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Cultura Digital e Inovação Responsável pelo Conteúdo: Prof. João Menoni Revisão Textual: Prof. Me. Claudio Brites Software Livre e Produção Cultural Software Livre e Produção Cultural • Conhecer as dinâmicas de funcionamento de softwares livres; • Explorar o desenvolvimento colaborativo de softwares culturais livres; • Proporcionar o estudo da interação entre agentes culturais e softwares. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Software Livre e a Liberdade de Expressão; • Usos e Apropriação de Softwares pelos Agentes Culturais; • Compartilhando o Conhecimento; • Produção Cultural Independente. UNIDADE Software Livre e Produção Cultural Contextualização A importância da cultura para o desenvolvimento socioeconômico é reconhecida e debatida por governos e organismos internacionais. O tema consta, por exemplo, no conjunto de linhas de ação da agenda da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (World Summit on the Information Society) e também está entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU), que prevê o fortalecimento de esforços para proteger e salvaguardar o patrimônio cultural e natural do mundo. Esse movimento está alinhado ao protagonismo que as tecnologias de informação e comunicação (TICs) têm assumido como um dos principais impulsionadores do processo de desenvolvimento socioeconômico nos mais diversos setores. No campo da cultura, as novas tecnologias digitais têm afetado a criação, a disseminação e a fruição de bens culturais, sobretudo por meio da internet, alterando substancialmente mercados já estabelecidos e, em alguns casos, criando novas formas de consumo e circulação de produtos. Embora as TICs tenham trazido inegáveis avanços para a ampliação do acesso e democratização das possibilidades de produção e difusão de conteúdos on-line, persistem ainda desafios envolvendo a infraestrutura e a apropria- ção dessas tecnologias. A adoção das TIC por instituições culturais pode promover um maior alcance das atividades e dos ativos que elas têm, colaborando, em última instância, com a ampliação do acesso à cultura. Pode contri- buir, ainda, com a oferta de conexão à rede para a população, além de auxiliar na gestão e no funcionamento das próprias instituições. (D’AVO; RODRIGUES, 2019, p. 22) Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) – Diz respeito às tecnologias que in- terferem e mediam processos informacionais e comunicacionais, englobando hardware, software, telecomunicações, automação e comunicação. A TIC se tornou fundamental em deixar os processos mais simples e automatizados. Essa designação se refere ao conjunto de recursos tecnológicos e computacionais utilizados para a criação e utilização da informação. É nesse sentido que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) estabeleceu, em junho de 2017, diretrizes operacionais denomi- nadas Implementação da Convenção no Ambiente Digital. Dentre elas, encontram-se o fornecimento de equipamentos digitais para instituições públicas (como bibliotecas e centros culturais) e o fortalecimento das competências digitais do setor cultural para participação no ambiente digital. As diretrizes do documento lembram a importância de uma oferta inclusiva de conteúdo para o público, sem discriminar bens culturais com base em origem, linguagem ou fatores sociais. As recomendações reafirmam ainda a necessidade de se respeitar os direitos humanos no universo virtual, principal- mente a liberdade de expressão, a liberdade artística e a igualdade de gênero. 8 9 Software Livre e a Liberdade de Expressão A ocupação do ciberespaço é iniciada por pessoas questionadoras e que, mediante trocas colaborativas de conhecimentos, conceberam a dimensão digital. O movimento político de base tecnológica do software livre se inicia na década de 1980 quando o ativista-programador e hacker norte-americano Richard Stallman (1953-) funda o movimento Software Livre. Stallman fazia parte do Laboratório de Inteligência Artificial do Instituto de Tecno- logia de Massachussetts (MIT) quando soube que os direitos de propriedade do sistema operacional Unix – desenvolvido por Ken Thompson com código da primeira versão distribuída livremente na rede – estavam sendo reivindicados e o sistema passaria a ser comercializado, ou seja, transformado em mercadoria, ou seja, seu código-fonte não seria mais disponibilizado gratuitamente à comunidade. Reagindo de forma surpreendente, Stallman decidiu criar um novo sistema operacio- nal chamado de Projeto GNU (GNU’s Not Unix), com código sob a licença GPL (General Public License), tendo como base quatro liberdades fundamentais (RIGOLON, 2017): • Executar o programa para qualquer propósito; • Estudar como o programa funciona e adaptá-lo às suas necessidades; • Redistribuir cópias de modo que as pessoas possam ajudar ao próximo; • Aperfeiçoar o programa e liberar as melhorias de modo que toda a comunidade possa se beneficiar. Sendo o acesso ao código-fonte um pré-requisito fundamental. O próprio Richard Stallman escreve sobre o Linux e o Sistema GNU. O texto está traduzido para mais de 30 idiomas, inclusive o Português. Confira no site mais informações em Per- guntas Frequentes sobre GNU/Linux. Disponível em: https://bit.ly/3f7raRq Figura 1 – Logomarcas GNU e Linux Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons Em 1991, o programador finlandês Linus Torvalds (1969-), que obteve o código- -fonte do Projeto GNU, solicitou ajuda da comunidade de desenvolvedores para solu- cionar alguns problemas na criação de seu sistema operacional aberto, que mais tarde seria chamado de GNU/Linux. O auxílio da rede de desenvolvedores foi imediato e impulsionou o aprimoramento do sistema. Até hoje essa rede é formada por milhares 9 UNIDADE Software Livre e Produção Cultural de pessoas que ajudam no aprimoramento do Linux e compartilham melhorias para o software sem, necessariamente, ganharem dinheiro com isso. Paralelamente ao desenvolvimento do GNU, um outro projeto criou um sistema livre similar ao Unix. Esse sistema, conhecido como BSD, foi desenvolvido na Universidade da Califórnia, em Berkeley (Estados Unidos). Ele não era um sistema operacional livre nos anos 1980, mas se tornou livre no início dos 1990, e existe até hoje, embora relativamente desconhecido. De acordo com Stallman (s.d.), algumas vezes perguntam se BSD também é uma versão do GNU, como o GNU/Linux. “Os desenvolvedores do BSD se inspiraram para fazer o código de seu software livre pelos exemplos do Projeto GNU, mas, o código BSD teve uma pequena mudança”, afirma Stallman. Assim, sistemas BSD de hoje usam alguns programas GNU, bem como o sistema GNU e suas variantes usam alguns programas BSD. Entretanto, são dois sistemas diferentes que evoluíram separadamente (STALLMAN, s.d.). A partir desse histórico, salienta Rigolon (2017, p. 13), é possível compreender a importância fundamental da transparência do código-fonte “para a construção de uma das bases para se formar uma sociedade democrática na rede, não permitindo que a máquina controle os humanos, ou que apenas alguns humanos controlem a maioria das pessoas”. A sociedade necessita de softwares livres que todos possam entender, modificar e examinar como são constituídos para, finalmente, compre- enderem os motivos e objetivos de seu funcionamento. Para chegar nesse nível a busca pelo conhecimento livre e para todos é urgente. As docu- mentações desses sistemas precisam auxiliar usuários comuns a entende- rem os sistemas, mas uma educação básica voltada para o digital também é fundamental. (RIGOLON, 2017, p. 14) Atualmente, a tecnologia é predominantemente proprietária. É possível observar esse fenômeno ao analisar quais são os sistemas operacionais mais utilizados mun- dialmente. A grande maioria dos computadores pessoais utilizam o mesmo sistema, o Windows (Microsoft). Figura 2 – Sistemas operacionais proprietários dominamo mercado de computadores pessoais e de smartphones Fonte: Getty Images 10 11 De acordo com Rigolon (2017), desde março de 2017, o Windows lidera o mercado de com- putadores pessoais, com nada menos do que 84,34%, vindo o Mac OS X (Apple) na sequ- ência, com 11,68%. Já o sistema GNU/Linux fica com a parcela de 1,54%, ou seja, um valor de importância bem reduzido, mas, ainda assim, é o único sistema operacional livre que consegue entrar na briga com os principais concorrentes. Os dados são da empresa norte- -americana Statcounter GlobalStats: https://bit.ly/3f4sZP1 Nos sistemas operacionais móveis (smartphones), também há um líder disparado: o Android (Google). Em 2019, ele estava presente em 86,6% dos aparelhos, contra 13,4% do iOS (Apple), conforme dados da consultoria norte-americana IDC: https://bit.ly/2YmdMmq Contracultura Digital Em um movimento de contracultura, na tentativa de quebra dessa hegemonia tec- nológica, Rigolon (2017) lembra que os hackers sustentam um outro ambiente com viés fomentador de inovações e de colaborações tecnológicas. “É importante deixar claro que o termo designa um grupo com um conjunto de valores que agem no limi- te da legalidade”, lembra a autora (RIGOLON, 2017, p. 16). Afirma ainda que eles são capazes de modificar, em parte ou totalmente, sistemas existentes para melhor benefício da sociedade, ao contrário dos crackers, que violam e quebram sistemas de segurança. “Essa cultura hacker está diretamente ligada com a cultura digital pela habilidade das pessoas se comunicarem em linguagens digitais constituindo uma ‘mente’ coletiva por meio da rede”. Hackers x crackers – Os hackers possuem conhecimentos profundos de informática e fazem uso deles de forma positiva. Dedicam boa parte do seu tempo a conhecer e modificar softwares, hardwares e redes de computadores. Seus conhecimentos são utilizados para obter soluções de segurança, além de desenvolver novas funcionalidades no mundo da computação. Eles não são criminosos. Já os crackers utilizam seus vastos conhecimentos em informática de for- ma menos honesta: quebrando (cracking) sistemas de segurança de softwares para ter alguma vantagem financeira. Esse tipo de atividade é considerado ilegal e, por isso, os crackers são vistos como criminosos. O termo usado para denominá-los foi cunhado pelos próprios hackers, por vol- ta de 1985, com o objetivo de diferenciar, para a mídia e para os leigos, as atividades exercidas por cada um dos grupos. Mesmo depois de tanto tempo, ainda encontramos muita gente confundindo os termos. Disponível em: https://bit.ly/3d9aVlK. Usos e Apropriação de Softwares pelos Agentes Culturais A presença das tecnologias na vida da população se dá por meio do uso dos dis- positivos físicos e dos códigos que neles operam, de forma conjunta. A interação das pessoas com as tecnologias se dá tanto de forma visível quanto invisível, sendo que o 11 UNIDADE Software Livre e Produção Cultural uso do dispositivo físico (hardware) é notado e reconhecido. Entretanto, muitas vezes o uso dos softwares e das suas funcionalidades passam despercebidos. Ainda assim, na sociedade da informação, o software desempenha um papel fundamental na eco- nomia, na cultura, na vida social e na política. Dentro da produção e expressão cultural não há só a utilização de softwares e códigos já prontos, mas há, também, o próprio desenvolvimento destes, uma vez que o computador, por suas características sociotécnicas, pode ser programado para desempenhar outras funções, diferente, por exemplo, de uma câmera fotográfica, já programada de fábrica para tirar retratos, como coloca Machado (1999). Um programa de computador, o software, pode ser reprogramado, modificado e adaptado para realizar outras tarefas, além daquela originalmente pensada. Apesar de tais possibilidades, as tecnologias digitais carregam em si elementos pré-determinados, impossi- bilitando a utilização plena (incluindo a programação) por usuários leigos. (PENTEADO et al., 2019, p. 51) As possibilidades de modificação e adaptação se reduzem pelo fato de que grande parte dos softwares culturais são proprietários, ou seja, não têm seus códigos aber- tos, disponíveis para uso, redistribuição ou modificação, o que impossibilita, mesmo aos usuários familiarizados com programação, que se altere o código-fonte. Além disso, boa parte desses softwares proprietários cobra por suas respectivas licenças para uso, o que pode significar, também, uma barreira econômica para muitos agen- tes e grupos culturais (PENTEADO et al., 2019). Dada a relevância dos softwares para a produção cultural, o Laboratório de Tecnologias Livres da Universidade Federal do ABC (LabLivre/UFABC), que reúne pesquisadores e a sociedade desenvolvedora de tecnologias livres, promovendo pes- quisas e desenvolvendo softwares e outras tecnologias, realizou a pesquisa Softwares Culturais, durante 2016 e 2017, em parceria com o Ministério da Cultura (MinC). O foco do levantamento foi a produção cultural, partindo da compreensão de que os softwares passam a ser incorporados na produção artística e cultural tanto para criação quanto para o processo de produção, gestão e comunicação. O objetivo do tra- balho foi analisar a incidência e as formas de uso de softwares na produção cultural do Brasil contemporâneo, a partir de informações dos agentes culturais das cinco macror- regiões do país (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste). O levantamento dos softwares culturais foi constituído de três mapeamentos: o primeiro, mais exploratório, em sites e comunidades especializados do campo de cultura; o segundo, a partir de pesquisas on-line sobre os softwares culturais mais bai- xados nos principais sites de downloads brasileiros; e, por fim, a partir de um formulário on-line, foi realizada uma pesquisa com agentes culturais de diversas áreas da cultura, sobre os principais softwares utilizados em cada campo de aplicação (gestão, criação, produção, divulgação e distribuição de bens culturais). O levantamento foi realizado em dois sites brasileiros de downloads (Baixaki e SuperDownloads) e em cinco sites estrangeiros (Tucows, Download.com, SourceForge, FileHippo e Snapfiles), verificando os principais resultados relacionados ao download 12 13 de softwares nas plataformas de busca on-line. A escolha do SourceForge se deu, con- forme os pesquisadores do LabLivre/UFABC, principalmente pela sua hospedagem de softwares de código aberto, permitindo observar quais os mais utilizados com essa característica, em geral, procurados por membros de comunidades de código aberto. Tendo como base o mapeamento do uso dessas ferramentas na produção cultu- ral, foram buscados softwares ligados às áreas de cultura definidas pelo Ministério da Cultura, o que gerou a seguinte segmentação temática de aplicação dos softwares encontrados: Arquitetura/Design de interiores, Áudio/Mixagem, Escrita, Gráfico, Imagem e Vídeo. Softwares Culturais em Sites Brasileiros de Downloads Nos sites brasileiros, prevalecem os softwares gratuitos (33 dos 54 resultados encontrados), porém, apenas dez deles são de código aberto, o que evidencia uma predileção por ferramentas sem custos, mas sem a possibilidade de alteração do código-fonte de acordo com as necessidades do usuário. De acordo com a pesquisa (PENTEADO et al., 2019), em relação à segmentação temática nos sites brasileiros, as licenças de código-aberto são bastante distribuídas, ainda que, entre os mais baixados, apresentem poucos resultados, mas havendo alternativas desse tipo de licença em todas as áreas. Na segmentação de Arquitetura/Design de interiores, o BRL-CAD e o gCAD, softwares vetoriais muito utilizados para a prototipagem em três dimensões, constam no levantamento. Em Áudio/Mixagem, o Audacity foi encontrado entre os mais bai- xados de ambos os sites, assim como o Gimp, que serve para a edição de imagens. Dentre os de escrita, destacam-se o Writer, presente na suíte LibreOffice, também con-tido nos dois sites de download, e o AbiWord, listado somente no SuperDownloads. Na utilização de criação de conteúdos gráficos, o Inkscape é listado apenas no Baixaki, enquanto, para a edição de vídeos, o VirtualDub consta apenas dentre os mais baixados do SuperDownloads. Figura 3 – O software de áudio Audacity é gratuito e de código aberto, para Windows, Mac OS X, GNU/Linux e outros sistemas operacionais. O aplicativo é em inglês, mas aceita o tradutor do Google 13 UNIDADE Software Livre e Produção Cultural Entre os softwares de código fechado encontrados nos sites brasileiros, há uma pluralidade de resultados nas segmentações. Na utilização nas áreas de Arquitetura/ Design de interiores, são listados o Trimble SketchUp, AutoCAD, pConPlanner, AditivoCAD, Ashampoo Home Designer, Artlantis, SpacePlanner, FloorPlanner e Autodesker. Esses programas são utilizados, de modo geral, para a prototipagem 3D, assim como os listados anteriormente, enquanto outros buscam a criação de ambientes e plantas de arquitetura. Para a mixagem de áudio, o levantamento indicou similaridade entre os dois sites, com poucas divergências, sendo os softwares VirtualDJ, Free Audio Editor, Fruity Loops, ProTools, PCDJ Red e Sound Forge os mais utilizados. O mesmo ocorre com os de escrita que, além do Microsoft Word, apenas o Monografando é de código fechado. Os softwares de imagem e gráfico também diferem pouco entre os mais baixados do Baixaki e do SuperDownloads: Picasa, Adobe Photoshop, Paint.Net, Photoscape, PhotoFiltre, Adobe Illustrator, Corel Draw, SketchUp e AutoCAD. Esses progra- mas são utilizados para a edição de fotos e imagens, prototipagem e desenho, em especial por designers, fotógrafos, arquitetos, escultores e artistas digitais. A respeito dos softwares de vídeo, os resultados encontrados apresentaram o Windows Movie Maker, Camtasia, Freemake Video Converter, Lightworks, VegasPro, FreeScreen Video Capture e Wondershare Filmora como as opções mais utilizadas entre os programas de código fechado. Aqui pode-se perceber a influência do pacote Adobe para o tratamento de imagens e vídeos, softwares com elevado grau de inte- gração entre seus formatos, mas com incompatibilidade com os de outras platafor- mas, o que acaba forçando o usuário mais adaptado a algum de seus programas a utilizar os demais para evitar uma curva de aprendizado de outros de mesma função. Softwares Culturais em Sites Estrangeiros de Downloads Nos sites estrangeiros, excetuando o Sourceforge, o número de softwares de código aberto é ainda menor, correspondendo a apenas 11 dos 95 resultados encon- trados, muito semelhantes aos resultados apresentados nos sites brasileiros. Porém, a preferência por programas gratuitos também é percebida, representando 64 dos 118 resultados totais, incluindo no Sourceforge. Os programas de código aberto não listados anteriormente entre os mais baixados são o HyCAD, o SweetHome 3D e o Blender, todos softwares gráficos para prototipagem 3D, sendo o último também utilizado para a criação de animações e vídeos. Ainda tratando dos websites hospedados fora do Brasil, os softwares de código fechado apresentam resultados bastante diferentes dos pesquisados nos sites brasi- leiros, com poucas convergências, sendo predominante a presença daqueles mais difundidos, como o Photoscape e o Movie Maker. Na segmentação de Arquitetura e Design de interiores, os programas encontrados entre os mais baixados foram: Punch! Home Design, DreamPlan Home Design, TurboFloor Plan, Super Home Suite e CADStd Lite, todos utilizados principalmente para o design de interiores e desenho 14 15 de plantas – com exceção do último, voltado para a prototipagem 3D e projetos elé- tricos, hidráulicos e outras arquiteturas de infraestrutura. Em relação a Áudio e Mixagem de Som, é listado um grande número de softwares, principalmente para mixagem profissional, adição de camadas de som e captura de áudio. Além dos programas encontrados nos sites brasileiros, foram encontrados, entre os mais baixados: MixPad Masters, Soundscape Generator, Kanto Audio Mix, Tactile 12000, DSS DJ, Morph Vox, Audio Record Wizard, Audio Hijack, Gilisoft Audio Recorder, Gilisoft Audio Editor, Ocenaudio, WavePad e Pocket Voice Recorder. A pluralidade encontrada evidencia que, diferente do que ocorre com os programas de vídeo, não há uma hegemonia de certas companhias para tratamento e captação de áudio, ainda que o ProTools costume ser citado como software largamente utilizado. No âmbito da escrita, poucos são os mais baixados, além do Microsoft Word, que possuem código fechado, com o levantamento apresentando como resultado: Viper, WibTex, WordWeb, yWriter, PSPad Editor e ConsEdit. Apesar de um número rela- tivamente pequeno de resultados diversos, a utilização desses softwares é distinta, podendo ser para a verificação de plágios, a adição de referências, a correção orto- gráfica, a conversão para o formato HTML ou, ainda, para usos mais voltados para a composição de livros e peças de teatro. Isso indica que a pequena diversidade encon- trada se justifica para usos mais específicos e direcionados para a atuação do usuário. Os softwares de uso gráfico também não apresentam vasta diversidade, porém, diferentemente daqueles utilizados para a escrita, a utilização é muito pautada na prototipagem 3D e na modelagem. Além dos resultados apresentados pelo Baixaki e pelo SuperDownloads, os programas mais baixados em sites estrangeiros foram: DWG Gateway, A9 CAD, TigerCAD, ArchiCAD e Cinema 4D, esse último mais voltado para a criação de animações. Nesse segmento, assim como no de Áudio, apesar da utilização difundida do AutoCAD, há um grande número de programas similares para a realização de suas tarefas, porém, apenas os três primeiros listados são gratuitos, o que mostra uma tendência à utilização de softwares pagos mesmo quando há alternativas gratuitas ao considerado “padrão” do segmento (PENTEADO et al., 2019). Dentre os softwares de código fechado mais baixados no quesito Imagem, a utiliza- ção é, em geral, para sua edição, adição de filtros e efeitos, com exceção do Microsoft GIF Animator, que, como o nome sugere, é utilizado para a criação de GIFs. Dife- rentemente do caso anterior, os programas listados são, em sua maioria, gratuitos, com exceção do AAA Logo Design e do ACDSee Pro. Dessa maneira, os softwares gratuitos, de forma complementar à lista dos mais baixados em sites brasileiros, são: FastStone Image Viewer, Photo-Pad, BezierDraw, Photo Toolkit, DrawPad Graphic Editor, PhotoEditor e Pixia. 15 UNIDADE Software Livre e Produção Cultural Figura 4 – O Microsoft GIF Animator é um aplicativo simples e fácil de utilizar para a criação de GIFs animados Finalizando os programas de código fechado, no segmento de Vídeo em sites estrangeiros, é encontrada uma maior concentração em licenças pagas (13), frente às gratuitas (6), indicando, assim como nos softwares gráficos, uma tendência ao paga- mento para a utilização desses softwares. Complementando a lista dos sites brasilei- ros, temos os seguintes utilitários: Zwein-Stein, Video Edit Magic, VideoPad, Free Video Cutter, Corel VideoStudio Pro, AVS Video Editor, GiliSoft Video Editor, VideoMach e Movavi Video Editor, todos para edição, conversão, mixagem e gravação de vídeos. Por fim, temos o SourceForge, um site dedicado aos softwares de código aberto e que apresenta alternativas em todos os segmentos aos programas com licença paga ou àqueles gratuitos, mas que não permitem sua alteração de acordo com as necessi- dades dos usuários. No quesito Arquitetura e Design de Interiores, além do já citado SweetHome 3D, são listados, também, o Skyscaper e o ngPlant, ambos voltados para a confecção de plantas e sua modelagem. Para a utilização referente a Áudio e Mixagem, o Audacity aparece novamente, junto com o SoX – Audio Exchange, para a edição de som, a aplicação de filtros e a conversão de formatos. A lista é completa por tuxguitar e MuseScore,utilizados para a elaboração e a reprodução de partituras e tablaturas musicais. Os programas ligados à Escrita apresentam maior diversidade, sendo listados o OpenOffice Writer, parte integrante da suíte OpenOffice, e utilizado para a criação e edição de textos; o CoGrOo, utilizado como corretor gramatical; o Hunspell, tam- bém corretor gramatical, mas também morfológico de linguagem; e o Writer2Latex, que converte arquivos no formato ODF para a linguagem LaTex. No quesito Gráfico, os programas mais baixados diferem totalmente dos apresen- tados por outros sites, sendo: k-3D, para modelagem 3D e renderização; o Synfig, para a criação de animações em 2D; o GraphicsMagick, para criação, formatação e edição de imagens raster e vetoriais; e o AutoREALM, utilizado para a criação de mapas de jogos de RPG. 16 17 Nos softwares de Imagem, além do Gimp e do Gimphoto (uma modificação do primeiro), aparecem entre os mais baixados o CinePaint, software simples para edi- ção de imagens, similar ao Microsoft Paint, e o The SeaShore Project, que permite a adição de camadas e filtros, assim como disponibiliza ferramentas para a edição de imagens e figuras. Por fim, no segmento de Vídeo, são listados o avidemux e o Jahshaka, para a edição de vídeos e a criação de filmes; o PhotoFilmStrip, que tem como finalidade a edição de imagens e sua transformação em filmes, útil para a criação de animações em stop-motion, por exemplo; e o CamDesk, que possibilita a gravação de vídeos com câmera integrada ao computador. Softwares de Código Aberto ainda são pouco Difundidos Dessa forma, a pesquisa do Laboratório de Tecnologias Livres da Universidade Federal do ABC (LabLivre/UFABC) percebeu que, apesar do amplo domínio de ferramentas de código fechado (ainda que gratuitas) nos segmentos pré-definidos pelo levantamento, existe uma pluralidade de softwares que permitem que o usuário acesse o código-fonte e o altere para criar sua própria modificação de acordo com suas necessidades, possibilitando maior adequação às tarefas realizadas, principal- mente de modo rotineiro. No entanto, essa variedade de softwares de código aberto ainda é pouco difundida além das fronteiras das comunidades ligadas ao movimento de software livre, o que se dá, em grande parte, em decorrência do hábito dos usuários e também da forma de aprendizado que estes desenvolvem acerca das ferramentas, o que acaba por criar um ciclo em que mais tutoriais e vídeos de utilização dessas aplicações ficam disponíveis, levan- do novos usuários a se tornarem dependentes do modelo estabelecido. (PENTEADO et al., 2019, p. 57) Outro ponto relevante em relação à baixa inserção dos softwares livres junto a usuários comuns é a dificuldade de adaptar esses programas ao seu uso devido à necessidade de conhecimentos de linguagem de programação que, apesar de estar em crescente difusão, ainda é considerada um empecilho para que os usuários se “arrisquem” a utilizar e modificar essas aplicações (PENTEADO et al., 2019). Compartilhando o Conhecimento Para Rigolon (2017, p. 21), a razão fundamental para uma sociedade ter sistemas com código-fonte abertos e que privilegiem a transparência ao invés da restrição e comercialização do conhecimento é a estruturação de uma nova forma de democra- cia em rede. A cultura digital, conforme a autora, vem formando hábitos: 17 UNIDADE Software Livre e Produção Cultural [...] dentro de uma sociedade cada vez mais conectada e que está ampa- rada por um tecido digital que possibilita o surgimento de iniciativas po- tentes e que pretendem seguir formando um ecossistema de colaboração de forma democrática. De acordo ainda com Rigolon (2017), algumas iniciativas brasileiras têm como essência esses princípios, como, por exemplo, o software livre Mapas Culturais, os sites Arte Fora do Museu e Cultura Educa e a comunidade Rede Livre. Mapas Culturais O software livre Mapas Culturais foi criado pelo Instituto TIM a partir de uma parceria com a Secretaria de Cultura do Município de São Paulo e com o coletivo digital Hacklab, em 2013, para pensar no desenho de um sistema que pudesse pro- porcionar à gestão pública um mapeamento colaborativo das informações culturais. Mapas Culturais é o software-base do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), a plataforma tem sido disponibilizada pelo Ministério da Cultura, gratuitamente, a todos os estados e municípios interessados em implementá-la. Software Mapas Culturais: https://bit.ly/2y4gdQ0 Conforme Rigolon (2017), a ideia é enfrentar problemas como, por exemplo, informações desatualizadas nos cadastros, dificuldade de comunicação e falta de memória. O software pretende ser uma ferramenta útil no dia a dia da gestão nas secretarias e fundações culturais do país, sendo, entretanto, um sistema que precisa de manutenção e aprimoramento constantes para ter sentido para os usuários. O sistema gerou a criação do site Mapa da Cultura, desenhado para abrigar cinco áreas cul- turais: agentes, espaços, eventos, projetos e editais. A dimensão de transparência de dados também foi pensada na elaboração da plataforma, pois é possível acessar os dados públicos das entidades fazendo downloads de planilhas em formato aberto, proporcionando compar- tilhamento de informações e fomentando pesquisas e análise dos dados (RIGOLON, 2017). Disponível em: https://bit.ly/3f9Wzmm As áreas utilizadas pela classificação do Mapa de Cultura são: Arquitetura, Audiovi- sual, Artesanato, Cultura Indígena, Circo, Dança, Música, Teatro, Arte Digital, Cultura Digital, Artes Visuais, Design, Moda, Arquivos, Patrimônio Material, Patrimônio Ima- terial, Museus, Cultura Afro, Cultura Popular, Livro e Leitura e Games. A plataforma já está em uso em diversos municípios, estados, no governo federal e até mesmo fora do Brasil, no Uruguai. 18 19 Mapa da Cultura: Agentes, Espaços, Eventos, Projetos e Editais • Agente s: Em março de 2020, o site contava com 68.168 agentes cadastrados (artistas, gestores, produtores e instituições), colaborando com a gestão da cul- tura com informações sobre suas iniciativas, preenchendo seu perfil de agente cultural. É possível cadastrar um ou mais agentes (grupos, coletivos, bandas, ins- tituições, empresas etc.), além de associar ao perfil eventos e espaços culturais com divulgação gratuita; Figura 5 – Página sobre agentes culturais no site Mapa da Cultura • Espaço s: A área destinada a espaços contava, no mesmo período, com 17.889 cadastros de espaços culturais. É possível procurar espaços culturais acessando os campos de busca combinada que ajudam a refinar a pesquisa e cadastrar também os espaços onde são desenvolvidas atividades artísticas e culturais; Figura 6 – Página sobre espaços culturais no site Mapa da Cultura • Evento s: Pesquise e encontre eventos culturais em todo Brasil. Uma vez ca- dastrado no Mapas Culturais, você pode incluir seus eventos na plataforma e divulgá-los gratuitamente. Em breve, esses eventos serão difundidos também em aplicativos de celular e sites de agenda cultural; 19 UNIDADE Software Livre e Produção Cultural Figura 7 – Página sobre eventos culturais no site Mapa da Cultura • Projetos: Os projetos agregam eventos continuados, projetos culturais ou um grupo de eventos. Nesse espaço, você encontra leis de fomento, mostras, con- vocatórias e editais criados, além de diversas iniciativas cadastradas pelos parti- cipantes da plataforma. Cadastre-se e divulgue seus projetos; Figura 8 – Página sobre projetos culturais no site Mapa da Cultura • Editais: Faça a sua inscrição ou acesse o resultado de diversas convocatórias como editais, oficinas, prêmios e concursos. Você também pode criar o seu próprio formulário e divulgar uma oportunidade para outros agentes culturais. Figura 9 – Página sobre editais culturais no site Mapa da Cultura 20 21 Manual Operacional do Mapas Culturais – A publicação foi elaborada com base na expe- riência acumulada durante os processos de capacitaçãode gestores para uso do sistema e o feedback recebido no percurso de implementação. Seu objetivo é auxiliar desenvolvedores e gestores públicos no uso de Mapas Culturais. Disponível em: https://bit.ly/3bUxYQ8 Rigolon (2017) observa como o software livre Mapas Culturais possibilita que desenvolvedores tenham acesso ao código do sistema e o modifiquem conforme suas necessidades, gerando aplicações derivadas. Essas melhorias desenvolvidas são compartilhadas com toda a rede para que possam se beneficiar das mudanças feitas, fortalecendo a colaboração e o compartilhamento de informações entre todas as pessoas envolvidas. O resultado, a longo prazo, segundo a autora, será uma série de indicadores culturais que os gestores culturais brasileiros poderão usufruir para en- tender melhor quais são os hábitos culturais de suas localidades entre outros dados, fortalecendo uma das metas do Plano Nacional de Cultura ao criar uma cartografia da diversidade das expressões culturais em todo o território nacional. Arte Fora do Museu Os jornalistas Andre Deak e Felipe Lavignatti tinham uma ideia em comum para criar um site que fizesse um georreferenciamento de obras de arte em espaços públicos que estavam à margem do circuito formal de arte fora dos museus. Em 2010, eles receberam uma Bolsa da Funarte de Reflexão Crítica e Produção Cultural para Internet para con- cretizar a ideia que tinham e criaram o site Arte Fora do Museu. Além do site, foi criado também um aplicativo para auxiliar nesse georreferenciamento. Arte Fora do Museu: https://bit.ly/3bToWCX Figura 10 – Página inicial do site Arte Fora do Museu Para selecionar as primeiras 100 obras de arte que estariam mapeadas, a equipe de- finiu um conjunto de critérios para privilegiar a relevância reconhecida por especialistas, 21 UNIDADE Software Livre e Produção Cultural obras contemporâneas que estivessem nas proximidades do centro expandido do mu- nicípio de São Paulo e com fácil acesso aos pedestres, gratuitos e sem agendamentos. Inicialmente, as obras foram mapeadas pelos idealizadores do projeto, com o auxílio de especialistas em arte de rua, por meio do Google Street View pelo viés jornalístico de apuração de obras, produção, edição de conteúdo e apresentação multimídia. Foram realizadas 100 entrevistas com especialistas a respeito de cada uma das obras. Todos os vídeos e fotos do projeto foram distribuídos sob a licença de domínio público do Creative Commons, solicitando apenas a citação da fonte. O projeto é uma importante referência para os estudos de cartografias colaborativas no mundo e continua inspirando outras pessoas no mapeamento de obras de arte em espaços públicos do país (RIGOLON, 2017). Cultura Educa O projeto teve início em 2012, sob coordenação do Instituto Lidas, que iniciou o mapeamento do entorno de 15 mil escolas da rede pública brasileira com objetivo de integrar políticas entre o Ministério da Cultura e o Ministério da Educação ao elabo- rar uma base pública de dados que gerou o portal CulturaEduca. Cruzar os dados das escolas e dos equipamentos culturais, de saúde e assistência social foi fundamental para elaborar um mapa georreferenciado, além de proporcionar o cadastramento participativo da sociedade civil para auxiliar na cartografia colaborativa. Portal CulturaEduca: https://bit.ly/3c3A2W6 Figura 11 – Basta aproximar o cursor dos pontos vermelhos para identificar, por exemplo, os teatros nos municípios A plataforma é aberta, permitindo que novas melhorias sejam implementadas por quaisquer desenvolvedores e que a evolução da ferramenta aconteça junto da rede de parceiros. A longo prazo, a ideia é que o portal se transforme em uma base de dados que proporcione o levantamento de indicadores para dar suporte ao planejamento de políticas públicas (RIGOLON, 2017). 22 23 Para a equipe do projeto, os compromissos com a educação formal são insubsti- tuíveis, mas é necessário investir na educação não formal que pode motivar novas ações no campo escolar. O portal CulturaEduca já está na versão 2.0 e pretende ser uma ferramenta que facilite o diálogo entre educação e cultura, dando potência para as comunidades locais. Os conteúdos e dados publicados no site estão sob licença Creative Commons 4.0 Brasil – Atribuir Fonte – Compartilhar Igual, que permite que qualquer usuário compartilhe, copie e redistribua o material em qualquer suporte ou formato; que pos- sa remixar, transformar e criar outros materiais a partir dos conteúdos para qualquer fim, mesmo que comercial, apenas distribuindo o novo material configurado sob a mesma licença, possibilitando a perpetuação dos princípios que nela se concentram. “CulturaEduca é mais uma iniciativa que investe na colaboração em rede, em estruturação participativa de indicadores para finalidade pública e de pesquisa”, sa- lienta Rigolon (2017, p. 25). Rede Livre A RedeLivre surgiu em 2012 como forma de materializar o desejo de uma comu- nidade de desenvolvedores que pretendiam criar uma rede social sem fins lucrativos. RedeLivre: https://bit.ly/3f4zSzR Sendo uma articulação entre pessoas da sociedade civil, coletivos, ha- ckers, quilombolas, índios e artistas a ideia é quebrar o modelo padrão radicado na sociedade de que desenvolvimento de sistemas é algo para apenas especialistas. (RIGOLON, 2017, p. 25) Construindo essa rede de forma colaborativa, os diversos atores somam práticas, protocolos e tecnologias com foco em demandas sociais. A comunidade já conseguiu impactar 7 países, 40 municípios, 280 projetos e mais de 4 mil usuários, mesmo enfrentando alguns obstáculos, como falta de pessoas e recursos para investir na adaptação e integração dos sistemas à arquitetura da RedeLivre. Figura 12 – RedeLivre engloba ferramentas de comunicação, mapeamento, gerenciamento de contatos, mobilização, doação e participação on-line 23 UNIDADE Software Livre e Produção Cultural Constituindo uma rede que se dispõe a ser uma ponte entre pessoas e ideias para se chegar a ações utilizando a lógica distribuída da Internet, a RedeLivre tem um arranjo de governança compartilhada que garante a autonomia dos envolvidos que estão na ponta ao favorecer trocas e arranjos solidários que convergem em mídias livres e dão ênfase na inteligência coletiva (RIGOLON, 2017). Produção Cultural Independente A produção cultural independente será concebida, conforme Muniz Júnior (2016, p. 108), como aquela que está fora – ora por escolha, ora por condição – dos circui- tos e mercados massivos; que não adota as lógicas de rentabilidade e marketing dos grandes conglomerados de cultura e mídia que oligopolizam setores como a música, o cinema, a edição etc.; “que se identifica com métodos artesanais de produção, com o experimentalismo estético e/ou com discursividades dissonantes, alternativas, contra-hegemônicas”. O país independente é aquele que foi capaz de libertar-se do jugo metro- politano e tomar as rédeas de seu próprio destino político. Independente é, também, o jovem que logrou sair das asas da proteção afetiva e/ou financeira dos pais, passo importante para aquilo que se convencionou chamar de idade adulta. O juiz independente, por sua vez, é aquele cuja decisão não se deixa influenciar ou corromper por possibilidades de be- nefício ou privilégio, garantindo a imparcialidade de seus juízos. A inde- pendência pode ser uma condição garantida de antemão, ou algo a ser conquistado ou recuperado. Em todo caso, independência é um atributo que se costuma associar a autonomia, liberdade, soberania – valores que o homem moderno aprendeu a ter em alta conta. Ser soberano é não ser colônia; ser liberto é não ser escravo; ser autônomo é poder decidir como e quando fazer. É não estar sujeito aos imperativos de outrem; é não de- ver submissão ou obediência; é ver-se livre de opressões ou constrições. (MUNIZ JÚNIOR, 2016. p. 107) Entretanto, conforme o autor, tais situações de independência implicam em res- ponsabilidades: não depender das vontadese arbítrios alheios significa, em contra- ponto, depender de vontades e arbítrios próprios; significa ter de assumir todos os riscos inerentes às decisões tomadas; significa incumbir-se dos compromissos decor- rentes das consequências que tais decisões possam vir a acarretar. Para Costa (2017), no Brasil, a valorização da produção cultural independente é uma pauta ainda tímida dentro do que seria desejável e possível. Do ponto de vista desse ambiente macro, segundo ele, as políticas culturais são, de certa forma, as principais responsáveis por construir um ambiente de “leis civis” e “convenções sociais” que possibilitam ou não o desenvolvimento de um ambiente fértil para a autonomia de seus indivíduos. “Parece claro que o mercado, representado pelas em- presas e seus setores de marketing, também tem grande parcela de responsabilidade na construção desses contextos” (COSTA, 2017, p. 231). 24 25 A partir desse contexto surge um conjunto de representações que se articula em torno do “independente”, na medida em que ele tende a gerar formações identitárias e agenciamentos coletivos (eventos, associações, agrupamentos etc.), aplicado a pro- dutores (músicos, artistas, jornalistas etc.) e a seus respectivos campos de atuação, como “o circuito do cinema independente”, “os veículos da mídia independente” etc. (MUNIZ JR., 2016, p. 110). Comparado a categorias como “alternativo(a)”, “marginal”, “autônomo(a)”, “experimental”, “underground”, “autoral”, “livre”, muitas vezes toma- das como equivalentes, o “independente” parece ser aquela que possui uma circulação mais bem consolidada quando se trata de demarcar um ethos [costume] dissidente ou contra-hegemônico da produção cultural. (MUNIZ JÚNIOR., 2016, p. 114) Figura 13 – Ações contemporâneas independentes na produção cultural e midiática brasileira Fonte: MUNIZ JÚNIOR (2016, p. 112) Música independente Para ilustrar, Muniz Júnior. (2016) lembra a importância dos contextos sociotem- porais específicos na formação e criação de produções culturais independentes, mas também as peculiaridades de cada setor da produção simbólica, dado que cada um deles carrega uma história relativamente particular. Isso, por exemplo, ocorre no uni- verso da música, e particularmente do rock, em que o adjetivo “independente” passa a ser usado em concomitância à sua redução inglesa “indie” (derivado de independent) a partir da década de 1980, nos Estados Unidos e no Reino Unido. Essa denominação, por sua vez, passa a designar não apenas um conjunto de músicos, bandas, discos, shows etc., que não possuem contratos de publicação e distribuição com grandes empresas, mas, também, seus públicos consumidores e, por extensão, elementos de seu estilo de vida (vestuário, hábitos, linguagem etc.). “A circulação do termo ganha contornos tais que o indie passa, também, a designar um subgênero dentro do rock” (MUNIZ JÚNIOR, 2016, p. 114). O indie “raiz”, da década de 1980, era muito forte entre as bandas de rock e punk, cujos estilos são similares aos ideais do movimento. No decorrer do tempo, entre- tanto, essa música independente foi ganhando mais público, conquistando espaço e se espalhando pelo mundo. Consequentemente, o indie começou a despertar o interesse das grandes gravadoras. 25 UNIDADE Software Livre e Produção Cultural Atualmente, conforme Fernandes (2019), graças à Internet, produzir música de forma independente é algo extremamente comum em qualquer estilo, principalmente para os artistas em começo de carreira. “Se nos prendermos ao conceito inicial, determinando que música indie é toda aquela produzida de forma independente, sem uma grande gravadora, o conceito será amplo demais e pode acabar perdendo o sentido”, afirma (2019, n.p.). O fato é que hoje o indie ganhou novas características e se adaptou ao contexto. Alguns artistas ainda buscam produzir sem interferências comerciais, apesar de se direcionarem a um grande público. Outros são mais direcionados ao mercado, mas mantêm os ritmos e letras experimentais, o som alternativo e o foco na contracultu- ra. A banda inglesa The Smiths, a norte-americana The National e a cantora e com- positora norueguesa Aurora estão entre os principais artistas indies internacionais. O indie pode ter nascido nos Estados Unidos e no Reino Unido, mas ele definiti- vamente se espalhou pelo mundo, e é claro que tem seus representantes brasileiros. Alguns até são confundidos com cantores de MPB, mas o toque alternativo, tanto nas letras quanto no som, é o que traz o estilo indie. Na lista de Fernandes (2019) estão o cantor Rubel, que começou a escrever suas primeiras músicas enquanto estudava artes na Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Seu primeiro álbum, Pearl, foi lançado em 2013, pela distribuidora independente Tratore. O álbum Casas (2018), segundo na carreira do artista, foi indicado ao Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa. O cantor credita à internet todo o seu sucesso. Seguem na lista: Clarice Falcão, Supercombo e Picanha de Chernobill. Rubel, nascido em Volta Redonda (RJ), já teve uma de suas músicas como trilha de novela, disponível em: https://bit.ly/2VPJ97j Cinema Independente A repercussão positiva da música alternativa nos circuitos culturais, analisa Muniz Júnior. (2016, p. 114), [...] parece não ocorrer (pelo menos não com a mesma intensidade) no universo do cinema, da literatura ou do jornalismo, onde o ‘independen- te’ será objeto de outros investimentos discursivos e identitários. Nessa mesma linha de pensamento, Laboissière (2018) lembra que, embora os crescentes investimentos na produção audiovisual independente no Brasil e o conse- quente aumento da produção, ainda não se observa uma ampla e ideal distribuição de filmes. Em 2017, por exemplo, foram registrados na Agência Nacional do Cinema (Ancine) 360 filmes de longas-metragens, quantidade alta se comparada com perí- odos anteriores da história do cinema brasileiro, contudo, apenas 160 deles foram lançados em salas de cinema. Ou seja, mais da metade ficou restrita a festivais, à internet ou aos poucos espaços alternativos existentes. 26 27 Isso ocorre principalmente por dois fatores interdependentes: o perfil das salas de cinema que foram abertas nos últimos anos e o descrédito da produção nacional frente à produção estrangeira com altos investimentos em publicidade e que costuma pre- dominar nas salas de cinema e nos canais de televisão. (LABOISSIÈRE, 2018, n.p.) A produção no cinema brasileiro, analisa a autora, começou, aos poucos, a reco- brar forças na segunda metade da década de 1990, no período chamado Cinema da Retomada, a partir da promulgação da Lei do Audiovisual. E vem se fortalecendo cada vez mais com a criação da Ancine (2001) e do Fundo Setorial do Audiovisual (2006), o que permitiu a produção de filmes de diversas novas produtoras independentes. Outra questão levantada por Laboissière (2018) está relacionada ao contexto atual que evidencia a inexistência de cinemas em muitos lugares, já que as salas de bairro e no interior não voltaram a existir. Nas cidades, o alto valor dos ingressos dificulta o acesso para grande par- te da população. O público que consegue ir assiste majoritariamente fil- mes estrangeiros, poucos nacionais, menos ainda filmes independentes. (LABOISSIÈRE, 2018, n.p.) A reflexão da autora demonstra a relevância da luta por espaços de distribuição comercial, com investimentos e editais de apoio à disseminação do cinema indepen- dente. Em paralelo, segundo ela, é necessário também construir espaços alternativos de exibição para atingir o maior número de pessoas e trabalhar a formação de um público que se interesse por cinema independente nacional. “Esse trabalho de forma- ção de público tem papel, inclusive, para melhor promover esses filmes no circuito comercial” (LABOISSIÈRE, 2018). Cineclubes: uma Saída Os cineclubes são espaços que, historicamente, cumprem a importante função de divulgara produção independente brasileira. Algumas experiências já foram realiza- das para fortalecê-los, como o extinto programa Cine Mais Cultura, que equipou e enviou DVDs e materiais de divulgação de diferentes filmes para cerca de mil cineclu- bes. Uma experiência exitosa, recorda Laboissière (2018), foi a distribuição do filme Terra Deu, Terra Come, de Rodrigo Siqueira, realizado em 2010, e enviado a 165 cineclubes do programa, com 249 exibições realizadas. Muitas das sessões foram acompanhadas de debate, atingindo um total de 11.727 espectadores. Nos cinemas, 2.389 pessoas assistiram ao filme. O documentário conta a história do garimpeiro Pedro, um dos últimos conhecedores de cantigas em dialeto banguela, cantadas por escravos africanos nas lavras de diamantes e ouro e durante rituais fúnebres de regiões de Minas Gerais, muito comuns nos séculos XVIII e XIX. 27 UNIDADE Software Livre e Produção Cultural Figura 14 – Cartaz do filme Terra Deu, Terra Come (2010), do diretor Rodrigo Siqueira Fonte: Divulgação/Projeto Antenados Laboissière (2018) salienta que outras experiências contemporâneas têm traba- lhado com novas estratégias junto a escolas, secretarias, espaços culturais e associa- ções. Geralmente, com discussões após as exibições, o que contribui para a apro- priação das diferentes linguagens cinematográficas e para o avanço no debate dos temas levantados pelo filme. Exemplos de tais iniciativas são as plataformas Taturana Mobilização Social e Videocamp, que conseguem conquistar nesses espaços um público muito mais expressivo do que o das salas de cinema. Outra frente é articular sessões com asso- ciações de cegos e de surdos, já que obras recentes financiadas com verba pública devem produzir o pacote de acessibilidade. Taturana Mobilização Social: https://bit.ly/2SnWKR8 Videocamp: https://bit.ly/2ydpKUN 28 29 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Taturana Mobilização Social A plataforma mobiliza parceiros em todo o Brasil e articula redes em torno de materiais audiovisuais. Sua tecnologia social permite que as produções extrapolem a telona e se espalhem por circuitos de difusão em centros culturais, cineclubes, escolas, organizações e instituições sociais, pontos de cultura, universidades, coletivos, praças e equipamentos públicos etc. A iniciativa busca ampliar a difusão de obras audiovisuais a partir de redes culturais; engajar pessoas e instituições em causas e conteúdos relevantes abordados pelas obras; formar público para a cultura audiovisual; democratizar o acesso ao cinema brasileiro; e ocupar espaços públicos e de interesse público com atividades socioculturais ligadas a cinema/audiovisual. As exibições são sempre gratuitas e seguidas de roda de conversa ou outra atividade. https://bit.ly/2SnWKR8 Corais – Plataforma para Desenvolvimento de Projetos Colaborativos O Corais é um Living Lab filiado à Rede Europeia de Living Labs. Living Lab é um espaço de desenvolvimento de projetos compartilhado por várias organizações públicas e privadas que desejam colaborar para inovar em conjunto. O Living Lab facilita a troca de conhecimento e oferece infraestrutura para cocriação e teste de novos produtos. No Corais, tudo que é postado no sistema fica disponível para os participantes do projeto e também para qualquer pessoa que esteja logada no Corais, criando assim uma base de conhecimento para futuras consultas, a tão aclamada documentação exigida pelos gerentes de projetos gerada instantaneamente com o desenvolvimento do projeto. https://bit.ly/2zIjNQ1 Visite Choque Cultural A Galeria Choque Cultural foi fundada em 2004, em São Paulo/SP, e logo se transformou em uma das principais referências globais em arte urbana e novas linguagens contemporâneas, apresentando jovens artistas ao lado de nomes já consagrados e internacionais. O programa de exposições é focado na apresentação integral de artistas e coletivos, ou seja, nas mídias diversas que compõem suas obras, através de exposições indoor, nas ruas ou virtuais. Além das exposições, a Choque investe em intercâmbios, residências, intervenções urbanas, colaborações, imersões e outras experiências multidisciplinares. Leitura Produtoras Colaborativas e uma Tecnologia Digital Social Quem trabalha com os princípios da cultura livre, especialmente a partir do software livre e das licenças Creative Commons, já passou pela situação: você apresenta seu projeto/pesquisa/produto para alguém (ou um grupo de pessoas), é aplaudido, recebe os parabéns. Em determinado momento, depois ou mesmo durante os parabéns, surge alguém a questionar: “muito interessante o trabalho de vocês, mas como vocês se sustentam, se tudo é livre? Como ganham dinheiro, se o software é dado de graça?”. https://bit.ly/2zFcV5W 29 UNIDADE Software Livre e Produção Cultural Referências COSTA, G. de O. Com que roupa eu vou? Produção cultural independente e a busca por caminhos de autonomia. Revista do Centro de Pesquisa e Formação, n. 3, nov. 2016. Disponível em: <https://www.sescsp.org.br/files/artigo/81a9b9a2-e89a- 401e-a7ed-b944fdf85930.pdf>. Acesso em: 19 mar. 2020. D’AVO, C; RODRIGUES, E. T. (Ed.). TIC Cultura – Pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos equipamentos culturais Brasileiros. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2019. Disponível em: <https:// cetic.br/media/docs/publicacoes/1/tic_cultura_2018_livro_eletronico.pdf>. Acesso em: 17 mar. 2020. FERNANDES, C. 9 cantores e bandas que são grandes representantes do indie. Letras, jun. 2019. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/blog/indie/>. Acesso em: 19 mar. 2020. LABOISSIÈRE, B. A batalha da produção e da exibição do cinema independente nacional. Itaú Cultural, out. 2018. 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