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Módulo 1 – Fundamentos da investigação do crime de homicídio Apresentação do Módulo A investigação de um crime, como todo fazer, antes que seja traduzida em métodos e técnicas, é uma construção conceitual de conhecimentos que lhe darão sustentação. Entretanto, sendo o homicídio uma ação social, antes de iniciar qualquer fundamento conceitual, é importante sua contextualização histórica e política para que possa ser compreendido e apurado como tal. É muito provável que você já seja detentor de vasto conhecimento sobre investigação criminal – ou até mesmo sobre o tema específico deste curso. No entanto, este módulo inicial irá levá-lo a revisitar alguns conceitos básicos, mas necessários ao aprendizado ora proposto. Sendo assim, temas como princípios constitucionais e princípios fundamentais da investigação, bem como as atitudes a serem adotadas pelos profissionais de segurança pública ligada às atividades investigativas serão revistos de modo a permitir sua compreensão no contexto da apuração do crime de homicídio. Aproveite e boas aulas! Objetivos do Módulo Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Compreender os aspectos históricos e políticos do enfrentamento da prática do homicídio. Compreender conceitos e características próprias da investigação de homicídio; Construir uma investigação de homicídio baseada em princípios fundamentais de respeito à lei e à dignidade da pessoa humana; Agir em conformidade com os padrões de postura estabelecidos para as equipes de investigação durante a apuração de crimes de homicídio. Estrutura do Módulo Aula 1 – Aspectos históricos e políticas nacionais de enfrentamento da prática de homicídio Aula 2 – Conceito e características da investigação do crime de homicídio Aula 3 – Princípios constitucionais com repercussão na investigação de homicídio Aula 4 – Princípios fundamentais da investigação criminal Aula 5 – Postura do investigador do crime de homicídio Aula 1 – Aspectos históricos e políticas nacionais de enfrentamento da prática de homicídio Você não poderia iniciar o estudo da investigação do crime de homicídio sem uma rápida abordagem histórica e conceitual desse delito, concorda? Importante! Os elementos históricos são referenciais importantes para a compreensão desse fenômeno social, principalmente no que diz respeito à leitura feita pelas sociedades na sua gradual criminalização. A palavra homicídio origina-se do termo latino homicidium, que é composto de dois elementos: homo, que significa homem e provém de húmus, terra, país; e caedere, que significa matar. Nessa mesma linha de raciocínio, é possível conceituar o homicídio como o ato pelo qual uma pessoa elimina a vida de outra; ou, também, a morte de alguém causada por uma pessoa. Historicamente, o primeiro homicídio relatado foi a morte de Abel, provocada por seu irmão Caim, que agiu motivado por inveja, conforme consta na Bíblia (Gênesis, capítulo 4). No estudo da pré-história, há inúmeros relatos de corpos encontrados com vestígios de violência, o que é um indicativo de que a morte dessas pessoas tenha sido provocada pela ação humana. Os manuscritos das civilizações antigas, especialmente dos povos sumérios e babilônicos, demonstram a adoção do Código de Hamurabi, conhecido pela Lei de Talião, cuja regra central era o que se chama de “olho por olho, dente por dente”. Dessa forma, os crimes de homicídio, em regra, eram punidos com a morte do autor, forma de punição também adotada pelos egípcios e assírios, os quais entregavam o autor do crime à família do morto, que, conforme seu arbítrio, sua vontade, poderia lhe impor a morte ou apossar-se de seus bens. Há também o Código de Manu, relacionado ao povo hindu, o qual concedia privilégios aos brâmanes, parcela privilegiada da população, sendo que, se um membro desse grupo, que se denomina casta, matasse o membro de outra casta, nunca seria condenado à pena capital, o que sempre se verificava em caso contrário. Por sua vez, a legislação hebraica determinava uma regra geral para o crime de homicídio: “não matarás” (quinto mandamento da Bíblia); e uma punição específica no caso dos homicídios involuntários – quando não há a intenção de matar –, caso em que os autores eram mandados para as cidades-asilos. Na Grécia antiga, o crime de homicídio não era punido na cidade-estado de Esparta, mas era punido na cidade-estado de Atenas. Na Roma antiga, o homicídio era considerado um crime público e recebeu inicialmente o nome de parricidium, que significava a morte de um cidadão romano. Mais tarde, o termo passou a ser empregado para designar a morte de um ascendente pelo descendente. Somente no final da república romana adotou-se o termo homicídio. Em Roma, a pena para o crime de homicídio dependia da condição social do réu e das circunstâncias do fato. Compreendia o exílio, o confisco dos bens ou a morte por decapitação ou por animais ferozes. No direito germânico, o homicídio era considerado crime privado e o homicida ficava sujeito à vingança da família do morto. Também havia a possibilidade de composição, que consistia no cumprimento, pelo homicida, de uma exigência da família da vítima. Com o ressurgimento do direito romano e a influência do direito canônico, o homicídio voltou a ser considerado crime público. Contudo, os castigos corporais e a pena de morte continuaram a ser adotados como punição para essa prática criminosa. Aqui, uma nota importante! No final do século XVI, na Holanda, surgiu o modelo prisional, com caráter reeducacional. Eram casas correcionais destinadas inicialmente a abrigar vadios, mendigos e prostitutas. Embora esses estabelecimentos se destinassem ao cumprimento de pena com caráter educativo, as penas de suplícios corporais continuaram a ser aplicadas. Foi no período iluminista, no final do século XVIII, que se iniciou o movimento que pregou a reforma das leis e da administração da justiça penal, que deveria considerar a humanidade do condenado. Césare Bonesana Beccaria, o Marquês de Beccaria, em seu livro Dos Delitos e das Penas, escrito em 1764, contribuiu para a mudança da forma de execução das penas em toda a Europa. Repudiou as penas cruéis, estabelecendo a necessidade de respeitar a dignidade do condenado e demais direitos indisponíveis, entre eles o direito à preservação da integridade física e da vida. 1.1. A penalização da conduta “matar alguém” na legislação brasileira Chamando o tema para o Brasil, o Código Penal de 1830, ainda no período imperial, trata do crime de homicídio e o considera qualificado, o que traz o aumento da pena nos casos em que é praticado com veneno, mediante fraude ou emboscada, com promessa de pagamento ou por mais de uma pessoa. Nesses casos, a pena variava desde trabalho forçado, galés perpétuas, até a morte. Já no período republicano, o Código de 1890 contemplava o crime de homicídio em seu artigo 294, agravando a pena em várias circunstâncias. A pena de prisão variava de 12 a 30 anos nas formas qualificadas e de 06 a 24 anos nos casos de homicídio simples. No Código Penal brasileiro em vigor, de 1940, o crime de homicídio está inserido no capítulo dos crimes contra a vida, sendo o primeiro crime tipificado, ou seja, cuja conduta é descrita com a expressão “matar alguém” (texto do art. 121 do CP). A proteção à vida tem também seu fundamento na Constituição Federal de 1988 e está prevista no caput do artigo 5º. É considerado um direito fundamental, isto é, é indispensável ao desenvolvimento da pessoa humana. Entretanto, é importante ressaltar que nenhum direito, mesmo que fundamental, é absoluto, já que é necessário que todos os direitos convivamharmoniosamente. Por isso, o direito à vida também encontra limitação quando em confronto com outros interesses coletivos ou individuais da sociedade. Nesses casos a lei cria situações privilegiadas de descriminalização da conduta “matar”, como é o caso das chamadas causas legais de exclusão da ilicitude. A respeito da eliminação da vida humana, a própria Constituição Federal prevê a possibilidade de haver pena de morte em tempo de guerra (artigo 5º, XLVII, a): XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; [...] Observe, dessa forma, que o direito à vida, ainda que fundamental, não é de tudo absoluto. Por essa razão, o Código Penal brasileiro incrimina, no artigo 121, a conduta de um ser humano provocar a morte de outro ser humano, apresentando quatro figuras típicas: o homicídio simples, o homicídio privilegiado, o homicídio qualificado e o homicídio culposo. Para os nossos estudos, interessam-nos as três primeiras tipificações, que tratam do homicídio doloso, que é aquele em que o autor tem a intenção de eliminar a vida da vítima, tanto na forma consumada quanto tentada. Para o homicídio simples, a lei penal brasileira determina como pena a reclusão de 06 a 20 anos. Entretanto, o mesmo Código Penal determina no § 1º do artigo 121: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.” Nesse caso, devem ser consideradas as seguintes possibilidades: a. Relevante valor social – Trata-se de motivo que atende aos interesses da coletividade. Exemplo: morte de um traidor da pátria. b. Relevante valor moral – Trata-se de motivo que, embora seja relevante para a sociedade, leva em consideração os interesses do agente. Exemplo: pai que mata o estuprador da filha. c. Sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima – É também chamado de homicídio emocional. Nesse caso, o autor do crime de homicídio deve estar completamente dominado pela situação, momentaneamente perturbado em seu psiquismo, de tal forma que seja capaz de justificar a cólera, a indignação, que, por sua vez, desencadearão uma reação imediata. Por outro lado, o Código Penal também enumera no § 2º do artigo 121 motivos, meios, modos e fins que tornam o homicídio qualificado, tratando-se, nesse caso, de crime hediondo, cuja pena de reclusão é de 12 a 30 anos. Dessa forma, há o crime de homicídio praticado: a. Mediante paga ou promessa de recompensa - Na paga, o dinheiro é entregue antes do crime, mesmo que apenas uma parte dele; na promessa de recompensa, o recebimento é posterior e não necessariamente em pecúnia; pode ser, por exemplo, a promessa de um emprego. b. Por motivo torpe - É o motivo repugnante, desprezível. Exemplo: matar os pais para ficar com a herança. c. Por motivo fútil - É o motivo desproporcional, insignificante. Exemplo: matar a vítima porque ela olhou de “cara feia” para o autor. d. Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum - Trata-se de qualificadoras objetivas, pois se referem ao meio empregado para o cometimento do crime de homicídio. e. À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido - São circunstâncias que retratam o modo como a vítima é abordada, determinadas por situação de surpresa ou de falsidade. f. Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime - É também chamado de homicídio por conexão. O outro crime pode ser anterior ou posterior e não necessariamente praticado pelo mesmo autor do homicídio. Saiba mais... Leia o texto A História do Delito de Homicídio1. Reflita! Qual a importância, para o investigador, de conhecer as circunstâncias em que o autor praticou o homicídio? Veja que conhecê-las é fundamental para definir a linha de investigação e construir a estratégia que ele irá adotar para a coleta das provas. Importante! Sabendo o que ocorreu, o investigador saberá que tipo de prova deverá perseguir com a investigação, sem perder tempo trilhando por caminhos que não o levam a nada e colhendo informações inúteis. 1.2. Os índices de resolução do crime de homicídio no cenário nacional No dia 06/10/2011, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) divulgou seu primeiro Estudo Global sobre Homicídios. De acordo com esse estudo, o Brasil tem o terceiro maior índice de homicídios na América do Sul, com 22,7 casos para cada 100 mil habitantes. O Brasil fica atrás apenas da Venezuela e da Colômbia, com 49 casos e 33,4 casos, respectivamente, para cada 100 mil habitantes. 1 http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9832# Embora, de acordo com o estudo citado, esse número seja melhor do que há cinco anos e mesmo considerando o tamanho da população, o que permite que o Brasil desça proporcionalmente para um grupo intermediário, ainda assim o país se coloca muito longe da Europa, da Ásia e dos Estados Unidos. É também importante ressaltar que quatro países também da América do Sul – Uruguai, Argentina, Peru e Chile – ficam abaixo da média mundial, que é de 6,9 homicídios por 100 mil habitantes. Mesmo não tendo alcançado, no contexto geral, a média desejável dos países citados, no Brasil, o estudo da UNODC destacou positivamente a cidade de São Paulo como exemplo para outras metrópoles do mundo. De acordo com os dados fornecidos pelo Ministério da Justiça, a taxa de homicídios na cidade de São Paulo caiu, em cinco anos, de 20,8 para 10,8 em cada cem mil habitantes. O estudo da ONU também enfatiza que as tendências mostram-se muito diferentes no que diz respeito a São Paulo, em relação a outras regiões do Brasil, especialmente ao estado de Alagoas, cujo número de homicídios ultrapassa 60 em cada 100 mil habitantes. Em consonância com os dados do Instituto Sangari, que elaborou, juntamente com o Ministério da Justiça, o mapa da violência 2011 no Brasil levando em conta os crimes de homicídio e o número de habitantes, observa-se que a maior incidência, no que concerne às grandes capitais, é verificada em Maceió-AL, seguindo-se Recife-PE e Vitória-ES. Saiba mais... Acesse os links para mais informações sobre o tema: Jornal Nacional – Brasil é o país com o maior número de homicídios, aponta a ONU2. Agência Brasil – Para reduzir homicídios, Cardozo defende ações integradas e unidades especiais3 1.3. Política nacional de fomentação da investigação de homicídio Em fevereiro de 2010, foi lançada a Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), com o objetivo de “promover a articulação dos órgãos responsáveis pela segurança pública, reunir e coordenar as ações de combate à violência e traçar políticas nacionais na área”. Essa iniciativa é resultado da parceria entre os Conselhos Nacionais do Ministério Público (CNMP) e de Justiça (CNJ) e o Ministério da Justiça (MJ), sendo que cada qual desenvolve uma ação integrada no contexto da ENASP. No caso do CNMP, há o desenvolvimento de ações que visam agilizar e dar maior efetividade à investigação da polícia, à denúncia do Ministério Público e ao julgamento pelos Tribunais do Júri dos crimes de homicídio. Nesse sentido, pode-se citar, como exemplo, a Meta 1 (Subgrupo 1: Fase de Investigação)4 da ENASP que objetivou a conclusão de todos os 2 http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/10/brasil-e-o-pais-com-o-maior-numero-de-homicidios-aponta-onu.html 3 http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-10-06/para-reduzir-homicidios-cardozo- defende-acoes-integradas-e-unidades-especiais 4 Acessar o arquivo em anexo 2011Metas_ENASP.pdf. http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-10-06/para-reduzir-homicidios-cardozo-defende-acoes-integradas-e-unidades-especiais http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-10-06/para-reduzir-homicidios-cardozo-defende-acoes-integradas-e-unidades-especiais inquéritos e procedimentos que investigam homicídios dolosos instaurados até 31 de dezembro de 2007. Dessa forma, observe que a priorização da investigação criminal é de fundamental importância para que se atinja a proposta-meta, quer seja para levar a julgamento autores de crimes de homicídio doloso, quer seja para a promoção do arquivamento dos procedimentos, haja vista o exaurimento dos procedimentos investigatórios. Existem vários fatores responsáveis pelo alto índice de violência verificado no país, dentre eles, os baixos índices de resolução de crimes de homicídio. Nesse sentido, é pertinente afirmar que os baixos índices de resolução de crimes de homicídio, juntamente com outros possíveis fatores, são responsáveis pelo alto índice de violência verificado no país. Sendo assim, é possível concluir que a priorização da investigação criminal do homicídio deve contribuir para a diminuição dessa prática criminosa, com redução do tempo de resposta do Estado, levando a julgamento os criminosos e permitindo, assim, que não impere na sociedade o sentimento de impunidade. Para o então Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, a impunidade é um dos principais aspectos a serem combatidos, sendo que, para tanto, deverão ser criadas unidades específicas para a investigação de homicídios em cada Estado, e os processos judiciais deverão ser agilizados. Saiba mais... Abra os seguintes links para mais informações: Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública5 CNJ – ENASP6 Aula 2 – Conceito, características e pressupostos da investigação criminal. Segundo Ribeiro (2006), “a ciência da investigação é um campo permanentemente aberto à busca do saber e à descoberta da verdade”. Isso porque a investigação criminal não encontra limites nos enunciados das leis penais. Na verdade, a própria legislação penal confere ao investigador criminal a mais ampla discricionariedade, de forma que a existência de limites está pautada no uso racional da inteligência e da lei. É por essa razão que a investigação criminal não se constitui em simples e aleatória coleta de provas, sem a necessária adoção dos métodos, das técnicas e dos procedimentos especializados, que devem fundamentar o trabalho da equipe de investigação. Sendo assim, o investigador deve possuir formação técnico-científica no assunto, a qual não significa somente conhecimento jurídico nem somente boa vontade, mas conhecimento especializado com base nas ciências que dão suporte à investigação criminal. Esse conhecimento devidamente aplicado à investigação do homicídio permite que o investigador realize sua tarefa de forma segura e eficaz, 5 http://portal.mj.gov.br/senasp/main.asp?ViewID=%7B45D2F2A3%2DF723%2D4229%2D94A2%2D311A3DF2A0 CB%7D¶ms=itemID=%7B5A3DAD20%2D4CB3%2D484C%2D9011%2DC00E225D2A92%7D;&UIPartUID=%7 BE0EA6E2F%2D2D28%2D4749%2D9852%2D31405415DD85%7D 6 http://www.cnj.jus.br/metas-enasp http://www.cnj.jus.br/metas-enasp evitando atitudes irrefletidas que possam comprometer a imagem e o resultado do trabalho de investigação criminal. Isso porque se, por um lado, algumas investigações apresentam apenas um grau razoável de dificuldade, outras, cujos delitos são praticados por quem vive do crime ou por quem detém recursos financeiros que facilitam o uso de artifícios geradores da impunidade, exigem do investigador firmeza e segurança quanto às providências adotadas. Nesse sentido, não é raro que investigadores estejam às voltas com denúncias anônimas que pretendem desviá-los da verdade, além de outros tantos ardis e artifícios engendrados pelo autor do crime, sempre com esse mesmo objetivo. Assim sendo, o investigador com conhecimento técnico-científico especializado conhece o conjunto de preceitos teóricos que alicerçam sua atuação perante o caso concreto e permitem que ele suporte eventuais pressões que poderão afetar a eficácia do resultado da investigação. Há dois tipos de pressão mais comum. Uma é a que diz respeito à exigência de que a polícia apresente o autor do homicídio o mais urgente possível. Ceder a esse processo poderá ser o tropeço da investigação ao atropelar etapas do processo com resultados ineficazes. Outro é a tentativa de desqualificação da investigação pela ação da defesa por intermédio de meios que poderão comprometer a eficácia da prova colhida, por exemplo, de campanhas difamatórias na mídia forjando situações que colocam em dúvida a legalidade de atos da investigação. Esses preceitos teóricos permitem que o investigador caminhe no rumo certo, de forma concreta e segura, adotando a técnica adequada para a revelação, coleta e análise de cada evidência encontrada. 2.1. Conceito de investigação criminal Muito embora uma conceituação formal de investigação criminal não seja elemento fundamental no ensino e aprendizagem dessa disciplina, conhecer uma proposta conceitual tem a importância de determinar parâmetros que possam fazer com que o investigador encontre referenciais teóricos que sirvam de suporte ao seu fazer prático, fundando-o em métodos e técnicas eficazes. Veja um conceito de investigação criminal: “Investigação criminal é o conjunto de procedimentos interdisciplinares, de natureza inquisitiva que busca, de forma sistematizada, a produção da prova de um delito penal.” (Araujo, 2008) No presente estudo, esse delito penal é o crime de homicídio. Todas as referências teóricas que serão desenvolvidas neste curso terão como objetivo a investigação do crime de homicídio. 2.2. Características principais da investigação criminal de homicídio A investigação de homicídio é uma espécie da investigação criminal que requer conhecimentos e habilidades cuja aplicação está sujeita a princípios específicos. Vimos que o crime de homicídio é um delito complexo, pois envolve os sentimentos mais profundos do ser humano, o que dificulta, sobremaneira, o esclarecimento da motivação que determina o elo entre a vítima e o autor. Entretanto, na fase processual, esse crime é submetido ao juízo de pessoas que compõem o júri, leigas quanto ao conhecimento técnico- especializado da investigação criminal, o que permite que o julgamento possa sofrer decisiva influência de conteúdo emocional, pois não é raro que as partes apresentem um forte discurso apelativo, o que permite que a decisão – culpado ou inocente – possa surgir de um simples detalhe como o clamor público e a influência da mídia. Por essas razões é que somente a investigação realizada com métodos e técnicas científicas poderá trazer um resultado claro, consistente e coerente, capaz de sustentar um processo judicial sólido. Nesse contexto, verifica-se que a investigação de homicídio tem características muito próprias, que se tornam fatores fundamentais de alerta aos cuidados especiais que o investigador deverá ter. São elas: exigência de extremo detalhamento, de uma observação contextual dos vestígios e de uma postura racional, lógica e analítica. Ou seja, a investigação de homicídio requer de seu executor habilidades que o permitam fragmentar, o mais possível, cada uma das informações colhidas, buscando cada detalhe, cada aspecto, cada ponto de vista sem, contudo, perder a capacidade de visão do todo dessas informações e, principalmente, sem perder acapacidade de análise racional do cientista. Aula 3 – Princípios constitucionais com repercussão na investigação de homicídio Não se pode perder de vista a função tutelar de direitos fundamentais que o Estado brasileiro delegou à investigação criminal, ou seja, a investigação criminal é a garantia que tem o cidadão de que, praticando um delito penal, haja um procedimento apuratório legal que lhe garanta um julgamento justo com aplicação da pena na dimensão adequada à sua conduta. Os atos da investigação criminal são atos da Administração Pública, portanto atos administrativos. A compatibilidade desses atos com a missão tutelar de direitos foi garantida pelo constituinte de 1988 ao moldar princípios que regulam os procedimentos da Administração Pública, reflexos aos procedimentos da investigação. Portanto, a investigação de homicídio sofre o efeito dessa ação transversal dos princípios constitucionais em todos os seus atos. 3.1. Marco regulatório O marco regulatório dos princípios que regem a investigação criminal é o art. 37 da Constituição Federal, que formula os fundamentos legais que deverão servir de referência para todos os atos da Administração Pública. Diz o texto: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. (C.F.) Importante! São esses princípios que irão nortear os procedimentos a serem desenvolvidos na apuração das provas do crime de homicídio. Veja, a seguir, o que foi dito por Araujo (2008) no curso Investigação Criminal I, agora focado na sua transversalidade na investigação de homicídio. 3.1.1. Princípios “[...] Princípio da legalidade Foi visto que no Estado Democrático de Direito todos deverão se submeter à supremacia da lei. O princípio da legalidade é a pedra de toque do Estado de Direito e estabelece dois tipos de relação: uma com a Administração Pública, outra com o cidadão. Relação com Administração Pública A atuação da Administração Pública só pode ser operada em conformidade com a lei. É uma relação de submissão. Relação com o cidadão É permitido ao cidadão fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Não poderá ser obrigado a fazer o que não lhe é determinado por lei. É uma relação de autonomia que resulta no princípio da liberdade do ser humano, configurado, também, na Constituição Federal como um dos princípios fundamentais: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” (CF., art. 5º, inc. II) Portanto, o princípio da legalidade é direito fundamental de cidadania que servirá de base para todos os demais princípios. Observe que a acepção dada pela norma constitucional ao vocábulo “lei” não é restrita, mas abrangente, abarcando a lei propriamente dita e todo o contexto jurídico em que ela está contida. Significa que as normas que regulam a investigação criminal, mesmo as administrativas (portarias, ordens de serviços, protocolos de procedimentos, etc.) estão nesse contexto e deverão respeitar o princípio da legalidade. Princípio da impessoalidade A impessoalidade na investigação criminal significa que as atitudes do investigador deverão refletir objetividade no atendimento do interesse público, sem qualquer possibilidade de promoção pessoal do agente ou da autoridade. O interesse público contido na investigação criminal é o de explicar o fato acontecido, para que os dados coletados possam formar a prova necessária para aplicação da pena justa ao infrator. Não cabe utilizar a investigação para promoção pessoal de quem quer que seja. Significa também que o ato de investigar não deve ser usado para prejudicar ou beneficiar pessoa determinada. Princípio da moralidade A moralidade da Administração Pública está relacionada com aquilo que a sociedade, em determinado momento, considerou eticamente adequado, moralmente aceito. As práticas da investigação terão que estar de acordo com o ideário moral vigente no grupo social, como honestidade, bondade, compaixão, equidade e justiça. As decisões tomadas para o processo da investigação deverão adequar-se aos valores que a sociedade adota como norte para a relação de convivência das pessoas e destas para com o ambiente. Princípio da publicidade A acepção fundamental do princípio é de transparência. Reflexão Sobre esse termo aplicado à investigação criminal, cuja natureza tem como elemento principal o sigilo: É possível aplicá-lo? A transparência na Administração Pública tem como objetivo o controle, que poderá ser feito pela própria Administração, pelo poder judiciário e pelo cidadão. O controle da gestão pública exercido pelo cidadão é garantia fundamental de direitos assegurada em vários itens constitucionais do art. 5º, como o de receber dos órgãos públicos informações de interesse particular, coletivo ou geral (inciso XXXIII); o de obtenção de certidões em repartições públicas (inciso XXXIV); e o de conhecimento de informações relativas à pessoa interessada, constantes de bancos de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público (inciso LXXII). E na investigação, como se aplicaria esse princípio? Como toda regra, o princípio não é absoluto. A própria Constituição impõe limites, colocando como exceção ao direto à informação as hipóteses de sigilo: [...] ‘todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.’ (CF, art. 5º, inciso XXXIII) A transparência é a regra. A exceção está expressa na lei. Todos os atos da investigação são necessariamente sigilosos? Em princípio não. No caso da investigação criminal, devem ser considerados dois aspectos: o contexto da apuração, de interesse da sociedade geral, pois diz respeito às demandas imediatas de bem-estar da coletividade, e o aspecto de ato operacional específico, cujo interesse é mediato. Ou seja, a apuração de provas da prática de um delito, como ato geral de gestão pública, deve ser do conhecimento da comunidade, para que ela tenha segurança jurídica quanto à garantia de proteção de seu bem-estar. Entretanto, mesmo sendo de seu interesse, os procedimentos operacionais de apuração, em regra, são executados em sigilo, exatamente para garantir a exequibilidade da investigação. Já imaginou se a polícia anunciar antecipadamente as estratégias que irá aplicar na investigação de delitos praticados por quadrilhas de tráfico de drogas? É pouco provável que consiga alguma prova. Princípio da eficiência Também de observância prioritária e universal no exercício de toda atividade administrativa do Estado. O termo remete à acepção de boa administração vinculada à produtividade, profissionalismo e adequação técnica do exercício funcional às demandas do interesse público. Segundo Pazzaglini (2000, p.32), ‘o administrador público tem o dever jurídico de, ao cuidar de uma situação concreta, escolher e aplicar, entre as soluções previstas e autorizadas pela lei, a medida eficiente para obter o resultado desejado pela sociedade’. Significa que a Administração Pública e seus profissionais, no exercício das atividades funcionais, deverão aplicar os recursos avaliando a relação de custo-benefício, buscar a otimização de recursos, aplicar os critérios técnicos e legais necessários para maior eficácia possível em benefício da boa qualidade de vida do cidadão. E, ainda, diz respeito ao investimento na formação profissional.” A aplicação prática do princípio na investigação criminal se concretiza comtodos os cuidados necessários para sua eficácia, desde o planejamento, com a escolha adequada dos meios, até os cuidados com a proteção aos direitos fundamentais das pessoas envolvidas no processo e com a legalidade na coleta da prova. (Araujo, 2008) Perceba o quanto é fundamental para o cidadão a observância desses princípios pela atividade investigativa da polícia. Em especial no que se refere à legalidade dos atos. É importante que o investigador tenha a percepção de que os atos limitadores praticados pela polícia são exceções com permissão legal para que, dentro dos limites da lei, sempre prevaleça o interesse público e não o pessoal. Refletindo sobre a questão Suas práticas como investigador sempre são precedidas da preocupação com os limites da legalidade dos seus atos? Discuta isso com seus colegas no fórum ou por outras redes sociais do grupo. Aula 4 – Princípios fundamentais da investigação criminal A investigação criminal é a primeira fase da aplicação da justiça pelo Estado aos infratores. É a fase inicial desse processo que possibilita a apresentação do infrator ao Poder Judiciário com o mínimo de informações necessárias ao desenvolvimento do processo penal na busca da determinação da sua culpabilidade ou inocência. Falar em princípios fundamentais possibilita pensar em regras que dizem respeito ao trato com as pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas. A investigação criminal, ainda que vinculada ao processo penal, sob o controle judicial e do Ministério Público é, inegavelmente, uma atividade administrativa com certa dose de discricionariedade e considerável nível de autonomia por parte dos investigadores. Daí a necessidade de que haja em suas ações, além do conteúdo legal, um conteúdo regulatório de natureza ética muito eficaz e respeito às normas dos direitos humanos, visto o grau de repercussão tanto na individualidade das pessoas que são objeto da ação investigatória quanto na qualidade de vida da sociedade, principal beneficiário da investigação. Neste sentido dispõe o Art. 2 º do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas pela resolução nº 34/169, de 17 de dezembro de 1979) ao dispor que “No cumprimento do seu dever, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar e proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direitos fundamentais de todas as pessoas”. No curso Investigação Criminal I, Araujo (2008) diz: “quanto maior o grau de lesividade do ato investigatório, maior deverá ser o cuidado do investigador para com as garantias protetoras do investigado”. O investigador deverá lembrar-se sempre de que investigar crimes é um procedimento extremamente invasivo à intimidade das pessoas envolvidas, seja a vítima, o suspeito ou a testemunha. Esse grau de invasão é muito maior quando se trata de apuração de crime contra a vida, em especial do homicídio, visto que um dos métodos de apuração mais aplicado, como você estudará adiante, é a varredura das relações pessoais da vítima, do suspeito e, muitas vezes, da própria testemunha, na busca de vínculos com a conduta delituosa. É nesse processo que se materializa a característica invasiva, a mais marcante da investigação criminal. No processo de busca das provas caem nas mãos do investigador as mais íntimas informações sobre a vida pessoal dos atores envolvidos. Cabe a ele o juízo do que deva ser considerado relevante ou não para a investigação de provas. Sem dúvida essa ação invasiva acaba por lesar direitos e garantias fundamentais (como a intimidade e o ir e vir) na busca de informações necessárias à construção da prova. Foi com essa preocupação que o Alto Comissariado das Nações Unidas editou o Manual de Formação em Direitos Humanos para as Forças Policiais7, nele formatando o que chamou de “princípios fundamentais da investigação policial” (criminal). São princípios norteadores dos procedimentos da investigação criminal. Diz o texto do manual, com enumeração dos princípios: “Durante as investigações, audição de testemunhas, vítimas e suspeitos, revistas pessoais, buscas de veículos e instalações, bem como interceptação de correspondência e escuta telefônica: a. Todo indivíduo tem direito à segurança pessoal; b. Todo indivíduo tem direito a um julgamento justo; c. Todo indivíduo tem direito à presunção de inocência até que a sua culpa fique provada no decurso de um processo equitativo; d. Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, família, domicílio ou correspondência; e. Ninguém sofrerá ataques à sua honra ou reputação; 7 http://www.gddc.pt/direitos-humanos/Manual1.pdf f. Não será exercida qualquer pressão, física ou mental, sobre os suspeitos, testemunhas ou vítimas, a fim de obter informação; g. A tortura e outros tratamentos desumanos ou degradantes são absolutamente proibidos; h. As vítimas e testemunhas deverão ser tratadas com compaixão e consideração; i. A informação sensível deverá ser sempre tratada com cuidado e o seu caráter confidencial respeitado em todas as ocasiões; j. Ninguém será obrigado a confessar-se culpado nem a testemunhar contra si próprio; k. As atividades de investigação deverão ser conduzidas em conformidade com a lei e apenas quando devidamente justificadas; l. Não serão permitidas atividades de investigação arbitrárias ou indevidamente intrusivas.” (Manual de Formação em Direitos Humanos para as Forças Policiais, p. 79) O próprio manual nos induz ao entendimento de que esses princípios, considerando as normas internacionais que tratam dos direitos humanos da pessoa objeto de investigação criminal, poderão ser resumidos nos seguintes princípios: • Presunção da inocência de todos os arguidos; • Direito de todas as pessoas a um julgamento justo; • Respeito pela dignidade, honra e privacidade de todas as pessoas. Essas são normas fundamentais que precisam receber toda a atenção da equipe de investigação de homicídio, pois, do contrário, haverá muita dificuldade para a validação de qualquer prova apontada para um suspeito, como selo de garantia da regularidade. Aula 5 – Postura da equipe de investigação do crime de homicídio Como visto em aula anterior, a história jamais registrou uma sociedade sem homicidas, sendo certo que o indivíduo que mata seu semelhante é, quase sempre, o mesmo com o qual este convive no dia a dia. É por essa razão que a equipe de investigação criminal de homicídio não deve adotar posturas pré-concebidas, preconceituosas em face de um caso concreto. Portanto, esse profissional deve entender que a investigação é um processo científico e como tal tem seus pressupostos alicerçados em princípios que permitem o exato e seguro conhecimento dos pontos de partida e de chegada, bem como do caminho a serem trilhados entre esses dois pontos. Não há espaço para leviandades. Não é menos importante que a equipe de investigação criminal do homicídio saiba conduzir a investigação sempre na busca da verdade, sob o entendimento de que o êxito na investigação nem sempre significa a elucidação da autoria. Isso porque não é raro que, mesmo adotando todos os procedimentos possíveis e necessários, não se consiga a prova induvidosa da autoria. Certamente, nesse caso, pode-se dizer que a equipe de investigação obteve êxito sim na investigação, ou seja, que soube escolher e aplicar os métodos e técnicas adequadas à revelação e coleta das evidências do crime, agindo sempre com isenção, de forma lógica e racional. Contudo, por razões diversas, não conseguiu alcançar o objetivo principal da investigação, que é a determinação da autoria, da materialidade e das circunstâncias do homicídio investigado.Pode também acontecer da equipe de investigação alcançar o autor do crime, inclusive obtendo a confissão dele, e não ser possível determinar a causa da morte da vítima, tendo em vista, por exemplo, que o corpo só foi encontrado muito tempo depois da notícia do desaparecimento dessa vítima e já estava em adiantado estado de putrefação. É possível ainda que nunca se encontre o corpo de uma vítima, mas se consiga provas suficientes, por meio de testemunhos e comprovação de circunstâncias – por exemplo, o DNA da vítima identificado a partir de mancha de sangue encontrada no veículo do suspeito – de que houve a morte e de quem é o seu autor. O certo é que a equipe de investigação deve sempre adotar uma postura racional, lógica e analítica em face do crime investigado. Para tanto, ele deve conhecer profundamente o fato investigado, deve querer investigar (ter boa vontade), trabalhar com empenho, perspicácia, comprometimento profissional, organização, coragem, método e técnica e, principalmente, ter um plano, administrar a investigação, o que pressupõe saber a hora de iniciá-la e concluí-la, não descuidando do relato pormenorizado de tudo o que tiver sido efetivamente apurado. Para Ribeiro (2006), “O trabalho da polícia é como o do médico. Este não é obrigado a todo custo a salvar o paciente, mas dispensar-lhe o melhor atendimento médico possível. Isso também se aplica, com toda certeza, ao trabalho prestado pela polícia investigativa”. Finalmente, é de fundamental importância que a equipe de investigação não tenha medo da prova, que só será legítima e verdadeira se for harmônica com o conjunto probatório e com a legalidade. É a verdade da investigação que deverá sempre prevalecer. Importante! É importante lembrar que cada crime de homicídio tem suas próprias características, que normalmente são inerentes à relação entre autor e vítima e, portanto, tem sua própria conformação, e não aquela que pretenda o investigador, a mídia ou quem quer que seja. Concluindo... Neste módulo, você estudou: A evolução histórica da penalização da conduta de matar alguém e as políticas governamentais de enfrentamento dessa conduta criminosa; Conceitos e características próprias da investigação de homicídio, bem como; Os princípios constitucionais que são aplicados no controle da legalidade da investigação de homicídio e os princípios aplicados no controle operacional desse processo investigatório no que diz respeito ao respeito à dignidade da pessoa humana; As atitudes que devem ser adotadas pela equipe de investigação de homicídio. Módulo 2 – Princípios operacionais básicos da investigação do homicídio Apresentação do Módulo Até aqui tudo muito fácil, não? No primeiro módulo, uma contextualização coloca o crime de homicídio em um nível de compreensão da sua dimensão histórica e política. E ainda, são postos princípios constitucionais de controle da legalidade dos atos de investigação e princípios que apontam para a legitimidade no que se refere ao respeito da dignidade das personagens objetos das ações policiais. Para findar, é ressaltado o perfil ideal do operador da investigação, elemento fundamental para o resultado final do procedimento. Neste módulo, dando continuidade ao aprendizado anterior, traz-se para estudo e discussão os princípios operacionais básicos da investigação de homicídio. São regras fundamentais do “como fazer” a apuração das provas do crime de homicídio. Perceba que parte dessas regras está relacionada à percepção da conduta, dos motivos que levaram o infrator à prática do delito, enquanto a outra parte diz respeito à postura da própria equipe de investigação. Faça uma análise criteriosa do texto com o necessário olhar de compreensão desses princípios, pois serão de grande valia na prática da investigação. Essas normas o nortearão na escolha dos métodos e técnicas a serem adotadas na apuração do homicídio. Portanto, muita atenção para a compreensão e aplicação desses princípios nas suas atividades investigativas. Lembre que o homicídio está em um contexto de motivações variadas, e conhecê-las possibilitará a definição de uma linha de investigação possível e eficaz. Bom aprendizado! Objetivos do Módulo Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Aplicar princípios que nortearão a prática da investigação de homicídio; Reconhecer ações do infrator que buscam impedir o trabalho de investigação do delito de homicídio; Distinguir atitudes que ajudarão a equipe de investigação na apuração do crime de homicídio. Estrutura do Módulo Aula 1 – Aspectos conceituais Aula 1 – Aspectos conceituais Para Ribeiro (2006), “princípios são preceitos básicos que formam o alicerce do comportamento, a ser adotado diante dos casos concretos [...]” e que “conferem ao profissional uma filosofia de trabalho”. É essa filosofia de trabalho que evita, por exemplo, avaliações e juízos precipitados, atitudes preconceituosas, insegurança na realização do trabalho e “achismos” em face das evidências e formulação de hipóteses. É também essa perspectiva de trabalho que protege a equipe de investigação contra pressões diversas e evita que ele se deixe levar pelas aparências. É muito comum, por exemplo, que, nos crimes de homicídio em que o autor é o marido ou o companheiro da vítima, ele tente simular, perante amigos e parentes do casal, uma reconciliação, o que pode comprometer a convicção dessas pessoas quanto ao seu envolvimento. Dessa forma, a equipe de investigação deve considerar na realização de seu trabalho o empenho dos infratores com vistas a impedir à apuração dos fatos, o cuidadoso planejamento das ações criminosas, a eliminação de provas, a ameaça a testemunhas e a incorporação dos avanços científicos e tecnológicos na prática delituosa. 1.1. Princípios Estudem as seguir, os princípios operacionais muito próprios da investigação de homicídio. 1.1.1. Todo ser humano deve ser considerado um homicida em potencial Primeiramente, deve-se considerar que o crime de homicídio é uma decorrência natural do instinto da agressividade humana. Por essa razão, a equipe de investigação não deve concluir se alguém é ou não suspeito da prática de um crime de homicídio somente em razão da aparência dessa pessoa ou de sua condição social, assim como também não pode afastar a suspeição que concretamente recaia sobre um indivíduo somente considerando seu grau de parentesco ou seus laços de amizade com a vítima. Existem vários casos em que é o próprio autor quem noticia à polícia o desaparecimento da vítima, que depois é encontrada morta. Em outros casos, o autor mostra-se sempre solícito e cooperativo com a polícia, aparentando tranquilidade o tempo todo, e os amigos e familiares da vítima demonstram acreditar firmemente em sua inocência. O fato é que os elementos a serem considerados pelo investigador para consolidar sua suspeita quanto à autoria necessitam ser concretos, devendo basear-se sempre nas circunstâncias e vestígios do crime. 1.1.2. A racionalidade humana norteia a ação criminosa Não é raro ouvir alguém dizer: “Falei sem pensar!”, “Agi sem pensar!”. Contudo, isso não é verdade. Nem que seja por uma fração mínima de segundos, o ser humano, que é dotado de raciocínio, faz um exercício mental no qual, mesmo de forma precária, analisa a situação antes de falar ou de agir. A esse exercício mental de avaliação da situação, do problema, da hipótese, chama-se de racionalidade humana. Importante! A racionalidade não implica necessariamente uma lógica natural. O autor do crime pode, por exemplo, inverter a lógica comum, a fim de dissimular os fatos. Os principais fatores que conduzemo homem a agir com racionalidade são: segurança, certeza, facilidade, comodidade, possibilidade e, no caso do criminoso, também a garantia da impunidade. Pensando nesses fatores é que o autor de crime escolhe o momento, as circunstâncias, o local, os colaboradores, o instrumento e até mesmo a versão do crime que apresentará eventualmente à polícia. Por essa razão, assim que a equipe de investigação colher os primeiros elementos informativos sobre o crime, deverá analisá-los com critério, lógica e racionalidade. 1.1.3. O homicídio é delito de motivação necessária Para Ribeiro (2006), “motivação é a razão ou os motivos pelos quais uma pessoa resolve matar outra”. Assim sendo, a equipe de investigação não pode se esquecer de que não existe homicídio doloso sem motivação, muito embora, algumas vezes, seja muito difícil defini-la, pois é um elemento subjetivo e variado. A motivação de um crime de homicídio pode ser passional, ocasional, por interesse patrimonial, por vingança, por pistolagem, para queima de arquivo ou de origem psicopata. Estude, a seguir, sobre cada uma dessas motivações. a. Passional O crime passional tem origem na paixão e surge do relacionamento amoroso entre duas pessoas. A traição, o desprezo, o ciúme exagerado, o rompimento inesperado são acontecimentos que podem levar um dos parceiros a eliminar o outro. Geralmente, o homicídio passional é cuidadosamente planejado e seu autor não confessa, pois, de um lado, vê-se protegido pelos membros da família, que não acreditam no seu envolvimento; e, de outro lado, teme a indignação e a revolta desses mesmos familiares. b. Ocasional É o homicídio praticado em razão de um desentendimento, de uma desavença momentânea, motivada por uma discussão casual, que pode ser no trânsito, num bar, num estádio de futebol, numa reunião de condomínio, etc. Nesse caso, a motivação surge quase que concomitantemente à prática do crime. c. Interesse patrimonial O autor quer eliminar a outra pessoa para ter seu patrimônio aumentado ou mesmo para não vê-lo diminuído. O autor cobiça o testamento da vítima, a herança; almeja receber um prêmio de seguro de vida; obter a posse de propriedades, terras ou edificações; quitar dívidas com terceiros ou mesmo com a vítima, etc. d. Vingança É o crime de homicídio movido por um sentimento pessoal no qual o autor sente-se prejudicado, financeira ou moralmente, pela vítima. Podem ser citados como exemplo os crimes cometidos por integrantes de gangues, quando o grupo rival pretende matar para vingar a morte de um de seus componentes, a qual foi praticada pelos rivais. Normalmente, é um crime precedido por ameaças. e. Pistolagem Ocorre quando uma ou mais pessoas são contratadas para executar a vítima mediante o pagamento pelo serviço contratado. A investigação desses crimes é complexa, pois não há vínculo direto entre o executante e a vítima; e a comprovação do vínculo contratual entre o executante e o contratante é de difícil comprovação. Na maioria das vezes, o contratante não tem antecedentes criminais, razão pela qual se argumenta desarrazoadamente que ele não se relacionaria com o executor, o qual, via de regra, é um criminoso contumaz. f. Queima de arquivo É o crime de homicídio praticado para encobrir outro crime. A prática criminosa visa manter o autor ou o mandante impune às sanções que podem advir de suas atividades ilícitas ou mesmo imorais. O autor, executor ou mandante silencia a vítima, para que ela não revele fatos que possam colocar em risco sua impunidade. Em alguns casos, a vítima desfrutava da confiança do autor e esta é quebrada. Em outros casos, não existe vínculo entre autor e vítima, mas esta última presenciou ou, de alguma forma, tomou conhecimento de algum fato que poderia comprometer a impunidade de seu algoz. g. Origem psicopata É o crime de homicídio praticado por um indivíduo ou por um grupo que apresenta transtorno de comportamento e reage de forma violenta e explosiva, com extrema brutalidade, em face de qualquer motivo. Dentro desse aspecto, é importante ressaltar que a motivação para a prática do crime de homicídio pode decorrer de vários fatores acumulados durante anos de relacionamento entre autor e vítima. A experiência tem demonstrado que aquilo que é motivo suficiente para uma pessoa matar outra pode não ser para uma terceira pessoa. Motivo de crime de homicídio não se discute. O certo é que, se há homicídio doloso, necessariamente há uma motivação. Por isso, a equipe de investigação, após apurar quem era a vítima e seu universo pessoal de relacionamentos, deverá buscar quem tinha a motivação para matá-la. 1.1.4. Domínio do fato Outro princípio que você deve considerar é domínio do fato pela equipe de investigação. Ele deve ter sempre em mente que o esclarecimento de um crime de homicídio pode trazer grandes prejuízos patrimoniais para o autor e também sua desmoralização perante seus comparsas, seus amigos e familiares, especialmente, nesse último caso, quando se trata de crime passional ou doméstico, quando, por exemplo, um filho mata os pais para ficar com a herança. Nessas situações, o criminoso de certo não deseja ver sua trama desvendada e usará de todos os ardis e artifícios a fim de não ser alcançado. Por outro lado, nenhum profissional poderá realizar seu trabalho com eficiência e eficácia sem conhecer o objeto de sua atividade, que, no caso, é o fato criminoso. A equipe de investigação não pode se esquecer dos interesses contrários que terá de enfrentar na apuração das provas, pois estará procurando desvendar aquilo que o criminoso está tentando de toda forma esconder com o fito de furtar-se da punição do Estado. Dessa forma, a equipe de investigação deve conhecer a fundo o objeto do seu trabalho: os vestígios encontrados no local do crime, as lesões apontadas no exame de corpo de delito – cadavérico –, as informações sobre o instrumento utilizado para praticar o crime, os eventuais testemunhos, o fragmento de impressão digital encontrado no local do crime, etc. Elementos de convicção que o próprio autor pode desconhecer. Sem esse conhecimento, a equipe de investigação dificilmente saberá conduzir a investigação com critério e segurança; dificilmente saberá reconhecer uma prova no contexto de todo o conjunto probatório, entendendo que a importância de cada prova não depende de seu tamanho. O conhecimento profundo do fato investigado permite a realização de um trabalho lógico e coerente; permite que a equipe de investigação saiba o limite da investigação, ou seja, até aonde deverá ir à busca das provas. Para Ribeiro (2006), “O rastro do crime é a bússola da equipe de investigação”, que deverá “seguir rigorosamente os elementos do crime, e não achar nada, pois esses devem falar por si mesmos, como fontes vivas e insubstituíveis da verdade real.”. 1.1.5. Qualificação técnica Durante vários anos, a atividade investigativa foi desenvolvida de forma empírica, isto é, a equipe de investigação realizava uma diligência repetindo um procedimento que aprendera com seus colegas mais antigos e que dera bom resultado. O certo é que não parava para raciocinar sobre a atividade executada. Apenas a repetia. Não havia base teórica estabelecida que lhe norteasse a atividade. Essa era a realidade das polícias do país e continua sendo, até hoje, em muitas delas. Não obstante, com a funesta especialização dos meios para prática dos crimes, especialmente do crime de homicídio, a equipe de investigação necessitou vencer o paradigma da mera repetição e, muitas vezes, da truculência. Viu-se diante da necessidade de conhecer a estrutura do crime que tinha para apurar, entendendo como a prática criminosa foi realizada, a fim de colher os elementos necessários à apuração do crime.Dessa forma, esse profissional deparou-se com a necessidade de qualificar-se, sentimento comum na atualidade. Por essa razão, observou que, somente conhecendo o fato investigado melhor do que o próprio autor do crime teria as condições necessárias para o esclarecimento. Assim sendo, quando presente na cena criminosa, a equipe de investigação com qualificação técnica tem um olhar perscrutador sobre os vestígios, sabendo a informação que precisa extrair deles. A qualificação técnica possibilita não só colher a prova de forma oportuna e conveniente, mas também refiná-la, cuidando para que seja preservada em toda a sua extensão. Certamente, a atuação técnica da equipe de investigação possibilita uma resposta eficiente e eficaz à demanda social quanto à apuração do crime em lapso temporal que permita reflexos no sentimento de impunidade que se estabelece quando o Estado demora a agir. 1.1.6. Imparcialidade A equipe de investigação não deve temer a prova. Isso significa que ele deve seguir o rastro deixado pela ação criminosa, o que faz com que uma prova leve à prova subsequente. Muitas vezes, a equipe de investigação acredita erroneamente que, inquirindo familiares do suspeito, estará colhendo provas que o inocentem. Isso não é verdade absoluta. A prova colhida, não importa de que fonte venha, somente será substancial se harmônica com o restante do conjunto probatório. Fazer juízo do efeito da prova quanto a inocentar ou não um suspeito não é função da equipe de investigação. Em face do princípio da imparcialidade, sua missão é colher a prova, seja qual for seu efeito no processo judicial ao qual será submetido o suspeito. De outro modo, não são raras as situações em que familiares do suspeito contribuem com a investigação mesmo sem querer, quando, por exemplo, relatam simplesmente que o mesmo viajou. Com técnica, é possível que a equipe de investigação apure que o suspeito esteve no local do crime e que só viajou para outra localidade após cometê-lo. É importante ter sempre em mente que, quando a polícia identifica um suspeito, passa a ter duas possibilidades: colher prova que demonstre a inocência ou a culpabilidade desse suspeito. Isso significa que o trabalho da polícia deve ser imparcial e ter um único objetivo: a verdade. Sendo o suspeito de fato o autor do crime, isso virá naturalmente como consequência do bom trabalho de investigação. A verdade dispensa favores e a prática de outros crimes para que seja estabelecida. Concluindo... Neste módulo você estudou e discutiu regras que são princípios básicos a serem aplicados na execução das atividades de busca da prova do crime de homicídio. Percebeu que algumas dessas regras se vinculam da conduta do infrator e outras, a fatores decorrentes da postura da equipe de investigação? Discuta com seus colegas. Você também estudou como esses conhecimentos ora discutidos poderão ser valiosos no desenvolvimento do plano da investigação. Compreender as regras que norteiam a conduta, que motivam a prática delituosa, no mínimo, é criar uma possibilidade da formatação de uma linha de investigação, certo? No próximo módulo você estudará sobre a estrutura do crime de homicídio e a importância da identificação de cada um dos elementos que formam essa estrutura para a construção da prova. Módulo 3 – Elementos essenciais do crime de homicídio Apresentação do Módulo Olá! No módulo 2 você estudou as regras que são os princípios básicos da operacionalidade da investigação de homicídio. São normas que, aplicadas, permitirão à equipe de investigação dar rumo à sua investigação do crime de homicídio, concorda? Pois bem, neste módulo, você voltará sua atenção para o fato delituoso em si e para o universo de informações, ações e reações que o rodeiam. Lembra-se da afirmação, feita na apresentação do curso, de que a investigação parte de uma história, de um contexto? E que ambos precisam ser conhecidos e explorados? É isso. O olhar da equipe de investigação terá que estar voltado atentamente para um fato, uma história de alguém que matou ou tentou matar uma pessoa, procurando compreendê-la inserida em um contexto. Parte desse contexto diz respeito aos espaços temporais, territoriais e aos mecanismos aplicados na prática do delito. É nesses espaços que está formatada a estrutura do crime de homicídio com seus elementos de tempo, espaço, ação e resultado. É preciso decompor cada uma dessas partes para conhecer os elementos essenciais e acessórios do homicídio, compreendendo como e porque aconteceu em um determinado ambiente de espaço territorial e de tempo, estabelecendo o necessário vínculo de autoria. Essa é a proposta de aprendizado deste módulo. Boa sorte! Objetivos do Módulo Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Descrever a estrutura do crime de homicídio; Identificar os elementos essenciais do crime de homicídio; Compreender a estrutura do crime de homicídio como conhecimento fundamental para a efetividade da investigação das provas da prática de tal delito. Estrutura do Módulo Aula 1 – A estrutura do crime de homicídio Conclusão Exercícios Aula 1 – A estrutura do crime de homicídio Todo crime de homicídio é praticado dentro de uma estrutura de tempo, espaço, ação e resultado. Isso significa que o crime é cometido em um determinado momento da eternidade, em determinado lugar do planeta; exige um “fazer”, um “atuar” por parte do autor que culmina em um resultado, a morte da vítima. Cabe à equipe de investigação deslindar essa estrutura, a fim de esclarecer o crime em todas as suas circunstâncias, certo? Entretanto, isso só é possível se a equipe de investigação não limitar sua ação ao momento da execução. Mesmo nos crimes de homicídio cuja motivação é ocasional, existe uma cogitação e uma preparação mínimas para a prática do delito. É impossível cometer um crime sem se dedicar a esse mecanismo. Por isso, não se pode limitar a investigação ao momento executório, pois há o risco de que ocorra a identificação do provável autor sem que seja possível a coleta de provas suficientes para confirmação da autoria. Por exemplo, se a equipe de investigação não tiver conseguido determinar, mesmo que aproximadamente, o tempo do crime, o autor poderá apresentar um álibi legítimo e safar-se da punição por uma fração de tempo não superior a quinze minutos, por exemplo – intervalo em que considerável distância poderá ser percorrida, considerando o concurso dos modernos meios de transporte. Assim sendo, a equipe de investigação que pretende realizar um trabalho consistente deverá decompor adequadamente a estrutura do crime de homicídio – tempo, espaço, ação e resultado – com o objetivo de exaurir todas as possibilidades investigativas. 1.1. Elementos essenciais do crime de homicídio O estudo científico pressupõe a segmentação do todo em partes que devem ser detidamente analisadas, para que se possa melhor entender o todo. No que diz respeito ao crime de homicídio, essa segmentação determina o entendimento de que cinco elementos essenciais sempre estão presentes nessa prática: a vítima, o autor, o lugar, o tempo, o instrumento e a motivação. Portanto, não há que se falar em crime de homicídio sem a concorrência necessária desses elementos. A equipe de investigação, diante de um crime dessa natureza, sabe, portanto, quais elementos deve invariavelmente buscar. Veja cada um deles: a. A vítima É o primeiro elemento essencial do crime de homicídio. Por isso, a equipe de investigação deverá conhecer a vítima profundamente, apurando, por exemplo, com quem convivia, onde morava e trabalhavam, quais eram os seus hábitos, quem eram seus familiares, seus amigos, seus inimigos e desafetos, o que exatamente fazia na hora eno local do crime, quem a acompanhava, de onde vinha e para onde ia, se pretendia encontrar-se com alguém, etc. É preciso determinar suas relações familiares, sociais e profissionais. Investigar a vítima nem sempre é uma tarefa fácil. Muitos dados sobre ela são obtidos pela polícia por intermédio de consulta a bancos de dados e registros públicos. Algumas dessas consultas, como a quebra de dados telefônicos, visando a conhecer as pessoas com as quais a vítima mantinha contato, necessitam de autorização judicial e, por vezes, a respectiva informação leva bastante tempo para ser disponibilizada para a polícia. Outras vezes, as pessoas mais próximas da vítima não revelam tudo o que sabem em relação ela, pois imaginam estarem preservando sua memória escondendo da equipe de investigação, por exemplo, um relacionamento com uma pessoa comprometida, uma traição ou mesmo que ela era usuária de drogas. No entanto, investigar a vítima pode ser ainda mais difícil quando sequer se sabe sua identidade. Em alguns casos, a vítima é encontrada morta e seu cadáver está em adiantado estado de decomposição, impossibilitando que a identidade seja estabelecida pela coleta e análise das impressões digitais (pelo exame necropapiloscópico). Em outros casos, o corpo da vítima está em perfeito estado de conservação, mas a investigação não tem elementos que permitam a localização de parentes conhecidos, porque a vítima não é identificada civil nem criminalmente. Há também casos em que somente uma ossada é encontrada, o que, em situações nas quais existe uma suspeição quanto à identidade e parentes conhecidos, é possível a determinação por meio de exame de DNA. Apesar de todas as dificuldades citadas, a equipe de investigação deverá realizar todos os procedimentos possíveis para colher dados, registros e informações sobre a vítima, para esclarecer o crime ou exaurir a investigação. b. O autor Não existe crime de homicídio sem autor. Por essa razão, deve a equipe de investigação criminal promover as diligências necessárias, visando à identificação da autoria do homicídio. Normalmente, uma vez identificada e devidamente investigada a vítima, alguns suspeitos são postos, o que impõe que sejam minuciosamente investigados e inquiridos. Tudo o que for dito pelo suspeito deverá ser submetido ao crivo de rigorosa investigação. O suspeito deverá ser questionado sobre todas as suas atividades antes, durante e depois do horário do crime, considerando que o crime compreende as fases da cogitação, da preparação, da execução e da consumação. É imperioso ressaltar que tanto a confissão do suspeito quanto a sua negativa só tem valor se confirmadas por outros meios de prova. Não se pode esquecer também que existe a autoria direta e a indireta; esta última quando se trata de crime por encomenda, em que o executor, autor direto, é contratado pelo mandante, autor indireto, sendo certo que é este último que tem relação com a vítima. Nesse sentido, a equipe de investigação deverá buscar provas do acordo entre o mandante e o executor, evidenciando encontros e contatos entre ambos antes, durante e após o crime. c. O lugar De acordo com Ribeiro (2006), “o delito, por ser um acontecimento concreto, ocorre sempre em um determinado espaço físico”. No crime de homicídio, não é sempre que o corpo é encontrado no lugar em que os atos executórios foram praticados. Assim, por exemplo, a vítima pode ter sido morta dentro de um veículo automotor ou dentro de uma residência e o corpo ter sido abandonado em qualquer outro lugar, o que é comum em crimes planejados ou praticados por grupos de extermínio. Há casos em que o lugar do crime pode ser determinado por meio de exames periciais, analisando-se os vestígios encontrados no corpo da vítima, como fragmentos de vegetais, solo ou de insetos. Contudo, nem sempre isso é possível. Há outros casos em que se determina o lugar por meio de provas testemunhais ou pela conjunção desses testemunhos com as provas periciais. Saber exatamente onde o crime foi praticado é de fundamental importância, pois certamente é onde estão importantes elementos de convicção, vestígios materiais e testemunhais, sobre a autoria do crime. É a partir do local do crime que se irradiam os elementos de prova do crime de homicídio. Quanto ao aspecto processual, o lugar do crime determina a competência do juiz. Não é por outra razão que existe determinação legal para que, tomando conhecimento da notícia do crime, a autoridade policial e seus agentes devem dirigir-se ao local e providenciar a sua preservação para que não se altere o estado das coisas e também porque a partir desse local desdobram-se as possibilidades investigativas. Para Ribeiro (2006), “quem não sabe onde o crime aconteceu, muito menos sabe exatamente onde procurar a prova”. d. O tempo Ainda gozando dos ensinamentos de Ribeiro (2006), para ele o crime acontece em algum momento exato da eternidade. A equipe de investigação deverá, portanto, determinar com a maior precisão possível o tempo da ação criminosa. Em muitos casos, não é possível demonstrar o exato momento do crime, especialmente quando o corpo é ocultado ou abandonado em local ermo e só é encontrado muito tempo depois. Contudo, a equipe de investigação não pode se furtar de realizar todas as diligências possíveis, com o objetivo de, pelo menos, aproximar-se o máximo possível do lapso temporal em que o crime foi praticado. A experiência tem demonstrado que, quando não há precisão quanto ao tempo do crime, é possível que sejam encaixados álibis, que sustentam que o autor estava em outro lugar na hora do crime, fazendo outra coisa e acompanhado por outras pessoas. Exemplo No homicídio em que foi vítima um desembargador, morto a tiros quando fazia caminhada nas proximidades do local em que residia, o executor dos disparos, após o crime, dirigiu-se imediatamente para sua casa, distantes vinte e oito quilômetros do local do fato, percurso realizado de carro em quarenta minutos. Chegando em sua casa, imediatamente realizou um telefonema para uma ex-companheira, com quem tinha uma filha, a fim de criar um álibi, o que poderia ser atestado pelo extrato telefônico. Ocorre que foi possível determinar o exato tempo do crime, pois as câmeras de segurança de edifícios vizinhos ao local do crime gravaram o momento em que um grupo de jovens que conversava em frente de onde se deu a execução correu após ouvir o primeiro disparo. A prova testemunhal corroborou o tempo determinado, assim como a prova técnica, pois foi realizada uma reprodução simulada dos fatos, na qual ficou demonstrado que o autor teve tempo suficiente de se deslocar, após o crime, até sua residência, e realizar o telefonema mencionado. O autor foi preso, processado, julgado e condenado. e. O instrumento Considerando que o homicídio é a eliminação da vida humana de forma não natural, mas violenta, o autor do crime necessita de um meio qualquer para que o resultado morte ocorra. Por essa razão, todo crime de homicídio exige a utilização de um instrumento. Esse instrumento pode ser as mãos do autor (quando se tem a morte por esganadura, por exemplo), pode ser uma arma branca (faca, punhal, facão, etc.), uma arma de fogo (revólver, pistola, etc.), substâncias tóxicas (venenos em geral), paus, pedras, segmentos de ferro, entre outros. Assim, é fundamental que a investigação determine o tipo de instrumento usado para matar a vítima, mesmo que não consiga encontrá-lo. Em regra, o instrumento do crime tem estreita relação com os hábitos, atividade profissional, condição socioeconômica, idade e sexo do autor. Cabe a equipe de investigação definir qual foi o instrumento do crime; depois deve buscar saber em poder de quem estava esse instrumento no momento do crime, qual seuparadeiro após o crime e qual sua eficiência e compatibilidade com as lesões que a vítima apresentava. Especialmente no caso de o instrumento ser uma arma de fogo, deverá a equipe de investigação apurar o mais rápido possível qual o calibre dessa arma, mediante exame pela perícia criminal dos projéteis e estojos de cartuchos por ventura encontrados no local do crime ou extraídos do cadáver da vítima. A equipe de investigação não deve, entretanto, sentir-se desestimulado se não conseguir localizar o instrumento, pois o autor normalmente tudo faz para se desfazer dele. Considerando o uso de arma de fogo, é comum entre autores contumazes, haver uma grande rotatividade de armas, o que dificulta ou mesmo impossibilita sua localização e apreensão pela polícia. No entanto, como já foi dito, o que condena um criminoso é o conjunto probatório consistente e harmônico. Na maioria das vezes, mesmo localizando-se a arma de fogo e havendo projéteis para confronto, o exame pode resultar inconclusivo por questões técnicas. Assim sendo, o que a equipe de investigação não poderá deixar de esclarecer é a natureza, a espécie e o tipo de instrumento utilizado para praticar o crime de homicídio. f. O motivo Por último, há o motivo, a razão da prática do crime. Como você já estudou, não há homicídio doloso sem motivo. O motivo é o acontecimento que precede o crime e leva uma pessoa a eliminar outra. O motivo é aquele interesse ou desejo contrariado; é um bem cobiçado; é um valor moral atingido; é uma relação ameaçada, rompida ou indesejada; é um compromisso descumprido; é o interesse de se ocultar alguma coisa. Os motivos que levam uma pessoa a eliminar outra são variados e imprevisíveis. Portanto, é tarefa impossível enumerar todos os tipos de motivos. Em geral, os motivos são de ordem social, patrimonial, criminosa, amorosa, política e psicopata. Os motivos de ordem social são aqueles que decorrem das condições de vida, das relações da ambiência social do indivíduo. Exemplos: Brigas em botecos entre pessoas embriagadas, por assuntos triviais, pela disputa por um copo de bebida, por um simples empurrão; desentendimentos entre vizinhos; intolerância das pessoas no convívio em sociedade. Os motivos de ordem patrimonial surgem da disputa ou do interesse pelo patrimônio, o qual poderá ser tanto da vítima quanto do autor, ou até de um terceiro. Exemplos: A disputa por herança, a briga entre sócios e a divisão de terras. Os motivos de ordem criminosa são aqueles que têm origem dos conflitos entre aqueles indivíduos que vivem do crime. Exemplos: Pode ser uma queima de arquivo, a disputa pelo domínio de uma área, o não pagamento de dívidas (comum no tráfico de drogas), o desacerto na divisão do produto de um crime (roubo, extorsão mediante sequestro), entre outros. Os motivos de ordem amorosa advêm de fatores gerados do relacionamento entre casais. Exemplos: Casos que estão geralmente afetos ao ciúme, à traição, ao orgulho ferido e à paixão. Os motivos de ordem política surgem das disputas acirradas pelo poder político ou mesmo do objetivo de se encobrirem atos de improbidade no exercício do cargo. Os motivos de ordem psicopata emergem de um estado mental patológico. Exemplo: O caso que ficou nacionalmente conhecido como “maníaco do parque”, no qual um jovem humilde atraía moças jovens para locais desertos, com a promessa de que seriam modelos, e as estuprava e matava. 6.1. Outra classificação do motivo O motivo do crime de homicídio pode também ser classificado em imediato ou mediato, único ou múltiplo, determinante e não determinante. O motivo imediato é aquele que acontece em tempo próximo ao da prática do crime. Exemplo: O empurrão sofrido pelo autor leva-o ao imediato saque de uma faca e agressão à vítima. O motivo mediato é aquele cuja ocorrência se verifica muito antes do cometimento do crime. Nesse caso, o autor tem tempo suficiente apenas para as medidas indispensáveis à preparação e à execução do crime. Exemplo: O não pagamento de uma dívida pela vítima, quando ela é ameaçada de morte pelo autor, que monta uma emboscada para matá-la. Quando o autor só tem uma razão para matar a vítima, o motivo é único. Quando estão envolvidos vários fatores motivacionais, se está diante de uma motivação múltipla. Exemplo: Uma mulher manda matar o marido, pois ele a maltratou com agressões físicas e verbais durante anos, tem amantes e goza de considerável patrimônio. O motivo determinante é aquele que conduz o agente a decidir matar a vítima. Ele pode ser imediato ou mediato, pois o autor pode decidir matar a vítima em seguida ao fator determinante ou, por conveniência e aguardando uma melhor oportunidade, esperar por determinado tempo. O motivo não determinante é aquele que não conduz o autor a decidir- se pela morte da vítima. É o caso das agressões sofridas, durante anos, por uma esposa, a qual só decide matar o marido quando toma conhecimento de que ele pretende separar-se dela para casar com a amante. Muitas vezes, a investigação não consegue demonstrar de forma indubitável a motivação de um crime de homicídio, pois ela integra o universo pessoal do autor. Importante! Motivação de crime não se discute, apenas se constata. E ainda, não é porque alguém tenha, em tese, motivo para matar outrem que é o autor do crime. Pense nisso. Concluindo... A conduta que leva à prática do crime de homicídio tem uma estrutura operacional que precisa ser devidamente considerada pela equipe de investigação. A visualização dos elementos de espaço, tempo, ação e resultado na conduta delituosa em estudo é fator preponderante na compreensão das razões e do modo como ocorreu o delito, possibilitando a formulação de estratégias eficazes na apuração das provas. Neste módulo foram estudados e discutidos os elementos essenciais da estrutura do crime de homicídio. No próximo módulo você fechará esse estudo com a verificação dos elementos acessórios. Módulo 4 – Elementos acessórios do crime de homicídio Apresentação do Módulo Seja bem-vindo ao módulo 4 do curso! Neste módulo você complementará o estudo do módulo anterior tratando dos elementos acessórios na conduta do crime de homicídio. Vimos que a conduta que leva à prática do homicídio está contida em uma estrutura de tempo, espaço, ação e resultado, e que esses elementos são formados por outros elementos que se subdividem em essenciais e acessórios. Como visto, para a investigação, desmontar esses elementos estruturais é a possibilidade de um olhar completo sobre a conduta do infrator, apontando os caminhos a serem seguidos na busca da prova. É com esse olhar que você deverá desenvolver o estudo deste módulo, discutindo e conhecendo os chamados elementos acessórios da conduta do crime de homicídio. Boa sorte! Objetivos do Módulo Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Identificar os elementos acessórios do crime de homicídio; Explicar os processos da destruição, da subtração ou da ocultação do cadáver como circunstâncias norteadoras da apuração das provas da prática do delito de homicídio. Estrutura do Módulo Aula 1 – Elementos acessórios do crime de homicídio Aula 2 – A destruição, a subtração ou a ocultação do cadáver Aula 1 – Elementos acessórios do crime de homicídio Elementos acessórios ao crime de homicídio são aqueles que, por razões diversas, agregam-se aos elementos essenciais, mas que, diferentemente destes, não são encontrados em todos os crimes de homicídio. Os elementos acessórios constituem o elo que permeia e sedimenta os elementos essenciais. Como elementos acessórios, podem-se apontar: os vestígios materiais, as circunstâncias, as testemunhas. Veja então cada um desses
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