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MÓDULO: TRIBUTO E SEGURANÇA JURÍDICA SEMINÁRIO IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA QUESTÕES DE PLENÁRIO Gabriel Ribeiro Gonçalves Ramos 1. Que significa afirmar que uma norma “N” é válida? Norma criada por autoridade incompetente, mas segundo o procedimento previsto em lei, é válida? E norma criada por autoridade competente, mas sem observância do procedimento previsto em lei é válida? Como leciona o Prof. Paulo de Barros Carvalho, a norma jurídica é uma proposição prescritiva de valência própria, que pode ser sempre válida ou inválida, a depender do ordenamento jurídico no qual ela está inserida. Embora possamos discutir sua validade, não há cabimento em discutir se elas são verdadeiras ou falsas por exemplo. Assim, ao afirmar que uma norma “N” é válida, quer-se dizer que aquela norma pertence a um sistema jurídico “S”[footnoteRef:1]. A norma N será válida então após sua promulgação e publicação. [1: CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2021, p. 124-125.] Nesse sentido, tanto a norma criada por autoridade incompetente com a devida observância do processo legislativo como a norma criada por autoridade competente sem a observância de tal processo serão normas válidas. Isto porque basta a relação de pertencimento entre uma norma N e um sistema S para que ela seja considerada válida, sendo necessário que ela passe pelo crivo de controle de constitucionalidade para que possa ser devidamente retirada de nosso ordenamento jurídico. 2. Dada a seguinte lei, responder às questões que seguem: Lei ordinária federal n° 10.001, de 09/10/2015 (DO de 30/10/2015) Art. 1º Esta taxa de licenciamento de veículo tem como fato gerador a propriedade de veículo automotor com registro de domicílio no território nacional. Art. 2º A base de cálculo dessa taxa é o valor venal do veículo. Parágrafo único. A alíquota é de 1% Art. 3º Contribuinte é o proprietário do veículo. Art. 4º Dá-se a incidência dessa taxa no primeiro dia do quarto mês de cada exercício, devendo o contribuinte que se encontrar na situação descrita pelo art. 1° dessa lei, desde logo, informar até o décimo dia deste mesmo mês, em formulário próprio (FORMGFA043), o valor venal, o tipo, a marca, o ano e a cilindrada do respectivo veículo. Art. 5º A importância devida, a título de taxa, deve ser recolhida até o décimo dia do mês subsequente, sob pena de multa de 10% sobre o valor do tributo devido. Art. 6º Diante da não emissão do formulário (FORMGFA043) na data aprazada, poderá a autoridade fiscal competente lavrar Auto de Infração e Imposição de Multa, em decorrência da não observância dessa obrigação, impondo multa de 50% sobre o valor do tributo devido. a) Em 01/06/2017, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em ação direta (com efeito erga omnes), pela inconstitucionalidade desta lei federal. Identificar nas datas abaixo fixadas, segundo os critérios indicados, a situação jurídica da regra que instituiu o tributo, justificando cada uma das situações: Critérios\ datas 11/10/2015 01/11/2015 01/02/2016 01/04/2016 01/07/2017 É válida Não Sim Sim Sim Sim É vigente Não Não Sim Sim Sim Incide Não Não Não Sim Não Apresenta eficácia jurídica Não Não Não Sim Não Validade: como já determinamos, uma norma é válida quando ela pertence a um sistema jurídico, tendo sido ali inserida através de um processo legislativo perfeitamente respeitado. No caso em tela, a norma foi inserida em 01/11/2015, o que significa dizer que ela só entrou no ordenamento jurídico a partir daquele dia, eliminando a validade dos dias anteriores. Além disso, em 01/07/2017 essa norma já havia sido revogada pelo STF, deixando de fazer parte do ordenamento jurídico. Vigência: uma norma vigente é uma norma que já está pronta para irradiar os seus efeitos na sociedade. Em 11/10/2015 a norma ainda não havia sido publicada, de forma que ainda não era vigente. Em 01/11/2015 a norma ainda não era vigente, em atenção a vacatio legis. Em 01/07/2017 a norma não era mais vigente, posto que declarada inconstitucional pelo STF. Incidência: uma norma irá incidir quando ela for válida e estiver vigente. No caso em tela, ela incidiu nas datas de 01/02/2016 e 01/04/2016 apenas, visto que só cumulou os dois critérios nessas datas. Em 01/02/2016 ela não pode incidir por conta do artigo 4º que determina que a incidência só se dará no 4º mês do ano Eficácia Jurídica: é a própria incidência da norma jurídica, que se aperfeiçoa na relação de causalidade jurídica. Nas datas de 11/10/2015 e 01/11/2015 a norma ainda não se encontrava vigente, de forma que não poderia ter eficácia jurídica. Em 01/02/2016 ela não possui eficácia jurídica por conta do artigo 4º que determina que a incidência só se dará no 4º mês do ano. Em 01/07/2017 ela já havia sido revogada, de forma que também não teria mais eficácia jurídica. 3. Compete ao legislativo a positivação de interpretações? Existe lei puramente interpretativa? Tem aplicabilidade o art. 106, I do CTN ao dispor que a lei tributária interpretativa se aplica ao fato pretérito? Como confrontar este dispositivo do CTN com o princípio da irretroatividade? Não. O papel do legislativo nunca é o de dar uma interpretação ao texto jurídico. O que o legislativo faz é positivar textos jurídicos, ou mesmo modificar ou extinguir textos jurídicos já positivados. A função do Poder Legislativo, dita de outro modo, é positivar normas de caráter prescritivo que terão o objetivo de regular a conduta de todos aqueles que se submetem àquele ordenamento jurídico. O papel de interpretação dos textos jurídicos deve ser exercido pelo Poder Judiciário quando do estudo e da aplicação da própria norma em si. Se o legislativo positiva uma interpretação, ela deixa de ser uma mera interpretação e passa a ser uma verdadeira norma jurídica positivada. Não existe lei puramente interpretativa. A interpretação se desenrola e se desenvolve a medida em que cada indivíduo entra em contato com o texto jurídico. Como cada indivíduo possui histórias diferentes e vivências diferentes, a interpretação que ele constrói poderá (e muitas vezes é) diferente da interpretação desenvolvida pelo seu semelhante. Nem sempre há uma única interpretação correta, o que impossibilita a existência de uma lei puramente interpretativa. Em seu Curso, o Prof. Paulo de Barros Carvalho leciona que[footnoteRef:2]: [2: CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2021, p. 164-165.] Sobre o sentido dos enunciados, é preciso dizer que ele é construído, produzido, elaborado, a contar das marcas gráficas percebidas pelo agente do conhecimento. Desde que se mostre como manchas de tinta sobre o papel, no caso do direito escrito, insisto, assumindo a natureza de um ente físico, materialmente tangível, não se poderia imaginar, em sã consciência, que essa base empírica contivesse, dentro dela, como uma joia, o conteúdo significativo, algo abstrato, de estrutura eminentemente ideal. (...) É o ser humano que, em contacto com as manifestações expressas do direito positivo, vai produzindo as respectivas significações. Sim, o referido dispositivo tem aplicabilidade. O art. 106, I, CTN, determina que “a lei aplica-se a ato ou fato pretérito em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados”. Isso quer dizer que, na hipótese de uma lei expressamente interpretativa, ela será aplicada a fatos anteriores à sua vigência no intuito de se beneficiar o contribuinte. O princípio da irretroatividade define como regra geral que as normas tributárias são feitas para se reger o futuro, de modo que, via de regra, seus efeitos não são aplicáveis a fatos ocorridos antes do início da vigência dessa norma. Para que uma norma seja considerada legítima, é necessário que o contribuinte conheça de forma prévia a obrigação tributária ali esculpida e os seus efeitos, de modo que ele não seja pego de surpresa com a exigência de uma obrigaçãoque até então não poderia ser exigida. Entretanto, esse princípio funciona como uma regra protetiva, de forma a defender o contribuinte da exigência de um tributo por um fato que, quando ocorrera de fato, não ensejava o nascimento de uma obrigação tributária correlata. Em alguns casos, a norma tributária poderá retroagir caso ela venha a beneficiar o contribuinte em algum contexto específico. Chama-se tal fenômeno de retroatividade benigna. No caso em tela, o art. 106 do CTN traz hipóteses nas quais a retroatividade benigna pode – e deve – ser aplicada, de forma que não há conflitos entre a irretroatividade e o art. 106, I, CTN, tratando-se de espécie de exceção perfeitamente positivada. O conteúdo desse material é de propriedade intelectual do ©IBET: é proibida sua utilização, manipulação ou reprodução, por pessoas estranhas e desvinculadas de suas atividades institucionais sem a devida, expressa e prévia autorização.
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