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BIOÉTICA: HISTÓRICO, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS Noções Preliminares A Unidade Bioética: histórico, princípios e fundamentos apresentará a área de ética aplicada no contexto dos avanços nas ciências biológicas e da saúde, revelando os contextos históricos que envolvem a ética aplicada, os avanços ao longo da história, e específicos para a área do profissional da odontologia. A odontologia é uma profissão que é exercida em benefício da saúde do ser humano, da coletividade e do meio ambiente, sem discriminação de qualquer forma ou pretexto. Nesse contexto, o entendimento desta disciplina se faz necessário, uma vez que as mudanças atuais na odontologia exigem cada vez mais cuidado, respeito e valorização do que é preservar a saúde e a dignidade dos pacientes. Histórico Em 1927, o filósofo e educador Fritz Jahr (18951953), empregou pela primeira vez o termo bioética, em um artigo intitulado “Bioética: uma análise da relação de ética para humanos, animais e plantas”, com a intenção de mostrar a ética aplicada a todos os seres vivos (ROVIDA; BORGHU, 2013). Em 1971 o termo voltou a surgir na publicação do livro Bioethics, bridge to the future (“Bioética: ponte para o futuro”), do autor Van Rensselaer Potter (19112001), um oncologista e biólogo americano que utilizou essa terminologia para se referir “a uma nova disciplina que deveria permitir a passagem para uma melhor qualidade de vida” (BARBOZA, 2000). O autor tinha grande preocupação com a interação do problema ambiental com as questões de saúde, considerava a necessidade de criar um novo campo de atuação ética e de pesquisa. Esse novo campo de estudo iria sistematizar a conduta dos profissionais das ciências biológicas e da saúde, à luz dos valores e dos princípios morais, ou seja, da ética da vida. Depois que a terminologia bioética entrou em circulação, passou a ter grande difusão no meio acadêmico e científico (BARBOZA, 2000). A partir daí, o termo bioética assumiu uma concepção mais ampla, designando os problemas éticos gerados pelos avanços nas ciências biológicas e médicas, num contexto em que o homem acelerou e ampliou os processos de comunicação, interação e interferência no controle da vida. Segundo Rovida e Borghu (2013), o termo foi relacionado inicialmente a um conteúdo ecológico, e que passou a ser uma nova ciência, posteriormente denominada de bioética global. No entanto, qual é a necessidade de uma nova ciência que enfatize o conhecimento biológico e os valores humanos? Os problemas éticos só surgiram em meados dos anos de 1970, após a criação do termo por Van Rensselaer Potter? Para responder esses questionamentos, primeiramente, é preciso entender alguns acontecimentos que marcaram a história e culminaram com a adoção do termo no meio científico. Esses eventos marcaram a história mundial, gerando controvérsias que ainda hoje são discutidas (BRAZ et al, 1994; GOLDIM, 2004). Vamos conhecer que fatos e eventos foram esses: 1901: Na Prússia, surgia o primeiro documento com princípios éticos da experimentação em humanos, formulado pelo Ministério da Saúde da Prússia, com instruções que limitavam as ações médicas sem objetivos diagnósticos, terapêuticos ou de imunização (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1924: Adolf Hitler escreve o livro-propaganda, Mein Kampf, no qual escreveu suas ideias antissemitas, anticomunistas, antimarxistas, racialistas e nacionalistas de extrema direita (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1932: Em Tuskegee, nos Estados Unidos da América, foram recrutados 400 negros com sífilis para participarem de uma pesquisa de história natural da doença. Eles foram deixados sem tratamento até 1972. A pesquisa foi interrompida após denúncias do jornal The New York Times, todavia apenas setenta e quatro pessoas continuavam vivas e sem tratamento, convivendo com os danos permanentes da doença (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1933: É publicada a lei de esterilização Gesetz zur Verhütung erbkranken Nachwuchses (“Lei para a prevenção contra uma descendência hereditariamente doente”). Eram considerados doentes os ciganos, judeus, poloneses e russos, pois os alemães nazistas consideravam que estas pessoas não tinham o status de seres humanos (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1935: São criadas as leis de Nuremberg (“lei da cidadania do Reich” e “lei para a proteção do sangue e da honra alemães”), que promoveram a interdição de casamentos entre pessoas de raças consideradas diferentes da alemã pelos nazistas (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1939: É veiculada a circular sobre a eutanásia de doentes considerados incuráveis. A eutanásia era realizada em massa por sufocamento em câmaras de gás com monóxido de carbono e o inseticida Zyklon B (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1941: Criação de campos de extermínio comandados por médicos nazistas organizados, que praticavam a eutanásia em massa, realizavam programas de pesquisa e experimentação com humanos, sem o consentimento voluntário das pessoas (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1945: Com o fim da segunda Guerra Mundial, são reveladas as atrocidades cometidas pelos nazistas contra os seres humanos, marcando a história mundial pela falta de ética nos estudos realizados. É o caso de Auschwitz, no sul da Polônia, uma cidade que concentrou uma grande rede de campos de concentração da Alemanha Nazista, tonando-se o maior símbolo do Holocausto praticado pelo nazismo na segunda guerra mundial (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1946: Ocorre o Julgamento de Nüremberg, na cidade de Nüremberg, no qual médicos foram julgados pelos crimes cometidos contra a humanidade durante o holocausto (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1947: É criado o Código de Nüremberg, com recomendações sobre os aspectos éticos envolvidos na pesquisa em seres humanos. Um marco na história da humanidade, pois pela primeira vez se estabeleceu recomendações internacionais sobre o assunto (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). É considerado a certidão de nascimento da bioética. 1948: Surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações (UNIC, 2009). 1950-1970: Em Nova York, nos Estados Unidos da América, especificamente no Hospital Estadual de Willowbrook, pesquisadores injetaram o vírus da hepatite em crianças com deficiência mental (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1953: É descoberta a estrutura do DNA, dando início à era da biologia molecular, com perspectivas de engenharia genética e controle e transformação dos sistemas e processos vivos. Com isso, surgem questões éticas até então nunca pensadas (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1954: O médico americano Joseph E. Murray (1920-2012) realiza o primeiro transplante renal entre dois irmãos gêmeos univitelinos. Surgem aí as questões éticas e legais sobre transplantes de órgãos em seres humanos. Na odontologia, é realizado o estudo de Vipeholm, em Lund, na Suécia. O estudo consistiu em expor crianças deficientes de um hospital mental a alimentos açucarados, sem a devida higiene. Com isso, foi observado o processo de evolução da cárie, e a conclusão de que o aumento do incremento de cárie dentária era maior quando se retinha açúcar na cavidade bucal por um período de tempo mais longo, e nenhum incremento era observado quando a dieta não continha açúcar (GUSTAFSSON et al., 1954). 1960: Surge o primeiro problema ético, que ficou historicamente conhecido como bioético. Em Seattle, foi criado um Comitê de Seleção de Diálise de Seattle (God Commission), composto por pessoas de diferentes formações, que deveriam analisar cada caso de paciente com falência renal, estabelecendo como critérios o mérito social (sexo, idade, status conjugal, número de dependentes, escolaridade, ocupação, potencial futuro). Dessa forma, pessoas leigas, sem formação na área médicatinham que escolher aqueles que poderiam utilizar a máquina de hemodiálise e a fístula arteriovenosa para tratamento de falência renal. Isso gerou discussões sobre a relação médico-paciente, pois uma decisão médica de salvar vidas foi transferida para um comitê de leigos, não médicos (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1963: Em Nova York, nos Estados Unidos da América, especificamente no Hospital Israelita de Doenças Crônicas, um estudo fez a injeção de células cancerosas vivas em idosos doentes (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1964: Durante a décima oitava Assembleia Médica Mundial, realizada em Helsinki, na Finlândia, foi publicada a Declaração de Helsinki I, que consiste em uma revisão do Código de Nuremberg. Foi atualizado por assembleias médicas mundiais no Japão (1975), Veneza (1983), Hong Kong (1989), Somerset West (1996), Edimburgo (2000). A declaração postula um conjunto de princípios éticos que devem reger a pesquisa com seres humano, considerando códigos internacionais de ética médica (BRAZ et al, 1994; DINIZ; CORRÊA, 2001; CREMERJ, 2006). 1960-1970: Surgem diferentes medicamentos que começam a mudar os hábitos da sociedade ocidental (anticoncepcional via oral); estudos relevando artigos científicos publicados com inadequações éticas; discussões sobre morte cerebral; manutenção artificial da vida de pessoas com danos cerebrais permanentes; novas formas de obtenção de órgãos para transplantes; criação de grupos com o objetivo de desenvolver regras e normas para soluções éticas e problemas específicos envolvendo a natureza humana (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1970: É criado o neologismo bioethics (“bioética”) por Van Rensselaer Potter (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1971: Em Georgetown, nos Estados Unidos da América, surge o primeiro Centro Nacional para a Literatura de Bioética e o primeiro programa de pós-graduação em Bioética do mundo, abrindo novas produções intelectuais e discussões éticas. Van Rensselaer Potter publica o livro “Bioética: ponte para o futuro” (BRAZ et al, 1994; GOLDIM, 2004; CREMERJ, 2006). 1973: Uma mulher no Texas, nos Estados Unidos da América, ganha na Suprema Corte americana o direito de decidir se submeter ao aborto no 1º trimestre de gravidez ou não, de acordo com seu médico, até então proibido pelas leis estaduais (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1975: A Assembleia Geral das Nações Unidas emite a Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. 1976: Os pais de uma paciente conseguem aprovação para desligar o respirador artificial que a mantinha viva, na Suprema Corte do estado de New Jersey, nos Estados Unidos da América. Isso obrigou os médicos a retirarem esse suporte artificial. Após isto, a paciente sobreviveu mais 9 anos, sem o uso de respirador e sem qualquer melhora no seu estado neurológico (MCCARRICK, 1992; ROTHMAN, 1991; CREMERJ, 2006). 1974-1978: É gerado o Relatório Belmont, com vistas a identificar os princípios éticos básicos que deveriam conduzir a experimentação em seres humanos (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1978: Nasce o primeiro bebê de proveta, abrindo discussões sobre as novas possibilidades para casais com problemas de fertilidade e a fertilização assistida (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1982-1983: Casos de crianças recém nascidas com mal formações severas gera embates na justiça sobre medidas neonatais e a participação dos pais em decisões que afetem a vida de seus filhos (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 1997: Nasce o primeiro mamífero clonado (a ovelha Dolly), a partir da transferência nuclear da matéria-prima de células embrionárias ou de células somáticas, abrindo debates sobre a clonagem humana (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). 2000: É anunciado o sequenciamento do genoma humano, gerando discussões sobre novas possibilidades de diagnóstico das doenças genéticas e a utilização de terapias gênicas (BRAZ et al, 1994). 2005: Nasce o primeiro clone de cão (chamado Snuppy), a partir dos estudos do veterinário sul-coreano Woo-Suk Hwangque e seu colaborador americano Gerald Schatten. Nesse mesmo ano, o veterinário da Universidade Nacional de Seul chocou o planeta ao anunciar a criação do primeiro clone de embrião humano, mas seu colaborador americano, Gerald Schatten, denunciou seus erros éticos. O coreano teria comprado óvulos de dezesseis mulheres e coagido jovens cientistas de seu laboratório a se submeterem ao procedimento de doação, doloroso e arriscado (HOLTZ, 2006). Desde o nascimento da experimentação científica no século XVI, com Galileu, a ciência vem se desenvolvendo em seus diferentes ramos, principalmente nas ciências experimentais (SEGRE; COHEN, 2002). Todos esses acontecimentos marcantes levantaram discussões que ratificam, cada vez mais, a necessidade da bioética como uma nova ciência do conhecimento biológico e dos valores humanos. Portanto, os problemas éticos não surgiram em meados dos anos de 1970, após a criação do termo por Van Rensselaer Potter, como vimos anteriormente, muito antes disso já há registros. É importante salientar que: Na realidade, quando se fala em experimentação com seres humanos pensa-se quase que exclusivamente na experimentação no campo da Medicina. Esta vinculação é compreensível, pois a experimentação na área médica é mais visível e de efeitos mais patentes, em geral. Contudo, é bom assinalar que seres humanos são utilizados em experimentação por profissionais e cientistas de outras áreas: odontólogos, nutricionistas, farmacêuticos, fisioterapeutas, psicólogos, profissionais da área de educação física e de esporte, educadores e, também, economistas. Muitas vezes, o que é grave, nem se reconhece o caráter experimental do que está sendo estudado e nem se obedece à metodologia científica adequada; isso ocorre também na área médica (SEGRE; COHEN, 2002). A experimentação com seres humanos tem sido feita ao longo dos séculos, com diferentes padrões de ética e de qualidade, em todo o mundo. Ela proporciona a aplicabilidade dos novos conhecimentos para o bem da humanidade, mas necessita da criação de mecanismos de salvaguarda, para assim evitar os abusos da experimentação e a "cobaização" do ser humano (MARQUES FILHO, 2007). Segundo Barboza (2000), a bioética tenta sistematizar o tratamento de questões diversas, mas que devem guardar entre si, necessariamente, princípios e fins comuns. Dessa forma, é preciso compreender que os avanços tecnológicos da ciência, nos últimos séculos, principalmente nas últimas décadas, são marcados por desafios que precisam ser discutidos e analisados sob os aspectos éticos que envolvem os seres humanos, tanto num sentido individual, como coletivo. A ovelha Dolly foi o primeiro mamífero a ser clonado com sucesso, a partir de uma célula adulta. Dolly foi criada por investigadores do Instituto Roslin, na Escócia, onde viveu toda a sua vida. O nome Dolly é uma referência ao nome da atriz e cantora Dolly Parton. Dolly foi clonada a partir das células da glândula mamária de uma ovelha adulta com cerca de seis anos. Apesar das suas origens, Dolly teve uma vida comum de ovelha e deu à luz a seis filhotes, sendo cuidadosamente observada em todas as fases. Em 1999, foi divulgado que ela poderia desenvolver formas de envelhecimento precoce. Em 2002, foi anunciado que Dolly tinha uma doença pulmonar progressiva, por isso, foi abatida em em 2003, aos 7 anos, para evitar sofrimento. O seu corpo empalhado está exposto no Museu Real da Escócia, em Edimburgo. Conceitos básicos A bioética consiste em uma ética aplicada ou ética prática. Segundo Kottow citado por Rovida e Borghi (2013) a bioética é “[...] o conjunto de conceitos, argumentos e normas que valorizam e justificam eticamente os atos humanos que podem ter efeitos irreversíveis sobre os fenômenos vitais[...]”. E do que se ocupa a bioética? Bem, ela se ocupa de: problemas de início e fim da vida humana, métodos de fecundação, seleção de sexo, engenharia genética, pesquisas envolvendo seres humanos, transplante de órgãos, pacientes com doenças terminais ou em fase terminal de vida, formas de eutanásia, entre outros temas atuais (CLOTET, 2009). Dessa forma, a bioética não se limita apenas à moral do bem ou do mal, ou um saber universitário a ser transmitido e aplicado diretamente na realidade concreta, como a Biologia, a Medicina, etc (GARRAFA, 2005), ela “procura de um comportamento responsável de parte daquelas pessoas que devem decidir tipos de tratamentos e de pesquisa em relação à humanidade” (GRACIA, 1991). Portanto, essa nova ciência visa a resolver os “conflitos e controvérsias morais implicados pelas práticas no âmbito das Ciências da Vida e da Saúde do ponto de vista de algum sistema de valores, (chamado também de ‘ética’)” (CREMERJ, 2006). Entretanto, afinal, o que é ética? O que são sistemas de valores? Bem, a ética consiste no: “[...] estudo geral do que é bom ou mau, correto ou incorreto, justo ou injusto, adequado ou inadequado. Um dos objetivos da Ética é a busca de justificativas para as regras propostas pela Moral e pelo Direito. Ela é diferente de ambos - Moral e Direito - pois não estabelece regras. Esta reflexão sobre a ação humana é que caracteriza a Ética.” (GOLDIM, 2004). E a moral, por sua vez, consiste no sistema de valores que as pessoas possuem, garante uma identidade sem que seja necessário que se conheçam, apenas seguem o mesmo referencial moral comum, ou seja, a moral estabelece regras que são assumidas por pessoas, nas ações, nas instituições e nos sistemas, como uma forma de garantir o convívio individual e coletivo. Como exemplo, podemos citar a regra de não matar. Além disso, a moral pode mudar no tempo e no espaço, orientando a conduta dos indivíduos de uma sociedade especifica (GOLDIM, 2004; ROVIDA; BORGHI, 2013). A moral independe das fronteiras geográficas, mas há regras que são delimitadas geograficamente, e é o direito que busca estabelecer o regramento de uma sociedade delimitada pelas fronteiras do Estado. Segundo Goldim (2004), há alguns autores que afirmam que o direito é um subconjunto da moral. Em resumo: a bioética faz o discurso político e acadêmico sobre o conflito moral em saúde, ou seja, os temas ou questões, sobre os quais não existe consenso moral, são temas bioéticos por definição (DINIZ; GUILHEM, 2002). Neste momento, após essa breve explanação sobre o que é bioética, é preciso avançar e aprofundar alguns princípios que constituem esse contexto e suas aplicações. Princípios e Fundamentos da Bioética No período de 1974 a 1978, foi elaborado o Relatório Belmont, com vistas a identificar os princípios éticos básicos que deveriam conduzir a experimentação em seres humanos (BRAZ et al, 1994; CREMERJ, 2006). Em 1979, esse documento inspirou a publicação dos “Princípios da ética biomédica” (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 1979), que inaugurou a bioética principialista, ou principialismo, que se baseia em quatro princípios norteadores das decisões: • autonomia, • beneficência, • não maleficência, • e justiça (ou equidade). Inicialmente, o foco do relatório foi o controle social da pesquisa com seres humanos, que posteriormente foi ampliado para a prática clínica e assistencial. Dessa forma, para melhor compreensão da sua relevância, é preciso compreender esses princípios, que, segundo Rovida e Borghi (2013), são considerados nossas ferramentas de trabalho. As boas práticas profissionais, principalmente na área da saúde, devem ser baseadas no cumprimento dos conceitos hipocráticos da: • beneficência, • não-maleficência, • respeito à vida, a confidencialidade, e à privacidade, • respeito à autonomia do paciente, ao seu direito em receber todas as informações e participar mais ativamente do seu tratamento (TORRES, 2007). Princípio da Autonomia A autonomia é um princípio conhecido no contexto da bioética, como o princípio do respeito à pessoa na sua integridade, autonomia, autogovernança, autodeterminação, livre da influência de outras pessoas, ou seja, exige que aceitemos suas escolhas, decisões, vontades, crenças e descrenças, nisso se inclui seus valores morais e sua intimidade (CLOTET, 2009; JUNQUEIRA, 2007). A partir desse princípio, o profissional da saúde deve respeitar a vontade do paciente ou do seu representante, devendo informar as medidas propostas em seu atendimento ou tratamento, podendo esse aceitar ou não, reconhecendo que o paciente tem domínio sobre sua própria vida. Portanto, esse princípio limita a intromissão dos outros indivíduos no mundo da pessoa que esteja em tratamento, sendo o paciente ou seu responsável legal. Segundo Junqueira (2015): Para que o respeito pela autonomia das pessoas seja possível, duas condições são fundamentais: a liberdade e a informação. Isso significa que, em um primeiro momento, a pessoa deve ser livre para decidir. Para isso, ela deve estar livre de pressões externas, pois qualquer tipo de pressão ou subordinação dificulta a expressão da autonomia. Em alguns momentos, as pessoas têm dificuldade de expressar sua liberdade. Nesses casos, dizemos que ela tem sua autonomia limitada. Vamos ver um exemplo, imagine o caso de um paciente com um adenocarcinoma, que é umas das neoplasias pulmonares mais comuns, e descobriu que já tem metástases ósseas em diversas partes do corpo. Os médicos confirmam o estadiamento da doença no estágio IV, ou seja, dentro dos chamados de estágios do câncer, cuja descrição geralmente é em números de I a IV de quanto o câncer já se espalhou pelo corpo, o paciente está no último grau. Nesses casos, o tratamento é paliativo, ou seja, o tratamento irá abrandar temporariamente os sintomas da doença, mas não a eliminará. O médico pode propor ao paciente tratamentos experimentais ou novas drogas que podem tentar retardar o inevitável, todavia, se o paciente decidir não usar nenhuma delas, o médico deverá respeitar sua vontade, de acordo com o princípio da autonomia e deverá acompanhar o paciente na amenização das dores até o óbito final. Segundo Junqueira (2015), “a correta informação das pessoas é que possibilita o estabelecimento de uma relação terapêutica ou a realização de uma pesquisa”. Isso deve ser feito mediante documentos como o TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), um documento de caráter explicativo, onde devem ser abordadas todas as questões relativas ao estudo e/ou tratamento, para que o indivíduo possa decidir e, assim, garantir sua participação voluntária, não podendo ser pressionado ou coagido. Princípio da Beneficência/não maleficência Esse princípio tem como objetivo o bem da pessoa, seja na assistência em saúde ou em pesquisas, mesmo que a conduta envolvendo o ser humano seja benéfica, ou seja, nos obriga evitar qualquer dano ou prejuízo a pessoa. Portanto, o benefício (e o não malefício) deve ser a principal razão do nosso exercício profissional, propondo tratamentos que evitem o mal e reconheçam a dignidade do indivíduo nas dimensões física, psicológica, social, espiritual (JUNQUEIRA, 2015; MAIA, 2017). Princípio da Justiça Esse princípio caracteriza-se pela justa distribuição dos bens e serviços de forma universalizada e igualitária, no que se refere ao exercício da medicina ou área da saúde. Dessa forma, a necessidade deve preceder a atenção igualitária. Os termos e os conceitos pouco significam se não nos conscientizarmos de que a responsabilidade pelo outro significa compartilhar (JUNQUEIRA, 2015). Dessa forma, pelo princípio da justiça, não se pode fazer experimentos com grupos vulneráveis e em situação de dependência, como é o caso de pacientes de enfermaria, asilados, prisioneiros, pessoas com deficiência, crianças(MAIA, 2017).
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