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CP/ID Grego do N ovo T estamento M a r v in R. V incent Estudo no Vocabulário Grego do N ovo T estamento Evangelho de João Epístolas de João Apocalipse Tradução: Lena Aranha Θ Α missão primordial e intransferível da CPAD é proclamar, por meio da página impressa, o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo no Brasil e no exterior; edificara Igreja de Cristo por intermédio de literaturas ortodoxas, que auxiliem os obreiros cristãos no desenvolvimento de suas múltiplas tarefas no Reino de Deus; e educara sociedade e a Igreja através da Escola vJ tHU Dominical, que evangeliza enquanto ensina. Nosso maior presente é pensar no futuro. VINCENT - ESTUDO NO VOCABULÁRIO GREGO DO NOVO TESTAMENTO Traduzido do original Vincent’s JVord Studies in the New Testament. Edição em língua portuguesa © 2013 por Casa Publicadora das Assembléias de Deus. Todos os direitos reservados. Vincent, Marvin Richardson. Vincent - Estudo no Vocabulário Grego do Novo Testamento. / Marvin Richardson Vincent. Tradução Lena Aranha. - Rio de Janeiro: CPAD, 2013. v. 2 . 536 p.; 15,5 x 22,7 cm. Título original; Vincent’s fVord Studies in the New Testament. Bibliografia: p. 498. ISBN 978-85-263-1094-0. 1 . Bíblia. Novo Testamento — Estudos. 2. Bíblia. Novo Testamento - Introduções. I. Título. CDD 225.6 Presidente da CGADB Presidente Cons. Adm. CPAD Diretor Executivo Gerência de Publicações Tradução Coordenação editorial Revisão Gerência de Comunicação Projeto gráfico e editoração Capa Impressão José Wellington Bezerra da Costa José Wellington da Costa Júnior Ronaldo Rodrigues de Souza Alexandre Coelho Lena Aranha Anderson Grangeão da Costa Tatiana da Costa Caroline Tuler Rodrigo Sobral Fernandes Fagner Machado Wagner de Almeida CPAD (1. ed., ju l./20l3; tiragem: 5.000) CASA PUBLICADORA DAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS Avenida Brasil, 34.401, Bangu, Rio de Janeiro - Caixa Postal 3 3 1, CEP 21.852-001 SAC (Serviço de Atendimento ao Cliente): 0800-021-7373 P lano da O bra Volume I Evangelhos Sinópticos Atos dos Apóstolos Epístolas de Tiago, Pedro e Judas Volume II Evangelho de João Epístolas de João Apocalipse Volume III Romanos Filipenses 1 e 2 Coríntios Colossenses Efésios Filemom Volume IV 1 e 2 Tessalonicenses Gálatas Epístolas Pastorais Hebreus Sumário LISTA DE REDUÇÕES..................................................................................... ix INTRODUÇÃO AOS ESCRITOS DE JOÃO..................................................... 1 O Evangelho....................................................................................................... 4 Relação com os Evangelhos Sinópticos................................................................7 As epístolas..........................................................................................................10 0 Apocalipse........................................................................................................ 13 Estilo e expressão de João...................................................................................15 JOÃO....................................................................................................................19 Comentário...........................................................................................................19 1 JOÃO.............................................................................................................. 251 Comentário........................................................................................................ 251 Nota crítica sobre lJoS. 19-22.......................................................................... 311 2 JOÃO...............................................................................................................323 Comentário........................................................................................................ 323 3 JOÃO...............................................................................................................329 Comentário........................................................................................................ 329 APOCALIPSE.................................................................................................. 335 Comentário........................................................................................................ 335 Lista de palavras e expressões gregas empregadas somente por João...........483 Vincent - E studo no Vocabulário G rego NT REFERÊNCIAS............................................................................................... 493 ÍNDICE TEMÁTICO...................................................................................... 497 ÍNDICE DE PALAVRAS GREGAS............................................................... 509 viii L ista de Reduções L ivros da Bíblia Antigo Testamento Is Isaías Gn Gênesis Jr Jeremias Êx Êxodo Lm Lamentações Lv Levítico Ez Ezequiel Nm Números Dn Daniel Dt Deuteronômio Os Oseias Js Josué J1 Joel Jz Juizes Am Amós Rt Rute Ob Obadias lSm 1 Samuel Jn Jonas 2 Sm 2 Samuel Mq Miqueias lRs 1 Reis Na Naum 2Rs 2 Reis Hc Habacuque lCr 1 Crônicas Sf Sofonias 2 Cr 2 Crônicas Ag Ageu Ed Esdras Zc Zacarias Ne Neemias Ml Malaquias Et Ester Jó Jó Novo Testamento SI Salmos Mt Mateus Pv Provérbios Mc Marcos Ec Eclesiastes Lc Lucas Ct Cantares Jo João Vincent - E studo no Vocabulário G rego NT At Atos dos Apóstolos T t Tito Rm Romanos Fm Filemom lCo 1 Coríntios Hb Hebreus 2C0 2 Coríntios Tg Tiago G1 Gálatas lPe 1 Pedro Ef Efésios 2Pe 2 Pedro Fp Filipenses lJo 1 João Cl Colossenses 2Jo 2 João lTs 1 Tessalonicenses 3J0 3 João 2Ts 2 Tessalonicenses Jd Judas lTm 1 Timóteo Ap Apocalipse 2Tm 2 Timóteo L iteratura A pócrifa Sb Sabedoria lMc 1 Macabeus Sr Sirácida, ou Eclesiástico 2Mc 2 Macabeus Jt Judite Br Baruque Tb Tobias T extos e T raduções a 2 1 Almeida Século 21 (2010) a c f Almeida Corrigida e Revisada Fiel, SBTB (1994) AEC Almeida Edição Contemporânea (1990) ARA Almeida Revista e Atualizada (1993) ARC Almeida Revista e Corrigida (2009) ANGLO-SAXÃ Versão Anglo-saxã da Bíblia BJ Bíblia de Jerusalém (2002) BP Bíblia do Peregrino (2006) BV Bíblia Viva (1999) CNBB Bíblia Sagrada Tradução da CNBB (2001) COVERDALE Bíblia de Coverdale CRANMER Bíblia de Cranmer ECP Bíblia Sagrada Edição Catequética Popular (2009) EP Bíblia Sagrada Edição Pastoral (1990) KJNTA King James Nova Tradução Atualizada (2005) KJV King James Version, ou Versão Autorizada (1611) LXX Septuaginta, ou Versão dos Setenta NCL Nova Chave Linguística do Novo Testamento Grego x L ista de Reduções N T IA Novo Testamento Interlinear Analítico Grego-Português: Texto Majoritário com Aparato Crítico NTLH Nova Tradução na Linguagem de Hoje (2008) NVI Nova Versão Internacional (2001) RV Revised Version of the New Testament R V -O T Revised Version of the Old Testament TB Tradução Brasileira (2010) TEB Tradução Ecumênica da Bíblia (1994) TM The Greek New Testament according to the Majority Text (2.a ed.) T R Texto Recebido, ou Textus Receptus TYNDALE Versão do Novo Testawmento, de Tyndale VULGATA Tradução latina do Novo Testamento W Y C LIFFE Versão do Novo Testamento, de Wycliffe G erais cap., caps. capítulo, capítulos op. cit. lat. opus citatum, na obra cp. compare, confronte citada ibid. lat. ibidem, na mesma p. página(s) obra ss. seguintes id. lat idem, do mesmo autor v., vv. versículo, versículos i.e. lat. id est, isto é volume(s) xi Introdução aos E scritos de João A vida de João cobre um período de perto do início do século I ao início do século II. Ele era nativo da Galileia, e, de acordo com a tradição, da cidade de Betsaida, que ficava na margem ocidental do mar da Galileia, não muito longe de Cafarnaum e Corazim. Seu pai era Zebedeu; sua mãe, Salomé (Mc 16.1; Mt 20.20), estava entre as mulheres que apoiaram o Senhor com seus recursos (Lc 8.3) e compareceram à crucificação dele (Mc 15.40). A família não era des provida de recursos materiais. Zebedeu era um pescadore tinha empregados contratados para ajudá-lo com seu trabalho (Mc 1.20). Salomé ministrava para Jesus, e parece que João tinha sua própria casa (Jo 19.27). Aparentemente, ele era um dos discípulos de João Batista, e, enquanto estava envolvido na ativida de de seu pai, foi encontrado e chamado por Jesus (Mt 4.21; Mc 1.19). Dos dois discípulos mencionados em 1.35, apenas o nome de um, André, é mencionado (Jo 1.40); normalmente, supõe-se que o outro seja João, que suprimiu o próprio nome como faz em outras circunstâncias quando se refere a si mesmo (Jo 14.23; 18.15; 19.26; 20.2,4,8; 21.20)'. Tão logo João conheceu Jesus, ele tornou-se seu entusiástico discípulo. Sua in timidade peculiar com o Senhor é marcada pela expressão “aquele a quem Jesus amava”, e também pelo fato de que ele foi um dos três escolhidos para estar com Ele em determinadas crises especiais e graves. Ele foi admitido na câmara mor tuária da filha do governador (Mc 5.37) e testemunhou a restauração dela à vida; estava presente na transfiguração (Lc 9.28), e foi escolhido com Pedro e Tiago pelo 1. A menção de seu próprio nome no livro de Apocalipse, e não no Evangelho, é suficientemente explicada pelo fato de que o Evangelho é histórico, com intenção de dar proeminência a Cristo e manter o escritor na sombra. O Apocalipse, por sua vez, é profético, e o nome do autor é exigido como testemunho das revelações concedidas a ele. Compare com Dn 7.15; 8.27. Introdução aos E scritos de João Mestre para fazer companhia a Ele durante sua agonia no Getsêmani (Mc 14.33). Acompanhou Jesus, depois de sua prisão, ao palácio do sumo sacerdote e assegurou a entrada de Pedro (Jo 18.15-16). Permaneceu ao lado da cruz com a mãe de Jesus, que a entregou aos seus cuidados (Jo 19.25-27). Com Pedro, correu ao sepulcro na manhã da ressurreição, ao ser informado por Maria Madalena, entrou na tumba vazia, viu e creu (Jo 20.2-8). Depois da ressurreição, aparece envolvido em sua ocupação anterior, no mar da Galileia. Ele é o primeiro a reconhecer o Senhor ressurreto de pé na praia (Jo 21.7), e é o objeto da inquirição de Pedro: “Senhor, e deste que será?”, quando ele o vê seguindo a Jesus (Jo 21.20-21). Sua atividade apostólica aconteceu nos primeiros trinta anos após a ascensão. Em Jerusalém, sua posição entre os apóstolos não era excepcionalmente proemi nente. Na época da perseguição de Estêvão, ele permaneceu em Jerusalém com os outros apóstolos (At 8.1), mas quando Paulo, três anos após sua conversão, foi a Jerusalém (G1 1.18), só encontrou ali Pedro e Tiago, o irmão de Jesus. Contudo, isso não quer dizer que os outros apóstolos tinham partido definitivamente da cidade e se estabelecido em outro lugar. Em G1 2.9, Paulo alude a João como es tando presente em Jerusalém na época do concilio (At 15). A narrativa de Atos dos Apóstolos não o menciona em conexão com o concilio, mas Paulo, na epístola aos Gálatas, refere-se a ele como um dos pilares da igreja, junto com Tiago e Cefas. A tradição comumente recebida retrata-o encerrando sua carreira apostó lica na Ásia e em Éfeso. Uma antiga tradição afirma que ele deixou Jerusalém doze anos depois da morte de Cristo. Portanto, ele não foi, de forma alguma, imediatamente para Éfeso. Notícias claras quanto à sua moradia nesse in tervalo são totalmente inexistentes. Um fato digno de nota é que a vida de muitos líderes mundiais inclui períodos que permanecem em branco para a maioria dos mais cuidadosos biógrafos, e nos quais a curiosidade do mun do não consegue nunca adentrar. Assim é o período do retiro de Paulo na Arábia, do exílio de Dante, e, em alguma extensão, da tentação de Jesus no deserto. Algumas tradições posteriores afirmam que ele visitou a Pártia, e Jerônimo, de forma infundada, conjectura que ele tenha pregado na Judeia. Há alguma plausibilidade na suposição de que ele pode ter ido para Antioquia na época da primeira viagem missionária de Paulo. É certo que, muito depois, João foi sucessor de Paulo em Éfeso. Na partida de Paulo para Mileto (At 20), ou durante a composição da epístola aos Efésios, não há nenhum traço da presença de João em Éfeso. A tradição também concorda que João foi banido para a ilha de Patmos pelas autoridades romanas. Ireneu diz que ele foi banido no reinado de Domiciano; outra tradição fixa o exílio no reinado de Nero. Diz-se que, desse exílio, foi-lhe permitido retornar sob o reinado de Nerva (96-98 d.C.). A data de sua morte é desconhecida. Jerônimo data-a 68 anos após a morte de Cristo. 2 I ntrodução aos E scritos de João A característica predominante da natureza de João é a receptividade contempla tiva. Toda palavra do seu Senhor é recebida no fundo do seu coração, logo guar dada e ponderada. "Ele não pergunta: Ό que farei?’”, mas: Ό que Ele fará?” Por isso, fica claro por que ele captou o mais puro e sutil aroma da personalidade de Jesus. Essa receptividade é acompanhada do poder de compartilhar a mensagem. ‘Todo homem”, diz Ebrard, “pode ver o brilho do pôr do sol sobre os Alpes, mas nem todos conseguem pintá-lo”. João, como um espelho, não só recebia, mas tam bém refletia. Embora os outros evangelistas percebessem esse elemento do ensi namento e da obra de Jesus que produzia os resultados exteriores mais imediatos e impressionantes, como, por exemplo, o Sermão do Monte, João discernia o sentido e a influência do incidente menos proeminente, como a conversão no poço de Jacó. Paulo, como João, tem a qualidade da interioridade, mas Paulo raciocina onde João contempla. João é tenaz e intenso; Paulo é igualmente assim, mas é mais perito que João. João remói seu pensamento; Paulo golpeia e apara golpes com ele. Contudo, João não é sentimental. Ele não é o adorável e efeminado jovem da pintura. Tem fibra moral e mental bastante firme. Recebeu o título “Filho do trovão” daquele que nunca traduz errado o caráter de alguém. Não-irascível, como alguns deduziram apressadamente a partir de Lc 9.54, ilustra a peculiari dade de muitas naturezas amorosas e contemplativas, que se manifestam em im pressionante impetuosidade em ocasiões que apelam para suas percepções mais radicais da verdade e para seu campo de visão mais abrangente. João era incapaz de sentir meios-entusiasmos e de suspender a fé. Em tudo que se referia a ele mesmo, era totus in Hits \Jiomem de uma ideia e de um propósito, totalmente dedicado à sua missão}. De sua própria maneira, não tem fala menos clara e firme que a de Paulo. E direto em momentos em que Paulo, às vezes, é irônico. Não é gentil nem vago em sua linguagem referente aos que negam que Jesus é o Cristo (lJo 2.22), ou acerca da linhagem daquele que pratica o pecado (lJo 3.8) e da qualida de moral daquele que odeia seu irmão (lJo 3.15; 4.20). No livro de Apocalipse, demonstra a solidariedade mais profunda com a indignação divina contra o mal e contempla com alegria verdadeira sua derrota e punição totais e esmagadoras. Parece encorajar o progresso do Conquistador montado sobre o cavalo branco. As discussões entre verdade e falsidade, vida e morte, luz e trevas, amor e ódio são afirmadas por ele com agudeza inflexível e decisiva, e como finalidades ab solutas. A qualidade de pecado é concebida de acordo com a escala de seu amor adorador por Cristo. Ele lida com isso como perversidade, não como fraqueza, embora não negligencie a última. Para ele, a vitória do evangelho não é uma profecia, mas um fato consumado. A fé sujeita o mundo. A conquista de Cristo já está presente em todo cristão. Esse caráter não se adaptaria à obra de Paulo, pois não era suficientemente versátil e multilateral. João não tinha o instinto pioneiro, a atividade enérgica e 3 Introdução aos E scritos de João o poder de executar os planos de Paulo. Ele estava preparado para construir a superestrutura, em vez de estabelecer a fundação dela; para ser o professor, em vez de um evangelista. Cabia a ele completar o ensinamento dos outros após tolos, revelando o mistério teórico da encarnaçãoe o segredo da união interior do cristão com Cristo; purgar a igreja do erro especulativo e levantar, contra a caricatura gnóstica, a verdadeira imagem do Filho do Homem. Os escritos atribuídos a João são o Evangelho, três epístolas e o livro de Apo calipse ou Revelação. O E vangelho A tradição quase unânime da igreja atribui o quarto Evangelho a João. Ele é inquestionavelmente obra de um judeu, uma testemunha ocular e discípu lo de Jesus. Foi provavelmente escrito perto do fim do século I, e, por isso, posteriormente aos outros três Evangelhos. De acordo com a evidência mais antiga, foi composto em Éfeso, a pedido dos amigos mais íntimos de João, os quais queriam ter o ensino oral dele registrado para o uso permanente da igreja. Há três teorias quanto ao motivo de sua composição. De acordo com a pri meira, conhecida como teoria “suplementar”, João escreveu o quarto Evangelho como um complemento aos seus predecessores, a fim de suprir o que faltava na narrativa sinóptica. Esse Evangelho, na verdade, é complementar de fato, mas não no motivo. E complementar porque o escritor assume constantemente que determinados fatos já são conhecidos de seus leitores e acrescenta outros a par tir de suas próprias informações especiais. Mas o próprio Evangelho renuncia expressamente a qualquer intenção de ser completo (21.25), e é uma concepção original na forma e no conteúdo, tendo um plano seu mesmo distinto e apresen tando aspectos novos da pessoa e do ensinamento de nosso Senhor. “É o retrato de alguém que pinta não porque os outros não captaram o ideal que ele represen taria, mas porque seu coração está pleno e ele precisa falar.” A segunda teoria é de que o Evangelho é “polêmico” ou controverso, destina do a opor-se aos erros dos nicolaítas e de Cerinto. Mas o Evangelho é polêmico só acidentalmente, quando a apresentação da verdade positiva sugere pontos específicos de erro. O ponto de vista não é controverso. O escritor é movido pela pressão de seu grande tema de expor o Evangelho em seus aspectos positivos, e não com especial referência aos erros do seu tempo. A terceira teoria, conhecida como “irênica” ou conciliatória, sustenta que o Evangelho pretendia reconciliar percepções religiosas divergentes e trazer à sua correta relação verdades pervertidas por heresias. O Evangelho é conciliatório de fato, não a partir de uma intenção definitiva, mas da natureza mesma do ob- 4 Introdução aos E scritos de João jeto - o Verbo feito carne, em que todas as controvérsias religiosas são reconci liadas. Conforme Westcott: Da mesma maneira que ele se eleva acima da controvérsia enquanto condena o erro, preserva as verdades características que a heresia isolou e usou impropriamente. O quarto Evangelho é a resposta mais completa às múltiplas formas do gnosticismo, todavia foi o escrito mais usado pelos gnósticos. Ele não contém uma narrativa formal da instituição dos sacramentos, contudo apresenta de forma mais completa a ideia deles. Expõe com forte ênfase o fracasso do povo antigo, e mesmo assim aponta com mais clareza a relevância da dispensação que foi confiada a eles. Traz as muitas opo- sições — antíteses - da vida e do pensamento e deixa-as à luz do fato supremo que reconcilia tudo: o Verbo sefez carne, e sentimos, do princípio ao fim, que essa luz brilha no registro de dor e triunfo, de derrota e esperança. O propósito é distintamente afirmado no próprio Evangelho. “Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (20.31). A última dessas três coisas - vida em Cristo pela fé - é a chave para as outras duas. Os leitores já são discípulos; e, ao vindicar as duas proposições de que Jesus é o Cristo e o Filho de Deus, o objetivo não é levar ao reconhecimento de sua missão divina, mas exibi-las como o fun damento de uma comunhão viva dos cristãos com Deus e de uma vida espiritual mais rica. O caráter do Evangelho é predominantemente histórico. Mesmo as porções doutrinais têm um fundo histórico e uma incorporação histórica. A dou trina, por exemplo, do antagonismo essencial entre luz e trevas é apresentada na narrativa da atitude hostil dos judeus em relação a Cristo; e a discussão com eles tem sua raiz e matéria nesse mesmo antagonismo. O material histórico é cuida dosamente escolhido com vista à sua influência, sobre a concepção particular da pessoa e obra de Cristo, anunciada no prólogo. A história é a exposição prática da doutrina do Logos na pessoa e vida terrena do homem Jesus. Os milagres são invariavelmente mencionados como sinais, e vistos como expressões e evidências da personalidade divina do operador deles. O Evangelho caracteriza-se pelo emprego profuso de simbolismo. Isso con corda com sua fibra hebraica, como também, em grande parte, com a natureza de seu objeto. Pois João não só era judeu familiarizado com a economia e a profecia simbólicas do Antigo Testamento, mas também Jesus, a figura central do seu Evangelho, é predominantemente o cumpridor da Lei e dos Profetas. O próprio ensino de Cristo também era muitíssimo simbólico; e a percepção peculiar, pro funda e espiritual de João detecta nos atos comuns de Cristo esse sentido mais abrangente que pertencia a eles em virtude da posição de Jesus como o represen tante da humanidade; e essa união dos mundos natural e espiritual assumida nas 5 IntroduçAo aos E scritos de JoAo declarações de nosso Senhor, em que o visível era usado como o tipo do invisível. Como afirma Lange: João nos fornece não só um simbolismo da palavra do Antigo Testamento, das ins tituições, histórias e pessoas veterotestamentárias; ele também nos fornece o simbo lismo da natureza, da antiguidade, da história e da vida pessoal; daí, o simbolismo absoluto, ou o sentido ideal de toda existência verdadeira, em esboços relevantes. A relação do Evangelho com o Antigo Testamento é afirmada. O cerne do sis tema do Antigo Testamento é a manifestação da glória de Deus - a Shekinah. João declara que, em essência, essa glória aparece em Cristo. Ele reconhece a prepara ção divina entre as nações para a vinda de Cristo, e a disciplina especial de Israel com vistas ao advento do Messias. Nos judeus, discerne os sujeitos especiais da economia messiânica. Natanael, na verdade, é um israelita; o templo é a casa do Pai; a salvação é dos judeus; as Escrituras judaicas testificam de Cristo; os testemunhos de Cristo são extraídos de três períodos sucessivos do treinamento do povo - o patriarcal, o teocrático e o monárquico; a serpente no deserto prefigura o “levanta mento” de Cristo, e a Páscoa, seu próprio sacrifício como Cordeiro de Deus. O quarto Evangelho é o único dos quatro que é desenvolvido de acordo com um plano sistemático e elaborado com antecedência. Esse plano pode ser genericamen te descrito como, seguindo o arranjo geral de Westcott, a exibição do “desenvol vimento paralelo de fé e descrença por meio da presença histórica de Cristo”. Por conseguinte, o Evangelho desdobra-se em duas divisões gerais: o prólogo (1.1-18); e a narrativa (1.19-21.23). A narrativa consiste de duas partes: a autorrevelação de Cristo ao mundo (1.19-12.50); a autorrevelação de Cristo aos discípulos (13—21). No desenvolvimento desse plano, o autor estende-se em três pares de idéias: teste munho e verdade; glória e luz; julgamento e vida. Segundo Westcott: Há várias atestações da missão divina; há a manifestação progressiva da majestade inerente do Filho; há o efeito contínuo e necessário que essa manifestação produz sobre aqueles a quem ela se manifesta; e a narrativa pode muito bem ser descrita como o desenvolvimento simultâneo desses três temas, em que o grande tema de fé e descrença está dividido. O plano é prenunciado no prólogo. Aquele que era o Verbo, estava com Deus desde o princípio, por meio de quem todas as coisas vieram à existência, era vida e luz - a luz dos homens. Para Ele, o testemunho foi dado por João,que foi enviado para testificar dele a fim de que todos os homens pudessem crer nele. Mas, embora Ele tenha se feito carne e habitado entre os homens, embora tenha vindo para sua própria casa, embora fosse cheio de graça e verdade, o mundo não o conheceu, e 6 Introdução aos E scritos de João seu próprio povo recusou-se a recebê-lo. Contudo, houve os que o receberam; e para esses, Ele deu poder para se tornarem filhos de Deus pela fé em seu nome. Eles tornaram-se filhos de Deus não em um sentido físico, não pelo sangue, nem pela vontade do homem, mas de Deus. Eles receberam a plenitude do Senhor. Por conseguinte, o Evangelho trata da natureza de Cristo e do testemunho de Cristo dado por João, pelos discípulos e pelos milagres. Ele prossegue para descrever o conflito entre a Luz eterna e as trevas, incorporadas historicamente na persistente oposição dos judeus a Jesus. Ele veio a eles, e eles não o receberam. Então, o outro aspecto é apresentado — a bênção dos que o recebem, a concessão da filiação e o consequente privilégio de comungar com a natureza divina. Do 13.° até o fim do 17." capítulo, descreve-se a revelação de Cristo de si mesmo a seus discípulos em ministérios de amor e em discurso privado. As trevas não dominam a luz. A aparente derrota por meio da morte foi convertida em vitória pela ressurreição. Essa vitória da luz é desenvolvida do capítulo 18 ao fim do ca pítulo 20, na história da traição, da paixão e da ressurreição. O capítulo 21 forma um epílogo em que a luz divina brilha mais uma vez em milagre, ministério e conselho, antes da partida final para o Pai. R elação com os E vangelhos S inópticos O quarto Evangelho exibe diferenças marcantes em relação aos outros Evan gelhos no arranjo cronológico e na seleção do material. Quanto a esse último item, contém muito do que é peculiar a si mesmo e concorda com os Sinópticos apenas em algumas seções. Contudo, o Evangelho, embora independente, não contradiz os Evangelhos Sinópticos. Todos os quatro Evangelhos baseiam-se conscientemente nos mes mos grandes fatos, e o autor do quarto Evangelho reconhece e confirma os três primeiros. Os incidentes comuns ao quarto Evangelho e a todos os Sinópticos são o batismo de João, a alimentação das cinco mil pessoas, a entrada triunfal em Jerusalém, a última ceia e a paixão e ressurreição. João, junto com Mateus e Marcos, relata o caminhar sobre o mar e a unção em Betânia. O Evangelho de João também sugere conhecimento de incidentes que ele não relata. São eles as circunstâncias do batismo de Jesus, a posição e o caráter de Si- mão Pedro, a moradia inicial de Jesus em Nazaré e a posterior em Cafarnaum, o número dos discípulos, a data da prisão de João Batista, a ascensão etc. As mesmas imagens aparecem nas figuras do noivo e da noiva, da colheita, do servo, da vinha. Os mesmos ditos ocorrem, e coincidências verbais e outras são frequentes2. 2. Para uma lista dessas coincidências, vide Westcott, Introdução ao Commentary on the Gospel of John, em Speaker’s Commentary. 7 Introdução aos E scritos de João As coincidências internas são ainda mais espantosas. Por exemplo, o retrato de Jesus apresentado por João, em muitos aspectos, é único. Ele é mais completo, mais sutil, e indica uma intimidade mais estreita. João lida com a pessoa de Je sus, em pontos em que Mateus e Lucas lidam com sua missão. Em Mateus, Ele é o cumpridor da lei; em João, prenuncia o plano maior e mais rico do Espírito. Não obstante, o Cristo de João é a mesma figura que aparece nos Sinópticos. Em ambos, Ele é o mestre, o manso e humilde, o operador de milagres de poder e misericórdia. Em ambos, é o de fala clara e simples para aqueles que se tornariam seus discípulos, o que odeia a hipocrisia, o que lê o coração do homem. Coincidências similares aparecem no retrato de discípulos proeminentes, no tavelmente de Pedro. Embora apareça em algumas cenas não relatadas pelos escritores dos Sinópticos, o Pedro de seus Evangelhos é facilmente reconhecido no retrato apresentado por seu companheiro discípulo. Ele é a mesma combina ção de coragem impulsiva e covardia; de afeição e brusquidão; tão rapidamente suscetível ao amor quanto à raiva; tão pronto a entrar no mar ao ver seu Senhor andando sobre as águas quanto a ferir Malco. As coincidências internas também são discerníveis na pressuposição de João dos fatos registrados pelos outros evangelistas, de modo que as coincidências, às vezes, aparecem no que ele não registra. Sem dar detalhes do nascimento de Cristo, como Mateus e Lucas, João informa-nos que o Verbo se fez carne. A infância de Jesus, com sua sujeição à autoridade paterna, aparece na história do casamento em Caná. Enquanto os Sinópticos estendem-se no evento da encar nação, ele estende-se na doutrina. O batismo e a Ceia, dos quais a instituição ele não relata, são presumidos como familiares na conversa com Nicodemos e no discurso em Cafarnaum. A ascensão não é descrita, mas é predita nas palavras de Cristo a Maria. De forma semelhante, a obra de Jesus na Galileia, que João não narra, é pressuposta nos capítulos 6 e 7. Presume-se que a unção em Betânia é conhecida, bem como o interrogatório de Jesus diante de Caifás. Com essas coincidências marcantes aparecem diferenças. Afora a omissão de Marcos do Evangelho da infância, a narrativa dos Sinópticos divide-se em três partes: (l) o ministério de João Batista, o batismo e a tentação de Jesus; (2) o retorno de Jesus à Galileia, seguido de uma série de narrativas conectadas con cernentes ao ensino e aos milagres dele nesse distrito e nos circunvizinhos, sem nenhuma sugestão de que, durante esse tempo, Ele também visitou a Judeia e Jerusalém; (3) todos os três, por conseguinte, passam imediatamente da última jornada de Jesus a Jerusalém para a Páscoa, em que Ele foi crucificado. Por isso, conforme o Deão Alford comenta, se tivéssemos apenas o relato deles, jamais poderiamos, com alguma certeza, afirmar que Ele foi a Jerusalém, durante sua vida pública, até chegar o momento de ser entregue. 8 Introdução aos E scritos de João É verdade que eles não excluem essa suposição, mas, antes, talvez a sugiram. Contudo, isso não podería ser deduzido da narrativa deles com alguma precisão histórica. Voltando-nos, agora, para o Evangelho de João, descobrimos o ministé rio de Cristo na Galileia, entre o batismo e a paixão, interrompido pelas jornadas a Jerusalém. Ele sobe à cidade para a Páscoa, ocasião em que ocor re a purificação do templo e a visita a Nicodemos (2.13; 3.1-21). Uma se gunda visita acontece em uma festa dos judeus cujo nome não é mencionado (v. 1), durante a qual Ele cura o homem paralítico, em Betesda, incitando, com isso, a hostilidade dos judeus, e faz o discurso dos versículos 17-47. Ele sobe mais uma vez à cidade na Festa dos Tabernáculos (7.10), e, dez meses depois, na Festa da Dedicação (10.22). Passa um período de intervalo do outro lado do Jordão (10.40), em Efraim, no deserto da Judeia (l 1.53-54), e em Betânia (11; 12.1), depois do que faz sua entrada triunfal em Jerusalém (22.12ss). Assim, de acordo com João, entre a última jornada de Cristo da Galileia para Jerusalém e sua entrada triunfal na cidade, há um intervalo de diversos meses, passado, em parte, em Jerusalém e, em parte, nos dis tritos vizinhos; enquanto, de acordo com os Sinópticos, parece que Ele foi da Galileia para Jerusalém, para a última Páscoa, só pouco tempo antes de ela começar, e que, antes disso, permaneceu todo o tempo na Galileia ou na vizinhança dela, tendo estabelecido sua moradia lá no início de seu minis tério público. Nos Sinópticos, o cenário da obra de Cristo é quase exclusivamente a Galileia, enquanto João menciona só cinco eventos ligados ao ministério galileu. O quarto Evangelho, por sua vez, presume o conhecimento da atividade de Jesus na Gali leia e na Pereia (6.1; 7.1; 5.11,52; 10.40). A diferença entre João e os Sinópticos também aparece na forma da narra tiva. Os últimos apresentamo ensino de Jesus tratando principalmente com os camponeses humildes. Ele é proverbial, popular, abundante em parábolas, e os discursos são breves. João apresenta Cristo fazendo longos e profun dos discursos refletidos. Enquanto João não traz nada correspondente ao Sermão do Monte e aos grupos de parábolas, os outros evangelistas não fa zem qualquer relato equivalente às conversas com Nicodemos, com a mulher samaritana e com os discípulos antes da Páscoa. Em João, os discursos são mais comoventes e dialéticos; nos Sinópticos, mais proverbiais, parabólicos e proféticos. Contudo, o relato de João a respeito do ensino de Jesus não é desprovido de breves ditos paradoxais, como os que abundam nos Sinópticos (cp. 2.19; 4.32,34-35; 7.33; 5.17; 6.27,33,62); nem faltam ditos parabólicos, como o Deus Pastor, a Vinha, a Agua Viva e o Pão do Céu, apesar de nenhuma parábola ser desenvolvida por João. 9 Introdução aos E scritos de João Em outro e mais profundo aspecto, seu Evangelho permanece relacionado aos outros como complementação. Só ele apreendeu e preservou determinados aspectos da vida e do ensino do Senhor, como suas declarações quanto à sua relação eterna com o Pai e sua unidade eterna com Ele (S.ISss; 5.17ss.; 6.33,51; 7.16,28ss.; 8.58, e outros). Em resumo, é a João que devemos a percepção do aspecto contemplativo da obra de Cristo; enquanto, no que concerne à relação do cristão com seu Senhor, o evangelista nos fornece aquelas palavras profundas e reconfortantes que dizem respeito à união mística e à comunhão de vida entre Ele mesmo e seus discípulos, nas quais eles entrarão por intermédio do Espírito Santo. Contudo, essas percepções mais místicas e mais profundas, no geral, não são o resultado da personalidade característica de João. Elas também foram matizadas e modeladas pelas condições peculiares da igreja e do pensamento religioso da sua época. O conflito do cristianismo não era mais com o erro do judaísmo, não mais entre o evangelho e a lei, entre a circuncisão e a incircuncisão, mas com um gnosticismo essencialmente pagão que atraía a igreja com a pretensão de uma profunda percepção do cristianismo e que tentava perverter o evangelho para seu próprio serviço. Já se comentou que o objetivo do quarto Evangelho não era distintamente polêmico. João foi impelido a escrever pela pressão sobre sua pró pria alma da verdade de “Deus manifestado em carne”, e não pelas agressões da heresia. Não obstante, as declarações de um certo Cerinto3 acrescentaram aspe reza ao retrato do Filho do Homem feito pelo apóstolo. Nenhuma resposta mais impressionante poderia ser dada a esse ensinamento que a fornecida por João nas palavras do próprio Senhor concernentes à sua preexistência e divindade eterna e em seu testemunho de que o Pai criou todas as coisas por meio do Ver bo. {Vide 1.3,14,33-34,49; 3.13-14; 5.23,26; 6.51,62; 8.58; 13.23SS.; 17.1-2,16,19; 18.6,11,37.) As E pístolas Em geral, reconhece-se que a primeira epístola foi escrita em Éfeso. Na igreja latina, prevalecia a opinião de que ela foi endereçada primariamente aos partos, mas a tradição eclesiástica não identifica nenhuma missão de João aos partos, sendo que se supõe que Tomé levou o evangelho a eles. 3. Este Cerinto ensinava que o mundo não foi feito pelo Deus supremo, mas por outro poder re moto que governa o universo. Dizia que Jesus não nasceu da virgem por concepção milagrosa, mas era o filho de José e Maria por geração natural, embora fosse especialmente provido com justiça e sabedoria. Dizia também que, depois do batismo de Jesus, o Cristo desceu sobre Ele na forma de uma pomba, a partir desse poder soberano que está sobre todas as coisas. Então, Ele anunciou o Pai desconhecido e realizou milagres, mas, perto do fim do seu ministério, o Cristo partiu de Jesus, e este sofreu e ressuscitou da morte, enquanto o Cristo permaneceu impassível como um ser espiritual. 10 Introdução aos E scritos de João Contudo, o destinatário exato dela é de pouca consequência. “Seu matiz é mo ral, não local.” É um retrato único de uma sociedade cristã, a única comunicação da obra do Espírito entre os homens. Não há traço de perseguição: “O mundo era perigoso por sua sedução, não por sua hostilidade”; os perigos eram internos, não externos. Esses fatos dão caráter à epístola em dois sentidos. Primeiro, a obra missionária da igreja encontra-se no pano de fundo do pensamento do apóstolo. O mundo é dominado pela fé conforme representada na igreja, e o evangelho é proclamado pela própria existência da igreja, e proclama do efetivamente à proporção da pureza e fidelidade da igreja. Segundo, a atenção concentra-se na ideia fundamental da própria mensagem, não na relação da mensagem com outros sistemas. A grande questão é a pessoa e a obra do Senhor. A forma peculiar de erro combatida na epístola é a docética e a ceríntica4. Nes se ensinamento, o pecado e a expiação não têm lugar. Cristo veio ao mundo não para redimi-lo pela remissão do pecado, mas para iluminar alguns intelectos se lecionados com filosofia, Jesus não é Deus manifestado em carne; a humanidade de Jesus não é real, mas um espectro. Contra esses pontos de vista, João afirma que nenhum espírito que nega que Jesus Cristo veio em carne é de Deus (1 Jo 4.2-3); que aquele que nega que Jesus é o Cristo é mentiroso, e que a negação do Filho envolve a rejeição do Pai (2.22-23); que aquele que nega ser pecador enga na a si mesmo e impugna a veracidade de Deus (1.8,10). O Verbo da vida que ele proclama era a verdadeira manifestação humana de Deus, o Cristo humano que ele e seus companheiros discípulos viram, e ouviram, e tocaram (1.1-2). Jesus é a propiciação para o pecado (2.2). O mundo não é conquistado pelo conhecimento, mas pela fé de que Jesus é o Filho de Deus (5.4-5). A principal evidência da autoria de João para a epístola é interna, extraí da de sua semelhança com o Evangelho em vocabulário, estilo, pensamento e escopo. Existe a mesma repetição de palavras e frases fundamentais, como verdade, amor, luz, nascido de Deus, permanência em Deus. Existe a mesma sim plicidade de construção; a mesma raridade de partículas; o emprego do conec- tivo simples (καί, e), em lugar de uma partícula de sequência lógica (3.3,16); a sucessão de sentenças e orações sem partícula (2.22-24; 4.4-6,7-10,11-13; 2.5-6,9-10); e a execução de sentenças em paralelismo por meio da repetição de orações (1.6,8,10; 5.18,20). As coincidências verbais abundam. Palavras como κόσμος (mundo), φως (luz), σκοτία (trevas), φανερόω (manifestar), ζωή αιώνιος (vida eterna), αληθινός Θεός (o Deus verdadeiro), ò μονογενής υίός (o Filho 4. Os docetistas defendiam que o corpo de nosso Senhor era um espectro imaterial. O nome deles deriva de δοκέω (dokeõ), parecer. 11 Introdução aos E scritos de João unigênito) etc. são comuns a ambos. Coincidências de expressão também são numerosas. Compare, por exemplo: 1 J oão Evangelho 1.2-3 3.11 1.4 16.24 2.11 12.35 2.14 5.38 2.17 8.35 3.5 8.46 3.8 8.44 3.13 15.18 3.14 5.24 3.16 10.15 4.6 8.47 5.4 16.23 A epístola pressupõe o Evangelho. As diferenças são do mesmo tipo das que aparecem naturalmente entre um historiador e um professor interpretando a história. Pode-se perceber isso por uma comparação do prólogo do Evangelho com a epístola. O prólogo e a epístola permanecem na mesma relação com os discursos, conforme aparece a partir de uma comparação dos pensamentos sobre vida, luz e verdade, no prólogo, com passagens nos discursos. Assim, compare, sobre vida, Evangelho 5.26; 11.25; 14.6; prólogo 1.4; epístola 1.1; 5.20. Sobre luz, Evangelho 8.12; 12.46; prólogo 1.4,7,9; epístola 1.6-7; 2.8. Sobre verdade, Evan gelho 8.32; 14.6; prólogo 1.9,14,17; epístola 1.6,8,10; 2.4,8,21,27; 3.19; 4.1,6; 5.20. O tema do Evangelho é: Jesus é o Cristo em processo de manifestar sua glória. Na epístola, presume-se a manifestação da glória como o fundamento da exor tação aos cristãos para que a manifestem em sua vida. Adoutrina da propicia- ção, exposta a Nicodemos, é aplicada em lJo 3.1. A promessa do Paracleto, no Evangelho, é indicada como cumprida na epístola (2.20). A epístola lida com os frutos daquele amor que é ordenado no Evangelho. (Cp. Evangelho 13.34; 15.12 com epístola 3.11; 4.7,11; 3.14; 4.12,20-21.) No Evangelho, a glória di vina é proeminente; na epístola, a humanidade de Cristo o é. A doutrina da propiciação e da purificação é tratada de forma mais completa na epístola (2.2; 3.16; 4.10; 1.7,9). O caráter epistolar não aparece na forma. Ela não tem endereçamento ou subscrição, e não apresenta nenhum traço direto de seu autor ou de seu des tinatário. Mas é movida por sentimento pessoal (1.4; 2.12), pela experiên cia pessoal (l.l), e pela avaliação das circunstâncias das pessoas referidas (2.12,22,27; 3.2,13; 4.1,4; 5.18). 12 Introdução aos E scritos de João A segunda e terceira epístolas não contêm indicação direta da época ou do lugar em que foram escritas. Provavelmente, foram compostas em Éfeso. Fica aparente que as duas são obras do mesmo autor por causa da concordância de estilo e espírito. Em relação à primeira epístola, a semelhança de linguagem e pensamento entre a segunda e a primeira é mais estreita que entre a primeira e a terceira. O A pocalipse Esse documento deu origem a volumosas controvérsias quanto a seu autor, sua origem, seu propósito e sua interpretação. Sustenta-se que é uma falsificação, usando o nome de João; composta por outro autor sob o nome do apóstolo, não a fim de enganar, mas de registrar uma revelação oral de João; ou que foi obra de outro João. Alguns que negam que João escreveu o Evangelho atribuem o Apo calipse a ele, e a autenticidade do último é defendida por alguns proeminentes críticos racionalistas. O apóstolo João foi banido para a ilha de Patmos, provavelmente pelo impe rador Domiciano, em 95 ou 96 d.C.; e o livro, composto durante seu exílio ou, o que é mais provável, depois de seu retorno a Éfeso, contém a revelação concedida a ele em uma série de visões. O livro é endereçado diretamente às sete igrejas da Ásia proconsular, sendo o número sete representativo, e não incluindo todas as igrejas da Ásia. O propósito do livro era encorajar a igreja durante aquele perí odo de provação, predito por Jesus mesmo, entre o encerramento da revelação direta e a segunda vinda do Senhor. Esse encorajamento centra-se no retorno de Jesus para dar vida eterna ao seu povo e para esmagar seus inimigos. Quando re lacionado com o progresso da doutrina no texto do Novo Testamento, ele repre senta a consumação final da igreja redimida, a Jerusalém celestial, prenunciada na elevação e crescimento da igreja apostólica. O estilo é figurativo e simbólico. Lida com princípios, não com eventos espe cíficos. A negligência dessa característica e a tentativa correspondente de ligar os símbolos e profecias com incidentes ou personagens históricos específicos devem-se a maior extravagância de interpretação. Não se pode extrair nenhum argumento satisfatório de seu conteúdo contra sua autenticidade quando relacio nado com os outros escritos de João. Ele proclama as mesmas verdades eternas afirmadas e vindicadas no Evangelho e nas epístolas — a soberania de Deus, o conflito de pecado e justiça, o triunfo temporário do mal, e a vitória final e decisi va da santidade. Com nos outros escritos, Cristo é a figura central, o conquista dor do pecado e da morte, a alegria coroada do redimido, e o objeto da adoração dele. O livro enfatiza o ódio divino contra o pecado e a certeza do julgamento divino do ímpio e da futura bem-aventurança dos que creem em Jesus. A prin- 13 Introdução aos E scritos de João cipal ideia do Evangelho e do livro de Apocalipse é a mesma - a de um conflito decisivo entre as forças do bem e do mal. O simbolismo do Apocalipse é judaico, e não grego ou romano. O livro está impregnado com o estilo e a imagem do Antigo Testamento, e é modelado pelos livros históricos e proféticos dele. Como diz o Professor Milligan: O livro está absolutamente impregnado das memórias, dos incidentes, dos pensamen tos e da linguagem do passado da igreja. Em tal extensão, é esse o caso de que se pode duvidar se contém uma única figura não extraída do Antigo Testamento, ou uma única sentença completa que não tenha sido, mais ou menos, construída a partir de materiais extraídos da mesma fonte. £...] É um perfeito mosaico de passagens do Antigo Testamento, em um momento, citadas verbalmente, em outro, mencionadas por meio de alusão distinta; agora, tomadas de uma cena da história judaica, e agora novamente, de duas ou três juntas. Assim, a heresia dos nicolaítas é a heresia de Balaão (2.14); a maldade na igreja de Tiatira é personificada por Jezabel (2.20); o capitão angélico na guerra contra os dragões é o Miguel do livro de Daniel (12.7); Jerusalém, monte Sião, Babilônia, o Eufrates, Sodoma e Egito são símbolos da santa bem-aventurança dos santos, dos transgressores contra Deus e do julgamento do ímpio (21.2; 14.1; 16.19; 9.14; 6.8). A batalha de Armagedom leva-nos de volta à grande morte na planície de Megido (Jz 5.19; SI 83.9; 2Rs 23.29). As promessas às igrejas são fei tas sob as figuras da árvore da vida, do maná escondido, da pedra branca, da vara de ferro, da coluna do templo de Deus (2.7,17,27-28; 3.5,12,20). O céu é descrito sob a imagem do tabernáculo no deserto (11.1,19; 6.9; 8.3; 4.6). As pragas do capítulo 8 são as pragas do Egito; a travessia do mar Vermelho e a destruição de Corá estão misturadas na representação da libertação do povo de Deus (12.15- 16). Dos profetas, Ageu contribui com o terremoto do capítulo 6, e Joel, com a mudança do sol em negrume de pano de saco e da lua em sangue; Isaías contribui com as estrelas caindo, com a figueira derrubando seu fruto temporão, e com a retirada do céu como um pergaminho; Ezequiel contribui com o escorpião do capítulo 9, a descrição da nova Jerusalém do capítulo 21, o livro do capítulo 5, e o pequeno livro do capítulo 10; Zacarias contribui com a abertura dos selos do capítulo 6 e as oliveiras do capítulo 11. A visão do Redentor glorificado (1.12-20) é combinada a partir de Êxodo, Zacarias, Daniel, Ezequiel, Isaías e Salmos. Junto com essas coincidências, há determinados contrastes, notavelmente em relação à doutrina da vinda de Cristo, a qual, no Evangelho e nas epístolas, está no pano de fundo, embora seja o tema principal de Apocalipse. O Apocalipse tra ta o julgamento iminente como algo exterior, o Evangelho, como espiritual. O Apocalipse descreve o triunfo do cristianismo sob a imagem do judaísmo, sendo 14 IntroduçAo aos E scritos de João a consumação uma Jerusalém ideal e uma adoração ideal; enquanto no Evange lho o judaísmo aparece em oposição a Cristo, “permanecendo de fora, isolado e petrificado, e não tomado com Ele, despertado e glorificado”. Os símbolos do livro são extraídos de objetos familiares ao escritor - os gafa nhotos, as águias, a mó, a oliveira, a palmeira e a vinha. A principal objeção proposta contra a autoria comum ao Evangelho e ao Apo calipse é a diferença de linguagem e estilo. Essa diferença deve ser admitida francamente. Como afirma o Dr. Davidson: A linguagem afasta-se materialmente do grego usual do Novo Testamento, apresen tando anomalias, incorreções, construções peculiares e disposição estranha de pala vras que não têm paralelo. [[...3 A linguagem é tão completamente hebraica, que ne gligencia as regras usuais do grego. Muitos críticos eminentes consideram essas diferenças irreconciliáveis com a pressuposição da autoria comum. Por sua vez, pode-se argumentar que essas diferenças são em grande escala intencionais; que o autor deixa o uso comum sob as exigências peculiares de seu assunto, originadas das condições sob as quais ele escreve, e que seu intento é conformar-se ao estilo de discurso do Antigo Testamento; e mais, que sua fami liaridade com o uso correto é mostrado por outras passagensdo mesmo livro. Além disso, o livro de Apocalipse contém muitas das palavras que são peculiares ao Evangelho e às epístolas, como testemunho, tabemáculo, guardar, vencer, nomear, tanto quanto a expressão de caráter, verdade (αληθινός), no sentido de real; e as figuras de fome, sede, maná, água viva, pastor e ovelhas. Na verdade, responde-se que, nas passagens em que as mesmas palavras ocorrem, elas são usadas com um sentido diferente, mas muitas dessas alegadas diferenças desaparecem sob exame mais atento. O caráter hebraico só é superficialmente distinto do caráter do Evangelho, que é hebraico no espírito, embora o grego seja muito mais puro, e “a ausência de solecismo surja da fuga de expressões idiomáticas”5. E s t i l o e E x p r e s s ã o d e J o ã o O estilo de João no Evangelho e nas epístolas é marcado pela simplicidade e facilidade. Ele é claro, sem elegância, e a expressão é comparativamente pura no que concerne às palavras e à gramática, mas animada por um talento hebraico. 5. Está, obviamente, fora do escopo deste livro discutir de forma crítica essa e outras questões joa- ninas. Tal tarefa tem de pressupor a familiaridade do leitor com o grego. A discussão referente às diferenças de linguagem pode ser encontrada na excelente obra do Professor Milligan, The Revelation of St. John, Apêndice II. 15 Introdução aos E scritos de João Godet descreve o estilo como caracterizado por “uma simplicidade infantil e pro fundidade transparente, uma santa melancolia, e uma vivacidade não menos que santa; acima de tudo, a suavidade de um amor puro e gentil”. O vocabulário é escasso. As mesmas expressões ocorrem continuamente. Por isso, encontramos 23 ocorrências de φώς (luz); 42 de δόξα, δοξάζεσθαι (glória, ser glorificado); 52 de ζωή, ζην (vida, viver); 47 de μαρτυρεΐν, μαρτυρία (teste munhar, testemunho); 55 de γινώσκειν (saber, conhecer); 78 de κόσμος (mundo); 98 de πίστευεlv (crer, acreditar); 23 de εργον (trabalho); 25 de όνομα (nome) e άληθεία (verdade), cada; e 17 de σημεΐον (sinal). Todavia, a escassez do vocabulário é compensada por sua riqueza. As pou cas palavras constantemente recorrentes são símbolos de idéias fundamentais e eternas. Conforme Godet: Elas não são puramente noções abstratas, mas poderosas realidades espirituais que podem ser estudadas sob múltiplos aspectos. Se o autor tem apenas poucos termos em seu vocabulário, esses termos podem ser comparados a peças de ouro com que grandes senhores fazem pagamentos. Uma uniformidade semelhante fica aparente nas construções. Em geral, elas são simples, claras e diretas. As sentenças são curtas e coordenadas, seguindo uma à outra por um tipo de paralelismo, como na poesia hebraica. Assim, em lugares onde outros escritores usariam partículas de conexão lógica, ele usa o simples conectivo καί (e). Por exemplo, em 1.10, João quer dizer que, embora Jesus estivesse no mundo, ainda assim o mundo não o conheceu; mas ele afirma o fato em duas proposições distintas e independentes: “estava no mundo £../] e o mundo não o conheceu”. Como em 8.20. Jesus falava no lugar do tesouro, en sinava no templo, e embora Ele aparecesse e ensinasse publicamente, ninguém pôs as mãos nele. João escreve: “Essas palavras disse Jesus no lugar do tesouro, ensinando no templo, e ninguém o prendeu”. Ele usa e no lugar em que se pode esperar o antitético mas (1.5; 3.11; 15.24). Há também uma ausência frequente de partículas de ligação. Por exemplo, não há nenhuma nos primeiros dezesse te versículos do capítulo 15. Apesar da riqueza das partículas gregas, João usa apenas cinco. Ele faz uso abundante de contrastes ou paralelismos antitéticos sem usar conexões de ligação. Daí, “a lei foi dada por Moisés; a graça e a verda de vieram por Jesus Cristo” (1.17); “Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, este o fez conhecer” (1.18). Compare com 8.23; 15.5 etc. Essa coordenação simples de orações é auxiliada pela repetição de uma palavra ou frase marcadas, de modo que a conexão entre as duas decla rações seja estabelecida, e a ideia, conduzida em uma nova direção (cp. 10.11; 15.13SS.; 15.1,5; 17.14SS.; 6 .39-40 ,44). 16 Introdução aos E scritos de J oão A narrativa é direta. Até mesmo as palavras de outros são dadas diretamente, e não de forma oblíqua. Em vez de dizer: “Este é o testemunho de João, quando os judeus mandaram que lhe perguntassem quem ele era, e ele confessou que não era o Cristo”, João diz: “E este é o testemunho de João, quando os judeus mandaram £...J que lhe perguntassem: Quem és tu? E confessou £../]: Eu não sou o Cristo” (1.19, grifo nosso). Compare com 7.40ss.; 2.3ss.; 4.24ss.; 5.10ss.; 6.14; 8.22; 10.3ss. Na estrutura da narrativa, não são trabalhados detalhes ilus trativos, mas estes são inseridos como parênteses ou declarações distintas (cp. 6.10; 4.6; 10.22; 13.30; 18.40). O estilo de João é circunstancial. Uma ação que os outros escritores declaram como complexa é analisada por ele, e seus com ponentes são declarados separadamente. Assim, em vez da expressão idiomá tica grega usual: “Jesus respondendo disse”, João escreve: “Jesus respondeu e disse”, tornando, assim, ambos os fatores do ato igualmente proeminentes (cp. 12.44; 7.28; 1.15,25). Essa peculiaridade é ainda mais ilustrada pela combina ção das expressões positiva e negativa da mesma verdade (cp. 1.3,20; 2.24; 3.16; 5.5; 18.20; lJo 1.6; 2.4,27). Contudo, a separação é apenas superficial. A ligação interna é mantida próxima na mente do escritor, e é impressa no leitor pela constante repetição que, em uma percepção apressada, parece monótona, mas que serve para representar o pensamento central em suas muitas facetas e para pô-lo em sua relação dominante com pensamentos subordinados. Seu uso fre quente da partícula ούν (portanto) dirige a atenção para a sequência de eventos ou idéias (2.22; 3.25,29; 4.1,6,46; 6.5; 7.25; 8.12,21,31,38; 5.7; 7.1,3,9,17,21). A expressão a fim de que (iva), marcando um objeto ou propósito, ocorre com frequência e exibe a característica da mente de João de considerar as coisas em suas relações moral e providencial. Assim, em 4.34: “A minha comida é a fim de que faça a vontade daquele que me enviou”, a ênfase não cai sobre o processo, mas sobre o fim. Compare com 5.36; 6.29; 8.56; 12.23; 13.34; 17.3. O sujeito, ou a palavra relevante de uma sentença, é frequentemente repeti do, sobretudo em diálogos (característicos do Evangelho de João), em que, pela repetição constante dos nomes das partes, eles são mantidos claros na mente do leitor (cp. 2.18; 4.7SS.; 8.48ss.; 10.23ss.; também 1.1,7,10; 4,22; 5.31; 6.27; 11.33). O pronome demonstrativo é habitualmente introduzido para evocar o sujei to, quando uma oração fica entre o sujeito e o verbo (cp. 15.5; 7.18; 10.1; 12.48; 14.21,26; 15.26). O pronome pessoal é empregado com frequência, sobretudo na primeira pessoa. Segundo Westcott: “A esse respeito, boa parte do ensinamento dos discursos do Senhor depende do cuidadoso reconhecimento da referência enfática à sua personalidade indivisa” (cp. 8.14,16; 5.31). As citações, em geral, são da lxx, e nunca diretamente do hebraico. 17 João Prólogo -18. Apresento a organização do Prólogo de acordo com Godet: O prólogo resume-se a três pensamentos, que também determinam o plano dele: O Logos: o Logos renegado; o Logos reconhecido e recuperado. Esses três as pectos fundamentais harmonizam com os três principais aspectos da história conforme relatada nesse Evangelho: a revelação do Logos; a descrença do povo judeu; a fé dos discípulos. O versículo 5 forma uma transição entre a primeira parte (vv. 1-5) e a segunda (vv. 6- 1 1), da mesma maneira que os versículos 12 e 13 ligam a segunda parte à terceira (vv, 12-18), a qual, por sua vez, tem ligação próxima com a primeira parte. A relação dessa última parte com a primeira, indicada pela similaridade de pensamento e expressão que pode ser observada entre os versículos 18 e 1 , podeser expressa desta maneira: a pessoa que os apóstolos observam, que foi proclamada por João Batista, e em quem a igreja cria (vv. 12-18), não é ninguém além daquele cuja existência e suprema grandio sidade foram indicadas pelo títu lo Logos. Logo, a igreja possui em seu Redentor o Criador de todas as coisas, a Luz essencial, o Príncipe da vida, o próprio Deus. A ligação original entre o homem e D eus, que o pecado arruinou (v. 5), e que a descrença rompeu com pletam ente (v. 1 1 ), é perfeitamente restaurada para o cristão; e, por m eio da fé, a lei do paraíso (v. 4) torna-se mais uma vez a lei da história humana (vv. 16-18). Assim, o prólogo forma um todo compacto e orgâ nico, do qual o pensam ento germ inal é este: por meio da encarnação, os cristãos são restaurados àquela comunhão com o Verbo e àquela relação viva com Deus, da qual o homem foi privado pelo pecado. João — P rólogo Primeira divisão do prólogo: o V erbo (1-5) 1. No princípio, era (ev αρχή ήν). É uma evidente alusão à primeira palavra de Gênesis. Mas João eleva a frase de sua referência a um ponto no tempo, o início da criação, para o tempo da absoluta preexistência, anterior a qualquer criação, que só é mencionada no versículo 3. Esse princípio não teve princípio (cp. v. 3; 17.5; lJo 1.1; Ef 1.4; Pv 8.23; SI 90.2). Contudo, esse engrandecimento da con cepção não aparece tanto em άρχή, princípio, que apenas deixa espaço para isso, como no uso de ήν, era, denotando existência absoluta (cp. eípí, eu sou, Jo 8.58), em vez de eyeveio, veio a ser, ou começou a ser, usado nos versículos 3 e 14, acerca do vir a ser da criação e do Verbo tornando-se carne. Observe também o con traste entre kv αρχή, no princípio, e a expressão απ’ αρχής, desde o princípio, que é comum nos escritos de João (8.44; lJo 2.7,24; 3.8) e que não deixa espaço para a ideia de preexistência eterna. Segundo Milligan e Moulton: Em Gn 1.1, a história sagrada parte do princípio e segue em direção descendente, mantendo-nos, assim, no curso do tempo. Aqui, ele começa do mesmo ponto, mas segue em direção ascendente, levando-nos, assim, à eternidade do tempo precedente. Vide nota sobre Cl 1.15. Essa noção de “princípio” é engrandecida ainda mais pela declaração subsequente da relação do Verbo com o Deus eterno. Ο αρχή deve referir-se à criação - o princípio primordial das coisas; mas se, nesse princí pio, o Verbo já era, então Ele pertencia à ordem da eternidade. Conforme Lange: Todavia, o Verbo não só existia no princípio, mas também era o princípio eficiente, o início do princípio. Ο άρχή (princípio), em si mesmo e em sua operação das trevas e dos caos, estava, em sua ideia e em seu princípio, encerrado em uma única palavra lumino sa, que era o Logos. E quando é dito que o Verbo estava em seu princípio, sua existên cia eterna já é expressa e sua posição eterna na divindade já é indicada por meio disso. E Godet: Há, como o refrão de um hino, oito ocorrências na narrativa da criação (em Gênesis) das palavras: E disse Deus. João reúne todos esses ditos de Deus em um único dito, vivo e favorecido com atividade e inteligência, do qual emanam todas as ordens divinas: ele encontra o Verbo falando como a base de todas as palavras faladas. A palavra (6 λόγος): Logos. Essa expressão é a nota-chave e o tema de todo o Evan gelho. Λόγος é da raiz λεγ, que aparece em λέγω, cujo sentido primitivo é estender, depois, escolher, reunir, juntar, por conseguinte, reunir ou juntar palavras, e, assim, falar. Por isso, 20 João - P rólogo λόγος, acima de tudo, é uma coletânea, ou coleção, das coisas que estão na mente e das palavras por meio de que são expressas. Assim, a palavra representa a forma exterior por meio de que o pensamento interior é expresso, e o pensamento interior propriamente dito, o oratio e ratio latinos; compare com o termo italiano ragionare, “pensar” e “falar”. Enquanto significando a forma exterior, a palavra nunca é usada no sentido me ramente gramatical, como apenas o nome de uma coisa ou ato (έπος, όνομα, ρήμα), mas representa uma palavra como a coisa a que se refere, a parte material, não a formal·, a palavra como incorporando a concepção ou ideia. Vide, por exemplo, Mt 22.46; lCo 14.9,19. Por conseguinte, a palavra representa um dito, de Deus ou do homem (Mt 19.21-22; Mc 5.35-36); um decreto, umpreceito (Rm 9.28; Mc 7.13). A l x x chama os Dez Mandamentos de oi δέκα λόγοι., “as dez palavras’ (Ex 34.28), daí o conhe cido termo decálogo. O termo é usado ainda para discurso, o ato de falar (At 14.12), a habilidade e prática no falar (Ef 6.19), ou a fala contínua (Lc 4.32,36). Também para doutrina (At 18.15; 2Tm 4.15), sobretudo a doutrina da salvação por intermédio de Cristo (Mt 13.20-23; Fp 1.14); para narrativa, tanto a relação como a coisa relacio nada (At 1.1; Jo 21.23; Mc 1.45); para assunto sob discussão, um negócio, um caso da lei (At 15.6; 19.38). Com o significado de pensamento interior, ela denota a faculdade de pensar e discernir (Hb 4.12); observação ou consideração (At 20.24); avaliação, prestação de contas (At 20.29). João a usa em um sentido peculiar, aqui e no versículo 14; e, com esse sentido, só nessas duas passagens. A abordagem mais próxima a essa está em Ap 19.13, em que o conquistador é chamado a Palavra de Deus; e é lembrada nas expressões Palavra da vida e a vida fo i manifestada (lJo 1.1-2). Compare com Hb 4.12. Era um termo teológico familiar e corrente quando João escreveu, e, por essa razão, ele o usa sem dar explicações. USO DO TERMO NO ANTIGO TESTAMENTO Aqui, a palavra aponta diretamente para Gn l, em que o ato da criação é efe tivado por meio da fala de Deus (cp. SI 33.6). A ideia de Deus, que está em sua própria natureza oculta, revelando-se na criação, é a raiz do Logos-ideia, em contraposição a todas as concepções materialistas ou panteístas da criação. No Antigo Testamento, essa ideia desenvolve-se em três linhas. (1) A Palavra, como incorporando a vontade divina, é personificada na poesia hebraica. Por conseguinte, os atributos divinos são predicados dela como a revelação contínua de Deus na lei e na profecia (SI 33.4; Is 40.8; SI 119.105). A Palavra é um meio de cura em SI 107.20; uma mensageira em SI 147.15; o agente do decreto divino em Is 55.11. (2) A sabedoria personificada (Jó 2.12ss.; Pv 8; 9). Aqui também é a ideia da revelação do que está escondido. Pois a sabedoria está vedada ao homem: “O 21 JoÂo - P rólogo homem não lhe conhece o valor; não se acha na terra dos viventes. O abismo diz: não está em mim; e o mar diz: ela não está comigo. Não se dará por ela ouro fino, nem se pesará prata em câmbio dela. £...J Porque está encoberta aos olhos de todo vivente e oculta às aves do céu” (Jó 28.13-15,21). Até mes mo a morte, que desvela tantos segredos e o mundo inferior, conhece-a ape nas como um rumor (v. 22). Somente Deus conhece seu caminho e seu lugar (v. 23). Ele fez o mundo, fez os ventos e as águas, fez um decreto para a chuva e um caminho para a luz do trovão (vv. 25-26). Ele, que possuía sabedoria no começo do seu caminho, antes de suas obras da antiguidade, antes da terra com seus abismos e riachos e montanhas, com quem estava a sabedoria como aquela criada com Ele (Pv 8.26-31), declarou-a: “Então, a viu e a manifestou; estabeleceu-a e também a esquadrinhou” (Jó 28.27), e incorporou-a em sua obra criativa. Assim, essa personificação baseia-se no pensamento de que a sabedoria não está trancada em repouso em Deus, mas é ativa e se manifesta no mundo. “No cume das alturas, junto ao caminho, nas encruzilhadas das veredas, ela se coloca. Da banda das portas da cidade, à entrada da cidade e à entrada das portas está clamando” (Pv 8.2-3). Ela constrói um palácio, prepa ra um banquete e faz um convite geral para o simples e para todo aquele que quer entender (Pv 9.1-6). É vista como a que guia à salvação, compreendendo todas as revelações de Deus, e como um atributo que abrange e combina to dos os outros atributosdele. (3) O Anjo de Jeová. O mensageiro de Deus que serve como seu agente no mun do do sentido, e que é, às vezes, distinguido de Jeová e, outras vezes, idêntico a Ele (Gn 16.7-13; 32.24-28; Os 12.4-5; Êx 23.20-21; Ml 3.1). USO APÓCRIFO Nos escritos apócrifos, esse elemento mediador é apreendido de forma mais distintiva, mas com uma tendência ao panteísmo. Em Sabedoria de Sa lomão (pelo menos, 100 a.C.), em que a sabedoria parece ser vista como outro nome para toda a natureza divina, embora em nenhuma passagem ligada ao Messias, ela é descrita como um ser de luz procedente essencialmente de Deus; uma verdadeira imagem de Deus, coocupante do trono divino; um princípio verdadeiro e independente, revelando Deus no mundo e fazendo mediação entre o mundo e Ele, depois de tê-lo criado como seu órgão - em associação com um espírito chamado povoyeveç, unigênito (7.22). “Ela é um ef- lúvio do poder de Deus, irradiação pura da glória do Todo-poderoso; eis por que mancha nenhuma se insinua nela. Ela é um reflexo da luz eterna, espelho sem mancha da atividade de Deus e imagem da sua bondade” (7.25-26, t e b ; cp. cap. 7 inteiro). Mais uma vez: 22 João - P rólogo Ela se estende com força de uma extremidade do mundo à outra e com bondade go verna o universo. Eu a amei e a procurei desde minha juventude, busquei desposá-la, apaixonei-me por sua beleza. Sua glória eclipsa a nobreza, pois partilha a vida de Deus, e o soberano do universo a amou. Iniciada na própria ciência de Deus, é ela quem decide suas obras. [../] Graças a ela, obterei a imortalidade, e deixarei aos pós- teros uma lembrança eterna (8.1-4,13, teb). No capítulo 16.12, é dito: "Tua palavra, ó Senhor, que a todos cura” ( t e b ; cp. SI 107.20); e no capítulo 18.15-16: “A tua Palavra onipotente, deixando os céus e o trono real, irrompeu como o guerreiro impiedoso no meio da terra maldita, empunhando, como espada afiada, teu decreto irrevogável. Levantando-se, ela encheu tudo de morte; ela chegava ao céu, enquanto caminhava sobre a terra” ( t e b ) . Vide também Sr 1; 24; e Br 3; 4.1-4. USO JUDAICO POSTERIOR Depois do cativeiro babilônico, os doutores judeus combinaram em uma só perspectiva as teofanias, revelações proféticas e manifestações em geral de Jeová, e uniu-as em um único conceito, a de um agente permanente de Jeová no mundo sensível, que eles designaram pelo nome de Memra {palavra, λόγος) de Jeová. Os judeus eruditos introduziram a ideia nos targums, ou paráfrases aramaicas do Antigo Testamento, que eram lidos publicamente nas sinagogas, substituindo a expressão a palavra de Jeová por aquele nome, cada vez que Deus se manifestava. Assim, em Gn 39.21, eles parafrasearam: “A Memra estava com José na prisão”. Em SI 110, Jeová dirige o primeiro versículo à Memra. A Memra é o anjo que des truiu os primogênitos do Egito, e foi a Memra que guiou os israelitas na coluna de nuvem. USO NA FILOSOFIA JUDAICO-ALEXANDRINA Desde a época de Ptolomeu I (323-285 a.C.), havia muitos judeus no Egito. Fílon (50 d.C.) estimava-os em um milhão em sua época. Alexandria era o quartel- general deles. Eles tinham sua própria assembléia legislativa e magistrados, e possuíam os mesmos privilégios que os gregos. A Septuaginta ( l x x ) , tradução das Escrituras hebraicas para o grego (280-150 a.C.), foi o início de um movimento literário entre eles, a tônica do que foi a reconciliação da cultura ocidental com o judaísmo, o estabelecimento de uma ligação entre a fé do Antigo Testamento e a filosofia grega. Por isso, eles interpretavam os fatos da história sagrada alegoricamente, e os transformavam em símbolos de determinados princípios especulativos, alegando que os filósofos gregos tinham emprestado 23 JoAo - P rólogo sua sabedoria de Moisés. Aristóbulo (cerca de 150 a.C.) afirmou a existência de uma tradução da lei anterior e muito mais antiga, dedicada a Ptolomeu VI; uma exposição alegórica do Pentateuco, em que ele tentava mostrar que as doutrinas do peripatético ou da escola aristotélica eram derivadas do Antigo Testamento. A maioria das escolas da filosofia grega estava representada entre os judeus alexandrinos, mas a favorita era a platônica. O esforço pela reconciliação culminou com Fílon, contemporâneo de Cristo. Fílon tinha conhecimento íntimo da filosofia platônica e tornou-a o caráter fundamental das suas próprias doutrinas, embora se beneficiando, da mesma forma, de idéias pertencentes às escolas peripatética e estoica. Incapaz de discernir a diferença nos pontos de vista a partir de que essas doutrinas rigorosamente distintas procediam, ele misturou não só doutrinas discordantes das escolas gregas, mas também as do Oriente, concernentes à sabedoria dos gregos como tendo origem na legislação e nos escritos de Moisés. Juntou todos os elementos do Oriente e do Ocidente que podiam ajudar a modelar sua concepção de um vice-gerente de Deus, “um mediador entre o eterno e o efêmero. Seu Logos reflete luz de incontáveis facetas”. De acordo com Fílon, Deus é o ser absoluto. Ele chama Deus de “aquele que é”; “o Único e o Tudo”. Só Deus existe por si mesmo, sem multiplicidade e sem mistura. Nenhum nome pode ser apropriadamente atribuído a Ele: Ele simples mente é. Por isso, em sua natureza, Ele é incognoscível. Fora de Deus, existe matéria eterna, sem forma e vazia, e essencialmente ma ligna; mas o Ser perfeito não poderia entrar em contato direto com o disparatado e corruptível, de forma que o mundo não poderia ser criado por sua interferência direta. Por isso, a doutrina de um princípio mediador entre Deus e a matéria - a Razão divina, o Logos, em quem estão incluídas todas as idéias das coisas finitas, e quem criou o mundo sensível fazendo com que essas idéias penetrassem na matéria. O Deus absoluto está cercado por seus poderes (δυνάμβ,ς) como um rei por seus servos. Esses poderes, na linguagem platônica, são idéias, na judaica, anjos, mas, em essência, todos são um, e a unidade deles - como existem em Deus, como emanam dele, como são disseminados no mundo - é expressa pelo Logos. Por isso, o Logos aparece sob dois aspectos: (l) como a razão imanente de Deus, contendo em si mesmo o mundo ideal, que, embora não tenha existência exte rior, é igual à razão imanente no homem. Esta é intitulada Λόγος enÔLafieiroç, ou seja, o Logos concebido e residente na mente. Esse era o aspecto enfatizado pelos alexandrinos, e que tendia ao reconhecimento de uma dupla personalidade na essência divina. (2) Como a palavra verdadeira, procedente de Deus e manifes tada no mundo. Esta, quando emitida por Deus na criação do mundo é ο Λόγος προφορικός, ou seja, o Logos proferido, assim como no homem a palavra falada é a manifestação do pensamento. Esse aspecto prevalecia na Palestina, onde a Pa- 24 JoÂo - P rólogo lavra aparece como o anjo do Pentateuco, como o meio da comunicação exterior de Deus com os homens, e tende em direção ao reconhecimento de uma pessoa divina subordinada a Deus. Sob o primeiro aspecto, o Logos é realmente um com o ser oculto de Deus; o segundo compreende todas as obras e revelações de Deus no mundo; proveem dele mesmo as idéias e energias por meio de que o mundo foi estruturado e é sustentado; e, enchendo todas as coisas com luz e vida divinas, governa-as em sabedoria, amor e justiça. E o princípio da criação, não iniciado, como Deus, nem feito, como o mundo; mas o primogênito do Pai eterno (sendo o mundo o filho mais novo); a imagem de Deus; o mediador entre Deus e o mundo; o mais alto anjo; o segundo Deus. Assim, a concepção de Fílon acerca do Logos é: a soma total e o livre exercício das energias divinas; de modo que Deus, à medida que Ele se revela, é chamado Logos; enquanto o Logos, à medida que revela Deus, é chamado Deus. A doutrina e os termos de João são coloridos por essas influências preceden tes. Durante sua residência em Efeso, ele deve ter se familiarizado com as formas e os termos da teologia alexandrina. Não é improvávelque tenha usado o termo Logos com a intenção de facilitar a passagem das teorias correntes em sua época para o puro evangelho que proclamava. Conforme Godet: Para aqueles helenistas e judeus helenistas, de um lado, que estavam filosofando em vão sobre as relações do finito e do infinito; para aqueles investigadores da letra das Escrituras, de outro lado, que especulavam sobre as revelações teocráticas, João disse, ao dar o nome Logos a Jesus: “O Mediador desconhecido entre Deus e o mundo, a quem vocês aspiram conhecer, vimos, ouvimos e tocamos. Suas especulações filosófi cas e suas sutilezas nunca os elevarão até Ele. Creiam, como nós, em Jesus e terão nele esse Revelador divino que ocupa seus pensam entos”. Todavia, a doutrina de João não é a de Fílon, e não depende dela. As diferen ças entre as duas são pronunciadas. Embora ambos usem o termo Logos, eles o fazem com sentidos totalmente distintos. Em João, quer dizer palavra, como nas Escrituras em geral; em Fílon, razão, e de forma tão distintiva, que, quando ele quer lhe dar o sentido de palavra, acrescenta a ela, a título de explicação, o termo ρήμα, palavra. A natureza do ser descrito por Logos é concebida em cada um deles por um espírito totalmente distinto. O Logos de João é uma pessoa, com a consciência da distinção pessoal; o de Fílon é impessoal. Sua noção é indeterminada e flutuante, modelada pela influência que aconteça de estar operando na época. Sob a influ ência de documentos judaicos, ele qualifica o Logos como um “arcanjo”; sob a de Platão, como “a Ideia das Idéias”; sob a dos estoicos, como “a razão impessoal”. É duvidoso que Fílon já tenha pretendido representar o Logos formalmente como 26 João - P rólogo pessoa. Todos os títulos que ele lhe deu podem ser explicados pela suposição de que se referia ao mundo ideal sobre o qual o mundo real é modelado. Além disso, em Fílon, a função do Logos está confinada à criação e preservação do universo. Ele não se identifica ou se conecta com o Messias. Sua doutrina era, em grande grau, um substituto filosófico para as esperanças messiânicas. Ele pode ter concebido a Palavra como agindo por intermédio do Messias, mas não como um com Ele. O Logos é um princípio universal. Em João, o Messias é o Logos mes mo, unindo-se à humanidade e vestindo-se com um corpo a fim de salvar o mundo. As duas noções diferem quanto à origem. O Deus impessoal de Fílon não pode passar de criação finita sem contaminação de sua essência divina. Por isso, um agente inferior deve ser mediador. O Deus de João, por sua vez, é pessoal e tem personalidade amorosa. Ele é Pai ( 1. 18); sua essência é amor (3 . 16; lJo 4 .8, 16). Ele está em relação direta com o mundo que deseja salvar, e o Logos é Ele mes mo manifestado na carne. De acordo com Fílon, o Logos não é coexistente com o Deus eterno. A matéria eterna está antes dele no tempo. Segundo João, o Logos está essencialmente com o Pai desde toda a eternidade (1.2), e é Ele quem cria todas as coisas, incluindo a matéria ( 1.3). Fílon não capta a força moral da religião hebraica conforme expressa em sua ênfase sobre a santidade de Jeová, e, por isso, não percebe a necessidade de um mestre e Salvador divino. Ele se esquece da vasta diferença entre Deus e o mundo, e declara que, se o universo acabasse, Deus morreria de solidão e inatividade. O SENTIDO DE LOGOS EM JOÃO Da mesma maneira que Logos tem o duplo sentido de pensamento e fala, tam bém Cristo é relacionado a Deus como a palavra à ideia, não sendo a palavra um mero nome para a ideia, mas a própria ideia expressa. O pensamento é a palavra interior (o Dr. Schaff compara com a expressão hebraica “falo em meu coração”, com sentido de “penso”). O Logos de João é o Deus verdadeiro e pessoal (1.1), a Palavra, que estava originalmente com Deus antes da criação, e era Deus, um em essência e natureza, contudo pessoalmente distinto ( 1. 1, 18); o revelador e intérprete do ser oculto de Deus; o reflexo e a imagem visível de Deus, e o órgão de todas as suas manifesta ções ao mundo. Compare com Hb 1.3 . Ele fez todas as coisas, procedendo pesso almente de Deus para a execução do ato da criação ( 1.3 ), e tornou-se homem na pessoa de Jesus Cristo, realizando a redenção do mundo. Compare com Fp 2.6. Sobre João, Ford cita William Austin: O nome Palavra é dado de forma mais excelente a nosso Salvador, pois expressa sua na tureza em um, mais que em quaisquer outros. Por isso, João, quando nomeia a pessoa na 26 João - P rólogo Trindade (1 Jo 5.7), escolhe, antes, chamá-lo P alavra que Filho, pois o termo pa lavra é mais comunicável que filho. F ilh o refere-se só ao P a i que o gerou; mas p a la vra pode referir-se àquele que a concebe, àquele que a pronuncia; ao que é fa la d o p o r meio dela; à voz, de que ela se reveste; e aos efeitos que ela desperta naquele que a ouve. Assim, Cristo, por ser Ele a P alavra, não só se refere a seu Pai que o gerou, e de quem Ele vem, mas também a todas as criaturas que foram feitas por Ele; à carne com que Ele se revestiu; e à doutrina que Ele trouxe e ensinou, e que ainda vive nos corações de todos os que a ouviram de forma obediente. Ele é que é essa Palavra; e qualquer outro, profeta ou pregador, é somente uma v o z (Lc 3.4). P alavra é um a concepção in terior d a mente, e v o z é apenas um sin a l de intenção. João era só um sinal, uma voz, não digno de desatar as correias das sandálias dessa Palavra. Cristo é a concepção interior “no seio de seu Pai”, e Ele é propriamente a Palavra. Não obs tante, a Palavra é a intenção proferida, como também concebida no interior; pois Cristo, no ventre da virgem, ou na manjedoura, ou no altar da cruz, não era menos a Palavra do que Ele era no princípio, “no seio de seu Pai”. Pois, da mesma maneira que a intenção não deixa a mente quando a palavra é proferida, também Cristo, procedendo do Pai por gera ção eterna, e depois aqui por nascimento e encarnação, ainda permanece nele e com Ele em essência; como a intenção, concebida e nascida na mente, ainda permanece com ela e nela, embora a palavra seja pronunciada. Por isso, Ele é corretamente chamado a Palavra, por sua vinda do Pai e, ainda assim, sua permanência nele'. E o Verbo. A repetição do grande sujeito, com ênfase solene. Estava com Deus (ήν προς τον 0eòv). Na anglo- saxâ, no meio de Deus. Na wycliffe, em Deus. Com (πρός) não transmite o sentido pleno, mas não há ne nhuma palavra em português que o faça melhor. A preposição πρός, que, com o caso acusativo, denota movimento rumo a, ou direção, é também frequentemente usada no texto do Novo Testamento com o sentido de com; e não apenas de estar perto ou ao lado, mas como uma união e comunhão vivas, sugerindo a noção ativa de relação. Assim: "Não estão aqui conosco suas irmãs?” (πρός ημάς), ou seja, em relações sociais conosco (Mc 6.3; Mt 1S.56). “Até quando estarei convosco?” (πρός ύμάς, Mc 9.19). “Todos os dias me assentava junto de vós’ (Mt 26.55). "Para habi tar com o Senhof (πρός τον Κύριον, 2Co 5.8). “Fique convosco e passe também o inverno” (lCo 16.6). “A vida eterna, que estava com o Pai’ (πρός τον πατέρα, lJo 1.2). Dessa forma, a declaração de João é de que o Verbo divino não só habitava com o Pai por toda a eternidade, mas também estava em relação de comunhão ativa e viva com Ele. 1. Austin, M edita tion f o r Christm as D ay. Sobre João nomear a pessoa na Trindade (lJo 5.7), ele naturalmente não previa a crítica que eliminaria essa passagem do texto. E, ao discutir sobre “voz”, Austin usou o termo latino vox, e é óbvio que ele tinha em mente o sentido secundário de pa lavra ou dito. 27 J o ã o - P r ó l o g o E o Verbo era Deus (καί Θεός ήν ό λόγος). Na ordem grega, e Deus era o Ver bo, a qual é seguida pela anglo-saxã, wycliffe e tyndale. Contudo, Θεός, Deus, é o predicado, não o sujeito, da proposição. O sujeito deve ser o Verbo, pois João não está tentando mostrar quem é Deus, mas quem é o Verbo. Observe
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