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- REPENSANDO — 'AºDIDATICA- 29ª Edição Nitenla Delma Lopes Professora da Universidade Federal do Piaui (UFPI). Mestre em Educação pela Unicamp. Ilma Passos Alencastro Veiga (coord.) Pesquisadora sênior do CNPq, professora emérita da UnB e professora titular da Faculdade de Ciências da Educação do Uniceub. Maria Bernadete Santa Cecilia Caporallni Professora aposentada da Universidade Federal de São João del Rei (Fu nrei). Mestre em Educação pela PUC-RJ. Maria Eugênia de Lima e Morthe Castanho Professora da PUC-Campinas. Doutora em Educação pela Unicamp. Marla isabel da Cunha Docente do Programa de Pós-graduação em Educação da Unisinos. Professora aposen- tada da FaEIUFPeI. Olga Teixeira Damls É pedagoga, mestre e doutoranda em Educação. Atualmente é professora no curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlandia (UFU). OswaldoAlonso Rays Professor no Centro Universitário Francis- cano de Santa Maria e na Universidade de Passo Fundo. Doutor em Educação. Pura Lúcia Oliver Martins Professora aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutora em Educação pela USP e professora do programa de Pósgraduação em Educação da PUC-PR. Vani Moreira Kencki Professora doutora aposentada da U nicamp. Pesquisadora do CNPq. Foi professora da UnB, da Unicamp e da USP. Atualmente orienta teses e dissertações em Educação na USP e na Unicamp. Diretora geral da empresa Site Educacional Ltda. REPENSANDO A DIDÁTICA ILMA PASSOS ALENCASTRO VEIGA (COORD.) ANTONIA OSIMA LOPES MARIA BERNADETE SANTA CECÍLIA CAPORALINI MARIA EUGENIA DE LIMA E MONTES CASTANHO MARIA ISABEL DA CUNHA OLGA TEIXEIRA DAMIS OSWALDO ALONSO RAYS PURA LÚCIA OLIVER MARTINS VANI MOREIRA KENSKI REPENSANDO A DIDÁTICA P A P I R U S E D I T O R A Capa.- Francis Rodrigues Revisão: Fausto Barreira Fiiho, Josianede Fátima Pio Remeras SandraVieiraAlves 21ª ed. rev. e anal.: Coordenação: Beatriz Wcheslni Magrammo: DPG Editora Copidesque: Maria Lúcia A. Maier . Revisão-Isabel PetronilhaCosta Solange F. Penteado Taís Gasparetti Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIF) (can-iam Brasileira do Livro, SP, Brasil) Repensando & didática ! lima Passos Alencastro Veiga (coord.).- —21' ed. rev. e ama!. —Camplnas, SP : Papirus, 2004, Vários colaboradores- Bibliograiia. ISBN 85—308-0153-9 1. Ensino 2. Pedagogia !. na, lima Paasos Alencastro. 044930 CDD-371.3 4370 Índices para catálogo sistemático: 1. Didátioa: Edmaçâo 371 .s 2. Ensino: Planejamento da insiruçâo 371.3 3. iVIeisodologiado ensino 371.3- 4. Pedªgºga 370 Emanmmodecitaçõea agràiadestelMo estáamalzacchsegirdo vordo Q'tográfioodaLinguaPomJguesaadoiado no Brasilapartir demos, emoonformidade ao prescrito no Vocabdário Ortográiioo da, Língua Portuguesa (Voip) daAnademia Brasileira de Letras e suas oorreçõeseaditanenhos dhfuigadosstéadatadestapubiicaçâo. asª Edição 2011“ Proibida a reprodução total ou parcial da obra de acordo com a lei 9.610/98. Editora afiliada à Associação Brasileira dos Direitos Reprogràficos (ABDR). DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA: © MB. Oornaochia Livraria e Editora Ltda.. — Papirus Editora R.“ Dr. Gabriel Perteado, 253—CEP 13041-305—ViiaJoào Jorge Fone/fax: (19) 3272-4500 — Campinas — São Paulo — Brasil E—maii: editoraô paplrus.oom.br — www.papirus.oom.br SUMÁRIO APRESENTAÇÃO DA 21ª EDIÇÃO .......... ........ . ....................... 7 APRESENTAÇÃO 9 ]. DIDÁTICA E ENSINO: RELACOES E PRESSUPOSTOS ................... 13 Olga Rixeira Damis .2. DIDÁTICA: UMA RETROSPECTIVA HISTÓRICA 33 Ilma Passos Alencastro Veiga 3. PLANEIAMENTO DO ENSINO NUMA PERSPECTIVA CRÍTICA DE EDUCAÇÃO ..................................................................... 55. Antonia Osima Lopes 4. os OBJETIVOS DA EDUCAÇÃO ......................................................... 65 Maria Eugênia de Lima. e Montes Castanho. 5. CONTEÚDOS ESCOLARES: A QUEM COMPETEM A SELEÇÃO E A ORGANIZAÇÃO? .................................................... , 75 Pura Lúcia Oliver Martins 6. METODOLOGIA DO ENSINO: CULTURA DO CAMINHO CONTEXTUALIZADO ...................................................... 93 Oswaldo Alonso Rays 7. NA DINAMICA INTERNA DA SALA DE AULA: O LIVRO DIDÁTICO ........................................................................... 109 Maria Bernadete Santa Cecília Caporalini 8. REPENSAN DO A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ................... 135 Vani Moreira Kenski 9. A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO ................................................... 149 Maria Isabel da Cunha APRESENTAÇÃO DA ZlªEDIÇÃO O livro Repensando a didática foi escrito, coletivamente, em 1987 e editado em 1988. Nasceu tímido, sem pretensão de tornar—se um livro—texto para o ensino da didática nos cursos de formação de professores. Seu objetivo fundante era “contribuir para a ampliação e o aprofundamento das reflexões já realizadas e estimular a busca de uma proposta didática voltada para a efetivação da prática pedagógica crítica” (Apresentação da 1ª ed., p. 7). Os nove coautores, naquele momento, iniciavam seu rito de entrada no mundo editorial acadêmico. Profissionais com experiência de ensino, mestrandos e doutorandos em educação em diferentes universidades: Unicamp (6), UFMG (1), UFSM (1), PUC (l). Passaram-se 15 anos e o Repensando a didática ao longo desse período chega a 21ª edição,. o que é um indicativo de sua grande aceitação por parte de professores, pesquisadores e alunos de cursos de licenciatura. A presente edição comemorativa foi revista e atualizada por acreditarmos que os trabalhos aqui reunidos continuarão a contribuir para aperfeiçoar o entendimento da prática pedagógica de professores empenhados em enfrentar os desafios de uma educação mais democrática. Ilma Passos Alencastro Veiga Brasília, 2004 Repensando & didática 7 APRESENTAÇÃO O projeto, do qual este livro é a realização, foi pela primeira vez discutido em maio de 1987, em uma reunião descontraída com colegas, professores de didática, por ocasião da X Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação, na cidade de Salvador. Inicialmente tinha em vista um objetivo audacioso: elaborar um livro didático de didática. Após algumas reflexões, resolvemos tornar menos ambiciosa nossa pretensão, conservando, no entanto, a proposição básica de repensar o papel da didática na formação de professores. Este livro torna público esse repensar em torno da didática, visando contribuir para a ampliação e o aprofundamento das reflexões já realizadas e estimular a busca de uma proposta didática voltada para a efetivação da prática pedagógica crítica. É uma sequência de textos diferentes que se Completam e se interligam. O assunto é controverso., sem dúvida, mas acreditamos que. seja de grande importância. Formamos uma equipe de nove professores de didática de universidades do Piauí, Brasília, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, todos com experiência em escolas de ensino fundamental e médio, de periferia urbana e da zona rural. Repensando & didática 9 O projeto para a elaboração do livro estabelecia uma estrutura básica e a forma de ação conjunta. A estrutura básica do livro foi constituída de três núcleos fundamentais: lº) pressupostos filosóficos e históricos da didática; 2º) O planejamento e os elementos do ensino; 39) a relação professor- aluno. O processo de elaboração do livro ocorreu em três momentos. Tendo em vista os objetivos do projeto, impuseram-se, num primeiro momento, a escolha dos temas pelos membros da equipe e a elaboração dos textos preliminares. 0 segundo momento consistiu na análise crítica dos textos preliminares por todos os componentes da equipe e no encaminhamento dos pareceres sobre os mesmos aos respectivos autores. Foram realizadas, ainda, quatro reuniões em Uberlândia e em Campinas, com alguns dos componentes da equipe, para discutiros trabalhos em andamento, reprogramar cronogramas e tomar decisões relativas à editoração do livro. Os contatos mais periódicos e indiretos entre os autores foram efetivados por meio de correspondência e telefonemas. A caminhada em direção aos objetivos não foi fácil, principalmente pela impossibilidade de encontros com todos os colaboradores envolvidos no processo de elaboração do livro. O terceiro momento se caracterizou pela reformulação dos textos a partir das apreciações feitas e pela produção do texto definitivo, que resultou na montagem do livro.. Considerando a estruturação básica, a abertura deste livro será feita com o texto “Didática e ensino: Relações e pressupoStos” de Olga Teixeira Damis. Como coordenadora do livro e responsável pelo “segundo tema —» “Didática: Uma retrospectiva histórica” —, procurei reconstruir a trajetória da didática na educação brasileira, destacando os aspectos socioeconômicos, políticos e educacionais, que servirão de pano de fundo para a caracterização das propostas pedagógicas presentes na educação, bem como os diferentes enfoques da didática na preparação docente. Antonia Osima Lopes discute o planejamento do ensino tendo como referência o modelo do planejamento participativo, forma característica de trabalho dos movimentos de educação popular. São apresentadas as etapas 1a Papirus Editora. do processo de planejamento, cuja descrição tem como fundamentos a totalidade da ação pedagógica e a articulação entre os conteúdos escolares e a realidade histórico-social. Maria Eugênia Lima e Montes Castanho estuda os objetivos educacionais, partindo dos tão disseminados objetivos comportamentais, para propor novas maneiras de pensar a questão. O desafio é a articulação das finalidades gerais com os objetivos do dia a dia. O texto procura mostrar que, para além da questão técnica, os objetivos devem ser vivos visando cotidianamente ao encontro humano dos seres envolvidos e seu desenvolvimento. Pura Lúcia Oliver Martins, incumbida do tema “Conteúdos escolares: A quem compete a seleção e a organização?”, considera que o professor deve compreender o processo de ensino em seus determinantes, para construí—lo a partir da lógica e dos interesses da maioria dos alunos. O texto apresenta a questão da seleção e da organização dos conteúdos na didática teórica, na didática prática e os determinantes da dicotomia teoria- prática que têm caracterizado a formação do professor. Analisa a questão nos dias atuais e delineia pistas para a construção de um novo processo. Oswaldo Alonso Rays opta por uma metodologia de ensino que atenda aos interesses imediatos e mediatos dos educandos, baseada na análise crítica do contexto social e nas características individuais e grupais daqueles que frequentam e daqueles que virão a frequentar nossas escolas, em razão de as especificações e o “produto final da educação” interessarem ao próprio educando e ao conjunto da sociedade. 0 “produto final da educação-” não interessa apenas aos processos produtivos capitalistas. 0 binômio eficiência- qualidade educacional necessita, pois, 'ser gerado em função do crescimento do educando, do desenvolvimento de suas potencialidades e de seus interesses, que precisam ser entendidos como parte dos interesses da coletividade. A eficácia-qualidade dos métodos de ensino deverá estar diretamente ligada à formação integral do educando e não às necessidades imediatistas da dimensão alienante da globalização. Maria Bernadete Santa Cecília Caporalini analisa, na dinâmica interna da sala de aula, a prática pedagógica de quatro professores de língua portuguesa em exercício numa escola estadual de ensino fundamental. Entre Repensando a didática 11 outras descobertas, constatou que, no ensino fundamental, o livro didático é o instrumento referencial básico de trabalho do professor no processo de transmissão e assimilação do conhecimento. No texto, tece considerações orientadas, sobretudo, para a utilização desse importante recurso de ensino-, com vistas a possibilitar ao professor assumir um papel mais ativo e menos dependente em sala de aula. Vani Moreira Kenski considera que 'o ato de avaliar está presente em todos os momentos da vida humana, dentro e fora de ambientes educacionais. A avaliação deve ser considerada como importante momento de reflexão e de tomada de decisões que precisa ser compartilhado por todos os envolvidos no processo de aprendizagem. Estão presentes na avaliação as articulações do processo avaliativo com o projeto pedagógico e seus indicadores, que, por mais abrangentes e complexos que sejam, não excluem a parcialidade e a subjetividade para julgar a aprendizagem do “outro”. Maria Isabel da Cunha aborda questões referentes ao relacionamento entre professores e alunos, numa dimensão sociocultural. Analisa depoimentos de estudantes quando qualificam () bom professor, no que se refere às dimensões afetiva e cognitiva que estão presentes no espaço das relações. Caracteriza a importância dessas dimensões e explicita suas formas de embricamento. Chama a atenção sobre a importância do processo de mediação que o docente faz entre o conhecimento sistematizado, a cultura e os estudantes. Esta coletânea de textos propicia ao leitor um vasto material para repensar a didática nos cursos de formação de professores. O trabalho está aberto para discussões e julgamos que, por meio da crítica, é possível caminhar na direção de uma proposta democrática de educação e, mais especificamente, de uma didática mais comprometida com a formação de professores. Ilma Passos- Alencastro Veiga 12 Papirus Editora. 1 DIDÁTICA E ENSINO: RELAÇÓES E PRESSUPOSTOS* Olga Teixeira Damis Nos cursos de formação do profissional da educação, o ato de ensinar desenvolvido pela escola é, muitas vezes, abordado do ponto de vista da alteração das relações que ocorrem entre os elementos que constituem a prática pedagógica: o professor, o aluno, os conhecimentos, os procedimentos, os recursos e as tecnologias utilizadas. Do ponto de vista dessa concepção, historicamente, na pesquisa e no ensino desenvolvidos em didática, cujo objeto de estudo é a arte de ensinar, a crítica ao modelo tradicional, centrado na diretividade do professor para transmitir o conhecimento ao aluno, constitui—se em elemento básico de referência para a transformação da prática escolar. Nesse caso, a didática é, predominantemente, compreendida e analisada do ponto de vista da concepção do ato de ensinar que evidencia a atuação do professor ou como transmissor direto de conhecimentos * Este texto tem Sua origem em minha tese de mestrado com o título “Didática e sociedade: O conteúdo iinplícito do ato de ensinar” (Unicamp, 1990). Repensando a didática 13 específicos que se constituem em objetos de ensino, ou como agente que conduz e estimula democraticamente a aprendizagem do aluno, ou no planejamento de atividades visando alcançar os objetivos pretendidos. Estimular e permitir a participação ativa dos alunos em experiências de aprendizagem que enfatizam a construção de conhecimentos, desenvolver projetos adequados aos interesses dos alunos, da comunidade escolar e da sociedade, utilizar novas tecnologias de comunicação e informação, organizar trabalhos interdisciplinares e coletivos, são algumas das dimensões enfatizadas pelo conteúdo da didática, visando à transformação da prática educativa desenvolvida pela escola. Mas pretende—se considerar, aqui, que a prática pedagógica desenvolvida pela escola não está desvinculada de uma prática social mais ampla. Se em sua prática, os professores agem sem compreender o significado social das decisões que definem as relações entre os elementos que a constituem, tomam- se meros executores de práticas pensadas e decididas por outros, vítimas de modismos e de linguagens sem significados teóricos para fundamentar sua ação. Não articulando o ensino ao significado da função social e educativada escola, a prática pedagógica, muitas vezes, é compreendida, por exemplo, como mera repetição de práticas experimentadas no papel de aluno, ou em simples respostas improvisadas a estímulos e desafios colocados de fora do processo de ensinar-aprender, como as atuais demandas de mercado de trabalho, o desenvolvimento de tecnologias e dos meios de comunicação etc. O profissional de ensino, antes de ser um técnico eficaz, e mais do que ser um fiel servidor de diretrizes das mais variadas tendências, num sistema submetido a controles técnicos que mascaram seu caráter ideológico, deve ser alguém responsável que fundamenta sua prática numa opção de valores e em idéias que lhe ajudam a esclarecer as situações, os projetos e os planos, bem como as previsíveis consequências de Sua prática. (Saeristán e Gómez 1998, p. 10) Mesmo considerando que o trabalho docente ocorre a partir de relações organizadas e desenvolvidas pelo professor visando à aprendizagem de um saber sistematizado pelo aluno, por meio de recursos e procedimentos pedagógicos, entende-se que ele se fundamenta, também, em outras relações. A instituição escolar, como prática social específica e por meio do trabalho 14 Papirus Editora. pedagógico, sistematiza relações “situadas entre as finalidades- específicas de educação formal e as finalidades sociais para a formação humana. Nesse caso, a didática, tendo como objeto de estudo a arte de ensinar, constitui- se, também, em área de conhecimento que trata das relações colocadas entre as Bnalidades do ensino e a prática social mais amplas. No Brasil, desde a década de 1980, a formação do professor foi marcada pela realização de encontros, estudos, debates e pesquisas no sentido de se construir o Rumo para uma nova didática, conforme a denominação da publicação de Candau, em 1988. Visando superar a tendência técnica predominante, esse movimento de reconstrução da didática teve sua origem na perspectiva de “multidimensionalidade do processo ensino- aprendizagem e coloca a articulação das três dimensões, técnica, humana e política no centro configurador de sua temática” (Candau 1984, p. 21). No interior desse movimento, em pesquisa realizada por Veiga (1987), foram identificados alguns períodos na trajetória histórica de constituição da didática. Cada período definido pela autora foi, aqui, entendido como expressão de dimensões deste objeto de estudo, sendo utilizada aperiodização anterior ao enfoque crítico dessa área de conhecimento. Para a autora, em um primeiro momento a didática foi abordada COmo um conjunto de regras, “visando assegurar aos futuros professores as orientações necessárias ao trabalho docente. A atividade docente é entendida como inteiramente autônoma face à política, dissociada das questões entre escola e Sociedade. Uma Didática que separa teoria e prática” (ibid. , p. 28). Em seguida, é acentuado o caráter técnico—prático do processo ensino-aprendizagem, e a teoria e a prática são justapostas e o ensino é compreendido como um processo de pesquisa, partindo—se do pressuposto de que os assuntos de que trata o ensino são problemas (ibid., p. 31). Em um terceiro momento considerou—se a predominância dos processos metodológicos em detrimento da própria aquisição do conhecimento, voltando-se para as variáveis do processo de ensino, dos aspectos metodológicos em detrimento da aquisição do conhecimento. É o enfoque renovador-tecnicista em que a didática está voltada para o processo de ensino sem considerar o contexto político-social (ibid, p. 33). E, por último, constituiu-se em elemento inovador do ato de ensinar: a organização racional do processo de ensino, o planejamento didático, os materiais instrucionais, os livros didáticos descartáveis (ibid, p. 35). Repensando a didática 15 Em pesquisa publicada por Oliveira (1993) sobre os estudos e as críticas produzidas no interior desse movimento nacional de reconstrução da didática, também foram identificadas novas dimensões de sua abordagem. O caráter científico, a construção teórico-metodológica, as relações com o contexto mais amplo, passando pela questão da neutralidade e dos reducionismos psicológicos, até chegar às propostas de superação das críticas, segundo a perspectiva de abordagem dialética de realidade, foram dimensões analisadas, nesta revisão. Ainda recentemente, em publicação sobre os “Vinte anos de Endipe”,l Oliveira (2000) analisou a produção científica nesse período e identificou, como predominante, a concepção de ensino como reflexão na ação e a formação do professor reflexivo. Essa concepção parece estar “conduzindo a produção teórica—prática para um trabalho de reflexão sobre a reflexão, na reflexão, com a reflexão, para a reflexão (...) no e sobre- o fazer docente-” (ibid, p. 173). Nesse. sentido, o presente estudo, levando em conta o caminho percorrido pelos estudos e debates desenvolvidos na reconstrução da didática, buscou identificar expressões do pensamento pedagógico que tiveram o ato de ensinar como objeto de estudo. A seleção dos pensadores teve como referência a concepção de ensino produzida para atender às finalidades colocadas para a escola no interior do processo de implantação e consolidação do modo capitalista “de produção. Dimensões de abordagem sobre o ato de ensinar em algumas manifestações do pensamento pedagógico Historicamente, é recente a instituição social da escola, seja como forma regular de transmissão de uma cultura organizada e cientilicamente produzida, seja como direito do cidadão e dever do Estado em oferecê-la 1. Os Encontros Nacionais-de Didática e Prática de Ensino (Endipe) realizados atualmente foram iniciados em 1982, primeiramente como Encontro de Didática, com a finalidade de desenvolver debates críticos sobre. oensino e a pesquisa em didática. Posteriormente foram incorporados os Encontros sobre Prática de Ensino que ocorriam paralelamente. 16 Papirus Editora. para todos. A prática de finalidades sociais colocadas para a escola e que conta com o trabalho docente para o desempenho da função pedagógica, em tempos, espaços e saberes determinados ocorreu, aproximadamente, há pouco mais de dois séculos. Na “sociedade antiga e medieval, a extensão de democratização da escola e a atuação de um profissional da educação não contavam com condições “sociais, políticas, econômicas e- científicas desenvolvidas para se constituírem em prioridade social. As relações de trabalho predominantes na Antiguidade e na Idade Média, estando fundamentadas na divisão em classes sociais estratificadas — trabalho escravo ou servil, homens livres ou nobres, respectivamente —, contribuíram para a constituição de uma sociedade onde predominavam o estático e o estável. A prática de educação existente, se compreendida como sistemática, constituiu-se em privilégio para desenvolver habilidades de organização racional do pensamento e de erudição. Ela cumpriu a função conservadora de educação do homem que lhe foi atribuída, transmitindo visões de mundo que atendiam às necessidades colocadas pelo estágio de desenvolvimento social, cultural, político, econômico, religioso e humano da época. E aliado ao incipiente desenvolvimento científlco e tecnológico, esse modelo de educação foi restrito a poucos, sendo, que a produção,, a veiculação e a expansão de novos conhecimentos e concepções ainda não se constituíam em necessidades do capital. Sócrates, Platão, Aristóteles, na Antiguidade, e Santo Tomás de Aquino, na Idade Média, compreendidos no interior do processo histórico de construção do pensamento pedagógico, representam algumas e as primeiras expressões filosófico-pedagógicas daqueles tempos. Para Platão, & educação “deve proporcionar ao corpo e à alma toda a perfeição e beleza de que são suscetíveis” (Luzuriaga 1977, p. 53); para Aristóteles, deve “moldar a matéria com a energia do sentido contido na noção de forma humana” (Sucholdoski 1978, p. 21); para Santo Tomás de Aquino,deve ser “uma atividade em virtude da qual os dons potenciais se tornam realidade atual” (ibid., p. 21). Baseados num modelo ideal de essência humana, ideia perfeita (Platão), uma forma que molda a matéria (Aristóteles), um ser que existe em potência (Santo Tomás de Aquino), esses pensadores, no interior dos respectivos tempos históricos em que viveram, desenvolveram e difundiram concepções de educação do homem que expressam relações Repensando a didática 17 que ligam o desenvolvimento humano a finalidades colocadas em um modelo ideal de humanidade — de formação do caráter, de moral, de hábitos, do domínio das paixões, da justiça, do deSenvolvimento religioso-intelectual, físico e artístico. Na Idade Média, especialmente diante do predomínio da visão cristã (Igreja Católica) de mundo, a educação enfatizou a formação do homem Como ser imperfeito em busca de perfeição. A finalidade dessa prática educativa visava retirar o ser humano da condição de pecador, conduzindo- o a um ideal de salvação da alma. Não sendo compreendida como uma individualidade, a liberdade humana era relativa aos dogmas da Igreja e todas as manifestações do pensamento deveriam ser submetidas à sua autoridade, como representante terrena da autoridade divina. A autoridade moral, filosóúca e religiosa do mestre, a disciplina e a verdade religiosa transmitidas tinham como referência uma visão de Deus que premiava os bons com o céu e castigav-a os maus com o inferno. Os princípios fundamentais desse modelo de educação podem ser encontrados, por exemplo, na obra de Santo Tomás de Aquino e na Ratio Studiorum dos jesuítas, embora esta última já influenciada pelo capitalismo emergente. No contexto de transição entre a sociedade feudal e a capitalista, Comênio (1592-1670) escreveu a Didáctica Magna (1657). Como pastor e bispo protestante, professor e reitor, ele criticou o dogmatismo da Igreja Católica e da sociedade que perseguiu o protestantismo. Para ele, a causa das guerras e das chagas da humanidade é a ignorância humana, e o remédio para a cura será encontrado na educação de todos os povos, No título da obra, fica explícita a concepção de didáctica como processo seguro e excelente para instruir, em todas as comunidades, toda a juventude de ambos os sexos, e propõe a reforma da escola, do ensino e da cristandade. Essa reforma, valendo-se da disciplina, do interesse. e do trabalho útil, deve alcançar mais progresso, mais ciência, mais paz, mais religião. A proa e a popa da nossa Didáctica será investigar e descobrir o método segundo o qual os professores ensinem menos e os estudantes aprendam mais: nas escolas haja menos barulho, menos enfado, menos trabalho inútil, e, ao contrário, haja mais recolhimento, mais atractivo e mais sólido progresso; na Cristandade, haja menos trevas, menos Confusão, 18 Papirus Editora. menos dissídios, e mais luz. mais ordem, mais paz,,mais tranquilidade-. (Comênio 1976, p. 44) Produzida no interior dos movimentos sociais e políticos que atingiram e transformaram o modelo feudal de sociedade, a Didáctica Magna, definida como Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos, sem se desvincular da finalidade religiosa, pretendeu estruturar um método para reformar a escola e criticar as práticas educativas de seu tempo. Nessa obra foram sistematizadas as bases de uma Didáctica, significando “arte de ensinar” com tal “certeza, rapidamente e solidamente”, e por isso perfeita para indicar o caminho fácil e seguro para ser colocado em prática sem fadigas e sem caprichos, sem limitações e Sem ilusões, sem erros e sem faltas. Para Comênio, a escola é uma verdadeira “oficina de homens” e deve encaminhar os alunos para uma verdadeira instrução, para os bons costumes e para a piedade sincera. A arte de tudo ensinar e de tudo aprender deve ser apoiada nas letras, nas ciências, nas virtudes e na religião (ibid., p. 190). Comênio compara a arte de ensinar ao trabalho do jardineiro no cuidado das plantas — os que educam e instruem a juventude têm a obrigação de semear habilmente na alma dos jovens as sementes do que vão ensinar, e de regar cuidadosamente as plantazinhas de Deus (ibíd., pp. 205-206). O professor deve imitar a arte da natureza, como remédio contra os defeitos da própria natureza, Todas estas coisas devem ser demonstradas a priori, derivando-as da própria natureza das coisas (ibid., pp. 4445). São alguns princípios deste método: formar nos estudos, educar nos bons costumes e impregnar de piedade, com economia de tempo e de fadiga, com agrado e com solidez; tirar da própria natureza de todas coisas, o Seu fundamento,-, pondo em ação os mesmos processos utilizados por ela; demonstrar a verdade com exemplos paralelos às artes mecânicas (ibid., p. 43). Assim que a burguesia entrou em cena, novas condições para o desenvolvimento do capital constituíram-se em bandeira de luta para a institucionalização das relações sociais emergentes. Aquelas concepções de que “a verdadeira educação cumpre ligar o homem à sua verdadeira pátria, a pátria celeste, e destruir, ao mesmo tempo, tudo o que prende o homem à Sua existência terrestre”, desenvolvidas durante a Idade Média, foram superadas pela concepção “de “individualidade” e do “desenvolvimento Repensando a didática 19 humano-” (Sucholdoski 1978», pp. 20-25). As relações sociais de trabalho caminhavam, agora, para instituir uma sociedade voltada para a produtividade e o consumo e a escola não poderia continuar adotando uma pedagogia fundamentada nos pressupostos e na prática utilizada pela escolástica. Se, nas relações sociais de produção medieval, a educação escolar era privilégio e necessidade da Igreja, para atender às necessidades de desenvolvimento do capital, ela foi instituída como dever do Estado e direito do cidadão, visando adequa—lo e adapta-lo a uma sociedade em constante mudança. Para atender a essa nova finalidade de educação do homem, foi instituído um novo modelo de escola com a finalidade de instrumentalizar o homem para o trabalho produtivo dirigido à fmalidade de acumulação capitalista. É nesse contexto de mudanças para a implantação de um novo modelo de sociedade que se inicia o processo de construção do conhecimento que trata da abordagem científica da educação. Herbart (1776-1847), denominado de pai da moderna ciência da educação, iniciou o processo de sistematização da ciência pedagógica, até então tratada como atividade prática. Nesse momento, a conversão da prática educativa em ciência formal tem seu fundamento na atividade subjetiva do homem e suas bases teóricas encontram-se nos estudos de filosofia e psicologia: “A ética determina os fins da educação e a psicologia regula seus meios” (Herbart s./d., p. 9). A ação pedagógica, por meio da atividade subjetiva da criança, penetra no mais íntimo de formação do espírito de um ser que vem ao mundo desprovido de vontade e incapaz de decidir sobre suas ações. Partindo do papel do adulto na educação da criança, Herbart define a educação moral como forma de desenvolver na alma da criança uma inteligência e uma vontade adequadas. A moralidade reside na vontade determinada pela inteligência. Assim, a formação moral não deve ficar restrita ao aspecto exterior das ações do homem, mas desenvolver no espírito da criança uma vontade acomodada a uma inteligência. No homem adulto, o ideal é percebido e buscado pela escolha; assim, a educação deve voltar— se para o desenvolvimento da moral subjetiva da qual, por sua própria natureza, é dotado o espírito. A. educação. moral tem, pois, por fim fazer que as idéias de justiça e do bem, em todo seu rigor e pureza, cheguem a ser os objetos propriamente ditos da 20 Papirus Editora. vontade, e que se determine conforme a elas o valor intrínseco, real do caráter, a essência profunda da personalidade. (Ibiá, pp. 117-118) O desenvolvimento do caráter da criança é definido em três estágios: sensação e percepção; memória e imaginação;julgamento e conceitos universais. Sendo as ideias mais simples produzidas pelos povos mais antigos, a vida passada e mais simples que a presente, então, quanto mais imatura for a criança, o ensino deve utilizar as experiências passadas por serem mais simples e apelarem para o interesse de quem aprende. Para ele, como razão, espírito e atividade intrínseca, o homem é colocado diante das coisas por meio dos sentidos. Estando unida ao presente e ao passado das ciências, das artes e das letras, a instrução deve utilizar, o mais possível, as coisas existentes. Mas a experiência não é a única fonte de conhecimento, pois à medida que elementos primários são experimentados, os conhecimentos posteriores são adquiridos com base nos primeiros. Aprender também significa a reação do espírito para obter representações diante das coisas, por meio dos sentidos, pois as reações da alma (as percepções, os conceitos e as ideias) diante das coisas são representações formuladas, pelo homem, diante da experiência. Com essa compreensão, o ensino herbartiano colocará maior ênfase na literatura e na história, vis-ando apresentar à criança a vida dos grandes heróis, suas experiências 'e representações, para que possa perceber, compreender e formar julgamentos em situações de complexidade crescente. É papel do educador cuidar para tornar claras as representações que são trazidas à mente do educando. Deve desenvolvê—las desde o nível de sensações e percepções, passando pelo da imaginação e da memória, até chegar ao pensamento conceitual e ao julgamento. Torna-se fundamental para o educador: encaminhar a maior parte de suas reilexões para o que ensina, tomando—o acessível à criança e dirigindo suas esperanças para o que a humanidade pode realizar. Pela primeira vez é formulado um esquema de cinco passos formais a serem seguidos pelo professor na instrução: no primeiro passo, o professor recorda os conhecimentos já aprendidos; no segundo,, o novo conhecimento é apresentado ao aluno; no terceiro, compara-se o novo conhecimento ao velho, encaminhando para a assimilação; no quarto passo, chega-se a generalização; e no quinto, efetiva—se a aplicação em exercícios.. Repensando a didática 21 Após Herbart, entre o século X]X e a primeira metade do século XX, Dewey (1859-1952) propõe a renovação da. escola, alterando a abordagem das finalidades da prática educativa. Para ele, o progresso distanciou a capacidade original da criança dos ideais e dos costumes dos adultos. Deve-se, assim, criar uma escola nova com a fmaJidade de direcionar o crescimento infantil para melhor compreender o significado do que é aprendido e para desenvolver aptidões adequadas à vida da qual faz parte. O professor não deve voltar o ensino para a transmissão/assimilação do conhecimento, como propôs Herbart, mas torna-lo atraente, facilitar a aprendizagem e desenvolver aptidões, interesses e a criatividade do aluno, visando atender aos anseios da sociedade. As finalidades colocadas pela sociedade serão o fundamento para a escola nova. “A sociedade subsiste, tanto quanto a vida biológica, por um processo de transmissão (...) dos hábitos de proceder, pensar e sentir” (Dewey 1979, p. 3). É por meio desse processo de transmissão que o indivíduo se entrega a atividades que possuem determinados objetivos, despertam determinados impulsos e provocam determinadas consequências. Por isso é fundamental que se permita à criança o contato direto e contínuo com as coisas, pois somente pela transformação direta da qualidade da experiência do aluno é que a escola atingirá sua finalidade. Assim, educação “(...) é uma reconstrução ou reorganização da experiência que esclarece e aumenta o sentido desta e também nossa aptidão para dirigirmos o curso das experiências subsequentes” (ibid., p. 83). Dewey, pela via de alteração da relação professor-aluno,, criticou o modelo de ensino centrado no professor e na transmissão de conhecimento. Sua concepção de ensino está fundada no princípio de que a mente e a inteligência humanas evoluem com base em situações práticas e sociais de vida. A transmissão dos interesses, dos valores e das ideias predominantes sobre o pensar e o agir do homem na sociedade desenvolve, adapta e conduz o aluno segundo as necessidades de desenvolvimento e de progresso social. A causa de muitos erros na escola é o fato de a relação pedagógica não levar em conta os diferentes níveis de compreensão da matéria de estudo em que se encontram o professor e o aluno. De um lado, o professor, já familiarizado com a matéria de estudo, deve focalizar sua atenção na atitude mental e nas reações dos alunos, em suas necessidades e aptidões. De outro 22 Papirus Editora. lado, estando o aluno colocado em um nível inicial de compreensão, deve associar o conteúdo a ser aprendido a suas experiências diretas e práticas. Não estando diretamente relacionado à experiência da criança, o Conteúdo do ensino não é nem pode ser idêntico ao formulado, cristalizado e sistematizado nos livros. O ensino deve procurar adaptar a matéria de estudo às necessidades atuais da vida individual e social do aluno, partindo de seus interesses e experiências. É fundamental que o professor conheça bem o conteúdo do ensino, compreendendo seu significado para a presente vida social e fornecendo os pontos básicos dos conhecimentos já desenvolvidos. Ele será o criador de situações estimuladoras para provocar., em quem aprende, reações ou respostas que garantam a formação de atitudes intelectuais e sentimentais adequadas, por meio de matérias de estudos organizadas em centros de interesse diretos e. práticos e com significação na vida do aluno. Na visão crítica de Dewey, o ensino fundamentado na atividade do aluno é oposto às formas que situam o professor e o conteúdo de ensino como centros do processo educativo. E ensinar a pensar significa aumentar a eficiência da ação, utilizando-se de condições e meios para estimular, promover e colocar à prova o pensamento e a reflexão. Em primeiro lugar, deve haver uma verdadeira situação de experiência que garanta contínua 'e interessante atividade do aluno; em segundo lugar, como um estímulo ao ato de pensar, será necessário que um verdadeiro problema seja desenvolvido; em terceiro, o aluno deve possuir as informações e as observações necessárias para agir; em quarto lugar, desenvolver de modo bem ordenado as sugestões encontradas para a solução do problema; e, por último, que as soluções encontradas possam ser comprovadas, para que o aluno tenha a oportunidade de pôr em prova suas ideias, aplicando-as e descobrindo o significado e o valor das mesmas (ibid., pp. 179-180). Essa sequência é, também, sinteticarnente colocada em cinco passos, em oposição ao esquema formal herbartiano: 1) a atividade do aluno; 2) a definição de uma problemática de estudos; 3) a coleta de dados; 4) a elaboração de hipóteses; 5) a experimentação. Na medida em que a produção material da vida'humana passou a utilizar novas tecnologias no trabalho produtivo, também foram alteradas as operações cognitivas e motoras necessárias ao desempenho do trabalho Repensando a didática 23 humano, sendo crescentes as críticas sobre a função específica da escola na educação formal do aluno para a vida social. Nesse momento, tomou-Se enfoque central do ensino a abordagem do processo de organização de condições eficientes e eficazes, para desenvolver a individualidade e a atividade do aluno na aprendizagem de habilidades, atitudes e conhecimentos científicos. Assim, no século XX, Skinner contribuiu para introduzir no ensino e na pesquisa em didática mais uma dimensão do ato de ensinar: a organização do ambiente favorável para modelar o comportamento no aluno, tendo em vista adaptá-lo e ajustá-lo ao ambiente e à vida social. Para Skinner, a escola precisa desenvolver, com urgência, uma tecnologia do comportamento para resolver os problemas postos pelo progresso, uma vez que o efeitodo ambiente no comportamento foi desconhecido por muito tempo. Para ele, é possível perceber com facilidade que os organismos interferem no ambiente. Mas avaliar o resultado da 'ação dele nos organismos não se constitui em objeto de atenção por parte de quem ensina. Para isso, foi necessário que. a humanidade desenvolvesse nova concepção da relação entre o homem e o ambiente. Segundo ele, a partir do século XIX, aproximadamente, deixou— se de compreender o ambiente como apenas um cenário onde os diferentes seres vivos nascem, reproduzem-se e morrem, para compreender que ele “atua de modo imperceptível: não impele, nem puxa, mas seleciona” (Skinner 1972b, p. 17).. Para Skinner, a função do ambiente “é semelhante à seleção natural, embora numa escala de tempo bastante diferente; (...) torna-se claro agora a importância de considerar o que o ambiente produz no organismo, não somente antes como depois de sua resposta” (ibid, p. 18). O ambiente é o fundamento de formação e de manutenção de qualquer tipo de comportamento. E, por meio de 'sua manipulação, obtêm-se consequências específicas de condicionamento de comportamentos desejáveis. O processo de aprendizagem está hoje muito melhor compreendido. Muito do que se sabe advém do estudo do comportamento de organismos inferiores, mas os resultados se mantêm surpreendentemente bons para sujeitos humanos. (...) Arranj ando contingências apropriadas de reforço., formas específicas de comportamento podem ser estabelecidas e postas sob o controle de classes específicas de estímulo. O comportamento 2'4 Papirus Editora. resultante pode ser mantido com forças por longos períodos de tempo. Técnicas baseadas neste trabalho já estão sendo postas em prática na neurologia, na farmacologia, na dietética, na psicologia, na psiquiatria, "e em outros campos. (Skinner 1972a, pp. 30-31) Fundada na psicologia que explica o c0ndici0namento ºperante, essa abordagem do ato de ensinar enfatiza a recompensa e a punição como garantias de que o objetivo seja alcançado. O ensino é, então, compreendido como (...) um arranjo de contingências sob as quais os alunos aprendem. Aprendem sem serem ensinados no seu ambiente natural, mas os professores arranjam contingências especiais que aceleram a aprendizagem, facilitando o aparecimento do comportamento que, de outro modo, seria adquirido vagarosamente, ou assegurado o aparecimento do comportamento que poderia, de outro modo, não ocorrer nunca. (Ibict, p. 62) No arranjo sistemático do ambiente, a atividade do aluno para aprender será direcionada para se obterem as respostas desejadas. Para alcança-las, devem-'se observar alguns cuidados na programação “de estímulos adequados: (...) que comportamento deve ser estabelecido? Quais os reforçadnres que estão à disposição? Com que respostas é possível contar para iniciar um programa de aproximação sucessiva que levará à forma final do comportamento? Como podem ser esquematizados com mais eíiciência os reforços para manter o comportamento fortalecido? (Ibid., p. 18) Skinner propõe ainda que, para alcançar o controle do comportamento do aluno, deve—se manipular o reforço com considerável precisão e modelar a resposta desejada, segundo o controle de vários tipos de estímulos, por meio das máquinas de ensinar e da instrução programada desenvolvidas em laboratórios. Ambas estão fundadas na apresentação de uma situação (estímulo) que exige resposta imediata. A máquina de ensinar — “qualquer artefato que disponha de contingência de reforço” (ibid ., p. 63) — e a instrução programada constituem-se em meios de programar situações para mudar um comportamento frequente. Repensando a didática 25 No atual estágio de produção capitalista, a humanidade vivencia transformações fundamentais na vida humana e na organização da sociedade, requerendo nova abordagem da prática pedagógica desenvolvida pela escola Vive-se uma verdadeira explosão de ciência e de tecnologia que distancia, cada vez mais, a humanidade do mundo resultante, primeiro, do trabalho artesanal, e, depois, industrial. Em Sentido amplo, e do ponto de vista do progresso e da acumulação capitalista, o processo inicial de automatização do trabalho humano — e, posteriormente,, o processo de sua automação — impôs ao homem um novo ritmo de vida e uma nova leitura de mundo. O progresso é surpreendente e todas as áreas do saber científico estão sob o impacto de novas conquistas. O transplante de genes, & fabricação de tecidos e de órgãos inteiros, a alteração da carga hereditária etc. já estão sendo objeto de projetos de pesquisa científica. Os avanços no campo da engenharia genética e da biotecnologia permitem,. em curto espaço de tempo-, transformar as atuais abordagens da vida humana. No interior desse processo, a sociedade, o homem e o conhecimento científico são compreendidos/explicados/vivenciados por pressupostos que, em grande parte, ainda estão regidos pela racionalidade científica, pela aspiração de crescimento econômico ilimitado, pela crença no ines gotamento dos limites físicos e dos recursos naturais estratégicos, pelo poder efetivo do Estado soberano e pela aceitação de que existe um modelo correto para organizar e regular a vida social etc. É no contexto desse atual estágio de produção capitalista que, entre o Ena] do século XX e o início do século XXI, Perrenoud (1999) introduz nova dimensão para abordar o trabalho pedagógico desenvolvido pela escola: a formação de competências. Para o referido autor, o enfrentamento das múltiplas e diferentes ações humanas presentes no mundo atual requer que o homem coloque em ação e em sinergia vários recursos cognitivos. Um desses recursos é o conhecimento que se apresenta em vários níveis de elaboração — elementar, esparso, superficial, aprofundado, complexo, organizado em rede, especializado, oriundo da experiência pessoal, do senso comum, da pesquisa tecnológica e científica. A aquisição de conhecimentos e a finalidade da escola. No sentido comum da expressão, os conhecimentos adquiridos pelo homem são representações da realidade construídas e armazenadas com base nas experiências e na formação escolar. Contudo, o que aparece na 26 Papirus Editora. ação não são os conhecimentos-, mas as competências que utilizam, integram e mobilizam conhecimentos que o homem desenvolve e adquire. As competências consistem em colocar em relação os conhecimentos específicos e a representação do problema a resolver-, pondo em uso um raciocínio e uma intuição também específicos. Competências são “uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles” (Perrenoud 1999, pp. 7-8). Para o autor, ser professor significa focalizar o aluno, criando situações favoráveis para aumentar as probabilidades de aprendizagens e utilizar métodos ativos de ensino para desenvolver os conhecimentos, as habilidades e as atitudes pretendidas. Essa concepção de docência é concebida em dois sentidos: 1) nova relação do professor com o saber: “não se trata de expor de maneira erudita e metódica todo o conhecimento que se domina sobre determinado assunto, mas utilizar o conhecimento como recurso para identificar e resolver problemas, para preparar e para tomar decisões”; não se trata de transmitir conhecimentos seguindo uma ordem lógica para serem utilizados, após exercícios de compreensão e de memorização, mas de lidar “com a regulação do processo” de aprendizagem e com a construção de problemas de complexidade crescente (ibid., pp. 54- 55); 2) que o professor trabalhe regularmente com problemas. Ensinar praticando mais e mais não é suficiente, é preciso criar situações para o aluno confrontar—se com diliculdades específicas, bem dosadas, aprendendo a supera-las. Devem-se criar situações que exijam alcançar uma meta, resolver problemas, tomar decisões e regular a aprendizagem, colocando o aluno em confronto com problemas numerosos, complexose realistas, visando mobilizar diversos tipos de recursos cognitivos. Enfim, organizar o trabalho por meio de situações-problema que requerem a proposição de problemas realistas e que estejam incluídos em situações que lhes deem sentidos. Essa abordagem da relação entre as finalidades específicas do trabalho pedagógico e as finalidades sociais colocadas para a instituição escolar evidencia que o caminho percorrido pela elaboração de novas dimensões do ato de ensinar visou atender às novas demandas de condições de formação humana, colocadas pelo progresso e pelo desenvolvimento da humanidade. Nessa perspectiva, embora Comênio tenha tratado a didática como arte, Repensando a didática 2? cronologicamente, na medida em que 'a sociedade caminhou no “sentido do aprimoramento técnico e tecnológico de organização do trabalho produtivo, o modelo de educação formal adotado intensificou a abordagem nos elementos que constituem a relação pedagógica e priorizou as finalidades individuais em detrimento das finalidades sociais de formação humana. O conteúdo produzido sobre o ato de ensinar, sobre as concepções, as classificações e os conhecimentos sistematizados no interior do processo de desenvolvimento e de consolidação da sociedade capitalista e da visão cientíiica de mundo, contribuiu para convergir o campo de ensino e de pesquisa em didática para as relações que ocorrem entre os elementos que constituem a relação pedagógica, no interior da sala de aula, instrumentalizando o professor para a organização, o desenvolvimento e a avaliação do processo de ensinar/aprender. Nas variadas definições de Didática encontradas em livros, podem-se perceber, ao analisa—la, as diversas considerações tecidas a seu respeito. Assim, Didática e considerada arte, técnica, ciência, disciplina ou ainda metodologia. Observa-se contudo certa concordância entre os autores que sua temática central é guiar, dirigir ou instrumentalizar o processo ensino-aprendizagem em que estão envolvidos aluno e professor. (Alvite 1981, p. 21) Nessa perspeCtiv'a, o ensino da didática passou à história como um conjunto de regras destinadas» à ordenação prévia do ato de ensinar. Se se pensar na história da didática, concluir-se-á que negar o seu conteúdo instrumental, normativo e pretensamente neutro e, de certa forma, negar a própria disciplina. Desde o seu primeiro momento, & Didática organizou-se como um corpo dedoutrina, de prescrição. Lembre-se que Comênio definiu sua Didática Magna, que inaugurou a disciplina, como um artifício universal para ensinar tudo a todos. A partir daí, a Didática — em sua produção intelectual e em seu ensino — outra coisa não tem sido senão um conj unto de normas, recursos e procedimentos que devem (deveriam?) informar e orientar a atuação dos professores. (Soares 1986, p. 39) Mas compreende—se aqui que, além de se constituir em um conjunto de preceitos que orientam o professor na prática educativa, () ensino, como 28 Papirus Editora prática social específica, está inserido em processo social mais amplo. Esse processo, historicamente institucionalizado por meio de determinadas práticas especíúcas, concretiza relações sociais de produções material, intelectual e moral da vida humana em sua totalidade. Assim, as práticas desempenhadas pela escola, pela família, pelo Estado, pela indústria, pelos meios de comunicação, por exemplo, possuem finalidades e funções históricas e sociais específicas que contribuem para estabelecer, desenvolver e manter um modelo de sociedade e de desenvolvimento humano. As finalidades do trabalho desenvolvido pelas instituições de uma sociedade não possuem um significado restrito apenas a sua prática específica, mas estão articuladas, dinamicamente, a uma prática social mais ampla que as define e as regula. Concluindo... O trabalho pedagógico desenvolvido pela instituição escolar não possui um fim em si mesmo. Por meio do ato de ensinar, a escola concretiza finalidades educativas específicas no contexto da sociedade. Assim, a prática social específica de educação formal do homem, instituída pelo modo capitalista de produção, transmite sistematicamente conhecimentos e desenvolve habilidades intelectuais, motoras e. afetivas necessárias e adequadas a um processo social e individual de formação humana. Nessa perspectiva, o pensamento pedagógico, compreendido no interior do processo histórico que produziu conhecimentos sobre o ato de ensinar, expressa um processo mais amplo de abordagem de educação formal do homem, no contexto que organizou e legitimou a escola como instituição social. Assim, parte-se do pressuposto de que a abordagem crítica, a compreensão e a análise que identificam as relações colocadas entre a prática pedagógica desenvolvida pelo professor e a finalidade social da escola contribuem para tornar o professor consciente da função social e específica da docência, constituindo—se em meio de identificação do papel teórico- prático desempenhado pelo ato de ensinar. Tendo em vista essa compreensão, & didática, como área de conhecimento que- tem como objeto de estudo o ato de ensinar; será tratada Repensando a didática 29 em dupla dimensão. De um lado, constitui-se em um conteúdo técnico, relativo à forma de organizar, desenvolver e avaliar a transmissão, direta e indireta, do conteúdo objeto do ensino. De outro lado, o ato de ensinar vivencia dimensões colocadas como sua finalidade e também um conteúdo, aqui, denominado de pedagógico. Esse conteúdo é relativo às concepções de homem, de educação, de sociedade e de mundo vivenciadas pelos conhecimentos, valores e habilidades desenvolvidos como finalidades específicas pelo professor e compreendidos no interior de finalidades mais amplas para a escola como instituição social. Na medida em que o professor possui, como objeto específico de trabalho, a transmissão direta ou indireta2 de conhecimentos sistematizados historicamente, a prática escolar, como práticas social, política, moral e profissional de formação do homem, não pode ser analisada e entendida apenas no sentido das relações que ocorrem entre o papel diretivo do professor para ensinar, ou para planejar a ação educativa, ou para estimular a atividade do aluno, por exemplo. As finalidades individuais e sociais colocadas pela educação formal também transmitem concepções de mundo. Expressam valores, concepções científicas, habilidades intelectuais e motoras etc., que o aluno apreende, como ser social, político, moral e proãssional. Entende-se, assim, que o modelo de educação formal organizado e desenvolvido pela instituição escolar, com a finalidade específica de formação humana, visando atender ao atual estágio de desenvolvimento de trabalho produtivo, é historicamente produzido e desenvolve habilidades intelectuais e motoras adequadas3 ao desenvolvimento da sociedade. “2. Transmissão direta está sendo entendida eomoªa transmissão“ do conhecimento pelo professor; transmissão indireta, a transmissão do conhecimento por meio da atividade do aluno ou de outros meios e recursos utilizados no ensino. 3. É importante observar que não se pretende aqui considerar, apenas, a relação conservadora., linear e reprodutivista, entre a instituição escolar e a sociedade, compreendendo que o papel da escola consiste somente na adequação de suas finalidades específicas às demandas colocadas pela prática social mais ampla. Mas considera-se também que, contraditoriamente, a ação dirigida pelo homem possibilita espaço para a transformação. Esta é possível na medida em que o homem, como ser pensante, ao mesmo tempo sujeito e objeto, processo e produto do trabalho que produz a existência humana, é o agente social, corpo e intelecto, capaz “de analisar, compreender e contribuir para transformar a realidade por meio do trabalho social e intelectual que realiza. Pºr isso, as instituições sociais em seu conjunto,, como meios de organização do trabalho humano, na medida emque organizam e desenvolvem práticas que 30 Papirus Editora. A escola, por seus conteúdos, por suas formas e por seus sistemas de organização, introduz nos alunos/as, paulatina, mas progressivamente, as idéias, os conhecimentos, as concepções, as disposições e os modos de conduta que a sociedade adulta requer. Dessa forma, contribui decisivamente, para a interiorização das idéias, dos valores e das normas da comunidade, de maneira que, mediante esse processo de socialização prolongado, a sociedade industrial possa substituir os mecanismos de controle externº" da conduta por disposições mais ou menos aceitas de autocontrole. (Sacristãn 1999, p. 14) Dessa maneira, a transformação do modelo de ensino predominante neste momento histórico passa pela compreensão e pela abordagem das finalidades sociais e específicas da prática pedagógica, vivenciadas por meio das relações colocadas entre os elementos que a constituem — o professor, o aluno, os conhecimentos, os procedimentos e os recursos de ensino. A contextualização dessas finalidades, o significado social e humano das decisões do professor para abordar os conhecimentos e as relações que ocorrem no processo de ensinar e aprender, a superação da Visão do senso comum para explicar as opções pedagógicas do professor, são alguns exemplos de outras dimensões que se entrecruzam no interior da prática pedagógica a serem considerados em uma concepção de transformação do ato de ensinar. Nessa perspectiva, as teorias e as práticas pedagógicas produzidas historicamente pelo processo de sistematização do saber sobre a arte de ensinar também representam concepções de educação e de ensino que expressam as condições e as exigências sociais de educação formal, visando à formação do homem para exercer funções específicas no mundo do trabalho, em diferentes momentos do processo social de produção da vida humana. Tratar o ato de ensinar apenas como prática educativa desenvolvida pela escola, a fim de adequar 'seus modelos teóricos e práticos a crescentes demandas colocadas pelo progresso social, supõe desconsiderar a possibilidade. de transformação da visão de mundo predominante. contribuem para manter a sociedade, constituem“- se, também, em meios que contribuem para transformar a realidade. A relação social de produção feudal pôde ser superada pela relação capitalista, na medida em que o trabalho produtivo, desempenhado pelas instituições feudais, desenvolveu as condições materiais e intelectuais para que se produzissem novas necessidades, novas concepções, novos valores e novas finalidades sociais para a vida humana. Repensando a didática 31 Referências bibliográficas ALVITE, M.M.C. (1981). Didática e psicologia: Crítica ao psícologismo da educação. São Paulo: Loyola. CANDAU, V.M. e LELIS, IA. 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São destacados os aspectos socioeconômicos, políticos e educacionais que servem de pano de fundo para identificar as propostas pedagógicas presentes na educação, bem como os enfoques do papel da didática. Primórdios da didática: O período de 1549/1930 Os jesuítas foram os principais educadores de quase todo o período colonial, atuando no Brasil, de 1549 a 1759. * Texto apresentado ao Grupo Metodologia Didática, na X Reunião Anual da Anped, Salvador, maio de 1987. Revisado e ampliado em janeiro de 2003. Repensando adidática 33 No contexto de uma sociedade de economia agrário-exportadora- dependente, explorada pela metrópole, a educação não era considerada um valor social importante. A tarefa educativa estava voltada para a catequese e a instrução dos indígenas; entretanto, para a elite colonial, outro tipo de educação era oferecido. O plano de instrução era consubstanciado na Ratio Studiomm, cujo ideal era a formação do homem universal, humanista e cristão. A educação se preocupava com o ensino humanista de cultura geral, enciclopédico e alheio à realidade da vida de colônia. Esses eram os alicerces da pedagogia tradicional na vertente religiosa que, de acordo com Saviani (1984a, p. 12), é marcada por uma “visão essencialista de homem, isto é, o homem constituído por uma essência universal e imutável”. A essência humana é considerada criação divina e, assim, o homem deve empenhar-se para atingir a perfeição, “para fazer por merecer a dádiva da vida Sobrenatural” (ibid., p. 12). A ação pedagógica dos jesuítas foi marcada pelas formas dogmáticas de pensamento contra o pensamento crítico. Privilegiava o exercício da memória e o desenvolvimento do raciocínio; dedicava atenção ao preparo dos padres-mestres, dando ênfase à formação do caráter e à formação psicológica para conhecimento de si e do aluno. Dessa forma, não se poderia pensar em uma prática pedagógica e muito menos em uma didática que buscasse uma perspectiva transformadora na educação. Os pressupostos didáticos diluídos na Ratio Studio:-mn“ enfocavam instrumentos e regras metodológicas compreendendo o estudo privado, em que o mestre prescrevia o método de estudo, a matéria e o horário; as aulas, ministradas de forma expositiva; a repetição, visando repetir, decorar e expor em aula; o desafio, estimulando a competição; a disputa, outro recurso metodológico visto como uma defesa de tese.. Os exames eram orais e escritos, visando avaliar o aproveitamento do aluno. O enfoque sobre o papel da didática, ou melhor, da metodologia de ensino, como é denominada no código pedagógico dos jesuítas, está centrado em “seu caráter meramente formal, tendo por base o intelecto, o comecímento, e marcado pela visão essencialista de' homem. 34 Papirus Editora. A metodologia de ensino (didática) é entendida como um conjunto de regras e normas prescritivas que visam à orientação do ensino e do estudo. Como afirma Paiva (1981, p. 11), “um conjunto de normas metodológicas referentes à aula, seja na ordem das questões, no ritmo 'do desenvolvimento e seja,. ainda, no próprio processo de ensino”. Após os jesuítas, não ocorreram no país grandes movimentos pedagógicos,como são poucas as mudanças sofridas pela sociedade colonial e durante o Império e a República. A nova organização instituída por Pombal representou, pedagogicamente, um retrocesso. Professores leigos começaram a ser admitidos para as “aulas-régias” introduzidas pela reforma pombalina. Por volta de 1870, época de expansão cafeeira e da passagem de um modelo agrário—exportador para um urbano-comercial-exportador, o Brasil vive o seu período de iluminismo. Segundo Saviani (1984, p. 275), “tomam corpo movimentos cada vez mais independentes da influência religiosa”. No campo educacional, suprime-se o ensino religioso nas escolas públicas, passando o Estado a assumir a laicidade. É aprovada a reforma de Benjamin Constant (1890), sob a influência do positivismo. A escola busca disseminar uma visão burguesa de mundo e sociedade, a Em de garantir a consolidação da burguesia industrial como classe dominante. Os indicadores de penetração da pedagogia tradicional em sua vertente leiga são os pareceres de Rui Barbosa, de 1882, e a primam reforma republicana, de Benjamin Constant, em 1890. Essa vertente leiga da pedagogia tradicional mantém a visão essencialista de homem, não como criação divina, mas aliada à noção de natureza humana, essencialmente racional. Inspirou a criação da escola pública, laica, universal e gratuita (Saviani 1984b, p. 274). A essa teoria pedagógica corresponderiam as seguintes características: a ênfase no ensino humanístico de cultura geral, centrado no professor, que transmite a todos os alunos, indistintamente, a verdade universal (: enciclopédica; a relação pedagógica se desenvolve de forma hierarquizada e verticalista, onde o aluno e educado para seguir atentamente a exposição do professor; o método de ensino, calcado nos cinco passos formais de Herbart (preparação ou apresentação, comparação,, assimilação, generalização e aplicação). Repensando a didática 35 É assim que a didática, no bojo da pedagogia tradicional "leiga, está centrada no intelecto, na essência, atribuindo um caráter dogmático aos conteúdos; os métodos são princípios universais e lógicos; o professor se torna o centro do processo de aprendizagem, concebendo o aluno como um ser receptivo e passivo. A disciplina é a forma de garantir a atenção, o silêncio e a ordem. A didática é compreendida como um conjunto de regras que visam assegurar“ aos futuros professores as orientações necessárias ao trabalho docente. A atividade docente é entendida como inteiramente autônoma em face da política, dissociada das questões entre escola e sociedade. Uma didática que separa teoria e prática. A pedagogia tradicionalista leiga refletia-se nas disciplinas de natureza pedagógica do currículo das Escolas Normais desde o início de sua criação, em 1835. A inclusão da didática como disciplina em cursos de formação de professores para o então ensino secundário ocorreu quase um século depois, ou seja, em 1934. A didátzÍCa nas Cursos. de famção de professores a partir de.. 1930 O período de 1930/1945: A didática é “tradicional, cumpre renová—la Na década de 1930, a sociedade brasileira Sofre profundas transformações, motivadas basicamente pela modificação do modelo socioeconômico. A crise mundial da economia capitalista provoca no Brasil a crise cafeeira, instalando-se o modelo socioeconômico de substituição de importações. Paralelamente, desencadeia-se o movimento de reorganização “das forças econômicas e políticas, o que resultou em um conflito: a Revolução de 30, marco comumente empregado para indicar o início de uma nova fase na história da República do Brasil. 36 Papirus Editora. No âmbito educacional, durante o governo revolucionário de 1930, Vargas constitui o Ministério de Educação e Saúde Pública. Em 1932 é lançado o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, preconizando a reconstrução social da escola na sociedade urbana e industrial. Entre os anos de 1931 e 1932 efetivou-'se a Reforma Francisco Campos. Organiza-se o regime universitário para o ensino superior, bem ccmo a primeira universidade brasileira. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo foi o primeiro instituto de ensino superior que funcionou de acordo com o modelo Francisco Campos. A origem da didática como disciplina dos cursos de formação de professores em nível superior está vinculada à criação da referida faculdade, em 1934, sabendo-se que a qualificação do magistério era colocada como ponto central para a renovação do ensino. No início, a parte pedagógica existente nos cursos de formação de professores era realizada no instituto de educação, sendo aí incluída a disciplina “metodologia do ensino secundário”, equivalente à didática hoje nos cursos de licenciatura. Por força do art. 20 do decreto-lei nº 1.190/39, a didática foi instituída como curso e disciplina, com duração de um ano. A legislação educacional foi introduzindo alterações para, em 1941 , o curso de didática ser considerado um curso independente, realizado após o término do bacharelado (esquema três mais um). Em 1937, ao se consolidar no poder com auxílio de grupos militantes e apoiado pela classe burguesa, Vargas implantou o Estado Novo, ditatorial, que persistiria até 1945. Os debates educacionais foram paralisados e o “prestígio dos educadores passa a condicionar-se às respectivas posições políticas”, como ahrma Paiva (1973, p. 125). O período situado entre 1930 e 1945 é marcado pelo equilíbrio entre as influências das concepções humanista tradicional (representada pelos católicos) e humanista moderna (representada pelos pioneiros). Para Saviani (1983, p. 256), a concepção humanista moderna se baseia em uma “visão de homem centrada na existência, na vida, na ativida ”. Há predomínio do aspecto psicológico sobre o lógico. O escolanovismo propõe um novo tipo de homem, defende. os princípios democráticos, isto é, todos têm direito a Repensando a didática 37 assim se desenvolverem. No entanto, isso é feito em uma sociedade dividida em classes, onde são evidentes as diferenças entre o dominador e as classes subaltemas. Assim, as possibilidades de se concretizar esse ideal de homem se voltam para aqueles pertencentes à classe dominante. A característica mais marcante do escolanovismo é a valorização da criança, vista como ser dotado de poderes individuais, cuja liberdade, iniciativa, autonomia e interesses devem ser respeitados. O movimento escolanovista preconizava a solução de problemas educacionais em uma perspectiva interna da escola, sem considerar a realidade brasileira em seus aspectos político, econômico e social. O problema educacional passa a. ser uma questão escolar e técnica. A ênfase recai no ensinar bem, mesmo que a uma minoria. Dada a predominância da influência da pedagogia nova na legislação educacional e nos cursos de formação para o magistério, o professor absorveu seu ideário. Consequentemente, nesse momento, a didática também sofreu sua influência, passando a acentuar o caráter prático-técnico do processo ensino-aprendizagem, onde teoria e prática são, justapostas. O ensino é concebido como um processo de pesquisa, partindo “do pressuposto de que os assuntos de que o ensino trata são problemas. Para Candau (1982, p. 22), os métodos e as técnicas mais difundidos pela didática renovada são: “centros de interesse, estudo dirigido, unidades didáticas, métodos dos projetos, a técnica de fichas didáticas, o contrato de ensino etc. (...)”. A didática é entendida como um conjunto, de ideias e métodos, privilegiando a dimensão técnica do processo de ensino, fundamentada nos pressupostos psicológicos, psicopedagógicos e experimentais, cientificamente validados na experiência e constituídos em teoria,.ignorando o contexto sociopolítico-econômico. A didática, assim concebida, propiciou a formação. de um novo pertil de professor:. o tecnico. as Papirus Editora. O período de 1945/1960: O predomínio das novasideias ea didática Essa faSe corresponde a aceleração e a diversificação do processo de substituição de importações e à penetração do capital estrangeiro. O modelo político é baseado nos princípios da democracia liberal com crescente participação das massas. É o Estado populista — desenvolvimentalista — representando uma aliança entre empresariado e setores populares contra a oligarquia. No fim do período, começa a delinear-se uma polarização, deixando entrever dois caminhos para o desenvolvimento: o de tendência populista e o de tendência antipopulista. Nesse contexto, insere-'se & educação. A política educacional que caracteriza essa fase reflete muito bem a “ambivalência “dos grupos no poder”, como destaca Freitag (1979, p. 54). Em 1946, o decreto-lei nº 9.053 desobrigava o curso de didática e, já sob a vigência da Lei de Diretrizes e Bases, lei nº 4.024/61, o esquema de três mais um foi extinto pelo parecer nº 242/62, do Conselho Federal de Educação. A didática perdeu seus qualific-ativos geral e especial e introduziu- se a prática de ensino sob a forma de estágio supervisionado. Entre 1948 el961, desenvolvem-se lutas ideológicas em torno da' ºposição entre escola particular e defensores da escola pública. A disseminação das ideias novas ganha mais força com a ação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep). As escolas católicas se inserem no movimento renovador, difundindo o método de Montessori e Lubienska, Outros indícios renovadores começam a ser disSeminados nessa década, entre os quais se destacam o Ginásio Orientado para o Trabalho (GOT), os Ginásios Pluricurriculares e os Ginásios Vocacionais. Paralelamente a essas iniciativas renovadoras que começaram a ser immantadas, um outro redirecionamento vinha sendo dado à escola renovada, fortemente marcada pela ênfase metodológica, que culminou com as reformas promovidas no sistema escolar brasileiro no período de 1968 a 1971. Por força do convênio celebrado entre o MEC/governo de Minas Gerais — Missão de» ºperaç㺠dos Estados Unidos (ponto IV), criou-se o Repensando a didática 39 Programa Americano-Brasileiro de Auxílio ao Ensino Elementar (Pabaee), voltado para o aperfeiçoamento de professores do curso normal. Nesses cursos, começaram a ser introduzidos os princípios de uma tecnologia educacional importada dos Estados Unidos. Dado seu caráter multiplicador-, o ideário renovador-tecnicista foi-se difundindo. É importante frisar que, nessa fase, o ensino de didática também se inspirava no liberalismo e no pragmatismo, acentuando a predominância dos processos metodológicos em detrimento da própria aquisição 'do conhecimento. A didática se voltava para as variáveis do processo de ensino sem considerar o contexto político-social. Acentua-se, dessa forma, o enfoque renovador-tecnicista da didática, na esteira do movimento escolanovista. O período pós-1964: Os descaminh' ' ' , “os da didática O quadro que se instalou no país com o movimento de 1964 alterou a ideologia política, a forma de governo e, consequentemente, a educação. 0 modelo político-econômico tinha como característica fundamental um projeto desenvolvimentista que buscava acelerar o crescimento socioeconômico do país. A educação desempenhava importante papel na preparação adequada de recursos humanos necessários à incrementação do crescimento econômico e tecnológico da sociedade, de acordo com a concepção economista de educação. 0 sistema educacional era marcado pela influência dos acordos MEC! Usaid, que serviram de sustentáculo às reformas do ensino superior e, posteriormente, do ensino de lª e 29 graus. Também por influência dos educadores americanos foi implantada, pelo parecer 252/69 e pela resolução nº 2/69 do Conselho Federal de Educação, a disciplina “currículos e programas” nos cursos de pedagogia, o que, de certa forma, provocou a superposição de conteúdos da nova disciplina com a didática. O período compreendido entre 1960 e 1968 foi marcado pela crise da pedagogia nova e a articulação da tendência tecnicista, assumida pelo grupo militar e tecnocrata. 40 Papirus Editora. O pressuposto que embasou essa pedagogia está na neutralidade científica, inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade. BuScou—se a objetivação do trabalho pedagógico da mesma maneira como ocorreu no trabalho fabril. Instalou-se na escola a divisão do trabalho com a justificativa de produtividade, propiciando a fragmentação do processo e, com isso, acentuando as distâncias entre quem planeja e quem executa. A pedagogia tecnicista está relacionada com a concepção analítica de Elosofla da educação, mas não como sua consequência. Saviani (1984a, p. 179) explica que a concepção analítica (...)- não tem por objeto a realidade. Refere-se, pois, a clareza e censistência dos enunciados relativos aos fenômenos eles mesmos. (...) A ela cabe fazer a assepsia da linguagem, depurá-la de suas inconsistências eambigiiidades. Não é sua tarefa produzir enunciados e muito menos práticas. A afinidade entre ambas encontra-se não no plano das consequências, mas no plano dos pressupostos de objetividade, racionalidade e neutralidade. O enfoque do papel da didática com base nos pressupostos da pedagogia tecnicista procura desenvolver uma alternativa não psicológica, situando-se no âmbito da tecnolo gia educacional, tendo como preocupações básicas a eficácia e a eficiência do processo de ensino. Essa didática tem como pano de fundo uma perspectiva realmente ingênua de neutralidade científica. Nesse enfoque, os conteúdos dos cursos de didática centram-se na organização racional do processo de ensino, isto é, no planejamento didático formal e na elaboração de materiais instrucionais, nos livros didáticos descartáveis. O processo é que define o que professores e alunos devem fazer, quando e como o farão. Na didática tecnicista, a desvinculação entre. teoria e prática é mais acentuada. O professor torna-se mero executor de objetivos instrucionais, de estratégias de ensino e de avaliação. Acentua-se o formalismo didático por meio dos planos elaborados segundo normas prefixadas. A didática é concebida como estratégia para o alcance dos produtos previstos para o processo ensino-aprendizagem. Repensando a didática 41 A partir de 1974, época em que tem início a abertura gradual do regime político autoritário instalado em 1964, surgiram estudos empenhados em fazer a crítica da educação dominante, evidenciando as funções reais da política educacional, acobertada pelo discurso político- pedagógico oficial. Tais estudos, agrupados e denominados por Saviani (1983, p. 19) de “teorias crítico-reprodutivistas”, apesar de considerarem a educação 'a partir“ de seus aspectos sociais, concluem que sua função primordial é a de reproduzir as condições sociais vigentes. Elas se empenham em fazer a denúncia do caráter reprodutor da escola. Há uma predominância dos aspectos políticos, enquanto as questões didático—pedagógicas são minimizadas. Em consequência, a didática passou também 'a fazer o discurso reprodutivista, ou seja, a apontar seu conteúdo ideológico., buscando sua desmistific-ação de certa forma relevante,, relegando, porém, a segundo plano, sua especificidade. Candau (1982, p. 28) aErma que: (...) junto com esta postura de denúncia e de explicitação do compromisso com o “status quo” do técnico aparentemente neutro, alguns autores chegaram à“ negação“ da própria dimensão da prática dOCente. Nessa ótica, & didática nos cursos de formação de professores passou a as'sumir o discurso sociológico, filosófico e histórico, secundarizando sua dimensão técnica, comprometendo, de certa forma, sua identidade, e acentuando uma postura pessimista e de descrédito no que se refere à sua cºntribuição quanto à prática pedagógica do futuro professor. Contudo, pode—se perceber que, se de um lado a teoria crítico- reprodutivista contribuiu para acentuar uma postura de
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