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– Distúrbios da Proliferação e da Diferenciação Celulares Proliferação e diferenciação celulares são processos complexos e altamente controlados por um sistema integrado que mantém a população celular dentro de limites fisiológicos. Alterações no processo regulatório resultam em distúrbios ora da proliferação, ora da diferenciação, ora das duas simultaneamente. As lesões resultantes são muito numerosas e têm enorme impacto na prática médica, por sua alta prevalência e gravidade; o câncer, em particular, é importante problema de saúde-doença em todo o mundo. • Hipotrofia consiste na redução dos componentes e das funções celulares, acarretando a diminuição do volume das células e dos órgãos. • Hipotrofia resulta de menor síntese de proteínas ou, sobretudo, de maior degradação delas. • Deficiência nutricional, desuso e agressão a proteínas por radicais livres são as causas mais frequentes de hipotrofia; proteínas modificadas são ubiquitinadas e levadas aos proteassomos, onde são degradadas. Hipotrofia pode ser fisiológica ou patológica. A primeira ocorre na senilidade, quando todos os órgãos e sistemas reduzem suas atividades. Como afeta todo o indivíduo, não há prejuízo funcional importante. Hipotrofia patológica resulta de: (1) deficiência nutricional, que resulta em hipotrofia generalizada; (2) desuso, que ocorre em órgãos ou tecidos que ficam sem uso por algum tempo, por exemplo músculos esqueléticos imobilizados; (3) compressão por tumores, cistos, aneurismas etc.; (4) obstrução vascular. Sem O2 e nutrientes, surge hipotrofia; (5) substâncias tóxicas, como na intoxicação por chumbo (hipotrofia dos músculos dos antebraços); (6) redução de hormônios causa hipotrofia de células e órgãos-alvo: deficiência de gonadotrofinas, por exemplo, leva à hipotrofia das gônadas; (7) inervação. Sem estimulação nervosa, surge hipotrofia muscular, como nos músculos dos membros inferiores na poliomielite; (8) inflamações crônicas. As consequências da hipotrofia dependem do órgão, da intensidade e do contexto em que acontece. Na hipotrofia senil, as consequências são menores porque há redução das atividades em todos os órgãos e sistemas. Na hipotrofia localizada, ocorrem diminuição da atividade e da função do órgão. – Hipertrofia é o aumento dos componentes e das funções celulares, o que amplia o volume das células e dos órgãos. Para haver hipertrofia, são necessários: a) fornecimento de O2 e de nutrientes para suprir o aumento de exigência das células; b) integridade das células, uma vez que células lesadas não se hipertrofiam; c) estímulo nervoso, em células musculares. Hipertrofia é uma adaptação à maior exigência de trabalho e pode ser fisiológica ou patológica. Hipertrofia fisiológica ocorre em: (1) útero na gravidez; (2) musculatura esquelética, como acontece em atletas ou em trabalhadores que fazem grande esforço físico. Hipertrofia patológica surge em: (1) miocárdio, quando há sobrecarga do coração por obstáculo ao fluxo sanguíneo ou por aumento do volume de sangue; (2) musculatura lisa de órgãos ocos, quando há obstrução (p. ex., hipertrofia da bexiga, na hiperplasia da próstata); (3) neurônios motores no hemisfério cerebral não lesado em caso de hemiplegia. Os estímulos causadores de hipertrofia induzem genes que codificam fatores de crescimento, receptores de fatores de crescimento e proteínas estruturais. Os órgãos hipertróficos tornam-se aumentados de volume e de peso. As células mostram núcleo, citoplasma e organelas aumentados de volume; em células perenes (p. ex., miocardiócitos), surge poliploidia nuclear. Hipertrofia é reversível. Após o parto, por exemplo, o útero volta às suas dimensões normais. Hipoplasia é a diminuição do número de células de um órgão ou parte do corpo, o que reduz seu peso e volume. Pode ocorrer na embriogênese (hipoplasia pulmonar, hipoplasia renal etc.) ou após o nascimento, por diminuição da renovação celular, aumento da destruição das células ou ambos. Hipoplasia pode ser fisiológica ou patológica. (1) As hipoplasias fisiológicas mais comuns são involução do timo a partir da puberdade e de gônadas no climatério. Na senilidade, além de hipotrofia também existe hipoplasia de órgãos, por aumento de apoptose. (2) As hipoplasias patológicas mais importantes são a da medula óssea por agentes tóxicos ou infecções, a qual causa anemia aplásica (mais corretamente, hipoplásica). Outra hipoplasia comum é a de órgãos linfoides na AIDS ou por destruição de linfócitos por corticoides. Hipoplasia patológica pode ser reversível. – Muitas vezes, hipotrofia e hipoplasia andam juntas. Na prática, o termo mais usado para indicar um órgão reduzido de volume é hipotrofia, embora em geral exista também hipoplasia. Hiperplasia, que ocorre somente em órgãos com células capazes de se multiplicar, consiste no aumento do número de células, por incremento da proliferação e/ou por diminuição da destruição celular. Para haver hiperplasia são necessários suprimento sanguíneo, integridade morfofuncional das células e inervação. A hiperplasia é causada por agentes que estimulam funções celulares; trata-se também de adaptação das células à sobrecarga de trabalho. Muitas vezes, um órgão apresenta tanto hipertrofia quanto hiperplasia, pois uma mesma causa pode desencadear os dois processos. Hiperplasia, que é um processo reversível, pode ser fisiológica ou patológica. Hiperplasia fisiológica ocorre no útero durante a gravidez, nas mamas na puberdade e na lactação, e na hiperplasia compensadora (p. ex., no rim após nefrectomia ou lesões graves do outro rim). A principal causa de hiperplasia patológica é hiperestimulação hormonal. Na hiperfunção da hipófise, todas as glândulas- alvo dos hormônios produzidos em excesso entram em hiperplasia. Como exemplos: (a) síndrome de Cushing (hiperfunção da cortical da suprarrenal; (b) hiperplasia da tireoide, quando há excesso de TSH. Aumento de estrógenos causa hiperplasia das mamas ou do endométrio. Estímulo anormal por andrógenos associa-se à hiperplasia da próstata. Hiperplasias inflamatórias são também hiperplasias patológicas. Por causa do aumento da reprodução celular, em muitas hiperplasias patológicas há maior risco de surgir uma neoplasia. Metaplasia é a substituição de um tipo de tecido por outro da mesma linhagem (um epitélio modifica-se em outro epitélio). Em geral, trata-se de processo adaptativo frente a algum estímulo, em que o novo tipo celular é mais resistente; metaplasia é também reversível. O mecanismo básico é a reprogramação celular para uma nova situação, geralmente com envolvimento de células-tronco. As principais metaplasias são: 1) transformação de epitélio estratificado pavimentoso não ceratinizado em epitélio ceratinizado, como ocorre no epitélio da boca ou do esôfago por irritação prolongada (p. ex., alimentos quentes); 2) epitélio pseudoestratificado ciliado em epitélio estratificado pavimentoso. O exemplo clássico é a metaplasia escamosa brônquica por agressão persistente, cujo protótipo é o tabagismo; 3) epitélio mucossecretor em epitélio estratificado pavimentoso, como ocorre no epitélio endocervical, que se transforma em epitélio escamoso do tipo ectocervical; 4) epitélio glandular seroso em epitélio mucíparo, cujas células passam a secretar mucinas ácidas e tomam o aspecto de células caliciformes (metaplasia intestinal na mucosa gástrica); 5) tecido conjuntivo em tecido cartilaginoso ou ósseo; 6) tecido cartilaginoso em tecido ósseo. Embora seja um processo adaptativo, – algumas vezes a mudança de um epitélio em outro pode ser danosa: (a) metaplasia escamosa na árvore respiratória favorece infecções pulmonares; (b) quando prolongada, metaplasia pode sofrer outras alterações na expressão gênica e constituirlesão pré-cancerosa. Leucoplasia (do grego leukos: branco) é empregada para lesões que se apresentam como placas ou manchas brancacentas localizadas em mucosas (colo uterino, oral, esofágica etc.). Leucoplasia é a metaplasia de um epitélio escamoso não ceratinizado em ceratinizado. ➢ TRANSDIFERENCIAÇÃO: Significa mudança de um tipo de célula diferenciada em outro tipo celular, de linhagem diferente. Células-tronco podem originar progenitores de algumas linhagens e criam a possibilidade de célula de uma linhagem originar célula de outra. O fenômeno foi observado inicialmente em processos de reparo e regeneração, em que células epiteliais se diferenciam em fibroblastos; foi documentado também in vitro, mediante manipulação de células-tronco induzidas. O fenômeno de transição epiteliomesenquimal é um exemplo. Displasia é uma palavra pouco clara, usada neste capítulo para designar alterações da proliferação e tendência à redução na diferenciação celular (“crescimento desordenado”). Muitas vezes, displasias encontram-se associadas a metaplasia ou nela se originam. As mais importantes são displasias de mucosas, como do colo uterino, de brônquios e do trato gastrointestinal, pois muitas vezes precedem os cânceres que se originam nesses locais. Displasia é também reversível, podendo estacionar ou regredir. Sua importância maior deve-se à possibilidade de evoluir para neoplasia e, por isso, necessita acompanhamento dos pacientes no sentido de detectar o mais precocemente possível um câncer; em certos casos, demanda tratamento. Hoje, existe tendência a abandonar o termo displasia em epitélios, que às vezes não indica claramente o risco de ela evoluir para lesões mais graves. A Organização Mundial da Saúde (OMS) adota a denominação neoplasias intraepiteliais, de baixo ou de alto grau, conforme a intensidade e a extensão das alterações celulares. Assim, fala-se em neoplasia intraepitelial cervical (NIC), neoplasia intraepitelial vulvar (NIV), neoplasia intraepitelial da próstata (PIN, de prostatic intraepithelial neoplasia) etc. Quanto mais indiferenciada e extensa é a lesão, maior o risco de evolução para um câncer. Displasias são lesões curáveis e menos graves do que um câncer inicial, mas podem requerer tratamento similar ao de câncer em alguns casos. ➢ LESÃO E CONDIÇÃO PRÉ-CANCEROSAS Algumas lesões ou doenças associam-se a maior risco de câncer; são, por isso, conhecidas como lesões ou condições pré-cancerosas. A concepção de lesão pré-cancerosa é probabilística e estatística: lesão pré-cancerosa é uma alteração – morfológica que tem maior risco de evoluir para câncer do que o tecido normal. Nem toda lesão pré-cancerosa caminha para um tumor maligno. As principais lesões pré-cancerosas são displasias. Quanto mais desenvolvida é a lesão, maior é a probabilidade de evoluir para câncer. Certas hiperplasias ou neoplasias benignas são também lesões pré-cancerosas, como a hiperplasia do endométrio e os pólipos adenomatosos do intestino grosso. A regeneração hiperplásica que ocorre no fígado cirrótico também é um elemento importante na gênese do carcinoma hepatocelular. Certas doenças, algumas de natureza genética, têm maior risco de evoluir para câncer. Trata-se de defeitos hereditários em oncogenes, em genes supressores de tumor ou em genes de reparo do DNA que resultam em proliferação celular anormal, perda de diferenciação e câncer em idade precoce. São exemplos a polipose familial do cólon (câncer do intestino grosso), o xeroderma pigmentoso (câncer cutâneo em regiões expostas à luz solar) e a síndrome do carcinoma colorretal hereditário sem polipose. Esses são exemplos de condições pré-cancerosas. Inflamações crônicas, infecciosas ou não, também aumentam o risco de câncer, por aumentar a taxa de regeneração celular pela destruição celular ou por ação de radicais livres liberados por leucócitos, que aumentam o número de mutações e favorecem instabilidade do genoma. • A hipertrofia consiste no aumento no tamanho das células que resulta em aumento no tamanho do órgão. Em contraste, a hiperplasia é o aumento no número de células. • Dito de outra forma, na hipertrofia pura não há novas células, apenas células maiores contendo quantidades aumentadas de proteínas estruturais e organelas. • A hipertrofia ocorre em células com capacidade limitada de se dividir. Os mecanismos responsáveis pela hipertrofia cardíaca envolvem pelo menos dois tipos de sinais: gatilhos mecânicos, tais como alongamento, e mediadores solúveis que estimulam o crescimento celular, como os fatores de crescimento e os hormônios adrenérgicos. Estes estímulos ligam as vias de transdução de sinal que conduzem à indução de vários genes, que por sua vez estimulam a síntese de muitas proteínas celulares, incluindo fatores de crescimento e proteínas estruturais. Hiperplasia se refere ao aumento no número de células em um órgão que resulta da proliferação aumentada de células diferenciadas ou, em alguns casos, de células progenitoras menos diferenciadas. – Os dois tipos de hiperplasia fisiológica são: (1) hiperplasia hormonal, exemplificada pela proliferação do epitélio glandular da mama feminina na puberdade e durante a gravidez e (2) hiperplasia compensatória, na qual o tecido residual cresce após remoção ou perda de parte de um órgão. Por exemplo, quando parte de um fígado é ressecada, a atividade mitótica nas células restantes inicia-se 12 horas após, restaurando o fígado ao seu tamanho normal. O estímulo para hiperplasia neste contexto consiste nos fatores de crescimento polipeptídicos produzidos por hepatócitos não lesionados, bem como células não parenquimatosas no fígado . Após a restauração da massa hepática, vários inibidores de crescimento desativam a proliferação celular. A maioria das formas de hiperplasia patológica é causada por estimulação excessiva hormonal ou por fatores de crescimento. Por exemplo, após um período menstrual normal há aumento da proliferação epitelial uterina que geralmente é regulada pelos efeitos estimuladores dos hormônios pituitários e do estrogênio ovariano e pelos efeitos inibitórios da progesterona. Uma perturbação deste equilíbrio que conduz a uma estimulação estrogênica aumentada provoca hiperplasia endometrial, que é uma causa comum de sangramento menstrual anormal. Atrofia é a diminuição no tamanho das células por perda de substância celular. Quando um número suficiente de células está envolvido, todo o tecido ou órgão diminui em tamanho ou torna-se atrófico. Embora as células atróficas possam apresentar função diminuída, elas não estão mortas. A atrofia celular resulta da combinação da diminuição da síntese proteica e a maior degradação de proteínas. A síntese proteica diminui devido à redução da atividade metabólica. A degradação das proteínas celulares ocorre principalmente pela via ubiquitina-proteassoma. A deficiência de nutrientes e o desuso podem ativar as ubiquitina-ligases, que conjugam múltiplas cópias do peptídeo pequeno ubiquitina às proteínas celulares e as direcionam para a degradação nos proteassomas. Acredita-se que esta via também seja responsável pela proteólise acelerada observada em várias condições catabólicas, incluindo a caquexia associada ao câncer. Em muitas situações, a atrofia também está associada a autofagia, com consequente aumento do número de vacúolos autofágicos. Conforme discutido anteriormente, a autofagia é o processo no qual a célula desnutrida digere suas próprias organelas em uma tentativa de sobrevivência. Metaplasia é uma alteração na qual um tipo de célula adulta (epitelial ou mesenquimal) é substituído por outro tipo de célula adulta. Acredita-se que a metaplasia surja devido a uma reprogramação de células-tronco para se diferenciar ao longo de uma nova via, em vez de uma alteração fenotípica (transdiferenciação) de célulasjá diferenciadas. A metaplasia epitelial é exemplificada pela alteração que ocorre no epitélio respiratório de tabagistas habituais, nos quais as células epiteliais cilíndricas ciliadas normais da traqueia e dos brônquios frequentemente são substituídas por células epiteliais escamosas estratificadas. O epitélio escamoso estratificado resistente pode ser capaz de sobreviver aos produtos químicos nocivos na fumaça do cigarro que o epitélio especializado mais frágil não tolera. Embora o epitélio escamoso metaplásico apresente vantagens de sobrevivência, perdem-se importantes mecanismos de proteção, como a secreção de muco e a remoção ciliar da matéria particulada. A metaplasia epitelial é, portanto, uma “faca de dois gumes”. Como a vitamina A é – essencial para a diferenciação epitelial normal, sua deficiência também pode induzir metaplasia escamosa no epitélio respiratório.