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Política criminal, direito de punir do estado e finalidades do direito penal

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jusbrasil.com.br
13 de Abril de 2022
Política criminal, direito de punir do estado e finalidades
do direito penal
Publicado por Alice Bianchini há 9 anos  45,8K visualizações
SUMÁRIO
1. Política criminal, Criminologia e Direito penal. 2. O direito
de punir do Estado. 3. As finalidades do Direito penal. 4. A
eficácia do Direito penal e sua função simbólica. 5.
Expectativas sociais e eficácia das funções do Direito penal.
6. Efeitos criminógenos da criminalização
1. Política criminal, Criminologia e Direito penal
A disciplina Política criminal muito raramente é estudada nos cursos
de graduação, muito embora, a todo tempo, seja feita menção a seus
postulados, sem que se tenha plena consciência de todas as abordagens
que estão inseridas no seu universo.
É bastante frequente estabelecerem-se confusões entre Política
criminal e Criminologia ou mesmo entre elas e o Direito penal
(principalmente no que diz respeito à Dogmática jurídico-penal).
A Criminologia possui uma dimensão e uma estrutura científica
próprias, informadoras das estratégias que a Política Criminal
estabelece para o controle (“combate”) da criminalidade.
https://professoraalice.jusbrasil.com.br/
https://professoraalice.jusbrasil.com.br/
Importante ressaltar, desde logo, que o ramo repressivo do Direito não
é o único meio recomendado pela Política criminal para a diminuição
da violência. Inúmeras outras medidas de cunho político podem ser
adotadas a partir das conclusões da Política criminal. Investimentos
em programas como o Escola Aberta, por exemplo, podem ser
utilizados, eficazmente, nessa difícil tarefa.
É o que ocorreu, também, no ano de 2003, quando o Ministério da
Justiça traçou seu plano de combate à lavagem de capitais. Para tanto,
foram propostos, durante a reunião do Gabinete de Gestão Integrada
(GGI) de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro, ocorrida em
16/12/2003, seis objetivos centrais e trinta e duas metas. Como se pode
ver abaixo, dentre os objetivos, vários não possuem natureza
repressivo-penal:
Algumas das ações acima frutificaram, podendo-se citar o Laboratório
de Tecnologia contra a Lavagem de Dinheiro – LAB-LD, criado pela
Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), do Ministério da Justiça, que
conseguiu bloquear R$ 100 milhões de pessoas suspeitas de pertencer
a organizações criminosas.
Instituída em 2003, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à
Lavagem de Dinheiro (Enccla) tem por objetivo aprofundar a
coordenação dos agentes governamentais envolvidos nas diversas
etapas relacionadas à prevenção e ao combate a crimes de lavagem de
dinheiro e (a partir de 2007) de corrupção. De lá para ca, a cada ano,
novas metas são propostas.
A implantação ou incrementação de medidas de cunho não repressivo,
isoladas ou cumulativamente com ações de caráter penal, são de
importância capital.
Quando, entretanto, a opção política for no sentido da utilização do
arsenal punitivo, não se pode olvidar a moderna concepção das
Ciências criminais, caracterizada pelo modelo integrado, tal como foi
sugerido por VON LISZT no final do século XIX. A integração do
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104450/lei-de-desapropria%C3%A7%C3%A3o-decreto-lei-3365-41
Direito penal (e da sua ciência, a Dogmática jurídico-penal) com a
Criminologia e com a Política criminal é inevitável. Cada um desses
seguimentos, entretanto, mantém a sua autonomia. De fato, cada uma
das áreas mencionadas representa momentos diversos do fenômeno
criminal:
Aos três momentos acima mencionados juntam-se outros dois, o
processual e o execucional, completando os cinco segmentos que
compõem as Ciências criminais. No presente artigo cuidaremos das
relações entre a Política criminal, a Criminologia e o Direito penal (a
Dogmática jurídico-penal).
O criminólogo estuda o fenômeno criminoso, fornecendo dados que a
Política criminal transforma, às vezes, em reivindicações de alteração
ou mesmo de elaboração da legislação penal; a ciência do Direito penal
normativiza essas reivindicações que passam a ter valor jurídico
coativo; o processualista cuida da aplicação do ius puniendi de acordo
com o devido processo legal; na fase executiva torna-se realidade a
ameaça penal.
Concernentemente à Política criminal, pode-se dizer, com JORGE DE
FIGUEIREDO DIAS, que o tempo atual é o da Política criminal. “É das
suas proposições ou mandamentos fundamentais, encontrados no
campo de projeção dos problemas jurídicos sobre o contexto mais
amplo da política social, que será lícito esperar um auxílio decisivo no
domínio desse flagelo das sociedades atuais que é o crime.”
A Política criminal é vista como “conjunto sistemático de princípios e
regras através dos quais o Estado promove a luta de prevenção e
repressão das infrações penais.” Para Claus Roxin “a questão
pertinente a como devemos proceder quando há infringência das
regras básicas de convivência social, causando danos ou pondo em
perigo os indivíduos ou a sociedade, conforma o objeto criminal”.
A capacidade de o sistema sancionatório resolver os problemas que lhe
são destinados depende muito das investigações empíricas sobre os
instrumentos e a forma de utilizá-los. É a Criminologia que,
fundamentalmente, fornece base para as investigações acerca da
melhor forma de resguardar a sociedade contra a violência, sendo,
portanto, de capital importância as suas conclusões. Como “ciência
empírica do delito, [a Criminologia] traz os imprescindíveis dados
acerca do fenômeno criminal e das suas diversas instâncias
(delinquente, vítima, aparatos do controle social)”.
Também é com base nos estudos criminológicos que se poderá concluir
pela redução, ou não, dos efeitos danosos do Direito penal, ou seja, de
seu quantun de violência, sem que isso implique perda de efeito
integrador, com incremento da violência social, aumentando a taxa de
delitos ou de fenômenos de vingança privada.
A Política criminal, dentro desse contexto, depende do conhecimento
empírico da criminalidade, dos seus níveis e das suas causas (JORGE
DE FIGUEIREDO DIAS), objetos que são da Criminologia. É sua a
tarefa de transformação das teorizações da Criminologia em opções e
estratégias de controle da criminalidade a serem utilizadas pelo Estado.
A moderna Política criminal (de base criminológica), “opera mediante
a valoração (desde concretas perspectivas jurídico-políticas) dos dados
empíricos recolhidos pela Criminologia”. É com fundamento em tais
valorações que se deve construir, aplicar, elaborar e criticar o Direito
penal. A Política criminal deve operar tanto no plano do direito a
constituir como no do direito constituído.
E, mais do que isso, quando a Criminologia alarga seu objeto de estudo
para abranger a totalidade do sistema de aplicação da justiça penal (e
não mais somente o sistema penal), preocupações com eventuais
efeitos criminógenos da própria lei penal também passam a ser objeto
da Política criminal, criando, com isso, estratégias que vão além da
intervenção penal, sendo exemplo disso os movimentos de
descriminalização, desjudicialização, diversificação etc.
No dizer de FIGUEIREDO DIAS, a Política criminal constitui “a pedra
angular de todo o discurso legal-social da criminalização-
descriminalização.”
Vê-se, assim, que os postulados político-criminais devem ser levados
em consideração desde o momento anterior à própria existência do
Direito penal (processo legislativo), passando pela fase judicial e
executorial, e, mesmo, chegando ao momento posterior, ou seja,
quando são recolhidas as conclusões acerca de eventuais efeitos
criminógenos de dada tipificação penal, para o fim de propor outros e
mais aprimorados encaminhamentos.
A perspectiva primeira, defendida por V. Liszt, na qual Política
criminal e Direito penal eram vistos de forma antagônica, acha-se hoje
superada pela nova concepção de CLAUS ROXIN, para quem “as
valorações político-criminais fundamentam o sistema do Direito penal
e a interpretação de suas categorias.”
No mesmosentido é o posicionamento de JORGE DE FIGUEIREDO
DIAS. Para o autor, a Dogmática jurídico-penal não pode evoluir sem
levar em conta o trabalho “prévio” de índole criminológica, bem como
sem uma mediação político-criminal que lance luz sobre as finalidades
e os efeitos que se aponta à (e se esperam da) aplicação do Direito
penal”.
FIGUEIREDO DIAS e ROXIN, entretanto, divergem quanto ao grau de
dependência existente entre Direito penal (e a Dogmática jurídico-
penal) e Política criminal.
ROXIN parte da ideia de aproximação da Dogmática jurídico-penal
com a Política criminal como forma de realização do Direito penal. De
acordo com o autor, o Direito penal constitui “a forma por intermédio
da qual as proposições de fins político-criminal se vazam no modus da
validade jurídica”. Decorrentemente, ele dissolve as fronteiras entre
Dogmática jurídico-penal e Política criminal, criando uma “unidade
sistemática”.
FIGUEIREDO DIAS, diversamente, menciona não uma completa
“unidade sistemática” entre elas, mas, sim, busca uma otimização da
colaboração entre ambas, o que também se dá com relação à
Criminologia. O autor fala em “mútuo relacionamento”, bem como em
“unidade cooperativa ou funcional”, ou, quando cita ZIPF, em
“otimização da colaboração.”
Acima de tal discussão, fato é que tanto a Política criminal quanto o
Direito penal devem ser estruturados a partir dos postulados
constitucionais. É aqui que entram em cena os princípios
constitucionais-penais, explícitos ou implícitos. Na segunda categoria
(princípios constitucionais implícitos), incluem-se todos aqueles que
decorrem
(a) do regime político conformado constitucionalmente e
(b) dos princípios expressamente adotados pelaConstituiçãoo, bem
como
(C) dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte (§ 2º, art. 5º,
CF).
2. O direito de punir do Estado
O Direito penal, em sentido subjetivo (ius puniendi), é entendido como
potestade punitiva do Estado, traduzida como poder de cominar,
aplicar e executar as penas; o conjunto de normas primárias e
secundárias que lhe dá feição e, de certa forma, conforma o Direito
penal (ius poenale) constitui seu outro sentido, o objetivo. O primeiro
sentido possui caráter eminentemente político, enquanto o segundo
representa o seu aspecto normativo.
Esquematicamente:
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/155571402/constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-constitui%C3%A7%C3%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10641516/artigo-5-da-constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-de-1988
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/155571402/constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-constitui%C3%A7%C3%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988
Antecede a verificação sobre a legitimidade do Direito penal outra
análise, permeada por significativa discussão acerca da crise pela qual
passa o Direito penal moderno. A partir do Iluminismo este ramo do
Direito recebeu uma nova e transformadora feição. Em que pese o
longo tempo já transcorrido (mais de duzentos anos), esta particular
forma de concepção do Direito penal ainda não se consolidou em um
modelo consensualmente aceito. Mesmo que se registrem momentos
de bonança, certo é que sucessivas crises, com diferentes elementos,
tiveram lugar. O ritmo intenso de mudanças pelas quais passa a
sociedade desde então é o responsável preponderante pela não
estabilização de um consenso sobre o melhor estatuto de convivência,
motivo pelo qual o Direito, regulador de condutas, também vem
oscilando com intensa frequência.
Essa é uma crise de legitimação: questiona-se a justificação do recurso,
por parte do Estado, ao seu instrumento mais poderoso — o Direito
penal. Nesse sentido, algumas questões exigem respostas. Elas podem
ser englobadas nos seguintes questionamentos:
É o próprio Direito penal que está sendo colocado à prova, sob o
aspecto, principalmente, de sua autêntica utilidade social.
Juntamente com esta crise subsiste outra, na qual a validade científica
deste ramo do Direito é analisada. E as duas, a do Direito penal e a da
ciência que lhe justifica a existência, são paralelas.
No que tange a tais crises, percebe-se, sem esforço, dois movimentos
que se repulsam convivendo concomitantemente em um mesmo espaço
social. Em algumas ocasiões, prima-se por uma legislação nitidamente
simbólica, carregada de ceticismo em relação ao ideal ressocializador,
fazendo da pena uma função em si mesma, o que a reconduz à ideia de
castigo, desprezando o fato de o Direito penal ser incapaz de exercer,
por si só, o papel que se lhe atribui (de diminuição da violência). De
outro lado, vê-se, em ocasiões mais raras, a preocupação do legislador,
quando na sua tarefa criadora, com direitos e garantias do cidadão.
Nesse sentido, também se veem movimentos, amparados
juridicamente, em prol da menor intervenção penal possível. Para
tanto, vêm sendo criados instrumentos vários para a redução da
incidência do Direito penal (a obstaculização da ação penal quando
tenha ocorrido reparação do dano provocado pelo delito – sonegação
fiscal, cheque sem fundos – são exemplo).
Significativa, ainda, a determinação contida na Lei 9.099/95, no
sentido de exigir representação para os casos de lesão corporal culposa
e simples - art. 88 o qual prevê: “Além das hipóteses do Código Penal e
da legislação especial, dependerá de representação a ação penal
relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.”
Superados os entendimentos que tratavam de vincular o Direito penal
a legitimações apriorísticas que lhe atribuíam a missão de “realização
da justiça sobre a terra”, a fonte da legitimação do Direito penal passou
a se fixar no fato de que sua presença na sociedade, mesmo que
constitua um mal, provoca-o em intensidade menor quando
comparado àquele que trata de evitar (FERRAJOLI). É desta
perspectiva que se pode, com mais propriedade, chegar às finalidades
que um Estado Social e Democrático de Direito – como é o conformado
pela nossa Constituição – pode reservar ao Direito penal.
3. As finalidades do Direito penal
De acordo com o afirmado no item “1”, a Política criminal encontra-se
intimamente ligada com as finalidades do Direito penal. Também foi
dito que as feições do Direito penal e da Política criminal são extraídas
fundamentalmente das normativas constitucionais.
A questão que envolve as finalidades do Direito penal pode ser
abordada por meio de três diferentes perspectivas:
Somente a terceira abordagem permite que se elabore uma teoria
legitimadora do Direito penal. É a partir dela que toda a construção
normativo-penal deve ser realizada.
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/103497/lei-dos-juizados-especiais-lei-9099-95
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10629664/artigo-88-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1033702/c%C3%B3digo-penal-decreto-lei-2848-40
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/155571402/constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-constitui%C3%A7%C3%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988
Uma análise, por exemplo, do Direito penal positivo brasileiro é
incapaz de indicar o marco teórico no qual se tenha baseado alguma
teoria para os fins do Direito penal, já que sobrevivem normatizações
completamente distintas e contraditórias, ou, mesmo, excludentes, em
termos de ideologia jurídico-penal.
Primeiramente, portanto, há que se conhecer as finalidades que
deveriam ser cumpridas pelo Direito penal em uma sociedade de
constituição sociocultural determinada, para, após, concluir-se pela
coincidência, ou não, do direito positivo com estas atribuições de fins.
Para tal, faz-se necessária uma base teórico-crítica a instruir a
conclusão acerca da legitimidade do Direito penal. A Constituição, por
representar o consenso valorativo do grupo social, oferece um
respeitável marco, que não somente deve ser consultado, como,
também, deve servir de guia ao legislador, ao intérprete, ao aplicador e
àquele que irá executar os comandos normativos.Caracterizar o Direito penal em termos de feição e finalidade tem sido
tarefa que se destaca, antes de tudo, pelas significativas controvérsias
que desencadeia. Isto traz, por via de consequência, discussões acerca
da legitimidade epistemológica, e propicia, também, que sejam criadas
leis com conteúdos ideológicos contrários, ao sabor do jogo de forças
ao qual foi submetido determinado desencontro de opiniões, com total
desprezo por princípios já universalmente consagrados.
Nos países que consolidaram um modelo de Estado social e
democrático de direito, estes problemas encontram-se melhormente
resolvidos. Também são quase consensuais os fundamentos do Direito
penal. Sua razão de ser é encontrada na eterna busca pelo melhor viver
do homem. Não se pode olvidar, por certo, que o entendimento acerca
das condições necessárias para se chegar ao fim colimado vem se
alterando e que cada vez alarga-se mais o seu rol, incluindo-se, hoje,
itens que até pouco tempo não frequentavam a pauta de reivindicações
sociais, como é o caso do direito ao meio ambiente sadio. A demanda,
no entanto, sempre foi pelo mesmo produto: satisfação do que esteja ao
nível de melhor condição de humanidade.
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/155571402/constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-constitui%C3%A7%C3%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/155571402/constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-constitui%C3%A7%C3%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988
Constituem-se, aliás, em objetivos do Estado brasileiro (art. 3º da
Constituição Federal)“construir uma sociedade livre, justa e solidária”
(I), bem como “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais” (III), além de “promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação” (IV).
O Direito penal, como todo o ordenamento jurídico, evidentemente,
deve se conformar a esses objetivos.
Neste contexto, sobressai o propósito de proteção de bens jurídicos
relevantes 1ª finalidade do Direito penal , entendidos como
aqueles bens imprescindíveis para satisfazer as necessidades
fundamentais do indivíduo em sociedade.
A origem da teoria do bem jurídico deve-se ao surgimento do Direito
penal liberal concebido pelo Iluminismo, a partir do qual a demarcação
dos pressupostos para a intervenção do Estado, além de ser restringida
por aspectos formais (princípio da taxatividade, por exemplo), passou,
progressivamente, a assumir, expressão de SILVA SÁNCHEZ, funções
de autolimitação material.
A utilização do Direito penal encontra-se justificada pela capacidade
deste instrumento do Estado de diminuir as cotas de violência
inseridas nas relações sociais, entendida como lesões graves que
abalam substancialmente bens jurídicos relevantes.
Mas não é só. A ausência do Direito penal remeteria o controle da
desviação a um confronto de forças sociais, no qual sucumbiria o mais
fraco e, por via de consequência, em inúmeras ocasiões, a Justiça. O
poder punitivo, portanto, representa uma amarga necessidade, sem o
qual a manutenção de uma convivência minimamente pacífica e
organizada não seria possível, ao menos no atual estágio da civilização.
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10641719/artigo-3-da-constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-de-1988
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/155571402/constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-constitui%C3%A7%C3%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988
Desta forma, a violência das prováveis contrarreações vingativas é
substituída por outra monopolizada por meio de um sistema de
dissuasão e pela violência da pena em si. Daqui surge a necessidade de
o Estado proteger o indivíduo contra as reações sociais que o próprio
crime desencadeia 2ª finalidade do Direito penal
Não obstante a importância de se proteger bens jurídicos, bem como de
se prevenir as reações informais, tais funções não são suficientes para
legitimar a intervenção punitiva. Um outro papel, também, precisa ser
atribuído ao Estado que se pretenda moderno: garantir a aplicação dos
princípios, direitos e garantias penais previstos na Carta 3ª
finalidade do Direito penal
Tal necessidade advém do fato de que o Direito penal, paradoxalmente,
enquanto representa o meio mais incisivo de que se vale o poder
instituído para assegurar a pacífica convivência entre os
jurisdicionados, equivale, também, àquele que mais restringe a
liberdade e enfraquece os direitos de segurança e de dignidade. Resta
de suma importância, pois, que se busque estabelecer rígidos critérios
— representados pelo modelo garantista do Direito penal — para a
intervenção penal.
Esquematicamente, têm-se as três finalidades do Direito penal:
No concernente à primeira finalidade, aspectos ligados ao bem jurídico
pertencem às discussões acerca do merecimento de tutela penal, a qual,
juntamente com as categorias necessidade e adequação, compõem as
etapas a serem analisadas pelo legislador quando da sua tarefa de
criminalização de condutas.
Quanto à segunda finalidade, sua possibilidade de cumprimento
encontra-se intimamente ligada com as discussões a serem elaboradas
nos itens 4 e 5 que serão vistos a seguir (função simbólica do Direito
penal correlacionada com as expectativas sociais e com a sua eficácia).
A terceira finalidade vincula-se ao Garantismo, o qual representa,
concomitantemente, uma bem desenvolvida proposta de Política
criminal. Dentro de tal perspectiva, ou seja, como Política criminal, o
garantismo será novamente abordado por ocasião das discussões sobre
movimentos de Política criminal.
Enquanto o liberalismo focou, com prioridade, as garantias formais, o
cada vez mais ostensivo assentamento do ideário do Estado social
propiciou uma readequação de metas que, desde então, passou a ser
permeada de realizações práticas de garantias. É desta nova concepção
de Estado que surge a proposta garantista.
Esta tendência de Política criminal vem ganhando espaços e conteúdos,
a ponto de JESUS-MARÍA SILVA SÁNCHEZ afirmar:
o garantismo que, partindo da proteção da sociedade através da
prevenção geral de delitos, procede a sublinhar as exigências formais
de segurança jurídica, proporcionalidade, dentre outros, e acolhe, por
sua vez, as tendências humanizadoras, expressa o estado até agora
mais evoluído de desenvolvimento das atitudes político-criminais
básicas, a síntese dos esforços em prol de um melhor Direito penal, e
constitui a plataforma necessária para abordar de modo realista e
progressista os problemas teóricos e práticos do Direito penal.
Mais do que proposta de política-criminal, o Garantismo, como dito,
representa uma finalidade a ser desenvolvida pelo Direito penal. Esta
preocupação — garantia do indivíduo contra a arbitrariedade do Estado
— não provém, entretanto, do consentimento da maioria.
Como já afirmado anteriormente, inúmeros são os setores da sociedade
que ainda não amadureceram para a importância de garantias de
direitos individuais. É comum o discurso de que “os direitos humanos
preocupam-se somente com bandidos”, ou, pior, que “bandido bom é
bandido morto”. Também é bem conhecida uma outra frase,
melhormente elaborada: “Direitos humanos são para humanos
direitos.”
A terceira finalidade, assim, parece não possuir feição democrática. Por
tal razão ela deve ser considerada a partir de fundamentos mais
sofisticados. Sua atribuição é eminentemente garantista. “Garantismo,
com efeito, significa precisamente tutela daqueles valores ou direitos
fundamentais, cuja satisfação, ainda que contra os interesses da
maioria, é o fim justificador do Direito penal: a imunidade dos
cidadãos contra a arbitrariedade das proibições e dos castigos, a defesa
dos fracos mediante regras do jogo iguais para todos, a dignidade da
pessoa do imputado e, por conseguinte, a garantia de sua liberdade
mediante o respeito, também, de sua verdade”. Tal entendimento
decorre da concepção de Estado democrático de direito.
A modernaconcepção da finalidade do Direito penal caracteriza-se,
portanto, pelo papel de destaque atribuído às considerações garantistas
e encontra-se bastante distante da percepção real de como funciona o
Direito penal, já que uma verificação mais percuciente da história
obriga a perceber que serviu — e permanece servindo —, o Direito
penal, de instrumento de dominação. Seus mecanismos, por
permitirem interferências das mais variadas ordens — o que deveria
ser visto como qualidade, por propiciarem o processo de diálogo entre
direito e sociedade —, acabaram se transformando em instrumentos de
grupos hegemônicos. Estes interesses excludentes estabelecem-se
desde o processo legislativo, olvidando os da grande parcela de
excluídos, aos quais se faz sobrar, tão só, a submissão à lei.
É bastante significativa, bem se sabe, a falta de sintonia entre as
missões ou finalidades que o Direito penal deveria cumprir e as funções
que, efetivamente, por ele são realizadas. A síntese atual, portanto,
implica esta contradição.
De toda forma, convém reforçar que não é possível a garantia de um
Direito penal absolutamente justo e válido. De acordo com
FERRAJOLI, a função do princípio da separação entre direito e moral,
acrescida à relatividade dos juízos éticos “derivada da autonomia de
cada consciência e do princípio meta-ético da tolerância, impedem que
um sistema de proibições penais possa proclamar-se, jamais,
objetivamente justo ou integralmente justificado.”
Para o autor não são concebíveis sistemas jurídico-penais perfeitos,
sendo, como são, irredutíveis, tanto a autonomia e a pluralidade dos
juízos ético-políticos sobre sua imperfeição, como a relatividade
histórica e política das opiniões legislativas sobre o que se deve proibir.
Nem sequer o fato de que estas opções sejam as da maioria basta para
garantir sua justiça, sua moralidade, senão somente sua concordância
com os valores e interesses dominantes. A justiça, como a moral, não é
uma questão de maiorias. Pelo contrário, ‘onde quer que haja uma
classe dominante — e são palavras não de MARX, senão de JOHN
STUART MILL —, uma grande parte da moralidade do país emana de
seus interesses e de seus sentimentos de classe superior. E já
BECCARIA havia afirmado que ‘a maior parte das leis não são mais que
privilégios, isto é, um tributo que todos pagam para a comodidade de
alguns’.
Afirma, ainda, FERRAJOLI que qualquer pretensão de haver realizado
a justiça perfeita, “não somente é ilusória, senão signo da mais perigosa
das imperfeições: a vocação totalitária.”
Sendo, pois, a lei uma produção histórica decorrente das relações de
força que lhe são incidentes, ela será a lei possível, não a lei perfeita,
talvez nem mesmo a desejável. No máximo, resta o esforço de fazer do
possível o desejável.
Essa distância entre função desejável e a real serventia do Direito penal
é, frequentemente, encoberta por processos dissimulados, como se verá
no próximo item.
4. A eficácia do Direito penal e sua função simbólica
Além das finalidades legítimas, anteriormente analisadas, há funções
não autorizadas desenvolvidas, de fato, pelo Direito penal. Pode-se
afirmar, ainda, que algumas das funções desempenhadas são
manifestas e outras são latentes. As funções manifestas coincidem com
as condições objetivas de realização da norma, ou seja, as que a própria
norma alcança em sua formulação. Com as funções latentes, o que se
dá é que a norma encobre a sua real significação, desenvolvendo efeitos
distantes daqueles deixados a descoberto. Estas circunstâncias geram
um Direito penal chamado simbólico, [decorrendo que] as funções
latentes predominem sobre as manifestas: do qual se pode esperar que
realize, através da norma e de sua aplicação, objetivos outros que não
os descritos na norma.
Um Estado social e democrático de direito não pode se estabelecer a
partir da função simbólica exercida pelo Direito penal, embora não se
possa negar sua existência, “que tem lugar não na realidade exterior
(posto que não se aplicam), senão na mente dos políticos e dos
eleitores”, produzindo a impressão de que se as circunstâncias estão
sob controle.
O que importa, para a função simbólica, é manter um nível de
tranquilidade na opinião pública, fundado na impressão de que o
legislador se encontra em sintonia com as preocupações que emanam
da sociedade. Criam-se, assim, novos tipos penais, incrementam-se
penas, restringem-se direitos sem que, substancialmente, tais opções
representem perspectivas de mudança do quadro que determinou a
alteração (ou criação) legislativa. Produz-se a ilusão de que soluções
foram encaminhadas.
É grande a importância que os signos e símbolos possuem nas
comunidades humanas, fazendo com que um preceito penal de caráter
simbólico repercuta em efeitos sociais. O elemento simbólico das
manifestações da lei penal é um dado de realidade que, no entanto,
implica sério prejuízo social, quando se transforma em função a ser
incrementada pelo Estado, porque não é verdade – insiste-se – que o
Direito penal, isoladamente, possa alcançar o seu declarado objetivo,
que é o de proteger a sociedade.
Este ramo do direito, como já dito, é somente um ao lado de tantos
outros instrumentos de que se serve (ou deveria se servir) o Estado
para perseguir a missão mencionada. Os esforços da administração
pública não se encerram no Direito penal. Outros meios de controle
social formal ou informal devem vir em socorro da sociedade (e do
indivíduo, consequentemente), para, mediante uma conjunção de
esforços, propiciarem-se caminhos conducentes a perspectivas de
solução, relativamente ao problema apresentado.
Há quem entenda que o Direito penal, quando opera de modo
exclusivamente simbólico, perde a confiabilidade, prejudicando o
cumprimento de suas finalidades. É neste sentido a lição de
WINFRIED HASSEMER, para quem um Direito penal simbólico que
ceda suas funções manifestas em favor das latentes trai os princípios de
um Direito penal liberal, especialmente o princípio de proteção de bens
jurídicos e mina a confiança da população na administração da justiça.
Isto porque o agir alicerçado na função meramente simbólica de alguns
preceitos impediria a atuação do Direito penal no sentido de prevenir a
realização de comportamentos penalmente ilícitos e por meio da qual
as leis poderiam influir (por intermédio de mandatos ou de proibições,
bem como por meio da sanção correspondente à ação praticada) sobre
procedimentos de seus destinatários, buscando demovê-los de praticar
certo comportamento (prevenção geral negativa), ou motivando-os a se
comportar de acordo com a norma (prevenção geral positiva).
Deve ser dito que os efeitos intimidatórios do Direito penal têm sido
empiricamente contestados por não produzirem, em toda a sua
extensão, as conseqüências que deles se espera. Entretanto, o Direito
penal pode exercer funções de integração social geral, ou, dependendo
do caso, de alguns grupos sociais.
Ilustrativo a este respeito o entendimento de JESÚS-MARÍA SILVA
SANCHÉZ, para quem agravações de uma determinada pena em cinco
anos, que, a partir da perspectiva intimidatória (...), devem considerar
completamente irracionais, podem tranquilizar a sociedade em geral,
ou certos grupos afetados ou especialmente conscientizados do
problema, e contribuir a restabelecer sua confiança no ordenamento
jurídico. Ademais, a promulgação de um novo preceito penal, por
meramente simbólico que este seja, pode despertar na cidadania a
consciência acerca da importância do bem jurídico protegido,
produzindo uma espécie de ‘assunção’ do mesmo, isto é, uma
integração.
O que não se pode, entretanto, segundo lição ainda de SILVA
SANCHÉZ, é cometer o equívoco de supervalorar o aspecto simbólico.
Isto porque uma norma nova ou o incremento de uma já existente, caso
não se mostre eficaz, ou na hipótese de não ser aplicada, retira do
ordenamento toda confiança que a população nele depositou. Desta
forma, a função simbólica,quando absolutizada, é rechaçável, pois, em
curto prazo, cumpre funções educativas e promocionais, e, em prazo
mais dilatado, redunda, inclusive, na aludida perda de confiança.
Também não pode deixar de ser dito que um aumento desmesurado da
pena com propósitos intimidatórios não só atesta contra o princípio da
proporcionalidade; traz também a grave consequência de gerar na
sociedade um sentimento de injustiça, o que obstrui o processo de
adesão social da norma.
Referindo-se a este tema, FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO esclarece
que o problema não reside na questão de ser ou não benevolente com o
crime (ninguém razoavelmente poderia sê-lo), mas de saber como
contê-lo dentro de limites socialmente toleráveis, de modo sério e
verdadeiramente eficiente. Sem retóricas que a nada têm conduzido.
Sem leis que ficam no papel e não são executadas. (...) Por último, sem
penas eternas, postas em confronto com a duração média da vida
humana, que tornem irrealizáveis a disciplina nos presídios e o
trabalho do Estado em prol da emenda do delinquente.
Outro malefício ligado a esta situação é representado pelo fato de que a
articulação de uma aparência de eficácia, fundada em medidas fáceis
de política criminal destinada a acalmar uma demanda social,
desobriga o Estado de compor programas estruturais de política-social.
Ademais, a mera promulgação de normas, se atende a objetivos
simbólicos – daí a profusão com que se as edita – não responde às
exigências práticas, cujos meios são insuficientes, ou mesmo
inexistentes.
É ao poder legislativo que pertence a construção de um outro Direito,
mas é ao poder judiciário que cabe a tarefa de velar pela aplicação
destas novas tendências de Política criminal, e de fulminar, atribuindo-
lhe a pecha de inconstitucional, toda e qualquer normativa elaborada
em desconsideração aos parâmetros construídos pela Carta – mesmo
que assim agindo possa descontentar a opinião pública.
Sem que os esforços convirjam em prol dos princípios que devem
nortear o Direito penal de um Estado social e democrático de direito,
não se contemplarão as reivindicações que ora se apresentam.
Enquanto o móvel da elaboração da lei continuar sendo o
sensacionalismo ou a comoção social que determinados fatos causam, e
até que se desmistifique o entendimento de que a lei penal é
instrumento de eficácia garantida para o problema da criminalidade,
avançar-se-á pouco, ou, não é improvável, haverá retrocesso em
relação a muitas conquistas granjeadas mediante o histórico combate
daqueles que, insurgindo-se contra a falta de segurança jurídica, o
tratamento desigual, a inutilidade da severidade da pena e a sua
desumana execução, buscaram formas menos injustas de conceber,
declarar e aplicar o direito. Ou se aproxima a utilização do Direito
penal às suas finalidades legítimas, ou, em casos bastante frequentes,
assistir-se-á a uma “vitória de Pirro”.
As expectativas sociais, indubitavelmente, devem ser levadas em
consideração quando da elaboração do Direito penal. Entretanto,
quando o assunto é o encaminhamento de soluções, elas devem vir
temperadas por estudos científicos acerca das consequências das
medidas propostas. O saber, já se disse, quando o tema subordina-se
ao ramo da Política criminal, deve ser calcado nas conclusões da
Criminologia.
Não obstante, não se pode descurar que as expectativas sociais — ainda
que com os adequados atendimentos — têm elevada importância para a
eficácia, ou não, das legítimas funções desenvolvidas pelo Direito
penal, como se verá a seguir.
5. Expectativas sociais e concretização das finalidades do
Direito penal
Há um enlace evidente entre relevância do bem jurídico e eficácia da
norma. Quanto mais próximo da sociedade estiver o valor que o bem
jurídico expressa, mais facilmente o destinatário da
norma penal poderá respeitá-la. Pode-se dizer que ela terá mais
legitimidade.
A impossibilidade de assimilar o valor do bem jurídico inquina a
motivação conforme a prescrição normativa e é fator de
enfraquecimento da finalidade de proteção de bens jurídicos. Este
processo de motivação opera como um limite desta finalidade, visto
que a norma não pode pretender mais, pois está afastada de qualquer
legitimidade a atuação penal que busque a adesão interna do indivíduo.
O grau de disponibilidade do sujeito a respeito do bem jurídico
protegido reflete diretamente no processo de adesão social da norma, o
que é facilitado quando a determinação nela contida é precedida ou
acompanhada de uma função motivadora a ser realizada por outras
instâncias de controle social (incluindo-se as extrajurídicas).
Como observa GONZALO D. FERNÁNDEZ, “o controle normativo-
coativo próprio do Direito penal é um sub-rogado de outros sistemas
de controle, ainda informais, que orientam as decisões valorativas e
operam sobre a motivação individual na base da persuasão.”
Por outro lado, voltando-se à gênese das normas, analisando o
processo de incriminação primária, percebe-se, como já dito
anteriormente, que elas elegem bens jurídicos e instituem proibições
correlativas, axiologicamente consensuadas pelos setores dominantes
da sociedade, os quais identificam nesses bens jurídicos selecionados
pela lei penal autênticos valores hegemônicos.
A questão relevante, nestes casos, refere-se à conhecida distância entre
os bens valorados penalmente e os destinatários da norma, quando o
processo de incriminação primária é calcado em proibições que
traduzem valores oriundos de setores hegemônicos, numericamente
bastante inferiores, da sociedade.
Este intervalo, entretanto, é encurtado por processos de dominação
que, a serviço de grupos privilegiados, implantam nas classes não-
hegemônicas valores que não lhes pertencem, mas são feitos parecer
seus. “Remanesce que as classes dominadas acabam sustentando a
ordem estabelecida e dando combate contra os próprios interesses,
persuadidas de que estão a defender a sua causa e a melhor causa.”
O bem jurídico-penal adquire foros de importância sobrelevada
quando do estabelecimento da função de motivação do Direito penal.
Quanto mais próximos os valores albergados pela lei incriminadora
estiverem da sociedade, melhor se perfectibilizará a função aludida. A
sociedade precisa sentir como necessário, ou, mais do que isto,
imprescindível o bem jurídico que o Direito penal está pretendendo
deixar a salvo. A inexistência de tal sintonia pode ter diferentes causas.
Dentre elas, destaca-se:
1. A conduta criminalizada já não mais atenta contra os valores sociais
2. A consciência acerca da importância do bem jurídico que a lei penal
visa a proteger ainda não foi percebida pela sociedade
No primeiro caso, a descriminalização da conduta impõe-se com
urgência.
O Código Penal tipifica inúmeras condutas que, não obstante serem
desvaliosas quando da sua criminalização, hoje, encontram-se
descontextualizadas. Pode-se citar, neste sentido, o tipo penal de
escrito ou objeto obsceno (art. 234. Fazer, importar, exportar, adquirir
ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1033702/c%C3%B3digo-penal-decreto-lei-2848-40
exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer
objeto obsceno. Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou
multa), dentre outros.
No concernente à segunda causa apontada, é dever do Estado convocar
a atenção dos jurisdicionados para a importância do bem, buscando,
para tanto, recursos fora do sistema punitivo. É por tal motivo que se
encontram vetadas posturas tendentes a agravar desmesuradamente a
pena, querendo, com isto, demonstrar, perante a sociedade, o valor de
determinado bem. O princípio da proporcionalidade da pena, por meio
do qual esta deve corresponder à gravidade do delito, não pode, em
hipótese alguma, ceder diante de tal justificativa.
Quando se trata de cumprir a segunda das finalidades atribuídas ao
Direito penal (proteger o indivíduo das reações sociais que o crimedesencadeia), as expectativas sociais também cumprem destacado
papel, eis que tal finalidade somente é alcançada se se consegue
disseminar a ideia de que o Direito penal será aplicado (contrapondo-
se à ideia de impunidade) e se a sociedade a acatar como justa a
resposta do Direito penal (contrapondo-se à ideia de leis “fracas” ou
mesmo injustas), a fim de que não se inicie um processo de sedição
popular, bastante prejudicial à estabilização das instâncias de controle,
nas quais se inclui o Direito penal.
6. Efeitos criminógenos da criminalização
As consequências advindas de uma dada criminalização são estudadas
pela Criminologia e, a depender dos resultados, recomenda-se uma via
não criminalizadora (estratégias de Política criminal não repressiva), já
que o efeito “colateral” acaba superando qualquer justificativa de
manutenção ou criação do tipo penal.
Este efeito é claramente constatável na questão do aborto: com a
proibição lançou-se o assunto às relações do mercado negro, com todas
as suas consequências. Com penalizações como esta, menos se busca
um efeito preventivo real e mais se investe em um efeito simbólico, de
representação de superioridade de uma moral específica, elevada ao
nível da consagração estatal.
De acordo com EMILIO DOLCINI e GIORGIO MARINUCI, a partir da
concepção da pena como instrumento de prevenção da ofensa a bens
jurídicos, o legislador italiano, tal qual o alemão, renunciou à punição
da interrupção voluntária da gravidez nos primeiros noventa dias,
fundamentando-se nas seguintes razões:
Ainda, de acordo com DOLCINI e MARINUCI, quando, no ano de
1993, os juízes alemães novamente foram instados a enfrentar o tema
do aborto, após terem, em 1975, manifestado-se pela criminalização
desta conduta, abandonaram a visão retribucionista que via o Direito
penal como instrumento de mera reafirmação dos valores
constitucionais violados, remetendo ao legislador a difícil tarefa de
decidir se deve recorrer ou não ao direito sancionatório, a fim de dar
proteção à vida do nascituro.
Partindo deste pressuposto, o Tribunal Constitucional alemão
considerou constitucionalmente irrepreensível a escolha legislativa ¬–
completada com a lei de 27 de Julho de 1992, após a reunificação das
‘duas Alemanhas’ – de não punir a interrupção da gravidez efetuada
pelo médico nas primeiras doze semanas, a pedido da mulher que
prove ter recorrido a um consultório. Segundo o Tribunal, na situação
conflitual em que a mulher se encontra nos primeiros meses de
gravidez, a ameaça da pena ‘pouco serve’, enquanto ‘é mais útil ajudar
a mulher com meios jurídicos preventivos’ – consulta individualizada,
ajuda econômica e social etc. – ‘a fim de que possa assumir a sua
responsabilidade para com o concebido.’
Torna-se mais sensato, prosseguindo o raciocínio, que se recorra a
especiais medidas de proteção do nascituro.
É de harmonia com a consideração devida à mulher em estado de
gravidez que o Estado procure conseguir que ela assuma os seus
deveres de mãe por meio, não já de uma generalizada ameaça de pena,
mas antes de uma consulta individual, de um apelo à sua
responsabilidade pela vida pré-natal, de auxílios econômicos e ajudas
sociais.
Ve-se, pelo conteúdo desta decisão, que o Tribunal buscou, utilizando-se de meios que
entendeu mais eficazes, dimensionar a proteção do nascituro, bem jurídico que,
indubitavelmente, merece tutela penal.
FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE, manifestando-se sobre o
assunto, não põem qualquer dúvida de que o aborto deve ser
descriminalizado:
pelo teor específico da interação dos diferentes intervenientes; pelo
teor elevadíssimo das cifras negras e pelo grau de seleção e
desigualdade que eles traduzem; pela comprovada ineficácia
preventiva da lei incriminatória; pelas condições degradantes e riscos
do aborto clandestino. Bem podendo, em síntese, concluir-se que a lei
incriminatória, para além de funcionar como guarda noturno da boa
consciência de alguns, acaba por redundar num indesejável desserviço
aos valores fundamentais da própria vida humana.
Nestes casos, havendo interesse social de repressão, “deve-se recorrer a
outros mecanismos de prevenção e controle que não a cirurgia penal,
que se revela inevitavelmente, a par de inútil, porque incapaz de
dissuadir tais comportamentos, criminógena mesmo, haja vista que
produz disfunções sociais gravíssimas.”
De acordo com JOAQUIM CUELLO CONTRERAS, “uma das razões
que levaram à despenalização parcial do aborto foi que o número tão
considerável de abortos que se praticavam na Espanha (cifrados em
uma média de 300.000 ao ano) demonstrava que a norma penal que o
proibia não era eficaz.”
Inúmeras outras situações poderiam ser trazidas para ilustrar a
afirmação de que muitas vezes a solução pode (ou deve),
perfeitamente, ser encontrada (ou buscada) fora do âmbito penal.
Sanções de ordem econômica impostas pela administração, por
exemplo, muitas vezes possuem mais eficácia do que aquelas que
limitem a liberdade, principalmente porque as menores exigências de
garantias que decorrem da utilização da via administrativa, quando
comparada à judicial, incrementam a certeza, pelo cidadão, de que ela
venha a se efetivar. “Com efeito, admitindo-se que a função preventiva
geral de uma sanção depende principalmente de sua severidade e de
sua crença, resulta que as sanções impostas pela administração podem
compensar sua menor severidade com sua maior certeza.”
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