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Front Matter TRATADO DE ANATOMIA VETERINÁRIA TRATADO DE TRADUÇÃO DA 4ª EDIÇÃO K.M. Dyce, DVM&S, MRCVS Professor Emeritus of Veterinary Anatomy Royal (Dick) School of Veterinary Studies University of Edinburgh Edinburgh, Scotland W.O. Sack, DVM, PhD, Dr. med. vet. Professor Emeritus of Veterinary Anatomy College of Veterinary Medicine Cornell University Ithaca, New York C.J.G. Wensing, DVM, PhD Professor Emeritus of Veterinary Anatomy and Embryology School of Veterinary Medicine State University Utrecht The Netherlands 3 Revisão Científica SUPERVISÃO DA REVISÃO CIENTÍFICA Paula de Carvalho Papa Professora Doutora do Setor de Anatomia, do Departamento de Cirurgia da Universidade de São Paulo (USP) Responsável pela Disciplina de Anatomia Aplicada e Colaboradora das Disciplinas de Anatomia Descritiva dos Animais Domésticos I e II Vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres da USP Visiting Research Fellow da University of Veterinary Medicine em Hannover (Ti- Ho), Alemanha Doutora pela Justus-Liebig Universität Giessen, Alemanha Mestre em Ciências pelo Instituto de Ciências Biomédicas I da USP Revisão Científica Carlos Eduardo Bezerra de Moura (Caps. 3, 4, 8, 11, 17, 18, 23, 24, 25, 26, 30, 31 e 32) Professor Adjunto do Departamento de Morfologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Mestre e Doutor em Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres pela USP Danila Barreiro Campos (Caps. 1, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 19, 20, 22, 25, 26, 27, 29, 32, 33, 35 e 36) Professora Adjunta do Departamento de Ciências Veterinárias do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Visiting Research Fellow da Université de Montréal, Canadá Doutora em Ciências, área de concentração em Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres, pela USP Mestre em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), 6 MG José Roberto Kfoury Junior (Caps. 2, 14, 21, 28 e 34) Professor Assistente Doutor do Setor de Anatomia, Departamento de Cirurgia da USP Responsável pela Disciplina de Anatomia dos Animais Domésticos I do Curso de Medicina Veterinária da USP Pós-doutorado pela Justus-Liebig Universität, Institute for Veterinary Anatomy, Giessen, JLU, Alemanha Doutor e Mestre pela Tokyo University of Marine Science and Technology (antiga Tokyo University of Fisheries), Japão Marcello Machado (Caps. 2, 5, 13, 15, 16, 17, 30, 31, 36 e 37) Professor Titular do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade do Contestado (UnC), Santa Catarina Professor das Disciplinas de Anatomia Veterinária, Anatomia Veterinária Topográfica Aplicada e Embriologia Veterinária Doutor em Ciências, área de concentração em Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres, pela USP Especialista em Biologia do Desenvolvimento e Células-tronco pela USP Paula de Carvalho Papa (Caps. 1, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 14, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 27, 28, 29, 33, 34, 35, 37 e Índice) Professora Doutora do Setor de Anatomia do Departamento de Cirurgia da USP Responsável pela Disciplina de Anatomia Aplicada e Colaboradora das Disciplinas de Anatomia Descritiva dos Animais Domésticos I e II Vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres da USP Visiting Research Fellow da University of Veterinary Medicine em Hannover (Ti- Ho), Alemanha Doutora pela Justus-Liebig Universität, Giessen, Alemanha 7 Mestre em Ciências pelo Instituto de Ciências Biomédicas I da USP 8 Tradução Adriana Pittella Sudré (Cap. 28) Professora Assistente do Departamento de Microbiologia e Parasitologia do Instituto Biomédico da Universidade Federal Fluminense (UFF), RJ Doutoranda em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Mestre em Patologia pela UFF Aldacilene Souza da Silva (Cap. 29) Médica Veterinária pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP Doutora e Mestre em Imunologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP Aline Santana da Hora (Cap. 10) Doutoranda em Epidemiologia Experimental Aplicada às Zoonoses pela FMVZ-USP Mestre em Clínica Veterinária pela FMVZ-USP Médica Veterinária pela Universidade do Estado de Santa Catarina (CAV-UDESC) Ana Helena Pagotto (Cap. 18) Médica Veterinária pela USP Mestre em Ciências, área de Oncologia, pela Fundação Antonio Prudente, SP Cassia Garcia Silva (Cap. 16) Médica Veterinária pela Universidade Paulista (UNIP) Daniel Bonoto Gonçalves (Caps. 9, 23 e 24) Professor Assistente do Núcleo de Biotecnologia da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Campus Centro-Oeste Dona Lindu, Divinópolis, MG Mestre em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG Daniel Rodrigues Stuginski (Caps. 7 e 13) 9 Médico Veterinário pela FMVZ-USP Mestre em Fisiologia pelo IB-USP Danuza Pinheiro Bastos Garcia de Mattos (Caps. 12, 26, 33 e Índice) Professora Assistente do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da UFF Mestre em Ciências pelo Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), RJ Doutoranda em Medicina Veterinária pela UFF Médica Veterinária pela UFF Eduardo Kenji Nunes Arashiro (Caps. 5 e 35) Mestre em Medicina Veterinária pela UFF Doutorando em Ciência Animal pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fabrizio Grandi (Cap. 25) Médico Veterinário residente do Serviço de Patologia Veterinária do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus Botucatu Fernanda Fidelis Gonsales (Cap. 15) Médica Veterinária pela FMVZ-USP Fernando Yutaka Moniwa Hosomi (Cap. 11) Médico Veterinário pela USP Mestre em Ciências pela USP Especialista em Saúde da Coordenação de Vigilância em Saúde de São Paulo, Centro de Referência Nacional de Controle de Zoonoses Urbanas (CCZ) Kalan Bastos Violin (Cap. 36) Patologista Veterinário Mestre em Ciências pelo Departamento de Patologia da FMVZ-USP Médico Veterinário pela FMVZ-USP Colaborador do Grupo de Pesquisa em Biomateriais do Centro de Ciência e 10 Tecnologia de Materiais do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (CCTM- IPEN) Maria Helena Lucatelli (Cap. 3) Médica Veterinária de Pequenos Animais com Residência em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais pela FMVZ-USP Marie Odile Monier Chelini (Cap. 21) Médica Veterinária pela USP Pós-doutoranda no Instituto de Psicologia da USP Doutora em Psicologia Experimental pelo Instituto de Psicologia da USP Mestre em Medicina Veterinária pela FMVZ-USP Marina Godoy Gimeno (Cap. 34) Médica Veterinária Patologista pela FMVZ-USP Residência pelo Serviço de Patologia Animal da FMVZ-USP Mauricio de Rosa Trotta (Cap. 17) Médico Veterinário pela FMVZ-USP Mestrando em Fisiopatologia Experimental pela FMVZ-USP Pesquisador no Laboratório de Anatomia Microscópica e Imuno-histoquímica no Setor de Anatomia FMVZ-USP Natália F. Martins (Caps. 19, 20 e 37) Pesquisadora da Embrapa, Recursos Genéticos e Biotecnologia Doutora em Bioquímica e Imunologia pela UFMG Mestre em Biologia Molecular pela Universidade de Brasília (UnB) Rafael Simões Tomaz (Caps. 30 a 32 Cap. 31 Cap. 32) Professor Substituto do Setor de Genética da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), MG Doutorando em Genética e Melhoramento pela UFV, MG 11 Mestre em Genética e Melhoramento pela UFV, MG Renata Scavone de Oliveira (Caps. 1, 2 e 8) Médica Veterinária pela USP Doutora em Imunologia pela USP Rodrigo Neto-Ferreira (Caps. 4 e 6) Professor Adjunto da disciplina de Anatomia Veterinária Comparada I e II, da Faculdade de Medicina Veterinária de Valença do Centro de Ensino Superior de Valença (CESVA), RJ Coordenador Adjunto do Núcleo Biomédico – FAA Doutorando no Programa de Pós-graduação em Biologia Humana e Experimental da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Mestre em Morfologia pela UERJ Verônica Barreto Novais (Caps. 14 e 22) MédicaVeterinária autônoma pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), RJ Tradutora pela Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Vinícius Novaes Rocha (Cap. 27) Médico Veterinário pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), RJ Mestre e Doutorando em Ciências pela UERJ 12 Colaboradores GERRY M. DORRESTEIN, DVM, PhD, Professor Avian and Exotic Animal Pathology, Brno (Cz) Dutch Research Institute for Avian and Exotic Animals (NOIVBD) Veldhoven The Netherlands C.F. Wolschrijn, DVM, PhD, Associate Professor Department of Veterinary Pathobiology Division of Anatomy and Physiology University Utrecht The Netherlands Anatomy of Birds The Head and Ventral Neck of the Dog and Cat The Neck, Back, and Vertebral Column of the Dog and Cat The Thorax of the Dog and Cat The Abdomen of the Dog and Cat The Pelvis and Reproductive Organs of the Dog and Cat The Forelimb of the Dog and Cat The Hindlimb of the Dog and Cat 13 Consultores B. COLENBRANDER, DVM, PhD, Professor Emeritus of Male Fertility Veterinary Faculty Utrecht University The Netherlands E.G. DINGBOOM, DVM, PhD, Assistant Professor Department Veterinary Pathobiology Division Anatomy and Physiology Utrecht University The Netherlands W. KERSTEN, BSc, Curator of the Anatomical Collection Department Veterinary Pathobiology Division Anatomy and Physiology Utrecht University The Netherlands M.M. SLOET. VAN OLDRUITENBORGH-OOSTERBAAN, DVM, PhD, Associate Professor Department of Equine Sciences Utrecht University The Netherlands D.F. SWAAB, MD, PhD, Professor of Neuroscience Institute of Neuroscience University of Amsterdam The Netherlands K. TEERDS, PhD, Associate Professor Department of Physiology Wageningen University and Research Center The Netherlands COORDENADOR TÉCNICO J.M.A. ZUKETTO, PharmD, Bilthoven The Netherlands 14 Prefácio à Quarta Edição Esta edição é a primeira a ter sido preparada sem a participação de Wolf Sack, que lamentavelmente morreu em 2005. Apesar de termos sentido grandemente a falta da energia, entusiasmo e compromisso que ele teria trazido para a tarefa de revisão, a perda mais dolorosa é a amizade que desfrutamos por tantos anos. Gostaríamos de dedicar esta edição à sua memória. Voltando a questões mais alegres, a recém-adquirida licença para introduzir cor nas páginas de texto tem provido tanto a oportunidade quanto o estímulo para revisar o corpo das ilustrações. Muitos dos velhos desenhos em preto e branco são, então, apresentados em nova forma; outros foram substituídos por fotografias dos espécimes a partir dos quais eles foram preparados. Muitas fotografias anteriormente colocadas em pranchas distantes foram trazidas para perto dos seus contextos apropriados, enquanto várias outras fotografias e imagens foram complementadas ou substituídas por exemplos mais satisfatórios. Estamos imensamente agradecidos e em débito com aqueles que fizeram essas melhorias possíveis. Foi um prazer particular trabalhar com Maartje Kunen e Rogier Trompert, os artistas que produziram as versões coloridas dos desenhos. Também estamos agradecidos ao corpo técnico do Departamento de Anatomia Veterinária em Utrecht, que preparou as dissecções, e ao Dr. Ben Colenbrander, que generosamente forneceu muitas ilustrações novas. O Dr. G. Voorhout e o Dr. A. van der Belt, do Departamento de Radiologia Veterinária em Utrecht, forneceram grande número de radiografias de reposição para uso nos capítulos de carnívoros e cavalos. O texto foi revisado com os objetivos combinados, nem sempre facilmente conciliados, de reduzir as exigências feitas pelos leitores estudantes e adaptar o conteúdo às mudanças necessárias da prática veterinária. Tosquiamos algumas seções de assuntos provavelmente supérfluos para requerimentos básicos. Isso afetou principalmente certos capítulos da primeira parte, e, na segunda parte, aqueles voltados aos animais de produção, para os quais a medicina de rebanho agora tende 15 a dominar sobre o tratamento do indivíduo. Material novo foi introduzido nos capítulos sobre cavalo, anatomia de aves e, mais especificamente, animais de companhia. Para assegurar a relevância da revisão, convidamos alguns colegas em especial para revisar e fornecer conselhos nos capítulos relacionados aos seus campos especiais de interesse. Aqueles que aceitaram esses convites e forneceram essa assistência muito válida estão especificamente reconhecidos na página de colaboradores. Em uma era na qual a informação atualizada está tão prontamente disponível, parece desnecessário continuar a sobrecarregar o texto com referências a uma literatura que está evoluindo tão rapidamente. Temos acumulado tantos benfeitores que parece quase inevitável falhar no reconhecimento específico em toda parte em que ele foi devido. Esperamos que qualquer um que tenhamos falhado em reconhecer perdoe nosso lapso e tenha assegurada nossa gratidão. Finalmente, e certamente não em menor importância, temos de agradecer ao Dr. Jo Zuketto pela assistência generosamente oferecida e ansiosamente aceita com questões de computação. Suas habilidades arcanas transformaram muitas ilustrações e combinaram maravilhosamente textos e figuras, velhos e novos, em uma maneira que nunca poderíamos ter alcançado sem sua ajuda. Nos períodos da saúde precária de um dos nossos autores, ele realmente ajudou a manter o processo em movimento e também manteve nosso espírito para cima. K.M. Dyce, C.J. G. Wensing†, O Prefácio acima seguiu a íntegra do manuscrito. Agora, apenas um curto período depois, é lamentavelmente necessário registrar a morte de Cees Wensing, que morreu em maio de 2009, após uma longa batalha contra a doença, com coragem inspiradora. Entre outras inovações, Cees se fez responsável pela revisão abrangente e pela renovação das ilustrações, e estava ansioso para ver esta edição, que tão claramente carrega sua marca, até a publicação. Mesmo quando se tornou evidente que isso era improvável, ele trabalhou com muita determinação e estava ocupado corrigindo provas apenas uns poucos dias 16 antes de morrer. Ele apreciou grandemente a ajuda e o suporte que recebeu da família e amigos, e é testemunho da alta consideração na qual era mantido por dois desses amigos, Jo Zuketto e Ben Colenbrander, cuja ajuda foi dada sem restrição enquanto ele viveu, e que continuaram a auxiliar com a correção das provas. Seu papel com este livro foi apenas uma pequena parte de suas realizações, especialmente como diretor do Instituto de Pesquisa em Lelystad — Central Veterinary Institute, depois chamado de ID-Lelystad, agora chamado Animal Science Group. Sua falta será grandemente sentida. Considero esta edição dedicada à memória de ambos os amigos e colegas que partiram. K.M. Dyce † In memoriam. 17 Prefácio à Primeira Edição Aquilo que não se conhece não se possui. — Goethe Algumas palavras esclarecedoras sobre a finalidade e a sistematização deste livro são imprescindíveis. Pretendemos suprir as necessidades do estudante de Veterinária, fornecendo, em princípio, o conhecimento geral da estrutura dos mamíferos, indispensável à compreensão das outras ciências básicas e, em segundo lugar, a informação mais detalhada aplicável diretamente à clínica médica veterinária. Embora fiquemos naturalmente satisfeitos se outros julgarem nosso livro útil, consideramos o interesse do leitor estudante como primordial. O duplo papel da Anatomia determinou a divisão do livro em duas partes. A primeira parte engloba 10 capítulos, um de introdução geral, os outros dedicados aos diversos sistemas corpóreos. Para estes, tomamos como nosso modelo o cão, o animal mais conveniente a esse propósito devido a sua anatomia relativamente não específica e seu emprego disseminado como cadáver para dissecção inicial. Mencionamos as diferenças aparentes encontradas em outras espécies domésticas, mas não nos estendemos sobre elas nesse momento, já que nossa preocupação é enfatizar mais os conceitos e as funçõesgerais do que os detalhes específicos. Os comentários sobre o desenvolvimento têm a intenção de elucidar as principais características da anatomia do adulto e não chegar a proporcionar o pleno esclarecimento desta área de nossa discussão. Uma vez que esses capítulos lidam basicamente com assuntos elementares, bem-estabelecidos e indiscutíveis, decidimos que seria pretensioso adorná-los com as referências da literatura. A segunda parte do livro pressupõe um conhecimento profundo da primeira. Consiste em várias sucessões de capítulos, cada uma tratando da anatomia regional de uma espécie em particular – ou grupo de espécies, visto que conciliamos o gato com o cão, os pequenos ruminantes com os bovinos. Essa parte busca enfatizar aqueles aspectos e tópicos que apresentam relevância direta à prática clínica. Embora os diversos capítulos que tratam da mesma região corpórea de diferentes 18 animais acompanhem um esquema geral, eles o fazem com liberdade; expandimos, restringimos e diversificamos as considerações de acordo com as nossas percepções de interesse clínico atual com diferentes espécies e, ocasionalmente, segundo a disponibilidade de informações relevantes. Este procedimento resulta em certa repetição, mas esperamos a compensação na independência desses capítulos, que podem ser lidos ou consultados em qualquer ordem e sem relação entre si. Por fim, há um capítulo exclusivo sobre anatomia sistêmica aviária, cujo principal assunto é a ave doméstica, embora seja dada certa atenção a pássaros de gaiola e outras espécies de importância veterinária. Como os capítulos dessa segunda parte lidam com assuntos de interesse clínico imediato, guarnecemo-os com uma seleção de referências para benefício daqueles que possam desejar obter informações de forma mais completa. Inevitavelmente, a principal dificuldade encontrada ao escrever esse livro residiu na seleção de material apropriado de vasto campo. Como na maioria das faculdades, os cursos de anatomia foram progressiva e, algumas vezes, barbaramente encurtados nos últimos anos, há um compromisso de identificar e reter o material “essencial” enquanto se suprimem com rigor os assuntos de interesse mais secundário. Nesse ponto, não há nem pode haver uma visão unânime do que se constitui o “essencial”, pois o desenvolvimento contínuo e a especialização crescente da Medicina Veterinária atribuem significado a muitos detalhes que antigamente careciam de importância. A conciliação dessas pressões opostas coloca tanto os professores como os autores em um dilema, do qual não há saída e, embora esperamos ter escolhido com sabedoria, antecipamos que alguns colegas nos reprovarão por sermos tímidos demais em nossa seleção, enquanto outros estarão propensos a nos julgar bastante corajosos. Os leitores que aceitam o primeiro ponto de vista podem achar que a subdivisão os autoriza a folhear ou pular tópicos com ponderação; aqueles mais exigentes podem encontrar algum apoio nas referências. Esperamos que ambos os grupos de leitores sejam bem-vindos às digressões do caráter convencional da anatomia com as quais buscamos tornar o esclarecimento mais interessante – seria insensatez negar que a descrição anatômica nem sempre torna a leitura mais estimulante. Embora cada um de nós tenha sido responsável pelo esboço inicial de partes do 19 texto, a versão final representa o consenso de nossos pontos de vista. Gostaríamos de acreditar que houve vantagens em termos adquirido experiência em uma variedade de faculdades e procuramos evitar a adequação do texto a algum curso particular de forma muito estrita. Os problemas de nomenclatura recebem uma certa atenção no Capítulo 1, mas pode ser conveniente declarar aqui que empregamos de forma constante as versões anglicizadas dos termos contidos na versão mais recente (1983) da Nomina Anatomica Veterinaria. Essas foram nossas intenções. Deixamos ao julgamento de cada leitor se elas foram bem concebidas ou tiveram uma repercussão adequada. K.M. Dyce, W.O. Sack, C.J. G. Wensing 20 Fontes de Ilustrações Não Originais Figura 1-3: De Feeney DA, Fletcher TF, Hardy RM: Atlas of correlative imaging anatomy of the normal dog, Philadelphia, 1991, Saunders. Figuras 1-14, A; 1-20, A; 1-22, A; 2-1; – 23; 2-24; 2-27; 2-53; 11-44; 12-9; 12-11; 15- 12; 16-2; 16-5; 16-13; 17-6; 30-5: Desenho de DS Geary. Cortesia de Dr. A Horowitz, Oregon State University; e de Horowitz A: Guide for the laboratory examination of the anatomy of the horse, Columbus, 1965, The University of Ohio, Dept. of Veterinary Anatomy [Publicado pelo autor]; e Horowitz A: The fundamental principles of anatomy: dissection of the dog, Saskatoon, 1970, University of Saskatchewan [Publicado pelo autor]. Figura 1-5, A: Cortesia de Dr. JS Boyd, Glasgow University. Figuras 1-5, B; 22-16: Cortesia de Dr. BA Ball, Cornell University. Figura 1-12: De Dawkins MJR, Hull D: The production of heat by fat, Scient Am 213:62 – 67, 1965. Figura 1-15: De Brookes M, Elkin AC, Harrison RG, Heald CB: A new concept of capillary circulation in bone cortex, Lancet 1:1078 – 1081, 1961. Figura 1-20, B: Cortesia de Dr. KD Budras, Berlin. Figuras 2-15; 2-63, A-B; 17-5: De Taylor IA: Regional and Applied Anatomy of the Domestic Animals, Edinburgh, 1970, Oliver & Boyd. Figuras 2-25, B; 15-11, C: Cortesia de Dr. A Rijnberk, Utrecht University. Figura 2-26: De Bradley OC: Topographic anatomy of the dog, ed 6, Edinburgh, 1959, Oliver & Boyd. Figuras 2-37; 3-25; 5-38; 18-3, B: Com base em (Figuras 2-37; 5-33; 18-3, B; 18-36) e com a permissão (Figura 3-25) de Nickel R, Schummer A, Seiferle E: Lehrbuch der anatomie der haustiere, Berlin, 1987, Paul Parey. Figuras 3-37; 10-18; 10-19: Redesenhado de Ellenberger W, Baum H: Handbuch der 21 vergleichenden anatomie der haustiere, ed 18, Berlin, 1974, Springer. Figura 3-45: Cortesia de Dr. F Preuss, Berlin. Figuras 4-3, B; 11-10, B; 11-42; 11-45, B; 13-13, B; 14-11, B; 14-16, B; 14-25, B; 23- 22; 23-24, A: Cortesia de Dr. PV Scrivani, Cornell University. Figuras 4-10; 4-18: De Nickel R, Schummer A, Seiferle E, Sack WO: The viscera of the domestic animals, ed 2, New York, 1978, Springer. Figuras 5-40; 5-62, B; 5-73, B; 15-8; 15-9; 29-16; 34-3: Cortesia de Dr. B Colenbrander, Utrecht University. Figura 5-68: Cortesia de Dr. DF Antczak, Cornell University. Figuras 5-73; 15-26; 11-2; 11-3; 11-4: Cortesia de M Gaus, Lelystad. Figuras 5-72, A; 5-73, B; 37-20: Cortesia de Dr. JM Fentener van Vlissingen, Rotterdam. Figura 7-2: Redesenhado de De Noden, DM, e de Lahunta A: The embryology of domestic animals, Baltimore, 1985, Williams & Wilkins. Figura 7-25: Redesenhado de De Moore KL: The developing human: clinical y oriented embryology, ed 5, Philadelphia, 1993, Saunders. Figuras 7-38: De Simoens P, de Vos NE: Angiology. In Schaller O, editor: Il ustrated veterinary anatomical nomenclature, Kinderhook, NY, 1992, IBD Ltd. Figura 7-40: Com base em Evans HE, de Lahunta A: Guide to the dissection of the dog, ed 7, Philadelphia, 2010, Saunders. Figuras 7-41, 7-43: De Budras KD, Fricke W: Atlas der anatomie des hundes, kompendium fürtierärzte und studierende, Hannover, 1993, Schl ü tersche Verlagsanstalt. Figuras 7-52; 7-53: Com base em Frewein J, Vollmerhaus B, editors: Anatomie von hund und katze, Berlin, 1994, Blackwell. Figuras 7-54; 7-58: De Baum H: Das lymphgefasssystem des hundes, Berlin, 1918, Hirschwald. Figura 7-59: Com base em Vollmerhaus B: In Nickel R, Schummer A, Seiferle E, 22 editors: The anatomy of the domestic animals, Vol. 3, Berlin, 1981, Paul Parey. Figura 7-61: Conforme Steger G: Zur biologie der milz der haussäugetiere, eutsch Tierärztl Wochenschr 39:609 – 614, 1939. Figuras 8-12; 8-25: Com base em Romer AS: The vertebrate body, ed 3, Philadelphia, Saunders, 1962. Figuras 8-21; 8-20, C; 8-58; 11-19; 11-20: Cortesia de Dr. J Ruberte, Barcelona. Figura 8-61: De de Lahunta A: Veterinary neuroanatomy and clinical neurology, ed 3, Philadelphia,2009, Saunders. Figura 8-76: Redesenhado de Mizeres, NJ: The anatomy of the autonomic nervous system in the dog, Am J Anat 96:285 – 318, 1955. Figuras 9-4; 9-6; 9-14, A-B; 11-37, A-B: Cortesia de Dr. F Stades and Dr. M Boeve, Utrecht University. Figura 9-22: Cortesia de Dr. P Simoens, Gent University. Figuras 11-7, B; 11-10, C; 16-11, E-F; 17-8, B: Cortesia de Dr. C Poulsen Nautrup, Hannover. Figuras 11-18; 11-31, A-B; 11-43, A-B: Cortesia de Dr. AJ Venker van Haagen, Utrecht University. Figuras 11-17, B; 15-2; 16-3, C-D; 16-8, C-D; 16-10, C-D; 17-1, C-D; 18-6; 18-26; 23- 7; 23-9; 23-13: Cortesia de Dr. N Dykes, Cornell University. Figura 11-22: Redesenhado de de Lahunta A, Habel RE: Applied veterinary anatomy, Philadelphia, 1998, Saunders. Figuras 11-23; 13-18; 15-23, B; 17-3, D; 17-7, C-D; 37-16, B: Cortesia de Dr. BJ Smith, Virginia Technical and State University. Figuras 13-4; 14-2; 14-3: De Marthen G: Überdie arterien der körperwand des hundes, Morph Jahrb 84:187 – 219, 1939. Figura 15-17: Conforme Vaerst L: Ü ber die blutversorgung des hundepenis, Morph Jahrb 81:307 – 352, 1938. Figura 15-20: Redesenhado de Christensen GC: Angioarchitecture of the canine 23 penis and the process of erection, Am J Anat 95:227 – 262, 1954. Figuras 16-12; 17-9: Cortesia de Dr. RL Kitchell, University of California, Davis. Figuras 18-21; 18-22: Cortesia de Dr. I Kassianoff, Hannover. Figuras 18-24; 18-25: Cortesia de Dr. L de Schaepdrijver, Gent University. Figura 18-33: Cortesia de Dr. KE Baptiste, Copenhagen. Figuras 21-14; 21-21; 23-33; 23-38, A; 24-15, A: De (e com base em) Schmaltz R: Atlas der anatomie des pferdes, Vol. 4, Die Eingeweide, Berlin, 1927, Paul Parey; e Schmaltz R: Atlas der anatomie des pferdes, ed 3, Vol. 1. Berlin und Hamburg, 1911, Paul Parey. Figuras 22-4: Modificado de Hopkins GS: Guide to the dissection and study of the blood vessels and nerves of the horse, ed 3, lthaca, NY, 1937, [Publicado pelo autor]. Figuras 29-13, A-D; 31-7: Cortesia de Dr. GC van der Weyden, Utrecht. Figura 22-12, A-B: Dr. TAE Stout, Utrecht University. Figura 23-1: Conforme Blythe LL, Kitchell RL: Electrophysiologic studies of the thoracic limb of the horse, Am J Vet Res 43:1511 – 1524, 1982. Figura 23-4: De Ellenberger W, Dittrich H, Baum H: Atlas of animal anatomy for artists, New York, 1956, Dover Publications. Figura 23-14, B: Cortesia de Dr. AJ Nixon, Cornell University. Figuras 23-16; 24-4; 24-10, A: De B Volmerhaus, München. Figura 23-35, B: Cortesia de Dr. N Crevier-Denoix, École National Vétérinaire Alfort. Figura 23-37: Cortesia de Dr. H Brugalla, Berlin. Figura 24-19: Conforme Pohlmeyer K, Redecker, R: Diefürdie klinik bedeutsamen nerven an den gliedmassen des pferdes einschliesslich möglicher varianten, Deutsche Tierärztl Wschr 81:501 – 505, 1974. Figuras 25-25; 30-14, A; 30-16; 31-9, A; 31-12, A: Cortesia de Dr. JE Smallwood, North Carolina State University. 24 Figura 26-1, B: Cortesia de Dr. A Meekma, The Netherlands. Figura 27-1: Cortesia de Dr. C Pavaux, Toulouse. Figuras 28-16, A; 28-17: Cortesia de Dr. RR Hofmann, Berlin. Figura 28-20: Conforme Lagerlöf N: Investigations of the topography of the abdominal organs in cattle, and some clinical observations and remarks in connection with the subject, Skand Vet 19:1 – 96, 1929. Figura 29-4: Redesenhado de Habel RE: Guide to the dissection of domestic ruminants, ed 3, Ithaca, NY, 1983, [Publicado pelo autor]. Figura 29-22: Cortesia de Dr. JR Hill, Cornell University. Figura 29-38: Cortesia de Dr. GH Wentink, Arnhem. Figura 29-44: Cortesia de J Peter, Zürich. Figura 30-1: Cortesia de Dr. AD McCauley e Dr. FH Fox, Cornell University. Figura 31-3: Cortesia de Dr. C Maala, University of the Philippines. Figuras 32-3; 32-14: Desenho de Kramer B, Geary DS: From Sack WO, editor: Horowitz/Kramer atlas of the musculoskeletal anatomy of the pig, Ithaca, NY, 1982, Veterinary Textbooks. Figura 32-13: Conforme Saar LI, Getty R: The interrelationship of the lymph vessel connections of the lymph nodes of the head, neck, and shoulder regions of swine, Am J Vet Res 25:618 – 636, 1964. Figura 35-9: Conforme Mollerus FW: Zur funktionel en anatomie des eberpenis, Berlin (FU), 1967, Vet. Diss. Figura 35-10, C: Conforme Meyen J: Neue untersuchungen zur funktion des präputialbeute1sdes schweines, Zentralbl Vet Med 5:475 – 492, 1958. Figuras 37-2; 37-4: Conforme Lucas AM, Stettenheim PR: Avian anatomy: integument, parts I and II. Agriculture handbook 362, Washington DC, 1972, US Government Printing Office. Figura 37-3: Cortesia de Dr. M Frankenhuis, Amsterdam Zoo. Figura 37-21, C: Conforme King AS, McLelland J: Birds-their structure and function, 25 ed 2, London, 1984, Baillière Tindall. Figura 37-22: Conforme Komarek V: Die männliche kloake derentenvögel, Anat Anz 124:434 – 442, 1969. 26 Table of Contents Front Matter Copyright Revisão Científica Tradução Colaboradores Consultores Prefácio à Quarta Edição Prefácio à Primeira Edição Fontes de Ilustrações Não Originais I: Anatomia Geral Capítulo 1: Alguns Fatos e Conceitos Básicos Capítulo 2: O Aparelho Locomotor Capítulo 3: O Aparelho Digestório Capítulo 4: O Aparelho Respiratório Capítulo 5: O Aparelho Urogenital Capítulo 6: As Glândulas Endócrinas Capítulo 7: O Sistema Cardiovascular Capítulo 8: O Sistema Nervoso Capítulo 9: Os Órgãos dos Sentidos Capítulo 10: O Tegumento Comum II: Cães e Gatos 27 Capítulo 11: A Cabeça e a Parte Ventral do Pescoço do Cão e do Gato Capítulo 12: Pescoço, Dorso e Coluna Vertebral do Cão e do Gato Capítulo 13: O Tórax do Cão e do Gato Capítulo 14: O Abdome do Cão e do Gato Capítulo 15: A Pelve e os Órgãos Reprodutivos de Cães e Gatos Capítulo 16: O Membro Torácico do Cão e do Gato Capítulo 17: O Membro Pélvico do Cão e do Gato III: Equinos Capítulo 18: Cabeça e Pescoço Ventral do Equino Capítulo 19: Pescoço, Dorso e Coluna Vertebral do Equino Capítulo 20: Tórax do Equino Capítulo 21: O Abdome do Cavalo Capítulo 22: Pelve e Órgãos Reprodutivos do Equino Capítulo 23: Membro Torácico do Equino Capítulo 24: Os Membros Pélvicos do Equino IV: Ruminantes Capítulo 25: Cabeça e Pescoço Ventral do Ruminante Capítulo 26: Pescoço, Dorso a Cauda dos Ruminantes Capítulo 27: O Tórax do Ruminante Capítulo 28: O Abdome dos Ruminantes Capítulo 29: Pelve e Órgãos Reprodutivos dos Ruminantes Capítulo 30: O Membro Torácico dos Ruminantes Capítulo 31: O Membro Pélvico dos Ruminantes V: Suínos Capítulo 32: Cabeça e Pescoço Ventral do Suíno 28 Capítulo 33: Coluna Vertebral, Dorso e Tórax do Suíno Capítulo 34: O Abdome do Suíno Capítulo 35: Pelve e Órgãos Reprodutivos do Suíno Capítulo 36: Os Membros do Suíno VI: Aves Capítulo 37: Anatomia de Aves Índice 29 I Anatomia Geral 30 1 Alguns Fatos e Conceitos Básicos O ESCOPO DA ANATOMIA A anatomia é o ramo do conhecimento que trata da forma, disposição e estrutura dos tecidos e órgãos que formam o corpo. A palavra, de origem grega, significa, literalmente, “cortar em pedaços”; a dissecção de cadáveres é o método tradicional utilizado no estudo da anatomia. Os anatomistas, porém, empregam diversas outras técnicas para complementar o conhecimento da anatomia macroscópica obtido com o uso do bisturi. Detalhes invisíveis a olho nu são revelados pelas microscopias de luz e eletrônica, que constituem uma subdivisão conhecida como anatomia microscópica. A disciplina também se estende ao estudo dos estágios pelos quais o organismo evolui da concepção, passando pelo nascimento, pela juventude e pela maturidade, até a velhice; esse estudo, conhecido como anatomia do desenvolvimento, tem escopo mais amplo do que a embriologia clássica, cuja atenção está confinada ao período anterior ao nascimento. Poucos anatomistas agora se satisfazem com a mera descrição do corpo e de suas partes, e muitos buscam entender as relações entre estrutura e função. O estudo dessas relações se funde, claramente, à fisiologia, à bioquímicae a outras ciências da vida; pode ser descrito como anatomia funcional, mas preferimos considerar a abordagem funcional como aquela que deveria permear todos os ramos, em vez de um estudo quase independente. Este livro trata principalmente da anatomia macroscópica, uma limitação justificada pela prática geral de ministrar a anatomia microscópica e a anatomia do desenvolvimento em disciplinas distintas. Ainda assim, nos permitimos discorrer acerca de aspectos microscópicos e do desenvolvimento quando essa prática nos pareceu útil à promoção do entendimento da anatomia macroscópica ou para dar vida ao que poderia ser desinteressante. A informação obtida por meio da dissecção pode ser disposta e organizada de duas formas principais e complementares. Na primeira, a anatomia sistemática, a atenção é sucessivamente dirigida a grupos de órgãos que possuem atividades tão relacionadas 31 que constituem sistemas corpóreos com uma função comum evidente – o sistema digestório, o sistema cardiovascular, e assim por diante. A anatomia sistemática permite uma abordagem comparativa, combinando, facilmente, aspectos macroscópicos, microscópicos, do desenvolvimento e funcionais, e também fornece a base para o estudo das demais ciências médicas. Além disso, para o iniciante, é de compreensão mais fácil do que a anatomia regional. Essa abordagem é empregada nos Capítulos 2 a 10. A abordagem alternativa, a anatomia regional, é usada na segunda e maior parte deste livro. A anatomia regional (ou topográfica) lida, diretamente, com as formas e as relações de todos os órgãos presentes em determinadas partes ou regiões do corpo. Presta menos atenção às funções, à exceção daquelas mais simples e mecânicas, do que a anatomia sistemática, mas tem uma importância compensatória, dada sua imediata aplicação ao trabalho clínico. Uma vez que detalhes podem não ter importância teórica mas são muitas vezes relevantes para o clínico, é necessário considerar, separadamente, a anatomia regional das diferentes espécies. A anatomia regional é um dos fundamentos da prática clínica, e diferentes aspectos, com objetivos determinados, são ocasionalmente conhecidos como anatomia de superfície, aplicada, cirúrgica e radiográfica, termos que apresentam conotações sobrepostas mas que raramente requerem definição. LINGUAGEM ANATÔMICA A linguagem anatômica deve ser precisa e sem ambiguidades. Em um mundo ideal, cada termo possuiria um único significado, cada estrutura apenas um nome. Infelizmente, há muito tempo, existe um alarmante excesso de termos, além de muita inconsistência em seu uso. Na esperança de reduzir essa confusão, um vocabulário internacionalmente aceito, a Nomina Anatomica Veterinaria (NAV)*, foi introduzido em 1968 e, desde então, obteve ampla aceitação. É revisada periodicamente, a mais recente em 1994, e tentamos usá-la, ao longo deste trabalho, de forma consistente. Ocasionalmente, incluímos uma segunda alternativa, mais antiga e não oficial, quando um termo é tão enraizado na prática clínica que parece improvável ser proscrito. Os termos da NAV estão em latim, mas é admissível traduzi-los em equivalentes vernaculares usualmente empregados em países de língua inglesa. Demos preferência às traduções que mais se assemelham ao original latino, de modo que a equivalência seja imediatamente reconhecida. Portanto, o nome em latim é dado apenas quando a tradução pode ser dúbia. Para alguns termos oficiais, muitas 32 vezes não existem equivalentes; nesses casos, convencionou-se o uso dos termos em latim, às vezes abreviados, como palavras ou frases do idioma em questão. A resultante mistura de linguagens pode ser dissonante, mas difícil de evitar, principalmente durante a descrição de grupos musculares. Os nomes, em latim ou outra língua, devem ser informativos e auxiliar a compreensão. É mais sábio procurar, em dicionários médicos ou anatômicos, uma palavra cujo significado não é evidente do que simplesmente repeti-la sem compreendê-la. Os nomes dados a estruturas particulares serão gradualmente encontrados, mas os termos que indicam posição e direção devem ser dominados o quanto antes. Esses termos oficiais são mais precisos do que as alternativas comuns, já que retêm sua relevância independentemente do posicionamento real do indivíduo. Tais termos são definidos na lista a seguir e seu uso é ilustrado na Figura 1-1. Não os usaremos de maneira pedante na ausência de possibilidade de interpretação errônea. Ao usar termos comuns (acima, atrás, e assim por diante), temos sempre em mente a posição anatômica padrão que, em um quadrúpede, é aquela em que o animal está em estação e alerta. Essa posição difere da humana e, assim, o uso da terminologia é dificultado quando são consultados livros que discutem, principalmente, o corpo humano. Os anatomistas médicos usam, com mais frequência, os termos anterior e posterior, inferior e superior, que têm conotações muito diferentes quando aplicados a quadrúpedes. É melhor, portanto, evitá-los, exceto em algumas aplicações específicas à anatomia da cabeça. Os principais termos recomendados de posição e direção são dispostos em pares, e deve ser enfatizado que se referem a posições relativas, não absolutas. Muitos desses adjetivos formam advérbios correspondentes pelo uso do sufixo -mente. Estruturas (ou posições) dorsais encontram-se na região das costas (dorso) no tronco ou, por extensão, em direção à superfície correspondente da cabeça ou da cauda. Estruturas ventrais encontram-se na barriga (ventre) ou na superfície correspondente da cabeça ou da cauda. Estruturas craniais encontram-se na direção da cabeça (crânio), enquanto as caudais encontram-se em direção à cauda. Na cabeça, as estruturas voltadas para o focinho (rostro) são ditas rostrais e o termo caudal permanece adequado. Estruturas mediais encontram-se em direção ao plano mediano que divide o corpo em “metades” simétricas, direita e esquerda. Estruturas laterais encontram-se em direção aos lados (flancos) do animal. 33 Diferentes convenções se aplicam aos membros. Estruturas que se encontram em direção à junção com o corpo são proximais (próximas), enquanto as mais distantes são distais (distantes). Na parte proximal do membro (definida, para esse propósito, como se estendendo do limite proximal do carpo [pulso] ou tarso [jarrete, tornozelo]), as estruturas que se encontram voltadas para a “frente” são ditas craniais, enquanto as voltadas para “trás” são caudais. Na parte distal restante do membro, as estruturas voltadas para a “frente” são dorsais (dorso, costas das mãos), enquanto as voltadas para “trás” são palmares (palma das mãos) nos membros torácicos e plantares (planta, sola dos pés) nos membros pélvicos. Termos adicionais podem ser aplicados à anatomia dos dedos. Estruturas axiais localizam-se próximas ao eixo de um dedo central ou ao eixo do membro quando este passa entre dois dedos; posições abaxiais (ab, longe de) encontram-se distantes do eixo de referência. Os termos externo e interno, superficial e profundo não requerem explicação ou definição. Às vezes, é necessário fazer referência a uma secção do corpo ou a parte dela (Fig. 1-1). O plano mediano divide o corpo em metades simétricas direita e esquerda. Qualquer plano paralelo a esse é um plano sagital, enquanto aqueles próximos ao mediano são ocasionalmente denominados planos paramedianos. Um plano dorsal secciona o tronco ou outra parte de forma paralela à superfície dorsal. Um plano transversal secciona o tronco, a cabeça, o membro ou outro apêndice de maneira perpendicular ao seu próprio eixo longitudinal. 34 Figura 1-1 Termos direcionais e planos do corpo animal. As áreas pontilhadas representam o carpo e o tarso nos membros torácicos e pélvicos, respectivamente. UMA INTRODUÇÃO À ANATOMIA REGIONAL Embora os primeiros nove capítulos que se seguem discutam a anatomia sistemática, os leitores prestes a iniciar um curso em laboratório descobrirão necessitardo conhecimento de vários sistemas de uma só vez. O principal propósito do restante deste capítulo é fornecer esse fundamento. Entretanto, devotar alguma atenção a animais vivos também traz seus benefícios. ESTUDO DO ANIMAL VIVO A anatomia regional é estudada, de maneira conveniente, pela dissecção, mas esse método possui óbvias limitações quando o objetivo é conhecer a anatomia dos animais vivos. Quando fixados, os órgãos perdem suas características, se tornam inertes e apresentam coloração e consistência muito diferentes daquelas observadas 35 em seu estado vivo. As impressões obtidas na sala de dissecção devem ser modificadas e corrigidas por frequentes consultas a materiais frescos e, sempre que possível, pela observação de cirurgias. Muitos dos que estudam a anatomia de animais domésticos o fazem pensando em uma futura carreira profissional e descobrirão que, nesse estágio de seu treinamento, é estimulante e proveitoso aprender a aplicar os métodos mais simples de exame clínico a animais normais. Em alguns departamentos, os alunos recebem instruções elementares acerca desses métodos; outros devem criar suas próprias oportunidades, talvez pedindo auxílio de alunos mais experientes. Os estudantes descobrirão que um pouco de experiência direta é muito mais recompensadora do que horas de leitura sem orientação. Apenas listamos alguns desses métodos, deixando que os colegas da clínica forneçam orientações mais adequadas. O método mais simples é a observação dos contornos, das proporções e da postura do corpo. As projeções ósseas são os referenciais mais evidentes, mas músculos superficiais e vasos sanguíneos também são úteis, embora menos nítidos; esses pontos de referência permitem a dedução do posicionamento de outras estruturas, com base no conhecimento de suas relações. Pouca experiência é necessária para revelar a importância da raça, da idade, do sexo e das variações individuais ou mostrar que, embora alguns referenciais sejam fixos e confiáveis, outros podem se mover. Alguns (como, por exemplo, o arco costal) se movem a cada respiração, enquanto outras características apresentam alterações mais graduais, tornando-se mais ou menos proeminentes ou mudando de posição com a deposição ou depleção de tecido adiposo ou o avanço da gestação. Estruturas que não são diretamente visíveis podem ser identificadas pelo toque, ou seja, pela palpação cuidadosa ou firme, conforme necessário. Os ossos podem ser identificados por sua rigidez, os músculos por sua contração, as artérias pela pulsação, as veias pelo aumento de volume quando seu fluxo é interrompido por pressão, e os linfonodos e órgãos internos por seu tamanho, configuração e consistência. Ainda assim, a variação é grande e afetada por muitos fatores que tornam difícil saber se a identificação de determinados órgãos em todos os indivíduos normais seria possível, o que é, por si só, uma lição valiosa. A palpação através da pele pode ser suplementada pela exploração digital ou manual, pelo reto ou pela vagina. Certos órgãos podem ser identificados por percussão, provocando ressonância quando a pele sobreposta recebe uma batida seca (de maneira convencionada). 36 Materiais diferentes produzem notas diferentes; o som obtido de um órgão repleto por gás é mais ressonante do que o som surdo de um órgão sólido ou preenchido por fluido. As atividades normais de certos órgãos produzem sons de forma contínua ou intermitentemente. Embora os pulmões e o coração (não esquecendo o coração fetal) sejam os principais exemplos de órgãos cujas posições podem ser determinadas por auscultação, o movimento do sangue nos vasos ou do gás e da ingesta no estômago e nos intestinos pode também ser uma importante fonte de informação anatômica. Ao aplicar essas duas técnicas, não se deve esquecer que variações na condução do som por materiais de diferentes densidades podem resultar em indicações distorcidas do posicionamento e das dimensões da fonte. O estudo da anatomia de animais vivos pode ser complementado por outros métodos, cujo exercício requer considerável treinamento e o uso de equipamentos mais elaborados do que um simples estetoscópio. Esses procedimentos adicionais originaram diversas das novas ilustrações espalhadas por este livro, mas, embora o conhecimento elementar acerca de sua obtenção possa auxiliar sua compreensão, o detalhamento das diversas tecnologias envolvidas está claramente além do escopo deste livro. Muitas partes e cavidades que normalmente não podem ser visualizadas são observadas com o auxílio de diversos instrumentos. Talvez os mais familiares entre eles sejam o oftalmoscópio, usado para estudar o fundo do olho, e o otoscópio, utilizado na exploração do canal auditivo (meato acústico) externo. Outros instrumentos, genericamente denominados “endoscópios”, podem ser introduzidos em orifícios naturais, permitindo a inspeção de partes mais profundas, como a cavidade nasal, a árvore brônquica ou o lume gástrico. Esses exemplos de endoscopia são não invasivos, mas outros exames requerem preparação cirúrgica. Dentre eles estão a artroscopia, a inspeção do interior das articulações sinoviais e a laparoscopia, a técnica pela qual um endoscópio é passado para a cavidade peritonial por uma pequena abertura na parede abdominal. Esta última técnica pode ser empregada para propósitos diagnósticos ou para controle visual (“buraco de fechadura”) da cirurgia, com o uso de instrumentos introduzidos por locais separados. Para tais propósitos, a insuflação moderada do abdome cria a câmara de observação necessária. Os primeiros endoscópios eram rígidos, o que limitava sua utilidade, mas a moderna versão em fibra óptica é flexível e pode se curvar enquanto sua extremidade é virada, com controle remoto, para aumentar o campo a ser analisado. Os componentes essenciais dessa versão são os dois feixes de fibra de vidro. Essas fibras, 37 quando adequadamente preparadas e recobertas, conduzem luz de uma extremidade à outra sem extravasamento lateral significativo. Um feixe é usado para conduzir a luz distalmente, de uma fonte externa até a região a ser visualizada; as fibras que o compõem podem ser relativamente comuns e dispostas aleatoriamente. O segundo feixe conduz a imagem e é composto de fibras mais finas, que mantêm posições fixas umas em relação às outras. A imagem é composta de diversas pequenas unidades, cada uma correspondente a uma fibra individual, sendo apresentada ao olho (ou à câmera ou sistema de vídeo) na extremidade proximal do instrumento. A anatomia radiográfica foi, por algum tempo, um componente indispensável de todos os cursos de anatomia, por influência de considerações clínicas. Muitos departamentos mostram, de forma rotineira, radiografias previamente preparadas e, embora os alunos não participem de sua confecção, é prudente lembrá-los dos consideráveis riscos associados à radiação X – riscos que devem sempre ser avaliados para aqueles que conduzem esses procedimentos ou são sujeitos a ele. Os raios X são produzidos pelo bombardeamento de elétrons em um alvo de tungstênio (foco) alojado em um tubo blindado. Somente um estreito feixe de raios X escapa, sendo direcionado à região relevante do indivíduo. A passagem dos raios pelo corpo é afetada pelos tecidos que encontra; tecidos substancialmente compostos de elementos de grande peso atômico tendem a dispersar ou absorver os raios, enquanto os que apresentam maiores concentrações de elementos de baixo peso atômico têm efeitos proporcionalmente menores. Por conter grandes concentrações de cálcio, os ossos pertencem claramente à primeira categoria (radiopaca); tecidos moles, por outro lado, geralmente pertencem à segunda categoria (radiotransparente). Os raios que conseguem atravessar o indivíduo encontram um filme sensível (ou outro detector), que responde à radiação recebida. Quando o filme é revelado, as áreas recobertas por tecidos moles (ou espaços preenchidos por gás) aparecemescuras, até mesmo pretas, enquanto as que contêm ossos (ou outro material radiopaco) são mais claras, até mesmo brancas. A distinção entre tecidos de radiodensidade similar pode ser otimizada pela introdução de um contraste adequado, para recobrir uma superfície ou preencher espaços. Existem métodos específicos, usando diversos materiais, para ressaltar características de diferentes estruturas, como o lume gástrico, o trato urinário e o espaço subaracnoide. As projeções radiográficas são adequadamente identificadas por referência à direção tomada pelo feixe de raios X em sua passagem pelo indivíduo. Assim, a radiografia de um animal em decúbito dorsal, com o ventre voltado para a fonte de 38 raios X, é descrita como ventrodorsal; a obtida com o animal virado ao contrário, agora com o ventre voltado para o filme, é denominada dorsoventral. A convenção dá pouca margem a confusões, mas, ocasionalmente, origina termos estranhos, como dorsolateral-plantaromedial, que especifica uma projeção oblíqua particular do jarrete. O conhecimento de certos princípios ajuda a evitar alguns erros comuns de interpretação: a imagem de qualquer estrutura é sempre aumentada pelo grau determinado pela relação foco-filme/foco-objeto; a divergência dos raios X produz um aparente desvio no posicionamento de qualquer objeto que não esteja logo abaixo do foco. Dois diagramas simples (Fig. 1-2) esclarecerão esses pontos. Uma dificuldade de não tão fácil resolução resulta da sobreposição de imagens de estruturas que repousam umas sobre as outras. Uma solução engenhosa, mas apenas parcialmente eficaz, foi conseguida com o movimento coordenado – em direções opostas – de tubo e filme durante o período de exposição (Fig. 1-3, A). Nessa técnica, conhecida como tomografia, o eixo pelo qual o tubo e o filme trafegam coincide com o plano da fatia horizontal do indivíduo que está sendo avaliado. As estruturas contidas nessa fatia permanecem mais ou menos em foco durante a exposição, enquanto as imagens produzidas pelas estruturas de outros níveis são borradas ou incorporadas ao plano de fundo geral. Tais tomógrafos nunca foram muito empregados na radiologia veterinária. Uma técnica desenvolvida mais recentemente, mais sofisticada, conhecida como tomografia computadorizada (TC), possui uma base diferente, mas mantém o objetivo de mostrar claramente as partes de uma dada fatia do corpo, excluindo imagens irrelevantes. Apesar do considerável custo do aparelho e de seu uso limitado em animais de grande porte, essa técnica agora é amplamente oferecida em centros de referência em medicina veterinária. 39 Figura 1-2 A, Desenho esquemático ilustrando o efeito de magnificação causado pela divergência dos raios X. B, Desenho esquemático ilustrando a aparente alteração de posição de um órgão que não está diretamente abaixo do foco. Figura 1-3 Diagramas de um aparelho tomográfico de raios X básico (não computadorizado) (A) e de um scanner de tomografia computadorizada de quarta geração (B). 1, movimento da fonte de raios X durante a exposição; 2, linhas indicando a conexão mecânica entre a fonte de raios X e o detector de 40 radiação (ou seja, o filme); 3, plano de foco; 4, paciente em decúbito dorsal em mesa fixa; 5, movimento (em direção oposta) do detector durante a exposição; 6, movimento da fonte de raios X ao redor do paciente imóvel; 7, feixe de raios X durante a exposição; 8, anel de detectores fixos ao redor do mecanismo em rotação do tubo de raios X. No aparelho de TC moderno, a fonte de raios X se move em um círculo que é centrado no eixo longitudinal do indivíduo durante o procedimento, que leva de um a vários segundos para ser completado (Fig. 1-3, B). Nesse período, o movimento do tubo é repetidamente interrompido por momentos muito breves; em cada um deles, a radiação é dirigida ao indivíduo por trajetos diferentes. Os feixes que penetram a fatia selecionada, muito delgada, colidem com diversos pequenos detectores ou, em alguns modelos, com partes de um detector circunferencial contínuo, sendo fotomultiplicados. Após completar o procedimento, esses registros são analisados, comparados e combinados de acordo com fórmulas complexas (algoritmos*); a partir desses cálculos, uma única imagem transversal é construída, onde as formas, as localizações e as radiodensidades comparativas de todos os tecidos da fatia selecionada são representadas (Fig. 1-4). Em aparelhos mais complexos, sobreposições múltiplas ou fatias adjacentes podem ser escaneadas em um processo contínuo e ampliado. Com a quantidade de informação fornecida pelo processo ampliado, é possível, empregando cálculos ainda mais complexos, construir imagens em outros planos além do transverso. Os dados podem também ser manipulados de modo a evidenciar as sutis diferenças de contraste apresentadas pelos tecidos de radiodensidade muito similar. Figura 1-4 Imagem transversal de uma fatia de 2 mm de espessura de tomografia computadorizada das bolhas timpânicas e das partes petrosas dos ossos temporais de cão. (Foram usados os ajustes recomendados para ossos.) 1, meato acústico externo; 2, bolha timpânica; 3, cóclea; 41 4, janela redonda (ou da cóclea); 5, nasofaringe. Naturalmente, a TC não está livre de desvantagens: os indivíduos devem ficar completamente imóveis durante o procedimento de exposição; além disso, a dose total de radiação pode ser considerável, embora as exposições individuais sejam muito curtas, e as imagens resultantes amplificadas; os artefatos podem alterar as imagens. Por fim, os atuais equipamentos médicos podem ser utilizados em pequenos animais, mas devem ser adaptados para emprego em animais de grande porte, nos quais seu uso é limitado à investigação de cabeça e membros. Um subproduto da TC é o retorno do interesse à anatomia seccional, uma abordagem da disciplina que era, até há pouco tempo, considerada ultrapassada, mas é agora indispensável para a interpretação dos resultados de imagens obtidas por essa técnica. A familiaridade com a anatomia seccional é também necessária à prática da ultrassonografia. Essa técnica depende da capacidade de um cristal piezoelétrico de converter energia elétrica em ondas sonoras e vice-versa. Quando estimulado, um transdutor de cristal alojado convenientemente, acoplado a uma área apropriada de pele, envia um estreito feixe de ondas sonoras de frequência uniforme para o interior do corpo. As ondas são propagadas pelo tecido com intensidade cada vez menor, e uma fração é dirigida de volta à fonte a cada encontro com uma interface entre os tecidos, que oferece diferentes resistências (impedância acústica). Reconvertidos em energia elétrica, os ecos geram uma imagem visível na tela. Essa imagem, que pode ser “congelada” ou gravada de diversas formas, representa a fina fatia do corpo logo abaixo do transdutor. A onda sonora não é produzida continuamente, mas em pequenos disparos, com menos de um milionésimo de segundo de duração. Os silêncios mais longos que se alternam a esses disparos conferem o tempo necessário para a recepção dos ecos que retornam de interfaces em diferentes profundidades. A frequência e o comprimento de onda das ondas sonoras são inversamente relacionados. A primeira variável determina a profundidade de penetração das ondas, enquanto a segunda determina a resolução que pode ser obtida (ou seja, o detalhamento que pode ser alcançado). Uma vez que ondas de alta frequência penetram menos profundamente, mas registram mais detalhes, a seleção do cristal adequado a determinado exame envolve certo ajuste; existem diversos cristais disponíveis, cada um apresentando uma frequência de oscilação inerente e invariável. A profundidade máxima na qual ainda é possível obter imagens úteis é aproximadamente 25 cm, o que limita o uso da ultrassonografia em equinos e 42 bovinos. Nessas espécies de grande porte, o uso dessa técnica é mais ou menos restrito ao exame de partes distais dos membros e do sistemagenital (quando o transdutor pode ser utilizado na mucosa retal). A ultrassonografia é também amplamente empregada no diagnóstico da gestação em porcas (embora, nesse caso, seja empregada uma abordagem transabdominal). Água, sangue e a maioria dos tecidos moles apresentam impedância acústica bastante similar. Além disso, as interfaces entre essas substâncias são, na melhor das hipóteses, apenas moderadamente reflexivas; no jargão dos ultrassonografistas, são hipoecoicas. Por outro lado, a diferença de impedância entre os tecidos moles e os ossos ou entre os tecidos moles e as cavidades repletas por gás é muito grande, e a reflexão de ondas sonoras é quase total; a interface é hiperecoica. Isso faz com que seja impossível obter imagens de tecidos e órgãos que, como o cérebro no interior do crânio, repousam abaixo de ossos; diz-se que tais estruturas estão em sombra acústica. Por outro lado, uma bexiga urinária distendida ou outro grande volume de impedância uniforme pode ser usada como janela através da qual estruturas mais profundas podem ser acessadas. Existem muitas diferenças quanto ao desenho do transdutor e sua utilização. Alguns transdutores contêm múltiplos cristais dispostos em linha; quando são ativados sequencialmente, geram uma imagem retangular, que representa uma fina fatia do tecido situada abaixo do transdutor. Com mais frequência, um único cristal é empregado, mas disposto de forma que o estreito feixe gerado oscile repetidamente em arco, produzindo uma imagem em cunha ou setorizada (Fig. 1-5). Neles, no modo B (brilho) a imagem representa um corte transversal do campo analisado. No modo alternativo M (movimento), o feixe é emitido apenas de um ponto fixo da oscilação do cristal, sendo o registro limitado, portanto, às estruturas penetradas ao longo de um único eixo. Se as partes estão em movimento, as imagens sucessivas revelam suas alterações de forma, que são enfatizadas quando imagens sucessivas são gravadas lado a lado. Os registros em modo M são especialmente úteis na demonstração dos movimentos das paredes das câmaras e valvas cardíacas. 43 Figura 1-5 A, Vista ultrassonográfica transversal (eixo curto) do coração de cão. 1, ventrículo esquerdo; 2, ventrículo direito; 3, septo; 4, músculos papilares. B, Vista ultrassonográfica de um embrião equino de 42 dias de idade. 1, embrião, com cerca de 2 cm de comprimento; 2, cordão umbilical; 3, fluido alantoico; 4, parede uterina. Para o iniciante, a interpretação de ultrassonografias é, de modo geral, mais difícil do que a de radiografias. As reverberações ocorrem quando as ondas se movem para trás e para a frente (apesar de a reverberação ocorrer devido a mais de uma reflexão durante a trajetória da mesma onda), frequentemente devido ao acoplamento errôneo do transdutor à pele, podendo produzir o que parecem ser múltiplas interfaces paralelas no interior do órgão. Pequenas interfaces entre o parênquima e as pregas fibrosas de determinados tecidos produzem dispersões difusas, o efeito pontilhado. Apesar de tais desvantagens (e outras), a ultrassonografia possui vantagens consideráveis, principalmente a de ser livre dos riscos associados à radiação ionizante. A ressonância magnética (RM) requer considerações menos extensas, já que os custos da instalação e operação do equipamento fazem com que seja encontrado em pouquíssimos centros veterinários. A base teórica da RM repousa em alterações da 44 estrutura dos átomos de hidrogênio induzidas por potentes campos magnéticos e ondas de rádio. Sinais fracos de rádio são subsequentemente produzidos quando a estrutura subatômica retorna à sua configuração normal. Esses sinais podem ser amplificados, e sua origem no organismo pode ser precisamente determinada em três dimensões. Uma vez que diferentes tecidos contêm diferentes concentrações de átomos de hidrogênio, suas respostas diversas podem ser usadas para distingui-los. Tecidos como o adiposo, ricos em hidrogênio, produzem imagens claras, diferentes das imagens escuras geradas por tecidos pobres em hidrogênio, como o ósseo (Fig. 1- 6). É possível obter uma resolução extremamente alta; além disso, parece não haver riscos à saúde associados à RM. A TC e a RM são especialmente indicadas no estudo de estruturas intracranianas. Figura 1-6 Imagens mediossagitais de fatias de 3 mm de espessura de ressonância magnética, sequência“spin-echo” da coluna vertebral lombar de cão. A, Ponderada em T1 (o tecido adiposo aparece em branco e os fluidos em preto). B, Ponderada em T2 (os fluidos aparecem em branco e o tecido adiposo mais escuro que em imagens ponderadas em T1). 1, medula espinhal; 2, núcleo pulposo; 3, tecido adiposo epidural; 4, líquor; 5, ânulo fibroso. PELE 45 A pele recobre o corpo e o protege de injúrias; além disso, desempenha um importante papel no controle da temperatura corpórea e permite que o animal responda a vários estímulos externos, graças a suas muitas terminações nervosas. Existem diversas modificações locais de pele (Cap. 10), mas, no momento, vamos tratar apenas de suas propriedades mais gerais. A pele apresenta espessura e flexibilidade muito variáveis, seja entre as espécies ou localmente. É naturalmente mais espessa em animais de grande porte (embora não em constante proporção ao seu tamanho) e em áreas mais expostas; essas desigualdades são, obviamente, importantes para os cirurgiões. Embora a pele seja, de modo geral, moldada pelas estruturas subjacentes, parece redundante em algumas áreas, formando pregas e cristas; algumas pregas permitem alterações posturais, outras são adaptações que aumentam a área para dissipação de calor para o ambiente, e outras não são nada além de expressões dos caprichos de criadores, como grotescamente ilustrado pelos cães Shar-pei. A pele é composta de duas camadas, a epiderme externa e a derme interna, e, na maioria dos casos, repousa sobre um tecido conjuntivo frouxo, conhecido como tela subcutânea, hipoderme ou fáscia superficial (Fig. 1-7). A epiderme é um epitélio escamoso estratificado cuja espessura é adaptada ao tratamento que recebe; responde ao uso extremo, como exemplificado pelos coxins (toros) palmares e plantares de cães e gatos. Existem numerosas modificações dessa camada, sendo a mais comum a ocorrência de glândulas sebáceas e sudoríparas, e de pelos. As glândulas sudoríparas são mais importantes para a perda de calor por evaporação superficial, mas também desempenham um papel secundário na excreção de resíduos. As glândulas sebáceas produzem uma secreção oleosa que torna a superfície impermeável à água e fornece a áreas relativamente desprovidas de pelos, como a virilha dos equinos, um brilho característico. Esses dois tipos de glândulas geralmente são dispersas de forma ampla, mas não ubíqua. A pelagem, uma característica exclusiva dos mamíferos, confere proteção mecânica e é um isolante térmico; esta última propriedade é dependente do aprisionamento do ar entre os pelos. A pelagem também, de modo geral, recobre todo o corpo. Entre as espécies mais familiares, apenas os humanos e os suínos são relativamente glabros, embora indivíduos desprovidos de pelos possam aparecer em outras espécies como mutações ocasionais, que é a origem, por exemplo, dos gatos da raça Sphynx. Alguns mamíferos aquáticos, como as baleias, são completamente glabros. 46 Figura 1-7 Um bloco de pele. 1, epiderme; 2, derme; 3, tela subcutânea; 4, glândula sebácea; 5, músculo eretor do pelo; 6, glândula sudorípara; 7, folículo piloso; 8, redes arteriais. A derme, que é composta essencialmente de tramas de fibras de tecido conjuntivo, é a matéria-prima do couro. É fixada à epiderme por papilas interdigitantes, mais pronunciadas nos locais onde o desgaste natural poderia provocar lacerações. Na maioria dos casos, a pele se move facilmente por sobre os tecidos subjacentes; essa característica facilita sua remoção de carcaças. A derme é mais firmemente aderida nos poucos locais onde recobrefáscias de espessura maior do que a usual; bons exemplos dessa adesão são o escroto e os lábios. Há um certo risco de injúria por pressão quando a derme é moldada sobre proeminências ósseas, e bolsas sinoviais (pág. 24) se desenvolvem eventualmente nesses locais. Diferentemente da epiderme, a derme é bem suprida por vasos sanguíneos (Fig. 1-7) e nervos cutâneos. A fáscia superficial será discutida na seção a seguir. FÁSCIA E TECIDO ADIPOSO O tecido conjuntivo que separa e envolve as estruturas mais obviamente importantes é genericamente denominado fáscia, um termo de uso bastante elástico; muitos de seus acúmulos maiores, particularmente aqueles de natureza laminar, possuem nomes específicos. Esse tecido tende a receber pouca atenção, o que não é sábio, já que realiza importantes funções. Além disso, a fáscia é encontrada em cirurgias, quando é necessário predizer sua natureza e extensão em diferentes situações. A fáscia superficial (tela subcutânea) é um tecido frouxo (areolar) amplamente disseminado abaixo da pele dos animais que possuem pelagem. Um tecido similar 47 envolve muitos órgãos profundos e, em ambas as situações, a fáscia frouxa permite que as estruturas vizinhas mudem de forma e se movam facilmente umas contra as outras. Sua frouxidão varia de acordo com a quantidade de fluido que possui e pode indicar a presença de algum problema de saúde. A fáscia superficial é um dos principais locais de armazenamento de gordura. Em espécies desprovidas de pelos, a gordura forma uma camada contínua, o panículo adiposo. A fáscia profunda é geralmente organizada em lâminas fibrosas mais resistentes. Uma camada abaixo da fáscia superficial se estende pela maior parte do corpo e se funde às proeminências ósseas. Em muitos locais, emite septos, que penetram entre os músculos, envolvendo-os individualmente ou em grupos (Fig. 1-8); ocasionalmente, o periósteo, a cobertura fibrosa dos ossos, participa do delineamento desses envoltórios. Essa divisão em compartimentos fasciais ou osteofasciais é bastante notável no antebraço e na perna, e atua na circulação auxiliando o retorno sanguíneo e linfático ao coração. Os músculos se espessam quando se contraem e, quando contidos entre paredes rígidas, comprimem as demais estruturas com que compartilham o espaço. Quando tais estruturas são tubos valvados (veias e vasos linfáticos), seus conteúdos são impulsionados na direção do coração. Por causa disso, a paralisia muscular, assim como a inatividade prolongada, pode levar à estase do fluxo de sangue e linfa. As artérias e os nervos cujas funções não seriam auxiliadas pela compressão geralmente seguem por pequenos túneis dentro dos septos. 48 Figura 1-8 Compartimentos osteofasciais no antebraço de um equino. 1, fáscia superficial; 2, veia cefálica; 3, rádio; 4, septos de fáscia profunda, envolvendo músculos ou grupos musculares; 5, fáscia profunda. (Em secções transversais de membros, identificam-se as direções cranial [Cr.] e medial [Med.]). Funções mais específicas podem ser atribuídas a espessamentos localizados (por exemplo, os retináculos: faixas de tecido conjuntivo) da fáscia profunda, que abraçam os tendões mantendo-os no lugar e, às vezes, formam polias ao redor das quais os tendões mudam de direção. Bons exemplos de tais espessamentos são os retináculos da região dorsal do tarso e palmar dos dedos (Fig. 1-9/9). 49 Figura 1-9 Secção axial da mão de um cão; o coxim (toro) metacárpico (7) está em contato com o solo quando o animal está em pé. 1, m. interósseo; 2, tendão extensor; 3, metacarpo; 4, osso sesamoide dorsal; 5, falange proximal; 6, osso sesamoide proximal; 7, coxim (toro) metacárpico; 8, tendões flexores; 9, retináculos; 10, coxim (toro) digital; 11, unha. Uma vez que a fáscia densa é relativamente impermeável, determina a direção tomada pelos fluidos dispersos, como o pus, que, às vezes, segue abaixo da lâmina fascial antes de irromper distante de sua origem. Essa é uma das razões pelas quais o conhecimento básico acerca da fáscia profunda auxilia o cirurgião. Sua resistência permite a ancoragem segura de suturas, além de prover planos de separação, possibilitando, durante a cirurgia, o acesso a partes mais profundas relativamente sem sangramento. Muitos depósitos de gordura (tecido adiposo) podem ser considerados, primariamente, reservas alimentares. Pequenas quantidades de gordura estão amplamente distribuídas pelo corpo, mas a maior parte do tecido adiposo está contida em três ou quatro lugares: a fáscia superficial (Fig. 1-10/2); entre e dentro dos músculos; abaixo do peritônio (a delicada membrana que reveste a cavidade 50 abdominal); e nas cavidades medulares dos ossos longos. Os depósitos subcutâneos de tecido adiposo ajudam a moldar os contornos corpóreos e, com frequência, apresentam diferenças específicas e de gênero em sua localização e desenvolvimento. Os animais adaptados a habitats tórridos desenvolvem depósitos localizados (p. ex., zebuínos camelos, ovinos de cauda gorda), já que a distribuição mais uniforme poderia influenciar a perda de calor para o ambiente. Algumas das diferenças no formato do corpo de homens e mulheres, acentuadas na puberdade, são produzidas pela deposição de gordura nas mamas, nos quadris e no abdomeinferior das mulheres. Em muitos animais do sexo masculino, muito tecido adiposo se deposita na porção dorsal do pescoço: a crista espessada de garanhões é um bom exemplo. Figura 1-10 Secção transversal do dorso de um suíno. 1, pele; 2, tecido adiposo (panículo adiposo) associado à fáscia superficial; 3, músculos do dorso; 4, músculo cutâneo envolvido pela fáscia superficial; 5, costela; 6, vértebra torácica; 7, fígado; 8, processo espinhoso da vértebra; 9, tecido adiposo adicional depositado entre os músculos. Alguns depósitos de gordura, como o envolto em uma rede fibrosa nos coxins de cães, funcionam como amortecedores mecânicos (Fig. 1-9/7, 10). O tecido adiposo com função mecânica é, geralmente, resistente à mobilização pelo jejum prolongado. As diferenças na natureza química e física do tecido adiposo podem ser pronunciadas, mas ser reflexo tanto da dieta quanto de fatores genéticos específicos. 51 Quando a origem de uma amostra está sendo determinada, certamente é útil saber que a gordura de equinos, assim como a de bovinos da raça Jersey, é amarela, enquanto a de ovinos é firme e branca, e a de suínos é macia e acinzentada. Deve-se lembrar também que, à temperatura corpórea, o tecido adiposo é mais macio (semifluido) do que quando exposto a ambientes mais frios. Certos procedimentos – a lipoaspiração e a lipofixação – empregados em cirurgias cosméticas dependem dessa circunstância afortunada. Todas essas considerações se referem ao tecido adiposo comum. Uma segunda categoria, o tecido adiposo marrom, tem distribuição temporal e local muito mais restrita. A gordura marrom possui estrutura e função diferentes (Fig. 1-11), assim como coloração distinta. Nas espécies domésticas, é encontrada principalmente durante os períodos fetal e neonatal; em animais silvestres, é particularmente proeminente em espécies que hibernam (Fig. 1-12). O adipócito marrom contém numerosas gotículas e uma quantidade muito maior de mitocôndrias. É ricamente vascularizado. Fornece a ambos os grupos uma fonte de calor prontamente disponível, igualmente útil ao animal recém-nascido cuja termorregulação é imperfeita e ao hibernante que necessita acordar rapidamente de um profundo sono de inverno Figura 1-11 Adipócitos de tecido adiposo branco (à esquerda) e marrom (à direita). No tecido adiposo branco, um único e grande vacúolo de gordura desloca o citoplasma e o núcleo para a periferia da célula. Pequenos vacúolos de gordura estão uniformemente distribuídos pelas células do tecido adiposo marrom. 1, núcleos; 2, vacúolos de gordura; 3, capilares. 52 Figura 1-12 Distribuição de tecido adiposo marrom em coelho recém-nascido, concentrado ao redor do pescoço e entreas escápulas. OSSOS As funções primárias do esqueleto são a sustentação do corpo, a formação do sistema de alavancas utilizado na locomoção e a proteção de partes moles. Os fatores biomecânicos, portanto, são os mais importantes para moldar os ossos e determinar seu desenho microscópico. O principal tecido esquelético, o osso, possui um papel secundário na manutenção da homeostase mineral, fornecendo uma reserva de cálcio, fosfato e outros íons. A Classificação dos Ossos Os ossos podem ser classificados de diversas formas. Uma classificação topográfica reconhece um esqueleto cranial (da cabeça) e um esqueleto pós-cranial, composto de duas divisões: o esqueleto axial do tronco e o esqueleto apendicular dos membros. Uma segunda classificação, baseada na ontogenia, distingue o esqueleto somático, formado na parede corpórea, do esqueleto visceral, derivado dos arcos faríngeos (branquiais). Um terceiro sistema também é baseado no desenvolvimento e diferencia partes pré-formadas na cartilagem (mais tarde amplamente substituída por osso) daquelas que sofrem ossificação direta a partir do tecido conjuntivo fibroso. Essa classificação reflete a filogenia, já que os ossos que se desenvolvem em membranas são homólogos aos ossos dérmicos de vertebrados inferiores. Os ossos, individualmente, são classificados de acordo com sua forma por um sistema bastante ingênuo (Fig. 1-13). Os ossos longos, característicos de membros, tendem a ser cilíndricos e são claramente adaptados ao funcionamento como alavancas. Talvez seja mais importante saber que esses ossos se desenvolvem a partir de três centros de ossificação: um no corpo (diáfise) e um em cada extremidade (epífise) (pág. 72). 53 Figura 1-13 Ossos longos, curtos e planos. 1, epífises proximal e distal; 1′, cartilagem fisial; 2, diáfise do rádio de um cão jovem; 3, osso do carpo de um equino; 4, osso parietal do crânio de um cão. Os ossos curtos não possuem dimensão que exceda, significativamente, as demais. Muitos estão agrupados juntos, no carpo e no tarso, onde a multiplicação das articulações possibilita a realização de movimentos complexos e reduz a ocorrência de concussões. A maioria dos ossos curtos se desenvolve a partir de um único centro de ossificação; a replicação desses centros geralmente indica que o osso representa uma fusão de elementos que, em formas ancestrais, eram distintos. Os ossos planos são expandidos em duas direções. A categoria inclui a escápula, os ossos do cíngulo pélvico e muitos dos que formam o crânio. Suas superfícies amplas permitem a fixação a grandes massas musculares e a proteção de partes moles subjacentes. Os demais ossos têm formas por demais irregulares para serem classificados em categorias claramente definidas. Ossos planos ou irregulares não apresentam uniformidade no desenvolvimento. A Organização de um Osso Longo Muitas características da construção óssea são convenientemente abordadas através do exame de uma secção longitudinal de um osso longo (Fig. 1-14, A). A forma do osso é determinada por uma bainha ou córtex de osso sólido (compacto), composta de finas lamelas dispostas em séries de tubos concêntricos ao redor de pequenos canais centrais. Cada um desses sistemas é conhecido como osteônio (Fig. 1-14, B). O córtex 54 é espesso em direção ao meio do corpo, mas se afina em direção a cada extremidade, sobre as quais se contínua como uma crosta. A superfície externa é lisa, exceto onde as irregularidades atuam como locais de fixação para músculos ou ligamentos; tais irregularidades podem ser elevadas ou deprimidas e, em ambos os casos, permitem a concentração dos elementos de fixação. Essas características geralmente são mais pronunciadas em machos maiores e mais velhos. Recebem diversos nomes descritivos, de significado convencional; a maior parte das elevações é conhecida como linhas, cristas, tubérculos, tuberosidades ou espinhas; a maioria das depressões é conhecida como fossas ou sulcos. Figura 1-14 A, Um osso longo (úmero bovino) seccionado longitudinalmente. B, Osteônio com canal central (de Havers). 1, cartilagem articular; 2, osso esponjoso; 2′, cartilagem fisial; 3, osso compacto; 4, periósteo, parcialmente rebatido; 5, forame nutrício; 6, cavidade medular; 7, área rugosa para inserção de músculo ou ligamento; 8, extensão distal do epicôndilo medial; 9, tendões de origem dos flexores do carpo e dos dedos. 55 A superfície interna do corpo (diáfise) abriga uma cavidade medular central e é rugosa; essas irregularidades são pequenas, indistintas e sem significado aparente. As extremidades (epífises) são ocupadas por osso poroso ou osso esponjoso, que formam uma malha tridimensional de espículas, placas e tubos entrelaçados, de densidade variável. A cavidade medular e os espaços intersticiais de osso esponjoso são ocupados pela medula óssea, que é observada em duas formas integradas. A medula óssea vermelha é um tecido gelatinoso ricamente vascularizado, com propriedades hemopoiéticas, e produz os eritrócitos e os leucócitos granulares do sangue. Embora toda a medula seja desse tipo em animais jovens, grande parte é, mais tarde, infiltrada por tecido adiposo e convertida em uma medula de tom amarelo pálido, gordurosa, cujo potencial hemopoiético está latente. É a medula óssea dos espaços maiores que primeiramente se torna inativa, seguida pela do osso esponjoso dos ossos distal dos membros até finalmente a medula ativa estar confinada às extremidades proximais do úmero e do fêmur, os ossos dos cíngulos dos membros e aqueles do esqueleto axial. Em animais domésticos, a cronologia desses eventos é incerta. As partes que se articulam com os ossos vizinhos são lisas. Tais superfícies articulares são mais extensas do que as áreas em contato com qualquer posição da articulação e são responsáveis pela amplitude do movimento. São revestidas por uma cartilagem articular hialina. A cartilagem não possui estrutura uniforme; é calcificada em sua camada mais profunda, que se fixa firmemente ao córtex subjacente e se torna fibrosa em direção à periferia, onde se funde ao periósteo e à cápsula articular. Uma grossa membrana fibrosa, o periósteo, envolve o restante da superfície externa, da qual pode ser prontamente removido, exceto onde é penetrado por tendões e ligamentos que se ancoram na substância compacta. Sua aparência é enganosa, já que a camada mais profunda é celular e, mesmo em adultos, retém a capacidade de formação de osso exercida durante o desenvolvimento (pág. 72). Essa função osteogênica é reativada no processo de cicatrização de fraturas. Os ossos possuem um generoso suprimento sanguíneo, totalizando talvez 5-10% do débito cardíaco. Existem diversos tipos de vasos sanguíneos; a assim chamada artéria nutrícia, embora seja, de modo geral, a maior fonte única, provavelmente contribui menos do que outras do conjunto. A artéria nutrícia penetra em direção ao interior do corpo, em um ponto que é razoavelmente constante em cada osso. Normalmente é direcionada para uma extremidade, e o forame pelo qual passa pode, em 56 radiografias, simular uma fratura oblíqua. Na medula, a artéria se divide em dois ramos divergentes; estes, assim como as divisões posteriores, seguem trajetos muito tortuosos, que podem ter como objetivo reduzir a pressão dos vasos da delicada medula (Fig. 1-15). Os ramos menores suprem os sinusoides da medula e também as arteríolas e os capilares que permeiam um sistema de diminutos canais centrais (canais de Havers) no interior dos osteônios do osso compacto. Outro suprimento para o córtex advém dos sinusoides medulares. Ramos da artéria nutrícia que chegam à região metafisária (a parte da diáfise adjacente à epífise) se anastomosam com os ramos dos vasos metafisários e epifisários que adentram o osso em direção à sua extremidade. Acredita-se que a região central dessa parte do corpo dependa, principalmente, da artéria nutrícia, enquanto a parte periférica depende das artérias
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