneos o olhar e a percepção que, nas suas relações, as crianças constituem-se como sujeitos plurais, isto é, são continuamente constituídas, visto que sua existência se desenvolve por um processo permeado de diversificadas influências e distintas interpretações provenientes de diferentes culturas e espaços. Diante disso, a criança em contexto de produção cultural, precisa desenvolver-se a partir de um arcabouço substancial de experiências, sejam elas sociais, culturais, educativas, lúdicas etc. Para isso, será necessário compreender o processo contínuo de inserção cultural pelo conjunto de significados partilhados por outros ou não e que, de certa forma, é sustentado em práticas da vida individual e social. Ademais, é preciso dar conta dos fatores de heterogeneidade gerados, ainda que nem todas se equivalham, havendo sempre um contexto espaço- temporal dado, uma (ou, por vezes, mais do que uma), que se torna dominante. 20 Por conseguinte, Vasconcellos e Sarmento (2007, p. 29) revelam que o estudo dessas concepções sob a forma de imagens sociais da infância “torna-se indispensável para construir uma reflexividade fundante de um olhar não ofuscado pela luz que emana das concepções implícitas e tácitas sobre a infância”. Desse modo, pensar a criança na contemporaneidade revela dirigir um olhar para a pluralidade de situações e experiências em contextos diversificados e interativos entre pares. Nesse sentido, a educação da infância, especificamente a que atende as crianças de até 5 (cinco) anos, precisa estabelecer intencionalidades bem elaboradas e que sejam materializadas com as propostas pedagógicos de educação e cuidado. Com base nesses apontamentos, este texto se divide em quatro momentos, o primeiro é composto pelo item “Em foco: a infância nas muitas infâncias”; o segundo momento trata “Sentidos e significados: práticas culturais e formativas em relação à criança contemporânea”; o terceiro momento aborda “O universo da pequena infância e suas descobertas”; enquanto o quarto momento diz sobre “Acolher e educar a criança: olhares humanizadores”. Diante disso, destaca-se que as crianças são, ao mesmo tempo, constituintes e constituídas, criadoras e receptoras de determinadas produções culturais. 1.1 Em foco: a infância nas muitas infâncias A infância é um recomeço da humanidade, uma nova partida rumo ao infinito, uma parcela do espírito humano que poderá ser repositório de uma nova experiência ou nascedouro de um novo tempo social e humano. A criança, a partir disso, é um ser humano, é uma pessoa, que dependeu de outras por meio de relações sociais e humanas para se revelar, mas que possivelmente abrirá para outras o caminho da vida. 21 Logo, a infância nas muitas infâncias descortina a possibilidade de pensar a criança na sua condição de ser agora e não uma promessa do futuro, ou seja, é um grande equívoco conceber a criança como apenas um projeto de pessoa, como alguma coisa que no futuro poderá adquirir a dignidade de um ser humano. A luta é pelo reconhecimento da criança enquanto “já é” um ser humano e, por essa razão, é merecedora do respeito que é devido exatamente na mesma medida a todas as pessoas. Dallari e Korczak ressaltam que: É necessário, especialmente, que a criança mais desprotegida, por não ter família, por ter nascido pobre, por ter deficiência física ou pro ser vítima de alguma discriminação social, tenha respeitado, em condições de absoluta igualdade com todas as demais crianças, o seu direito de ser. (DALLARI; KORCZAK, 1986, p. 21) A partir disso, a criança tem o direito de ser pessoa e de ser tratada como pessoa independentemente de suas condições humanas, sociais, culturais, econômicas etc. Assim, reconhecer alguém como pessoa significa não tratar um indivíduo como objeto ou como um ser irracional, principalmente porque mesmo com os discursos aparentemente estabelecidos no contento atual sobre a criança e a sua infância, ainda é veemente percebida a criança assujeitada a esses tipos de tratamento que, em sua maioria, estão associados ao mesmo carinho que se dá a uma coisa de estimação ou algo parecido. Diferentemente dessa concepção de incompletude e de desconsideração à criança, ao voltar os olhares para a infância é possível vislumbrar um mundo marcado por infâncias, de modo a anular uma concepção homogênea e padronizada por condicionamentos meramente biológicos do desenvolvimento. Pelos limiares sociais e culturais percebe-se as infâncias vividas e constituídas pelas relações humanamente construídas em diferentes 22 contextos e territórios. Isso quer dizer que, além de produzirem suas culturais características e particulares da infância, elas são atravessadas por um conjunto de discursos, de produções culturais que lhes são impostas na tentativa de moldá-las ou coagi-las, em alguns casos de forma sub-reptícia, por exemplo, em relação ao poder influenciador da indústria cultural e midiática. Sobre isso, Hall (1997, p. 11-12) ressalta que: [...] a identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que estes mundos oferecem. (HALL, 1997, p. 11-12) A partir disso, o mundo contemporâneo tem oferecido uma cultura da mercadoria e do consumismo mediado pela cultura midiática que tem adentrado na vida das pessoas, crianças e jovens e monopolizado suas formas de viver e de fazer experiência. A criança desde o nascimento é inserida nesses padrões de mercado em que a tecnologia tem seu poderio, roubando o tempo da criança de ser em virtude da vida fitada na tela, conforme a Figura 1. 23 Figura 1 – A criança e a tecnologia Fonte: JohnAlexandr/iStock.com. Essa mesma cultura da indústria motiva pais e responsáveis na busca incansável da utilidade, ato que revela a vida consumista às crianças que se veem perdidas em suas identidades em um quintal marcado pela procura do “ter” em oposição ao interesse de “ser”. 1.2 Sentidos e significados: práticas culturais e formativas na infância Em busca de sentidos e significados em relação às práticas culturais formativas para a infância, em primeira instância, se faz pertinente pensar em que lugar e como está a criança hoje; como ela tem constituído o seu processo formativo considerando os aspectos sociais, afetivos, físicos, cognitivos e motores; quais experiências ela tem vivido em sua infância. 24 Essa reflexão, para ser desenvolvida em instância crítica, precisa considerar a fragilidade de algumas infâncias contemporâneas em detrimento da potência da indústria do consumo e da tecnologia na vida dos pequenos. A ação inculcadora da indústria cultural tem promovido, desde a mais tenra idade, o consumo exacerbado ao envolver com tanta competência as crianças, tendo a tecnologia como mola-mestra. A vida infantil lúdica é roubada pelos brinquedos industriais e tecnológicos que se firmam enquanto mercadoria de consumo e de estandardização do brincar e dos sentidos e significados da infância. Os brinquedos, por exemplo, têm sido alvo de propagação da insatisfação e insaciedade permanentes nas crianças que sentem mais prazer pelo consumo e coleção do brinquedo do que realmente vivenciar a experiência rica do brincar. As crianças que resistem a essa padronização lúdica da vidasão reconhecidas como marginais ao conjunto moldado de infância, ou seja, são vistas como diferentes e sem pertencimento social. Isso remete a uma passagem de Monteiro Lobato que, em uma de suas obras, evidencia que há crianças as quais resistem ao que está pronto e instituído, principalmente quando elas desadoram os brinquedos que fazem tudo, preferindo os toscos que exigem mais o uso da imaginação, como se vê na Figura 2. 25 Figura 2 – A experiência imaginativa da infância Fonte: marcduf/iStock.com. Mesmo que haja crianças e infâncias da resistência e do diferente, há, ainda, uma forte tendência de serem ofuscados esses sentidos da vida infantil em decorrência do impulso nostálgico industrial vivido pelo país, principalmente a partir da segunda metade do século XX. Ainda, a forte tendência industrial da vida e das relações tem potencializado o controle e a manipulação das emoções das crianças, operando enquanto modeladores formativos da infância, que cada vez mais é envolvida pelo manto do consumismo. A esperança em retomar a trilha da humanização da vida e das relações infantis torna-se um imperativo para a busca de novos sentidos e significados para além das práticas culturais capitalistas. 26 1.3 O universo da pequena infância e suas descobertas Considerando que o individual se constitui a partir das relações sociais e, entendendo a infância como possibilidade de se fazer experiências, há a necessidade de melhor explicitar o universo de perspectivas e descobertas em relação às formas de acesso a todos os bens culturais que, consequentemente, sejam para além da cultura do consumo, da tecnológica e da propagação da mídia. Isso se dá principalmente porque a indústria cultural se infiltra de tal modo na vida das pessoas e cria todos os tipos de necessidades, mesmo onde não há nenhuma. Ao consumirem, os indivíduos, de modo geral, e as crianças suprem seus desejos espontâneos, mesmo que de modo ilusório e de sensação de satisfação temporária, pois essa é a própria lógica do consumo: a efemeridade. Na contramão de um solo consumista e utilitarista da vida e das relações, o universo da pequena infância precisa ser pautado nas ações humanizadoras do conhecimento e do desenvolvimento humano. Solange Jobim e Souza e Sonia Kramer (1991, p. 73) destacam que “a atividade do sujeito é considerada, pois, não no isolamento das relações do sujeito com os objetos do mundo físico, mas na interação primordialmente mediada pelos signos linguísticos culturalmente construídos nas interações sociais”. Em Vygotsky (2001), há a afirmativa de que as interações sociais são mecanismos pelos quais o indivíduo constrói o conhecimento, principalmente porque o sujeito é necessariamente social. Assim, o desenvolvimento humano deve ser compreendido como um constante processo de internalização das formas culturalmente dadas de comportamento. Consequentemente, o ser humano, no caso a criança, constrói seu universo a partir das relações com o outro, um outro que compartilha do 27 mesmo contexto e, por isso, transmite os significados daquele meio em que se encontra. O outro é, dessa forma, sempre um outro social. Daí a importância dos adultos oferecerem um ambiente social propiciador de olhares críticos, sensíveis, criativos e lúdicos aos nossos pequenos. Para além de uma concepção de infância ideal e perfeitamente moldada, o universo da pequena infância é regido por diferentes mudanças e contextos e isso impulsiona para o sentimento de infâncias reais e complexas. Para tanto, o desafio está na superação da idealização da infância e do ser criança, ou seja, conforme a infância é desejada pelo mundo adulto (que se assemelha à infância feliz e perfeita) mais afastamos da realidade da maioria das crianças, bem como dos processos formativos humanizadores da vida e do desenvolvimento humano, como mostra a Figura 3. Figura 3 – A infância invisível Fonte: Tinnakorn Jorruang/iStock.com. 28 Se a criança vem ao mundo e desenvolve-se em interação com a realidade social, cultural e natural, então, é possível pensarmos uma proposta educacional que lhe permita conhecer esse mundo, a partir de profundo respeito por essa criança. Ainda não é o momento de sistematizar o mundo para apresentá-lo à criança: trata-se de vivê-lo, de proporcionar-lhe experiências ricas e diversificadas. Se há a compreensão que educar é acompanhar, com atenção, as crianças e sua imersão no mundo, não há nenhuma dúvida de que os modos como organizamos a vida cotidiana nas instituições formativas (sociedade, família e escola) tem grande importância na formação das crianças. Por conseguinte, quanto mais enriquecidas forem as experiências e interações sociais das crianças entre outras crianças e até entre adultos, a probabilidade da criança desenvolver sua inteligência e personalidade aumenta. Esse processo formativo, seja na família e ou escola, torna-se fundamental para a vida da criança, uma vez que o ser humano, apresar de ser condicionado pelo social, não é necessariamente determinado por ele, daí a importância de uma formação que considere a criticidade, a reflexão e a criatividade das crianças em qualquer fase da vida, a fim de que os valores sociais sejam absorvidos pelo indivíduo a partir de critérios de criticidade e reflexão. Isso posto, a personalidade da criança não é algo dado ou inato, ela se forma em contato com as pessoas e com os objetivos da cultura, pois o sujeito transforma maneiras de vida e educação e é transformado por elas, principalmente quando é na atividade que se apropriam as qualidades humanas, históricas e socialmente construídas. 1.4 Acolher e educar a criança: olhares humanizadores O processo de acolher e educar a criança na escola pelos limiares da humanização está relacionado à opção por manter uma linha de 29 atuação baseada no cuidado. Na expressão de acolhimento à educação voltada ao atendimento de crianças por um tempo extensivo colaborou para que voltássemos para os moldes de cuidados pelo enfoque compensatório, no sentido de suprir as carências sociais, econômicas ou culturais das famílias das crianças em situações desfavorecidas. Em tempos mais modernos, a estratégia de acolhimento está em consonância com os modelos educativos que buscam valorizar e respeitar as crianças enquanto sujeitos de direitos a uma educação mais digna e de qualidade. É evidente que “cuidar” de uma criança é bem diferente de “educar” uma. Os cuidados são mais indefinidos e abertos. A orientação educativa é mais estrita e comprometida e, em geral, concretiza-se no currículo por meio dos saberes a serem trabalhados com as crianças, as orientações metodológicas, os sistemas de acompanhamento, observação e documentação pedagógica dos avanços dos pequenos, cujo sentido é refletir o direito à educação que cada país reconhece às crianças pequenas. Dado a isso, o princípio orientador é compreender essa criança como sujeito ativo, ou seja, no processo de aprendizagem, na execução de qualquer operação, ela coloca em movimento todas as capacidades em ação, movimenta suas funções psíquicas e, dessa forma, é em atividade que essa criança pode aprender e se desenvolver. Algumas questões se fazem revelar nesse processo de compreensão da criança e das formas de acolhimento e aprendizagem estabelecidos na educação da infância, a saber: como a criança se relaciona com o mundo em cada momento do seu desenvolvimento? Quais são as forças motrizes do desenvolvimento da criança que estruturam seu psiquismo? Sob essa ótica problematizadora, a educação da infância pode estabelecer formas de acolhimento e aprendizagem voltados aos olhares humanizadores do desenvolvimento humano, respeitando a 30 criança e suas formas subjetivas de ver, ser e estar no mundo e com o mundo. Campos e Rosemberg (2009), no documento produzido em parceria com o Ministério da Educação, trazem critérios que são necessários para o processo de acolhimento e aprendizagemdos pequenos, por meio da chamada Esta creche respeita a criança: critérios para a unidade creche”. Esse documento, entre outros objetivos, explicita critérios relativos à definição de diretrizes e normas políticas, programas e sistemas de financiamento de creches, tanto governamentais como não governamentais, por meio de critérios que firmam compromissos dos políticos, administradores e dos educadores de cada espaço educativo com um atendimento de qualidade, voltado para as necessidades fundamentais das crianças, conforme Quadro 1. Quadro 1 – Esta creche respeita a criança ESTA CRECHE RESPEITA A CRIANÇA: Critérios para as unidades creches • Nossas crianças têm direito à brincadeira. • Nossas crianças têm direito à atenção individual. • Nossas crianças têm direito a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante. • Nossas crianças têm direito ao contato com a natureza. • Nossas crianças têm direito à higiene e à saúde. • Nossas crianças têm direito a uma alimentação sadia • Nossas crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade, imaginação e capacidade de expressão. _______________________________________________________________________________________ • Nossas crianças têm direito ao movimento em espaços amplos. • Nossas crianças têm direito à proteção, ao afeto e à amizade. • Nossas crianças têm direito a expressar seus sentimentos. • Nossas crianças têm direito a uma especial atenção durante seu período de adaptação à creche. • Nossas crianças têm direito a desenvolver sua identidade cultural, racial e religiosa. Fonte: adaptado de Campos e Rosemberg (2009). 31 Desse modo, a escola para a infância precisa realizar uma educação promotora do máximo desenvolvimento humano nas crianças sem que haja a abreviação da infância, mas que seja composta de estratégias de ensino e conteúdo que permitam o diálogo da criança com o mundo da cultura que a cerca. É nesse sentido que a educação das crianças deve assumir um caráter propulsor do desenvolvimento infantil. Assim, o cotidiano da pequena criança precisa ser envolvido por um trabalho educativo em sintonia com um ambiente de grandes conquistas, de bastante novidade e de muita criatividade. Nesse ambiente, as produções das crianças devem registrar suas descobertas, superações e impressões, as quais são reinventadas pelo processo de representação do pensamento crítico, criativo, imagético e subjetivo de crianças. Tais pensamentos são traduzidos em formato de desenhos, escritas, fala e gestos com uso de muita espontaneidade e envolvimento entre pares. A criança, nesse sentido, aprende por um conjunto de situações acolhedoras e humanizadoras das relações sociais, por meio das ações de brincar, desenhar, experimentar, investigar, principalmente envolvidas por interações sociais com outras crianças e com o adulto. As intencionalidades docentes e as propostas pedagógicas de ensino são essenciais para o desenvolvimento da capacidade criadora do saber humanizado pela criança, ampliando e enriquecendo a sua representação simbólica e o seu sentido estético por meio do contato com diversas manifestações sociais, artísticas, culturais de cada contexto histórico. No processo de acolhimento, a educação da infância precisa imbuir-se do compromisso com a vida dos pequenos e a formação integral das crianças desde a mais tenra idade, permitindo à criança tempo para olhar, sentir, conhecer, cheirar, encantar-se, suscitar interrogações e hipóteses, ou seja, de efetivamente alimentar-se do desejo de aprender com sentido e significado sobre as situações em seu entorno. 32 Referências BRASIL. Conselho Nacional de Educação Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB 1, de 3 de abril de 2002. Estabelece as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Diário Oficial da União, Brasília, 9 abr. 2002. CAMPOS, M. M.; ROSEMBERG, F. Critérios para um atendimento em creches que respeitem os direitos fundamentais das crianças. 6. ed. Brasília: MEC; SEB, 2009. DAHLBERG, G.; MOSS, P.; PENCE, A. Qualidade na educação da primeira infância: perspectivas pós-modernas. Tradução: Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 2004. DALLARI, D. A.; KORCZAK, J. O direito da criança ao respeito. 4. ed. São Paulo: Summus, 1986. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva. Guaracira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 1997. JOBIM E SOUZA, S.; KRAMER, S. O debate Piaget/Vygotsky e as políticas educacionais. Cadernos de pesquisa 77, São Paulo, n. 77, 1991. SARMENTO, M. J. Visibilidade social e estudo da infância. In: VASCONCELLOS, V. M. R.; SARMENTO, M. J. (org.). Infância (in) visível. Araraquara, SP: Junqueira & Marin editores, 2007. VASCONCELLOS, V. M. R.; SARMENTO, M. J. (orgs). Infância (in) visível. Araraquara, SP: Junqueira & Marin editores, 2007. VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001. (Psicologia e pedagogia). 33 A criança contemporânea: consumo, tecnologia, mídia e lúdico Autoria: Marta Regina Furlan de Oliveira Leitura crítica: Verônica Belfi Roncetti Paulino Objetivos • Refletir sobre a criança na contemporaneidade e as relações de consumo, tecnologia e cultura midiática. • Analisar o contexto regido pelo consumo de mercadoria, bem como o processo de identificação da criança consumidora. • Refletir sobre a cultura lúdica estabelecida a partir do contexto mercadológico, além de pensar em direcionamentos humanizadores do brincar e da vida infantil. 34 1. Primeiras Palavras [...] A linha de chegada se move junto com o corredor, os objetivos permanecem para sempre um passo ou dois à frente. Os recordes são continuamente quebrados e parece não haver fim para o que um ser humano pode desejar. (BAUMAN, 2008, p. 166) Ao tratar da infância contemporânea há a percepção de um universo vasto de inquietações e que, de certa forma, torna-se imperativo de um novo tempo social marcado pela relação com a lógica do consumo e da mercadoria; com a tecnologia sem limites e com a influência incisiva da cultura midiática na vida infantil, principalmente no que tange às experiências lúdicas e brincantes das crianças. Há nesse cenário, também, as crianças que têm suas culturas, diversidades, considerando que estão inseridas nos diversos contextos sociais, culturais e econômicos. Entretanto, para este momento, a discussão será envolvida pela compreensão da criança enquanto sujeito consumidor e que participa de um cenário marcado pela cultura da mercadoria, do consumo, da mídia e dos aparatos tecnológicos. Diante disso, este texto objetiva refletir sobre a criança na contemporaneidade e as relações de consumo, tecnologia e cultura midiática. Além disso, iremos refletir sobre a cultura lúdica estabelecida a partir do contexto mercadológico, bem como pensar em direcionamentos humanizadores do brincar e da vida infantil. Por conseguinte, a cultura tecnológica e instrumental tem direcionado a vida dos sujeitos infantis e impactado seus modos de pensar, agir e sentir, especificamente no que se refere ao consumo e à tecnologia por meio dos brinquedos tecnológicos e dos aparatos eletrônicos, como a internet, notebooks, tabletes, smartphones etc. Além disso, há a percepção de uma vida infantil que relaciona a: a) vida tecnológica e solidão (na maioria das vezes passa a maior parte do tempo sozinha); 35 b) lúdico e consumo (vestuário, brinquedos, alimentação, acessórios escolares etc.); c) corpo e sedentarismo (quando sua corporeidade tem se voltado ao disciplinamento do corpo à luz dos comandos da técnica e da indústria cultural) (OLIVEIRA, 2011). No caso da relação corpo e sedentarismo, há o minguamento da expressividade e liberdade do movimento que, agora, se veem submetidas à ação do objeto, da técnica, do brinquedo industrializado, da indústria do brincar que, de modo geral, tem unificando-se a um determinado fim – o lucro. A indústria cultural, nessecenário, produz a necessidade tanto em crianças quanto em adultos de que sejam formados sujeitos consumidores por meio da padronização e estandardização dos gostos, comportamentos, desejos, necessidades, e o único objetivo disso é despertar a busca incansável pelo consumo e pela mercadoria. De certa forma, esses ditames sociais, impulsionados pela indústria cultural provocam nos indivíduos alterações em suas concepções de vida, suas leituras de mundo e sua própria forma de ser e atuar socialmente. A vida vai sendo marcada pelas ilusões consumistas e pela própria influência midiática na formação do pensamento humano. 1.1 A criança: consumidora necessária Desde os primórdios do capitalismo, a estética da mercadoria situa- se economicamente no processo de sujeição do valor de uso ao valor de troca. Especificamente os séculos XX e XXI há o avanço vertiginoso da indústria cultural que se institui porta-voz, por todo o mundo, de hábitos, valores, padrões de conduta e atitudes em detrimento da ordem consumista de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos (OLIVEIRA, 2020). 36 A contar de os mais efêmeros artefatos sociais, econômicos, tecnológicos e, por que não, lúdicos, ineludivelmente, avançam sobre o contexto formativo de crianças e adultos de maneira incisiva e, o consumo, nesse sentido, “se realiza a partir de um cotidiano que se apresenta como palco privilegiado, cenário cristalizado onde se forja a promessa dos prazeres absolutos num presente perpétuo” (JOBIM E SOUZA; GARCIA; CASTRO, 1997, p. 99). Acrescentam os autores: É no processo constante de exaltação e fetichização do cotidiano em que se apagam as marcas do tempo e da história e as contradições do sistema são maquiadas, que o consumo atinge seu mais alto ponto de realização. É como se nada mais houvesse além do cotidiano em que se dá um consumidor ininterrupto, onde os modismos e as últimas novidades do mercado servem de eixos centrais que orientam os sujeitos na condução de suas vidas cotidianas. (JOBIM E SOUZA; GARCIA; CASTRO, 1997, p. 99) A busca acirrada pelo aprazimento das necessidades humanas tem direcionado nos indivíduos (crianças e adultos) a carência de consumir mercadorias que dão satisfação e conforto. Todavia, essas necessidades não são as fundamentais, ou seja, as vitais (roupa, alimento, moradia), mas as supérfluas. No cenário da superficialidade, a marca é a que mais se destaca nos desejos de crianças e adultos. As necessidades humanas têm sido ofuscadas pelos desejos impulsivos de crianças e adultos por marcas, acessórios, além do consumismo como valor ser anunciado às crianças mesmo em forma de brinquedos. Sobre isso, Linn (2006, p. 29) revela que: [...] Para as festas de 2003, a Mattel produziu pelo menos sete conjuntos da Barbie envolvendo temas relacionados a compras. Além da Barbie Vai às Compras, havia Barbie na Loja de Brinquedos, Barbie comprando Doces, Barbie Compra Fashion, Barbe no Salão de Beleza, Barbie na Loja de Calçados e Barbie na Loja de Donuts. (LINN, 2006, p. 29) 37 Sobre essa questão apresentada por Linn (2006), há a constatação da forte influência do mundo lúdico na vida-consumo de crianças, principalmente porque os diversos tipos de brinquedos apresentam uma carga estimada de simbolismo, fetiche e sedução, revelada nas cores, formas, desenhos e outros arranjos de impacto midiático e propaganda, conforme o exemplo de Linn (2006) com o brinquedo “Barbie Vai às Compras” (Figura 1). Figura 1 – Barbie Vai às Compras Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=pEdy11a_vm8. Acesso em: 25 out. 2021. Brougère (1995) lembra que, mesmo antes do seu nascimento, a criança já está inserida na sociedade de consumo, visto que seus pais consomem por ela antes mesmo de sua chegada. Sobre isso, Platt e Oliveira (2019, p. 72) corroboram ao tratar da discussão em relação aos apelativos do consumo, como “a moda da temporada” ou o “batom com brilho” que imprimem uma cultura marcada pelos fetiches e por uma força manipulativa que seduz e domina, emitindo de maneira precoce https://www.youtube.com/watch?v=pEdy11a_vm8 38 comportamentos nas crianças que são similares aos dos adultos, na sua maioria. Assim como na vitrine das lojas, a vida diária de crianças e adultos reforça o imperativo do consumo, visto que não há lugar para o diferente (PLATT; OLIVEIRA, 2019). Já as crianças que, por condições econômicas, se enquadram nesse “diferente” acabam sendo frustradas e entristecidas pela ausência das condições necessárias para o consumo. Por mais que tenham prioridades como é o caso de se alimentar, em sua subjetividade humana, há o sonho revelado pelo desejo de também ter a chance de ter aquela mercadoria, aquele brinquedo. Sem falar da cultura midiática que com todo o seu fetiche e sedução, guia crianças, adolescentes, jovens e adultos para o consumo do que se diz ser “necessidade”. Essa necessidade muitas vezes está envolvida pela cultura da estética, da performance, da sedução e erotismo, induzindo crianças desde a primeira infância a se preocupar com padrões de beleza, felicidade, comportamentos que não são próprios para a sua idade. As mercadorias decidem o comportamento dos homens e suas particularidades também, ampliando cada vez mais, a janela que leva a intimidade humana, com a exposição servil de imagens, principalmente de crianças; que são expostas em redes sociais, como se fosse objetos, mercadorias, manipuláveis. (PLATT; OLIVEIRA, 2019, p. 72) Destarte, Oliveira (2011) considera que as ações propagandísticas do mundo mercadológico e do consumo afirmam que a criança não é somente consumidora, mas também estimuladora desse consumo, principalmente se articularmos com a configuração da família contemporânea que, diante das necessidades do consumo, estão cada vez mais ausentes de casa e do contato com as crianças. Sobre isso, Oliveira (2011, p. 89) considera que: As relações entre pais e filhos são escassas, trabalha-se cada dia mais para o aumento do poder aquisitivo (e consequentemente do consumo); a mulher tem uma contribuição crescente na fatia produtiva da população, 39 ficando bastante tempo em seu local de trabalho profissional. Pais chegam tarde a casa, crianças atarefadas, refeições solitárias ou feitas fora do lar. A família se reúne menos para conversar sobre o cotidiano. (OLIVEIRA, 2011, p. 89) Assim, com a escassez das relações entre adultos e crianças, há um fortalecimento da utilidade via consumo de mercadorias tanto por adultos quanto crianças. No caso das crianças, a evidente participação consumidora está na fortificação da indústria do brincar, haja vista que “o entretenimento, a brincadeira, a imaginação e a fantasia são condicionados ao processo de persuasão, manipulação e sedução da mercadoria [...]” (OLIVEIRA; SOUZA; ARAÚJO, 2019, p. 29). Diante disso, a criança desde a mais tenra idade é direcionada para a lógica do consumo, visto que a propagação da cultura midiática guia a sentença do “ter” em detrimento do “ser”, ou seja, as pessoas só são valorizadas por conta do ato de consumir. Nesse sentido, a criança é o mais recente habitante desse novo mundo do consumo, por meio da efetivação da infância consumista. 1.2 Criança tecnológica e o disciplinamento do corpo Considerando o alargamento do capital, é visível a união da indústria cultural, da tecnologia e da mídia na vida dos adultos e crianças. Desde cedo, as crianças de diversos grupos sociais e econômicos têm acesso à variação de tipos de programas de televisão, internet, tablete, celulares e, de certa forma, estão compenetradas aos noticiários, propagandas e outras formas de cultura midiática e tecnológica no sentido de tomar informações dos conteúdos divulgados. O construto corporal da criança vai sendo condicionado aos arranjos da tecnologia que, na maioria das vezes, direciona para as ações e comportamentos conformados à razão instrumental e tecnológica da vida e das relações humanas. Cada vez mais, há umaforma de 40 manipulação voltada aos adultos e, principalmente, às crianças para o disciplinamento do corpo em função da vida técnica e instrumental, conforme a ilustração representada na Figura 2, que regista o retrato da relação da criança com as tecnologias, sendo, nesse caso, representada pelo uso do tablet. Figura 2 – A vida infantil frente às telas Fonte: NadineDoerle/pixabay.com. As crianças, consequentemente, vivenciam situações de aprendizagem de forma passiva e sedentária com o enquadramento ou disciplinamento do corpo à técnica, ao instrumental; distanciando-se cada vez mais de uma experiência corporal, de criação, expressividade pelo movimento e interação no mundo e com o mundo. Assim, ao invés de brincar, correr, movimentar-se e interagir com outras crianças; muitas vezes, elas ficam submissas à máquina, seja pelo computador, celular, jogos eletrônicos, televisão entre outras formas de racionalidade técnica (OLIVEIRA, 2020). 41 Nessas relações ocorrem ações alteradas, formação de opinião, desejos e experiências singulares, configurando aprendizados e reconhecimentos voltados à lógica de mercado e do consumo em demasia. A infância, a cultura e a educação adquiriram outro prisma e representatividade com a nova rotina e novos modos de brincar que interferem na formação das crianças, há o silenciamento da capacidade crítica, psicomotora, criativa e inventiva frente à indústria do brincar. Desse modo, percebemos que as crianças vão construindo experiências na vida social de modo solitário e restrito à tela, visto que, ao considerar a educação infantil em seu contexto atual, percebemos que as ações corporais das crianças são restritas aos comandos de adultos que se veem aptos para direcionar os movimentos, conforme as necessidades “pedagógicas”, ou seja, a educação vai acontecendo conforme os objetivos escolares, com apresentações teatrais em eventos, danças, músicas conforme datas comemorativas, ensaios e outras formas disciplinares de direcionar o corpo e o movimento de crianças pequenas. A exploração do corpo enquanto manifestação expressiva e de liberdade no mundo, e principalmente enquanto seu primeiro brinquedo, já não é algo tão comum de se ver nos espaços formativos, já que foram induzidos por rituais corporais disciplinadores. As crianças são submetidas aos comandos de adultos, uma vez que até suas interações sociais muitas vezes são direcionadas (PLATT; OLIVEIRA, 2019). No caso da criança, vemos que desde pequena ela vai sendo direcionada ao disciplinamento do corpo via indústria do brincar, quando a relação vai se constituindo pela obediência ao que é imposto, instituído pela indústria cultural e seus aparatos instrumentais. O corpo infantil vai se “moldando” a esses impactos, convertendo suas ações para o brincar “parado”, brincar “solitário”, brincar “direcionado”, brincar “adaptado”. A escala do controle sobre o corpo infantil é visível em seu detalhamento, quando a indústria lúdica traz o brincar submetido ao “controle” da máquina, não sendo diferente em espaços formativos, com 42 o controle detalhado e sem folga do corpo: “agora é hora de dormir, agora é hora de brincar, agora é hora de ficar em silencio, agora é hora..., agora é hora...”. A coação e o disciplinamento corporal que se exerce tanto na vida social e educacional das crianças não tem folga, implicando em uma coerção ininterrupta, constante, que se exerce de acordo com uma codificação que se enquadra no tempo, espaço e nos movimentos; provocando, desse modo, uma relação de docilidade- utilidade, que são chamadas por Foucault (2008) de “disciplinas”. Há nesse espaço social, então, o funcionamento do corpo infantil enquanto submissão e adaptação aos modelos técnicos e industriais, sendo que essa situação se expande em espaços formativos voltados ao trabalho com crianças, como é o caso do tão esperado dia do brinquedo. É interessante pensar nessa prática educativa que, embora, seja considerada uma ação pedagógica, acaba, por sua vez, direcionando os corpos infantis ao brincar via objeto de consumo. A criança que tem o brinquedo (objeto) pode brincar no “dia do brinquedo”, no entanto, o que vemos são práticas disciplinadoras do brincar infantil que se converte ao consumo. A disciplina do corpo é percebida até na distribuição do espaço e tempo do brincar que está de acordo com o tempo e espaço que o adulto julga ser suficiente e útil. Assim, no interior de um dispositivo disciplinar, as atividades lúdicas e corporais de crianças são rigorosamente controladas, vigiadas e bem determinadas em função do tempo e espaço (FOUCAULT, 2008). Contudo, é importante salientar que as crianças precisam ser estimuladas a conhecer e dominar o próprio corpo nas relações com a estruturação espacial, com a orientação temporal e com os conceitos de lateralidade e, primordialmente com o outro. Nesse sentido, o desafio é discutir a corporeidade, como a nossa presença no mundo com possibilidades para a educação de liberdade corporal e expressiva infantil e a maneira como as crianças manifestam as relações e interações com o outro e com o mundo a sua volta. Diante disso, Moreira e Simões (2006, p. 31) contribuíram ao afirmar que: 43 Corporeidade é voltar os sentidos para sentir a vida; olhar o belo e respeitar o não tão belo; cheirar o odor agradável e batalhar para não haver podridão; escutar palavras de incentivo, carinho, de odes ao encontro e, ao mesmo tempo, buscar silenciar ou pelo menos não gritar, nos momentos de exacerbação da racionalidade e do confronto; tocar tudo com o cuidado e a maneira como gostaria de ser tocado; saborear temperos bem preparados, discernindo seus componentes sem a preocupação de isolá-los, remetendo essa experiência a outras no sentido de tornar a vida mais saborosa e daí transforar sabor em saber. (MOREIRA; SIMÕES, 2006, p. 31) Nesse sentido, o corpo/corporeidade, a qual afirmamos ser necessário no trabalho pedagógico com crianças, é o corpo que tem ação de liberdade corporal e expressiva, que se movimenta, que fala, que tem pensamentos e leituras de mundo, que interage com o outro, que tem expressões ao contexto social em que vive, que dá risada, que chora e seu choro se mistura com os sentimentos de alegria, frustração, desejo, raiva, amor, ou seja, um corpo infantil vivo que reage ao mundo exterior, internalizando conceitos que em outro momento serão externalizados pela própria criança. Ao contrário disso, criticamos o corpo que muitas vezes prevalece em espaços educacionais infantis, sendo esse corpo- disciplinado, corpo-adaptado, corpo-solitário. Diante disso, a escola, por meio de um currículo disciplinar e conteudista, silencia a ação de liberdade expressiva e corporal de crianças, principalmente quando o trabalho pedagógico se limita aos ensaios musicais, conformados com suas coreografias para apresentações de dança em datas comemorativas: dia dos pais, das mães, festa junina, festa natalina etc. A criança se vê inserida nesse espaço disciplinador e direcionador de uma corporeidade domesticável, reprodutivista, passiva e tolhedora da liberdade de expressão corporal. O propósito é potencializar uma educação de liberdade corporal e expressiva em que crianças possam aprender a partir da sua atuação efetiva no mundo, com ações, leituras de mundo etc. 44 É nessa perspectiva que apresentamos a necessidade da criança vivenciar situações de mediação e estimulação psicomotora, tendo um olhar significativo para a importância do brincar para a construção psicomotora e do pensamento infantil, uma vez que a atuação mediadora do professor contribui para uma prática lúdica voltada à satisfação das necessidades básicas, bem como o desenvolvimento integral da criança, superando a lógica do consumo que padroniza e faz da criança um simples proprietário do brincar. Para tanto, é necessário pensarmos sobre a importância de uma prática docente em que se considere o corpo como o primeirobrinquedo da criança, envolvendo-a para o mundo da estimulação corporal, do pensamento criativo e inventivo, das emoções, do simbólico. É através de experiências corporais e com o movimento que a criança vai adquirindo sua maturidade para os aspectos sociais, físicos, cognitivos e afetivos. Nesse sentido, por meio de uma prática estimuladora da corporeidade no mundo, o indivíduo age no mundo através de seu corpo, mais especificamente através do movimento. É, portanto, o movimento corporal que possibilita que as pessoas se comuniquem, trabalhem, aprendam, sintam o mundo e sejam sentidos por ele. 1.3 A criança e a indústria do brincar A contemporaneidade revela a presença marcante dos brinquedos tecnológicos via propagação da indústria do brincar que, além de impulsionar para o consumo de outros acessórios (roupas de marcas, acessórios, alimentação, enlatados etc.), promove a alteração do próprio conceito de brincar, reduzindo para a concepção de brincar – brinquedo – consumo. Para Belloni (2009, p. 72-73) “as crianças são alvo de poderosos holofotes de influências múltiplas e contraditórias. Estão expostas as mensagens, imagens e sons cujo poder comunicacional é forte e, muitas 45 vezes chocante, sobre temas que elas nem sempre compreendem […]”. Por conseguinte, a sociedade da mercadoria “não descansa” até realizar o seu empoderamento na vida da criança através do consumo constante dos brinquedos tecnológicas. A cada momento, há um novo brinquedo, uma nova função do brincar que, de certa forma, conduz a criança para ser consumidora de brinquedos, sem garantia de vivenciar a experiência efetiva do brincar enquanto necessidade humana. Oliveira (2011, p. 102) considera que: Na tentativa de melhor esboçar essa análise acerca da indústria do brincar, chamamos atenção para a tradicional indústria de bonecas. Atualmente, nascem bonecas que se alteram conforme o tempo social e histórico. A boneca se relaciona a um sistema de produção que podemos chamar de industrial, mesmo que esta indústria tenha conservado, mais do que outras, aspectos artesanais. A boneca, nesse sentido, é o espelho da sociedade, refletindo conforme as concepções e critérios de cada época histórica. (OLIVEIRA, 2011, p. 102) Diante disso, sem mais delongas, a indústria do brincar utiliza-se de todas as estratégias de convencimento e de persuasão em prol de conquistar as crianças para a aquisição do brinquedo tecnológico. Essa forma de manipulação é evidente desde as pequenas às grandes vitrines de lojas de todos os tipos e para todos os “bolsos”. A indústria cultural reforça essa possibilidade de consumir determinado objeto lúdico, pelas variações do produto e da marca, ou seja, do original à aquisição da réplica e com valor de troca acessível. Não é à toa que o consumo é realizado por crianças de condições satisfatórias e/ou não (OLIVEIRA, 2011). Nas lojas, o brinquedo é fetichizante para a criança, há a impressão de que ele “acena” para que ela possa consumir e, com isso, as crianças acabam sendo cada vez mais expostas ao consumo, desenvolvendo sentimentos de insaciedade e insatisfação permanentes (OLIVEIRA, 2011). 46 Dito isso, compreender toda a configuração da infância contemporânea e as relações de consumo, tecnologia e indústria do brincar são caminhos para pensar em novos direcionamentos para a criança e suas relações no mundo e com o mundo para além da utilidade, ressignificando a vida da criança em consonância com outras experiências humanas articuladas com a criatividade, corporeidade, interação adulto e criança e criança e criança, enfim, de forma que ela tenha o direito de ir além do que tem se instituído nesse território da indústria cultural. Referências BAUMAN, Z. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2008. BELLONI, M. L. O que é sociologia da infância. Campinas: Autores Associados, 2009. BROUGÈRE, G. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez, 1995. FOUCAULT, M. Vigiar e punir. 35. ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2008. JOBIM E SOUZA, S.; GARCIA, C. A.; CASTRO, L. R. de. Mapeamentos para a compreensão da infância contemporânea. In: GARCIA, C. A.; CASTRO, L.; JOBIM E SOUZA, S. (org.). Infância, cinema e sociedade. Rio de Janeiro: Ravil, 1997. p. 93- 108. LINN, S. Crianças do consumo: a infância roubada. Tradução: Cristina Tognelli. São Paulo: Instituto Alana, 2006. MOREIRA, W. W.; SIMÕES, R. Educação física, corporeidade e motricidade: criação de hábitos para a Educação e para a pesquisa. In: DE MARCO, A. (org.). Educação física: cultura e sociedade. Campinas: Papirus, 2006. OLIVEIRA, M. R. F. de. A lógica do consumo na sociedade contemporânea e sua influência na mediação do professor no processo de formaçao do pensamento infantil. 293 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Maringá. Orientador: Prof. Dr. João Luiz Gasparin. Maringá, 2011. OLIVEIRA, M. R. F. de; SOUZA, R. H. de; ARAÚJO, K. de T. Brinquedo sem brincadeira: reflexões sobre a indústria do brincar na indústria contemporânea. Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 21, n. 1, p. 28-43, jan./jun. 2019. 47 OLIVEIRA, F. N. A indústria do brincar e o consumo infantil: reflexões críticas sobre a formação da criança contemporânea. 2020. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Londrina–UEL, Londrina, 2020. OLIVERA, P. A. D.; OLIVEIRA, M. R. F. de. Discutindo a erotização na infância: implicações da sociedade de consumo na construção da rotina infantil nas instituições escolares. Dossiê Temático. Dialogia, São Paulo, n. 31, p. 67-77, jan./abr. 2019. 48 O sentido de educar a criança na contemporaneidade: proposições pedagógicas Autoria: Marta Regina Furlan de Oliveira Leitura crítica: Verônica Belfi Roncetti Paulino Objetivos • Dirigir um olhar crítico sobre a educação da criança de 0 a 5 anos em busca de novos desafios pedagógicos. • Entender a organização do tempo, espaço e interações na educação infantil. • Reconhecer a importância da mediação docente no que tange ao sentido de educar a criança em favor do protagonismo infantil. • Pensar sobre as ações pedagógicas que envolvem o processo de acolhimento, de planejamento, de interação e de brincadeiras. 49 1. Primeiras Palavras Ao olhar de “ponta-cabeça” e “escrever ao contrário”, exercemos e treinamo nossa capacidde de identificar e habitar as brechas dos discursos dominantes, aprendendo com as crianças. Assim, olhamos de ponta cabeça e escrevemos ao contrário quando procuramos ouvir e registrar as vozes de meninos e meninas, mesmo as/os pequenas/os, e comprendê- los como sujeitos que questionam os valores do mundo adulto, e que constroem relações a partir de seus proprios interesses, desejos, valores e regras. (FARIA; FINCO, 2011, p.6) A partir da epígrafe de Faria e Finco (2011), há a compreensão de que a educação infantil tem uma complexidade pedagógica no que se refere ao processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança até 5 anos. Essa complexidade faz parte de um arranjo de significados que dirige para um trabalho voltado às interações, brincadeiras, cuidado e educação. Nesse sentido, o desafio, na contemporaneidade, se dirige a pensar sobre o sentido de educar a criança a fim de que ela desenvolva as capacidades psíquicas, cognitivas, sociais, afetivas, motoras e físicas. Desse modo, há a necessidade de buscar elementos norteadores do trabalho pedagógico com as crianças, em prol da defesa de uma educação infantil que garanta o protagonismo da criança. De acordo com Silva e Eidt (2011, p. 124): A escolarização tem papel importante para que as potencialidades da criança superem o lugar em que se encontram, mobilizando, assim, a reestruturação psíquica, o aprimoramento dos atos conscientes e planejados. Isso porque, há uma complexidade das funções que superam qualitativamente aquelas que a criança poderia construir de forma autônoma ou mediante experiência individual, provocando novas relações com a realidade. (SILVA;EIDT, 2011, p. 124) Assim, este texto está organizado em três momentos: 1) A educação da criança de 0 a 5 anos: novos desafios; 2) Organização do tempo, espaço, 50 interações e aprendizagens; 3) Planejamento e mediação docente em favor do protagonismo infantil. 1.1 A educação da criança de 0 a 5 anos: novos desafios Ao tratar da educação da criança de 0 a 5 anos, há a necessidade de descortinar um olhar desafiador para esse novo tempo social em articulação com novos desafios pedagógicos, cabendo aos espaços formativos voltados à educação da criança um trabalho que promova o saber e a própria estruturação de sua própria humanidade. Diante disso, ao relacionar com a presença da criança que vem ao mundo, é importante compreender que ela interage com a realidade social, cultural e natural e essa relação se faz necessária ao processo de construção das propostas pedagógicas e educacionais que permita à criança conhecer esse mundo, a partir de profundo respeito por ela. Assim, a educação da criança precisa priorizar as experiências ricas e diversificadas por meio das múltiplas linguagens que se efetivam em campos de experiência: arte, música, poesia, dança, corporeidade etc. Em conformidade com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), a finalidade da educação infantil “é promover o desenvolvimento integral da criança até os cinco anos de idade, complementando a ação da família e da comunidade”. Ainda, “evidencia a necessidade de se considerar a criança como um todo, para promover seu desenvolvimento integral e sua inserção na esfera pública” (BRASIL, 2006, p. 10). Na educação infantil, as aprendizagens essenciais relacionam aos comportamentos, habilidades e conhecimentos por meio de experiências significativas, a fim de garantir os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. 51 Nesse sentido, ao estabelecer os objetivos educacionais para a infância e, traduzi-los como direitos de aprendizagem e desenvolvimento, conforme estão expressas na BNCC (BRASIL, 2018a), em relação a educação das crianças, podemos inferir que o foco da ação pedagógica e a função social da educação infantil centra-se no contexto da experiencia, quando a criança assume o papel de protagonista da aprendizagem em sintonia com os objetivos e as intencionalidades pedagógicas dos professores em relação aos componentes curriculares, os conhecimentos, conteúdos e valores humanos. Nesse prisma, objetiva-se a educação infantil contribuir no projeto humanizador de formação da criança para a cidadania pré-estabelecida em detrimento da educação que potencializa a vida e a participação dos sujeitos na realidade concreta. Para que o trabalho na educação infantil esteja pautado em uma relação mais efetiva com o ensino fundamental, por exemplo, é necessário, então, tecer alguns objetivos que podem garantir a aprendizagem e desenvolvimento das crianças até 5 anos a saber: • Desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais independente, com confiança em suas capacidades e percepção de suas limitações. • Descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suas potencialidades e seus limites, desenvolvendo e valorizando hábitos de cuidado com a própria saúde e bem-estar. • Estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças, fortalecendo sua autoestima e ampliando gradativamente suas possibilidades de comunicação e interação social. • Estabelecer e ampliar cada vez mais as relações sociais, aprendendo aos poucos a articular seus interesses e pontos de vista com os demais, respeitando a diversidade e desenvolvendo atitudes de ajuda e colaboração. 52 • Observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendo-se cada vez mais como integrante, dependente e agente transformador do meio ambiente e valorizando atitudes que contribuam para a sua conservação. • Brincar expressando emoções, sentimentos, pensamentos, desejos e necessidades. • Utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita) ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma a compreender e ser compreendido, expressar suas ideias, sentimentos, necessidades e desejos e avançar no seu processo de construção de significados, enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva. • Conhecer algumas manifestações culturais, demonstrando atitudes de interesse, respeito e participação frente a elas e valorizando a diversidade (BRASIL, 1998). Já nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, vemos os seguintes princípios básicos e/ou objetivos da educação infantil, conforme a Resolução CNE/CEB nº 5/09 artigo 7º: a. Oferecer condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos civis, humanos e sociais. b. Assumir a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e cuidado das crianças com as famílias. c. Possibilitar tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças quanto à ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas. d. Promover a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da infância. e. Construir novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas com a ludicidade, a democracia, a 53 sustentabilidade do planeta e com o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa (BRASIL, 2010). Com a Base Nacional Comum Curricular podemos perceber os direcionamentos pedagógicos do trabalho na educação infantil e seus princípios. Desse modo, considerada como a primeira etapa da Educação Básica, “a educação infantil é o início e o fundamento do processo educacional” (BRASIL, 2018a, p. 32). Nesse processo, a relação entre cuidar e educar vem se consolidando, entendendo que o cuidado é indissociável do processo educativo e vice- versa. Assim, As creches e pré-escolas, ao acolher as vivências e os conhecimentos construídos pelas crianças no ambiente da família e no contexto de sua comunidade, e articulá-los em suas propostas pedagógicas, têm o objetivo de ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas aprendizagens, atuando de maneira complementar à educação familiar – especialmente quando se trata da educação dos bebês e das crianças bem pequenas, que envolve aprendizagens muito próximas aos dois contextos (familiar e escolar), como a socialização, a autonomia e a comunicação. (BRASIL, 2018a, p. 32) Diante de tais objetivos e princípios, inferimos que a educação infantil assume um papel de grande significância no processo formativo da criança de 0 a 5 anos, uma vez que rompe com a tradição assistencialista presente na área, requerendo, desse modo, um aprofundamento no debate acerca da educação de mais qualidade para as nossas crianças pequenas. Hoje, na educação infantil, há o debate em torno da autonomia de cada creche e pré-escola elaborar e desenvolver seu projeto pedagógico em sintonia com as necessidades e comprometimentos 54 relacionados ao processo de educar, cuidar e promover a aprendizagem e desenvolvimento integral das crianças de maneira mais qualitativa. Assim, a definição de uma proposta pedagógica de mais qualidade está envolvida na ação intencional orientação para a ampliação do universo cultural das crianças, de modo que lhes sejam dadas condições para compreender os fatos e os eventos da realidade, habilitando essas crianças a agir sobre ela de modo emancipador e crítico. Assim, Oliveira (2002, p. 49) afirma que: A ação educativa da creche e pré-escola deve interpretar os interesses imediatos das crianças e os saberes já construídos por elas, além de buscar ampliar o ambiente simbólico a que estão sujeitas. Acima de tudo, comprometer-se em garantir o direito à infância que toda criança tem. (OLIVEIRA,
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