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CAPÍTULO 1 – DIREITO PENAL – NATUREZA E CONTEÚDO 1 O que é o Direito penal 1.1Conceito de Direito penal 1.2Objeto do Direito penal 1.3Objetivos ou missões do Direito penal 1.3.1A crítica criminológica 1.3.2As dicotomias entre as vertentes principais a respeito do tema 1.3.2.1A missão de reforço dos valores ético-sociais da atitude interna 1.3.2.2A missão de confirmação do reconhecimento normativo 1.3.2.3A missão de defesa de bens jurídicos 1.3.2.4A missão de controle social do intolerável 2 O jus puniendi e a questão do Estado Capítulo 1 DIREITO PENAL – NATUREZA E CONTEÚDO 1O QUE É O DIREITO PENAL O primeiro passo de qualquer estudo é a delimitação de seu objeto. Assim, no presente capítulo pretende-se oferecer algumas noções sobre o Direito penal de modo a evidenciar aspectos considerados relevantes para a sua compreensão. 1.1Conceito de Direito penal Tradicionalmente se conceitua o Direito penal como um conjunto de normas estabelecidas por lei, que descrevem comportamentos considerados socialmente graves ou intoleráveis e que ameaça com reações repressivas como as penas ou as medidas de segurança.1 Essa noção, em um primeiro momento, traduz garantias de liberdade, ao reconhecer o princípio de legalidade a que se encontra submetido o Direito penal (exigência de lei) e ao separar do Direito a influência da moral e da religião.2 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#ch01-1 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#ch01-1-1 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#ch01-1-2 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#ch01-1-3 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#ch01-1-3-1 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#ch01-1-3-2 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#ch01-1-3-2-1 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#ch01-1-3-2-2 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#ch01-1-3-2-3 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#ch01-1-3-2-4 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#ch01-2 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna1 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna2 Mas o que se oferece com essa primeira concepção é tão só a possibilidade de uma localização quanto ao aspecto formal do tema. Por trás dele surgem problemas: o de decidir que comportamentos devem receber graves castigos; o de onde reside a legitimidade para decidir o que são boas ou más condutas; o de como convir a respeito do quanto e de como se deve reprimir tais condutas;3 e finalmente o de observar os benefícios obtidos para o controle social pelo emprego do instrumental penal e a partir deles estabelecer sua conformidade ou crítica. As dúvidas, logicamente, estão presentes em todas essas etapas. Conquanto seja desejável um futuro em que o Direito penal não mais figure como instrumento de controle social necessário,4 essa situação encontra-se ainda no campo das utopias. De outro lado, é igualmente certo que não se pode pretender a promoção de mudanças sociais a golpes de Direito penal. Com isso, identifica-se, ao tempo em que não se subscreve, o extremismo de duas posturas ideológicas a respeito do Direito penal: o conhecido discurso abolicionista – de que o Direito penal deve ser afastado simplesmente, posto que é fonte de desigualdade – e o discurso de lei e ordem – segundo o qual só um Direito penal inclemente é capaz de dar a almejada segurança à sociedade. Entretanto, é forçoso destacar a utilidade das duas posturas: somente conhecendo os extremos é possível saber precisamente onde está o meio e nele, a virtude.5 A ideologização do Direito penal parece ser a marca de sua perda de cientificidade.6 Conquanto seja sabido que o Direito penal é certamente a parte mais política do Direito e, portanto, seja exigível uma postura e uma consciência política a seu respeito e a respeito de suas consequências, uma eventual subordinação ideológica completa, como parecem adotar as duas posturas criticadas, põe a perder por completo o interesse de estudo a respeito do objeto do Direito penal, eis que fere de morte a pretensão de que este obedeça a alguma lógica. O Direito penal atua como o instrumento mais contundente de que dispõe o Estado para levar a cabo o controle social. É necessário reconhecer que sua intervenção constitui, por si só, uma violência. Com efeito, o ato de impor uma pena sempre consistirá em uma forma de agredir, independentemente dos objetivos que sejam projetados com essa agressão (prevenção, retribuição etc.), ao final, a intervenção penal é sempre um mal. Contudo, trata-se de uma violência institucionalizada, organizada, formalizada e socialmente aceita. Isso deriva do fato de que o Direito penal é um mecanismo de controle social. A referida gravidade cobra que miremos as manifestações do Direito penal com redobrados cuidados e reservas. Os limites resultam necessários. Há necessidade de reagir empregando o castigo,7 se é que queremos sobreviver como grupo dentro de uma ordem social. O caos e a própria destruição do sistema seriam as consequências inevitáveis de não recorrer a essa medida. Num sentido mais amplo, o Direito penal assim observado se traduz em um mecanismo de preservação da ordem social. O emprego desse recurso deve dar-se somente e na exata medida da urgente necessidade de preservação da sociedade. Resumidamente, o Direito penal ocupa um lugar de controle social de emergência, a ser usado em situações de intolerabilidade pelo grupo social, na forma de último recurso, de ultima ratio. É nesse sentido, inclusive, que ele desempenha o seu papel na construção de um Direito intercultural, capaz de corresponder às aspirações de um mundo globalizado.8 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna3 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna4 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna5 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna6 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna7 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna8 O papel legitimador que corresponde ao Estado é o de preservar essa ordem social, e para tanto, no caso da criminalidade, ou seja, em último caso, empregar o instrumento coativo mais forte de que dispõe, que é a pena ou a medida de segurança. Convém lembrar, contudo, que o Estado não é absolutamente livre para fazer uso desse poder de castigar através do emprego da lei. Sua tarefa legislativa (criminalização primária), e de aplicação da legislação (criminalização secundária), encontram-se limitadas por uma série de balizas normativas formadas por postulados, princípios e regras, tais como a legalidade, a necessidade, a imputação subjetiva, a culpabilidade, a humanidade, a intervenção mínima, e todos os demais direitos e garantias fundamentais como a dignidade da pessoa humana e a necessidade de castigo. Porém, o grau de obediência a esses limites, impostos à atuação punitiva do Estado, permite sustentar ou criticar a legitimação do sistema. Como exemplo de insatisfação, é possível mencionar a questão de por que a lei penal não se aplica a todos por igual.9 O Direito penal é um instrumento jurídico utilizado pelos detentores do poderde representação da sociedade nas instituições e que se aplica seletivamente, de modo preferencial àqueles que os contrariam. De outro lado, é também certo que a distribuição dos aparatos de poder sociais sofre, de modo completo, essa influência. Ou seja, todo o instrumental de regulamentação social encontra- se submetido às ingerências do poder. Com o Direito penal não poderia ser diferente. Outrossim, igualmente é sabido que o Direito penal é um instrumental de manejo de violência – consistente justamente na compressão da liberdade – e essa violência compõe uma contraposição de mútua exclusão para com o poder.10 A manifestação de poder é uma superposição à qual adere o submetido. A violência, por seu turno, ocupa justamente o espaço aberto pela ausência de poder. São contrapostos complementares. A mera imposição da força, por exemplo, pelo aparato policial, não garante, a longo prazo, uma obediência à lei que se pretende impor. A efetivação de qualquer sistema jurídico estará sempre condicionada a um consenso dos cidadãos. Assim, é possível dizer que o Direito penal como exercício de violência é justamente a contraposição complementar do Direito penal como exercício de poder. Ou seja, somente se reconhece como uso legítimo do Direito penal aquela fórmula de poder que não se converte em violência. Portanto, somente está legitimado o emprego de penas que servem à efetiva preservação da convivência social; que respeitam a dignidade da pessoa humana; que são aplicadas atendendo a critérios de igualdade; que resultam proporcionais à gravidade das agressões; que são estabelecidas atendendo a critérios de merecimento, proporcionalidade etc. Essas questões constituem justamente o pano de fundo sobre o qual se desenvolve a aplicação do Direito penal, e que devem vir à tona em contraste com os resultados práticos que resultam de seu emprego; sobretudo no caso latino-americano, onde convém aprofundar a análise sobre a manipulação do Direito penal em graves atentados contra os Direitos humanos, praticados com a única finalidade de potencializar as aflições à dignidade da pessoa humana e à liberdade. https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna9 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna10 1.2Objeto do Direito penal Concebido o Direito penal na forma ampla conforme proposto, o seu objeto é muito maior do que simplesmente a norma penal, implicando todas as relações sociais, políticas e culturais – inclusive as normas – relacionadas à reação humana ao fenômeno do crime. Daí incluir a necessidade de constante interação com outros pontos de vista atinentes ao mesmo objeto, como a política criminal e a criminologia, e mesmo a dependente interação com a teoria política, a filosofia, a sociologia e a antropologia. 1.3Objetivos ou missões do Direito penal A partir dos estudos criminológicos não se pode deixar de reconhecer a existência de objetivos ou missões (propósitos, o que deve almejar) e funções (o que efetivamente provoca, independentemente de ser ou não a pretensão) do Direito penal.11 A doutrina já tratou muito do tema das missões12 que deve cumprir o Direito penal, sendo dominante a opinião que as relaciona com a defesa de bens jurídicos.13 Por outro lado, é também já assente que o mero funcionamento do sistema penal, conforme descoberto pela Criminologia Crítica, é proclive à manutenção do Sistema social escalonado vigente,14 gerando esse resultado como consequência necessária de sua mera existência. O exacerbo da vertente mais ideologizada da Criminologia defende que essa função que necessariamente cumpre o Direito penal é sua única razão de existir, conduzindo, como consequência, aos postulados abolicionistas. Essa postura é acertadamente considerada por Jescheck como completamente carente de fundamento em uma sociedade regida por um Estado de Direito, já que a pena resulta ser a única forma de proteção da paz jurídica em liberdade.15 O equilíbrio – aqui subscrito – parece figurar na postura de Muñoz Conde,16 que reconhece que o Direito penal cuida de casos violentos e que violenta também é a solução que este oferece para tais casos, porém, “não é possível deformar ideologicamente os fatos e confundi-los com nossos mais ou menos bons ou bem-intencionados desejos. A violência está aí, à vista de todos e praticada por todos: pelos que delinquem e pelos que definem e sancionam a delinquência, pelo indivíduo e pelo Estado, pelos pobres e pelos ricos”. Assim, é imperioso manter algum núcleo de Direito penal como mecanismo de controle social que, por sua vez, deve também ser controlado, limitado, institucionalizado e reduzido à sua mínima nocividade de modo a sempre permitir, em um cenário de violência, a opção pela sua forma menos aflitiva. É conveniente que a análise dos objetivos do Direito penal parta da assunção da crítica criminológica, ou seja, de reconhecer que o emprego do Direito penal promove estigmatização e seletivização. Posto isso como dado incontestável, é possível fixar-se em discutir as missões que competem ao Direito penal. https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna11 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna12 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna13 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna14 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna15 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna16 1.3.1A crítica criminológica A Criminologia crítica pôs em evidência algumas das funções do Direito penal. As teorias do conflito, o pensamento marxista, os processos de criminalização e o labelling approach revelam de modo bastante claro que o sistema de Direito penal promove a manutenção de uma estrutura de poder social estável. Para a tese do labelling approach, não há conduta delitiva per se, por sua nocividade social, e sim uma mera escolha do que deve ser considerado criminoso. Sustenta-se que as condutas são neutras, mas através dos mecanismos de criminalização são escolhidas aquelas que serão consideradas criminosas, determinando-se, no âmbito legislativo, a repressão legal a essas condutas, enquanto que as instâncias judiciais se encarregam de escolher, nas camadas mais humildes da população, as pessoas que devem ser estigmatizadas com o rótulo de criminosas.17 As críticas a essa posição se centram no fato de que o Direito penal não tem força suficiente para permitir a manutenção de todo um Sistema social vigente, ou seja, que se sobrevalora, dentro dessa perspectiva, a influência social do Direito penal. A crítica é procedente, mas não invalida o pressuposto de que há uma escolha direcionada dos mecanismos de incriminação, seja na atividade primária de eleição das condutas a serem incriminadas, seja na atividade secundária de identificação em concreto dos destinatários das sanções penais pelo juiz. A modo de verificação basta constatar as características socioeconômicas das populações carcerárias dos países da América Latina, onde é fácil comprovar que mais de 90% dela pertence às camadas sociais mais deprimidas econômica e socialmente. Evidentemente, não incumbe ao Direito penal a tarefa de modificação das estruturas de poder, mas é absolutamente desejável que ele não constitua um obstáculo à consecução dos ideais iluministas, funcionando como ferramenta para cavar ainda mais profundamente o vale que separa as distintas camadas da população, que no Brasil, já é bastante profundo. Entretanto, a proposição que tem surgido, especialmente à raiz das propostas de Baratta,18 no sentido de que a necessária compensação desse desequilíbrio viria através do direcionamento preferencial – quando não exclusivo– do aparato persecutório penal à população socialmente incluída, como mecanismo revolucionário de utilização do aparato penal, soa igualmente despropositado, lembrando um pouco a sátira orwelliana.19 É forçoso concordar com García-Pablos de Molina20 quando ele diz que é “má política a que dinamiza a mudança social a golpe de Código Penal”. Qualquer mudança social. O Direito penal não pode ser arvorado em instância modificadora de nada. Ele deve ser convertido em instrumento mínimo de contenção. O processo de alteração social não se consegue pela via do Direito penal, este deve ser mero reflexo de uma distribuição do controle social justo. Resulta importante, ainda assim, considerar vários postulados da crítica criminológica para observar os propósitos de utilidade que muitas vezes oculta o Direito penal. Por exemplo, resulta incontestável a partir da experiência empírica a evidência de que o sistema penal é estigmatizante21 e a conclusão pela existência de uma desigualdade social que produz decisões díspares e, por isso, injustas, no seio do aparato judicial. https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna17 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna18 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna19 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna20 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna21 Combinada essa conclusão com a inexorabilidade de convívio com alguma estrutura de controle social penal, resulta na conclusão de que só com um Direito penal de mínima intervenção é possível minimizar os efeitos da divisão de poder em todos os âmbitos. Zaffaroni22 faz referência ao fato de que o contexto latino-americano tem um argumento de reforço para pugnar por um Direito penal mínimo, que é o nosso direito ao desenvolvimento. Somente mediante um Direito penal de mínima intervenção é possível minimizar os efeitos da divisão de poder em todos os âmbitos. Uma aproximação a um Direito penal mais justo reside na aproximação entre o termo igualdade em sentido material e a preservação de um ideal de liberdade no âmbito de convivência. Efetivamente, os dois pressupostos são interdependentes. A compreensão e o trato efetivamente igualitário é a única possibilidade de manter-se a liberdade: somente pode ser livre quem é igual; e a preservação da igualdade não pretende gerar outra coisa que a liberdade. Ao mesmo tempo, esses postulados se colocam em contraposição em seus extremos, ou seja, a preservação de uma igualdade absoluta tolhe completamente a liberdade e a pressuposição de uma liberdade absoluta torna impossível a formação de uma base igualitária. Portanto, outra vez o equilíbrio entre as duas propostas centrais do Iluminismo resulta a melhor fórmula. É justamente a manutenção de um equilíbrio entre igualdade e liberdade que se impõe ao Direito penal como filtro necessário de suas missões. Assim, não há nenhum rompimento de princípios tradicionais em face do necessário progresso humanitário. Pelo contrário, entende-se que o progresso humanitário se encontra exatamente na efetiva realização do ideal democrático. Assim, o estabelecimento das missões do Direito penal passa pelo reconhecimento de seus desvios objetivos e uma correta orientação de suas missões segundo a perspectiva dos ideais democráticos. 1.3.2As dicotomias entre as vertentes principais a respeito do tema Sustentaram-se diferentes posições quanto a qual é a missão que o Direito penal deve cumprir. A opinião majoritária considera que a missão do Direito penal é a de proteger bens jurídicos de possíveis lesões ou perigos.23 Tais bens jurídicos devem ser aqueles que permitem assegurar as condições de existência da sociedade, a fim de garantir os aspectos principais e indispensáveis da vida em comunidade.24 A contraposição a esse entendimento vem refletida pela ideia geral de que em maior ou menor medida, a missão do Direito penal deve ser a de conduzir os destinatários da norma à obediência aos seus comandos. Claramente, as duas tendências não são mais do que expressões pontuais dos modelos ancestrais de discussão entre a dimensão formal e a dimensão material do delito e dos modelos imanente ou transcendente do bem jurídico, que pouco a pouco evoluíram para orientações das teorias de base que lhes deram sustentáculo. A ideia de que o Direito penal serve à proteção seletiva de bens jurídicos deriva claramente da concepção de crime como vilipêndio de bens concretos, de objetos transcendentes ao próprio direito que estão associados a um conceito material de delito. Por sua vez, o modelo que identifica a missão do Direito penal como https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna22 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna23 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna24 promoção da estabilização normativa outra coisa não representa, nas mais das vezes, que a concepção de delito meramente formal, associada à compreensão do bem jurídico como imanente à própria norma. 1.3.2.1A missão de reforço dos valores ético-sociais da atitude interna Welzel, procurando equilibrar essas duas tendências, já presentes no seu tempo, atribuiu ao Direito penal uma dupla missão: sem negar a missão de proteção de bens jurídicos acrescenta a missão de proteção dos valores elementares da consciência, de caráter ético-social.25 Para Welzel a proteção de bens jurídicos é algo que se obtém como consequência necessária do direcionamento e orientação das pessoas à observância dos valores consagrados juridicamente expressos na norma, estes sim, dotados de solidez.26 Importa referir que na mesma época em que apareceram as concepções de Welzel sobre a missão do Direito Penal a identificação do delito como “atitude do sujeito ante os valores comunitários” era uma ideia muito cara ao modelo político nacional- socialista.27 A ideia de garantir a inviolabilidade das normas elementares que compõem um mínimo ético social, preconizada por Welzel,28 seguida por Cerezo Mir,29 Stratenwerth30 e Jescheck,31 para citar alguns, centra-se na ideia de que incumbe ao Direito penal influenciar a consciência cidadã para orientá-la, pedagogicamente, à proteção dos bens jurídicos essenciais. A reflexão que se impõe, a partir dessa postura, é a seguinte: o exercício de controle social do intolerável, que deve ser cumprido pelo direito penal, depende mesmo da realização de uma pretensão de interferência na atitude interna das pessoas? Isso é efetivo? É demonstrável? A resposta a todas as perguntas parece ser um retumbante não! O direito não deve ocupar-se de exercer um controle moral. Em primeiro lugar, porque ele é incerto e não alcançável, em segundo lugar, porque ele se converteria em dogma e, em terceiro lugar, porque o interesse coletivo é de que não se produzam aflições aos direitos de todos e não de que todos tenham idênticas e controladas preferências. É verdade que Welzel, segundo bem alerta Muñoz Conde,32 fala que tal orientação aos padrões mínimos indispensáveis ético- sociais é promovida através da proteção de bens jurídicos. No entanto, não é possível negar as flagrantes diferenças existentes entre o objetivo de controlar a atitude interna das pessoas e o objetivo de proteger bens jurídicos. São coisas obviamente diferentes. É muito diferente a pretensão de proteger os bens jurídicos fundamentais, simplesmente através da punição das lesões ou perigo de lesões, e a intenção de dirigir as consciências e gerar tais convicções nas pessoas. A pretensão de direcionar os pensamentos constitui cerco abominável à liberdade de expressão. Além disso, derivariam consequências extremamente negativas para a teoria do delito,já que sobrevalorizaria a possibilidade de punir meras intenções. https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna25 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna26 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna27 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna28 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna29 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna30 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna31 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna32 Jescheck tenta matizar a ideia de pôr em segundo plano a proteção de bens jurídicos, pois uma desvalorização exclusiva da consciência ético-social contrária ao Direito não poderia justificar penas diferentes para a tentativa e o delito consumado, já que em ambos os casos, a consciência do sujeito é voltada à ofensa ao bem jurídico. Assim, propõe que a missão do Direito penal é a proteção da convivência das pessoas em sociedade, e identifica a preservação dessa convivência com a existência de normas de controle que são asseguradas pelo sistema jurídico, dentro do qual o sistema jurídico penal exerce uma força configuradora de costumes, que acaba gerando, como efeito, a proteção de bens jurídicos de todas as pessoas.33 Hassemer,34 reinterpretando Welzel, sustenta que, na verdade, a sua pretensão é deixar evidenciada a primazia do interesse social de orientação comunitária dirigida à proteção do interesse de todos sobre todos os bens jurídicos sobre o interesse individual de proteger o bem jurídico de cada pessoa determinada. De qualquer modo, mesmo diante das justificativas apresentadas por Hassemer e Jescheck, parece demasiado ingênuo e ao mesmo tempo excessivo pretender atribuir ao Direito penal uma tarefa pedagógica, já que essa função compete a outras esferas do controle social, como a família, a escola, o âmbito religioso, clubístico, político etc. Não parece razoável utilizar a ameaça de pena para a formação de consciências, já que sempre é possível utilizar, para esses mesmos fins, mecanismos menos agressivos contra o indivíduo. A adoção dessa perspectiva claramente rompe com a ideia de recorrer ao Direito penal apenas como última ratio. 1.3.2.2A missão de confirmação do reconhecimento normativo O professor Günther Jakobs35 é quem modernamente representa uma tendência a defender uma ideia de que a missão da pena estatal – e, por consequência, do Direito penal – é a prevenção geral positiva, confirmando o reconhecimento normativo. Isso significa, basicamente, defender que tanto o instrumento (pena) quanto a organização jurídica (direito penal) têm por função buscar a estabilidade do reconhecimento social a respeito da validade da norma que é violada pelo ato criminoso. Jakobs parte do reconhecimento da não fidelidade ao direito demonstrada por cada autor de delito, para concluir que o Direito penal serve para confirmar o reconhecimento normativo e preservar a confiança geral da população na vigência da norma atacada pelo autor do delito com a prática criminosa. Desde uma perspectiva sistêmica, diz Jakobs que “não pode se considerar missão da pena evitar lesões de bens jurídicos. Sua missão é, na verdade, reafirmar a vigência da norma devendo equiparar-se, a tal efeito, vigência e reconhecimento”.36 A opção pela confirmação normativa tampouco parece satisfatória. Não se nega que a aplicação da regra penal contra aquele que pratica delitos faz estabilizar a norma, ou implica no reconhecimento de sua validade, mas esse é um efeito secundário produzido pela aplicação da norma e não pode ser a sua razão de existir. Uma proposta como essa converte a norma no verdadeiro eixo gravitacional do Direito penal.37 Desloca-se o homem, destinatário da norma, para uma posição periférica no sistema de imputação. Ocorre que o centro do Direito penal deve ser justamente o indivíduo e não a norma, como pretende Jakobs. https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna33 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna34 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna35 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna36 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna37 A proposta de Jakobs é identificar a missão do Direito penal na busca da estabilidade normativa através da confirmação de vigência da norma atacada pelo comportamento desviado, que se faz com a aplicação de pena.38 Para ele a infração normativa é uma “desautorização da norma. Esta desautorização dá lugar a um conflito social na medida em que se questiona a norma como modelo de orientação”.39 Para entender a proposta de Jakobs basta a utilização de exemplos. No homicídio, enquanto em um Direito penal que tem como missão a defesa de bens jurídicos se protege o bem jurídico vida, em um Direito penal que busca a estabilidade da norma o objetivo é confirmar a validade da regra que proíbe matar. No furto, enquanto que um Direito penal voltado à proteção dos bens jurídicos castiga em função da lesão ao bem jurídico patrimônio, um Direito penal voltado à estabilização da norma novamente se justifica pela necessidade de confirmação da validade da norma que proíbe a subtração de coisa alheia móvel. Nesses dois exemplos, fica claro que a perspectiva adotada por Jakobs implica reduzir e igualar o desvalor de todas as formas de delito, sublimando a questão comparativa que a valoração dos bens jurídicos permite. Com isto, resulta praticamente impossível a sustentação do postulado de proporcionalidade.40 Além disso, há outra crítica que frequentemente se lança contra a tese do professor Jakobs. É que se o objetivo central do Direito penal é estabilizar a vigência da norma, independentemente da valoração do seu conteúdo, mesmo as normas mais antidemocráticas merecem igual sustentação. Certamente, adotada essa perspectiva, é possível justificar a atuação de qualquer tipo de sistema estatal. Sustenta Hassemer que “naturalmente não é isto o que pretende esta teoria como tampouco o pretende nenhuma das teorias preventivas atualmente existentes em nosso âmbito cultural; mas, de certo modo, este é um perigo ao que estão expostas quando fundamentam as normas penais com a confirmação do reconhecimento normativo”.41 1.3.2.3A missão de defesa de bens jurídicos Como referido inicialmente, existe certa prevalência na doutrina em admitir como missão essencial do Direito penal a proteção de bens jurídicos. A oposição mais comum que se faz a essa concepção é sua falta de clareza, já que o próprio conceito de bem jurídico é algo demasiado fluido e foi mudando no decorrer da história do Direito. O conceito de proteção de bens jurídicos em direito penal aparece já nos primeiros textos de teoria do delito de mais de dois séculos atrás. Porém, hoje em dia, a concepção de bem jurídico então defendida já não tem cabimento. Enquanto o Direito penal d’antanho se ocupava da proteção da vida, do patrimônio, da honra e pouco mais, o Moderno Direito penal tem como tarefa ocupar-se da proteção de bens jurídicos que não só não encontram correspondência com um objeto material corpóreo, como às vezes são de complexa identificação, tais como o ambiente, as relações jurídicas de consumo, o mercado de capitais ou a economia popular. https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna38 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna39 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna40https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna41 Desse modo, a dependência de um conceito de bem jurídico que não é muito preciso leva a uma instabilidade da proposta. Se não se sabe precisamente que característica deve ter o bem jurídico para ser reconhecido como digno de proteção penal, dizer que a missão do Direito penal é a proteção de bens jurídicos não significa dizer muito. Ainda assim, essa proposta é mais ajustada à proteção das garantias fundamentais, se comparada com a tese dos autores que reconhecem como missão do Direito penal a estabilização da norma. Isso porque ao menos é possível fazer depender a intervenção penal do reconhecimento de que o bem jurídico afligido pela conduta é essencial ao desenvolvimento do ser humano na sociedade. Ou seja, é possível limitar um pouco, desde um ponto de vista axiológico, o âmbito de proteção jurídico-penal, e com isso obter uma delimitação negativa, uma possibilidade de excluir tópicos que não podem interessar ao âmbito de proteção jurídico-penal, já que o comportamento que não aflige bens jurídicos não pode ser considerado crime. A delimitação torna-se ainda maior se a proposta é associada à ideia de que somente os bens jurídicos essenciais para o desenvolvimento humano em sociedade são merecedores da proteção penal. Assim também quando se pensa que mesmo essa proteção está condicionada a ataques tão graves que outra instância de controle não poderia contrapor. Como se nota, há uma redução do âmbito de intervenção jurídico-penal nessa perspectiva que não é realizável nas demais. Por isso, é preferível, em relação aos demais pontos de vista apresentados, a opção por estabelecer como missão do Direito penal a garantia de bens jurídicos. 1.3.2.4A missão de controle social do intolerável Há algumas questões trazidas pela ideia de proteção seletiva de bens jurídicos que podem ser assumidas e, portanto, este deve ser o ponto de partida para a análise da missão do Direito penal. A intervenção do Direito penal na vida social é sempre violenta e carregada de efeitos indesejáveis, de onde vem seu caráter fragmentário. O Direito penal deve intervir somente quando a convivência se torna insuportável sem que ele o faça. E isso ocorre quando o cidadão vê os bens jurídicos essenciais para sua sobrevivência e desenvolvimento pessoal serem atacados por alguém. Entretanto, é necessário enfrentar outra oposição que se costuma fazer à ideia de proteção de bens jurídicos: o fato incontestável de que, na realidade, a proteção de bens jurídicos pelo Direito penal não ocorre. Cada novo fato criminoso demonstra isso. O Direito oferece uma proteção meramente simbólica e não efetiva. Nunca é demais lembrar que a intervenção jurídica na vida das pessoas, em um verdadeiro Estado democrático, não pode pressupor uma antecipação, ou seja, uma intervenção que se adiante à realização do fato criminoso. Sendo assim, se a intervenção baseada no direito só se dá ex post, não é possível pensar que o direito em geral – e o Direito penal, em particular – ofereça alguma proteção real. O máximo que o Direito penal pode oferecer no campo ontológico – e, nisso, é forçoso coincidir com Welzel – é uma orientação das consciências internas das pessoas, ainda assim, em um sentido de mera expectativa. Entretanto, é necessário perceber que o direito, como manifestação axiológica, criação da elocubração humana, não pode pretender a realização de resultados empírico-ontológicos. Nisso reside a fraqueza da concepção welzeliana. Outrossim, parece igualmente curto, reducionista e desfocado pretender a estabilidade parnasiana do sistema normativo. De certo modo, é na concepção de Jescheck que aparece um ponto de partida razoável para o estabelecimento da missão do Direito penal. Jescheck situa o Direito penal entre os mecanismos de controle criados para a “proteção da convivência das pessoas em sociedade”.42 Com efeito, a vida em sociedade demanda normas. Ninguém é uma ilha. A vida de relação é regida por normas, sejam elas normas morais, sociais ou jurídicas. A convivência em sociedade depende disso. O que varia, entre as distintas modalidades de normas, é tão somente o seu grau de cogência e o nível de intervenção que elas supõem nas vidas das pessoas. Assim, é possível afirmar que quanto maior a gravidade da atitude perturbadora dessa convivência social, maior é a ingerência que a norma supõe sobre a vida da pessoa que provocou a perturbação. Isso por força do postulado geral de proporcionalidade. Todas as normas são igualmente destinadas a permitir a vida em sociedade, portanto, a exercer certo nível de controle social. Na distribuição do escalonamento de gravidade e proporcionalidade, as normas de Direito penal ocupam o papel de ultima ratio, simplesmente porque sua cogência supõe o emprego das consequências mais interventivas e violentas na vida das pessoas dentre todos os mecanismos de controle. Sendo assim, é fácil concluir que a missão do Direito penal – e também da pena, por coerência – é a realização do controle social do intolerável, ou seja, de realizar a tarefa de controle social ali onde as demais normas de preservação da estrutura social resultam insuficientes. Evidentemente, a partir desse ponto de vista é necessário identificar os limites do Direito penal, ou seja, até que ponto as normas de Direito penal podem exercer esse controle do intolerável. Aqui entra a referência do bem jurídico. A proteção dos bens jurídicos não pode ser exercida como realidade empírica, mas sim como pretensão. Esta deve ser uma pretensão utópica de realização da justiça absoluta por intermédio da norma. O bem jurídico essencial para o desenvolvimento do indivíduo em sociedade se torna uma justificação imprescindível da identificação do caráter penal da norma de controle social. Mas não é só isso. É sabido também que mesmo os bens jurídicos essenciais para o desenvolvimento social podem ser atacados de distintas maneiras, algumas das quais, especialmente na sociedade atual, uma sociedade tolerante para com certo nível de risco, não são relevantes a ponto de justificar, dentro da mesma ideia de proporcionalidade, uma intervenção jurídico-penal. Nesses casos, novamente parece necessária a referência dos bens jurídicos para estabelecer os limites de legitimação jurídico-penal, no sentido de afirmar que somente os ataques suficientemente graves, intoleráveis, aos bens jurídicos essenciais é que poderão estar abrangidos nas normas penais. https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna42 Assim, somente poderá existir controle social do intolerável a partir da identificação de que a norma jurídico-penal corresponde a uma pretensão de realização de justiça através da proteção de um bem jurídico essencial ao desenvolvimento do indivíduo em sociedade, contra um ataque suficientemente grave. Em conclusão, é possível afirmar que a missão do Direito penal é a realização do controle social do intolerável. Ademais, que a identificação do que é intolerável passa pela existência de um ataque grave a um bem jurídico essencial ao desenvolvimento do indivíduo na sociedade. Essa, e nenhuma outra, deve ser a justificação da imposição de uma norma jurídico-penal, a qual somente pode aspirar ser válida porque pretende ser justa. 2O JUS PUNIENDI E A QUESTÃO DO ESTADO O cumprimento da missão do Direito penal é entregue à entidade que costumamos chamar Estado. Quase a totalidade da doutrina,43 a partir disso, afirma a existência de um direito subjetivo do Estado consistente no exercício punitivo, ao qual se costuma denominar jus puniendi. Uma perfunctória passagem pelos principais contratualistas faz identificar a origem dessa concepção.44 Entretanto, essa concepção parece estar carente de certa revisão contextualizada historicamente. O modelo idealizado pelos contratualistas enxergava na figura doEstado a contraposição à figura do déspota, representado pelo príncipe, cujo absolutismo se pretendia superar com a passagem das rédeas do destino social para toda a população, que estaria incluída na concepção de Estado pela fórmula da Assembleia Geral.45 Independentemente disso, é certo que se vive outro momento no mundo que consiste justamente na passagem da fórmula do Estado-nação para outro modelo multicultural, globalizado, que exige do direito idêntica perspectiva. Assim, é necessário que as garantias e conquistas afirmadas a partir do Iluminismo sejam cristalizadas e transpostas para uma fronteira ultraestatal. Esse processo põe em evidência algo que parecia, antes, inconstestável. O fato de que o ente hipotético, criado para realizar o exercício da função social, não existe enquanto tal, é uma mera criação da elocubração humana. A figura do Leviatã ou do Estado personificado é claramente falaciosa e ilusória. Em realidade, Estado é convenção, é aceitação mútua de interesses por e para as pessoas. Isto posto, é necessário reconhecer a inexistência de um jus puniendi. O Estado não é, em realidade, portador de direitos. Nem pode ser, porquanto não é indivíduo e não realiza o ato de mútua convivência. Só pode ser portador de direitos quem pode exigir, para si, em prol de seu próprio interesse, alguma atitude de outro. Tudo o que o Estado exige de cada um não é de seu próprio interesse, mas de interesse dos demais indivíduos. Assim, o Estado não é detentor de direitos, é mero gestor de direitos alheios (dos indivíduos). https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna43 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna44 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fna45 Portanto, não existe um direito de punir, posto que não é o Estado quem exige nada para si. São os demais indivíduos que exigem como direito seu que o Estado empregue o mecanismo de controle social do Direito penal. Assim, para o Estado remanesce somente um dever de punir e jamais um direito. Essa é outra fórmula de limitação do Estado quanto ao exercício do mecanismo de controle social penal. Este somente estará legitimado quando represente, efetivamente, um interesse dos indivíduos em geral e não meramente por uma decisão de governo. 1 Nesse sentido, ver GARCIA, Basileu. Instituições de Direito penal. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1956. v. I, t. I, p. 8; BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Parte Geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. t. I, p. 11-12; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito penal, Parte geral. 15. ed. revista e atualizada por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 3; MESTIÉRI, João. Manual de Direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I, p. 3; SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte Geral. 3. ed. Rio de Janeiro-Curitiba: Lumen Juris-ICPC, 2008. p. 3; BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: GEN- Forense, 2008. p. 5; QUEIROZ, Paulo. Direito penal. Parte Geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 3. 2 Já o próprio Kant percebeu os perigos da confusão entre o direito e a moral, pelo que delimitava esses campos ao definir o Direito como coexistência dos arbítrios segundo a lei geral de liberdade. Daí que a moral não é nem deve ser condição do sistema jurídico. KANT, Immanuel. Introducción a la teoría do derecho. Trad. de Felipe González Vicén. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1954. p. 78-80. Essa separação, no entanto, não significa distanciamento, ou seja, as concepções morais, conquanto não exigíveis juridicamente como padrão ético, estão implicadas necessariamente na discussão jurídica. 3 QUINTERO OLIVARES, Gonzalo; MORALES PRATS, Fermín; PRATS CANUT, Miguel. Curso de Derecho penal. Parte general. Barcelona: Cedecs Editorial, 1997. p. 1. 4 Nesse sentido a clássica lição de Radbruch: “[...] o desenvolvimento do direito penal está destinado a dar-se, um dia, para além já do próprio direito penal. Nesse dia sua forma virá a consistir, não tanto na criação dum direito penal melhor do que o actual, mas na dum direito de melhoria e de conservação da sociedade: alguma coisa de melhor que direito penal e, simultaneamente, de mais intel igente e mais humano do que ele”. RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. 6. ed. Trad. de L. Cabral de Moncada. Coimbra: Arménio Amado Editor, 1979. p. 324. 5 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. de Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 48. 6 Do mesmo modo que Feijóo Sánchez, “aqui se compartilham alguns dos pontos de partida científicos da criminologia crítica, especialmente alguns aspectos da teoria do etiquetamento, mas se rechaça a tendência ideológica que se lhe pretendeu outorgar e https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn1 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn2 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn3 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn4 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn5 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn6 que fez com que este ramo da criminologia tenha deixado de ser ciência e tenha se convertido em militância panfletária, levando a um beco sem saída um interessante ponto de partida”. FEIJÓO SÁNCHEZ, Bernardo. Retribución y prevención general. Montevideo- Buenos Aires: BdeF, 2007. p. 355. 7 QUINTERO OLIVARES, Gonzalo; MORALES PRATS, Fermín; PRATS CANUT, Miguel. Curso de derecho penal... cit., p. 1: “uma convicção social tão velha como o mundo segundo a qual o prêmio e o castigo são instrumentos que os homens podem e devem empregar se é que querem sobreviver como grupo”. 8 Veja-se, a respeito, os interessantes elementos para uma teoria da competência penal oferecidos por Höffe em HÖFFE, Ottfried. Derecho Intercultural. Trad. de Rafael Sevilla. Barcelona: Gedisa, 2008. p. 96 ss. O autor afirma claramente que para a construção de um modelo de Direito internacional, o Direito penal ocupa um papel fundamental, funcionando como direito de ultima ratio, e que não pode ser substituído por uma racionalidade de gestão privada do conflito. 9 Cf. Ernst-Joachim Lampe. Systemunrecht und Unrechtsystem, Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft, n° 106. Berlin: W. de Gruyter, 1996. p. 745, quem sustenta que “especialmente no âmbito da criminalidade da empresa e da criminalidade de Estado , existe neste momento um considerável déficit de justiça penal”. 10 Adota-se aqui a relação entre violência e poder explicitada por Hannah Arendt. ARENDT, Hannah. Sobre la violencia. Trad. de Guillermo Solana. Madrid: Alianza Editorial, 2006. 11 Veja-se HASSEMER, Winfried; MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción a la Criminología y al Derecho penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1989. p. 100 ss. Para mais detalhes a respeito da distinção entre os conceitos de missão e função do Direito penal, na literatura brasileira, veja-se: BUSATO, Paulo César; MONTES HUAPAYA, Sandro. Introdução ao Direito penal. Bases para um sistema pena democrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 25 ss. 12 Nesse sentido, HASSEMER, Winfried; MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción… cit., p. 100: “Mayor importancia tienen las discrepancias en torno a la determinación de la misión que el Derecho penal debe cumplir. En este terreno son diferenciables tres posiciones: – La opinión mayoritaria considera que la misión del Derecho penal es la protección de bienes jurídicos ante posibles lesiones o puestas en peligro”. 13 Nesse sentido, a título ilustrativo, veja-se um resumo em: ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito penal. Org. e trad. de AndréLuis Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. 14 BARATTA, Alessandro. Criminología y sistema penal. Montevideo-Buenos Aires: Julio César Faria, 2004. p. 92. “Aún en su estructura más elemental, el nuevo paradigma implica un análisis del proceso de definición y de reacción social que se extiende a la https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn7 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn8 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn9 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn10 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn11 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn12 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn13 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn14 distribución del poder de definición y de reacción en una sociedad, a la desigual distribución de este poder y a los conflictos de intereses que están en el origen de este proceso”. 15 “Os ataques dirigidos à legitimação da existência do Direito penal como um instrumento de poder repressivo que pretende a imposição do Ordenamento jurídico, carecem de fundamento em uma sociedade regida por um Estado liberal de Direito, pois somente a pena possibilita a proteção da paz jurídica em liberdade. Por isso, o objetivo não deve ser a desaparição do Direito penal, mas somente a sua melhora através de uma reforma continuada que assegure a proteção da generalidade através de uma prevenção geral moderada, e que busque alcançar a justiça para o autor preservando o princípio de culpabilidade e, ali onde seja necessário, a ajuda social”. JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGAND, Thomas. Tratado de Derecho penal. Parte General. 5. ed. Trad. de Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Comares, 2002. p. 4. No mesmo sentido, Muñoz Conde refere que “as perspectivas abolicionistas pertencem, hoje em dia, ao mundo das utopias e, de qualquer modo, não podem ser propostas à margem de um determinado modelo de sociedade e de Estado; e os modelos de sociedade e Estado que conhecemos no presente e no passado, e podemos prever em um futuro a curto e médio prazo não parece, desde logo, que possam prescindir dessa última instância de controle social formalizado para a prevenção e repressão dos ataques mais graves aos bens mais importantes de seus respectivos sistemas de valores”. MUÑOZ CONDE, Francisco; GARCÍA ARÁN, Mercedes. Derecho penal. Parte General. 5. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2002. p. 69. 16 Idem, p. 29. 17 GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Tratado de criminología. 2. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999. p. 1051. 18 Veja-se, a respeito: BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica ao Direito penal. Trad. de Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. 19 Refiro-me ao clássico de George Orwell Animal Farm, publicado no Brasil com o nome de A Revolução dos Bichos. 20 GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Derecho penal. Introducción. Madrid: Servicio de publicaciones de la facultad de Derecho de la Universidad Complutense de Madrid, 2000. p. 100. 21 Antonio García-Pablos, Tratado... Op. cit., p. 1053, a respeito, manifesta que “as numerosas investigações levadas a cabo nos últimos anos sobre a efetividade do Direito penal e suas consequências jurídicas, antes de tudo, sobre a pena privativa de liberdade – (“desviação secundária”, “reincidência” etc.), desmitificaram o suposto impacto benfazejo, reabilitador e ressocializador da pena rainha e, com ele, o princípio de prevenção da criminologia tradicional. Tais investigações demonstraram, isto sim, que não castigamos para ressocializar; que não é este o motivo pelo qual se criminalizam certos comportamentos desviados. Muito pelo contrário: que a pena não ressocializa, mas estigmatiza; não limpa, mas mancha (como tantas vezes se recordou aos expiacionistas!). E que, muitas vezes, é mais o fato de haver cumprido uma pena que a própria comissão do delito o que implica o maior demérito aos olhos da sociedade. Que deveria ser esta, em realidade e não o delinquente, a necessitada de ressocialização”. https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn15 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn16 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn17 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn18 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn19 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn20 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn21 22 “No nosso contexto latino-americano, apresenta-se um argumento de reforço em favor da “mínima intervenção do sistema penal”. Toda a América está sofrendo as consequências de uma agressão aos Direitos Humanos (que chamamos de injusto jushumanista), que afeta o nosso direito ao desenvolvimento, que se encontra consagrado no art. 22 (e disposições concordantes) da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este injusto jushumanista de violação do nosso direito ao desenvolvimento não pode ser obstaculizado (sic), uma vez que pertence à distribuição planetária do poder. Todavia, faz-se necessário que se resguarde de seus efeitos.” ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 80. 23 Roxin afirma que “[...] a tarefa do Direito penal se situa na proteção da liberdade e da segurança social do indivíduo assim como nas condições de existência da sociedade; dito de forma gráfica: o pressuposto de cada sanção penal não surge da contravenção à moral, mas de um dano à sociedade não evitável de outro modo. A tarefa do Direito penal foi limitada, como frequentemente se diz hoje, à “proteção subsidiária de bens jurídicos’”. ROXIN, Claus. La evolución de la Política criminal, el Derecho penal y el Proceso penal. Trad. de Carmen Gómez Rivero e María del Carmén García Cantizano. Valencia: Tirant lo Blanch, 2000. p. 21. No mesmo sentido: LUZÓN PEÑA, Diego-Manuel. Curso de Derecho Penal. Parte General, I. Madrid: Editorial Universitas, 1996. p. 68; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Derecho penal... Op. cit., p. 88; HASSEMER, Winfried e MUÑOZ CONDE, Francisco Introducción… Op. cit., p. 105; admitindo a tese do bem jurídico desde que desmitificada pelo paradigma criminológico: BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito penal brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1996. p. 114. 24 MORILLAS CUEVAS, Lorenzo; RUIZ ANTON, L. F. Manual de derecho penal. Parte general, I. Introducción e Ley penal. Dirigida por Manuel Cobo del Rosal. Madrid: Editoriales de Derecho Reunidas, 1992. p. 30. 25 WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Parte general. 11. ed. Trad. de Juan Bustos Ramírez e Sergio Yáñez Pérez. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 1997. p. 2. 26 “Mais essencial que a proteção de determinados bens jurídicos concretos é a missão de assegurar a real vigência, (observância) dos valores da consciência jurídica; eles constituem o fundamento mais sólido que sustenta o Estado e a sociedade”. WELZEL, Hans. Derecho penal... Op. cit., p. 3. Resulta daí a impossibilidade de seguir sustentando os conceitos que amparam o modelo de sistema penal welzeliano, depois das descobertas da Criminologia Crítica a respeito dos condicionamentos nocivos provocados pelo sistema penal, Diante dessa postura, não deixa de ser curioso que alguns defensores de posturas radicais de Criminologia Crítica, que reconhecem na norma uma formade exclusão social, sigam defendendo um modelo finalista welzeliano de teoria do delito. 27 A ilustração contextual da posição em questão aparece em BECHARA, Ana Elisa Liberatore. Bem jurídico-penal. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 113. https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn22 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn23 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn24 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn25 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn26 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn27 28 “Estes valores do atuar conforme o direito, arraigados na permanente consciência jurídica (quer dizer, legal, não necessariamente moral) constituem o fundo ético-social positivo das normas jurídico-penais. O Direito Penal assegura seu real acatamento, enquanto castiga a inobservância manifestada através de ações desleais, de rebeldia, indignas, fraudulentas.” WELZEL, Hans. Derecho penal... cit., p. 2. 29 “O delito é, pois, desde o ponto de vista material, uma conduta que lesiona ou põe em perigo um bem jurídico e constitui uma grave infração das normas da ética social ou da ordem política ou econômica da sociedade.” CEREZO MIR, José. Curso de Derecho penal español. Parte General. 5. ed. Madrid: Tecnos, 1997. t. I. p. 19. 30 STRATENWERTH, Günther. Derecho Penal, parte general, I. Trad. da 2. ed. alemã de 1976, por Gladys Romero. Madrid: Edersa, 1982. p. 2-20. 31 “A missão do Direito penal não se encaixa sem contradições em uma construção monista, de forma que só pode explicar-se razoavelmente enquanto a proteção do bem jurídico e a atuação sobre a vontade de açãodos cidadãos se entendam como tarefas equivalentes do Direito penal que se complementam, condicionam e limitam reciprocamente”. JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal. Parte General. 4. ed. Trad. de José Luis Manzanares Samaniego. Granada: Comares, 1993. p. 7. 32 “Se reprovou a Welzel o fato de que ele dá um componente excessivamente ético ao Direito penal ignorando sua missão protetora de bens jurídicos. Esta reprovação é em parte fundada, enquanto Welzelmenciona como valores da atitude interna de caráter ético- social conceitos como fidelidade, obediência, dignidade da pessoa etc. Mas já não é tanto, na medida em que Welzel também considera que “a missão do Direito penal é a proteção de bens jurídicos através da proteção dos valores ético-sociais […].” HASSEMER, Winfried; MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción… cit., p. 100. 33 Veja-se: JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGAND, Thomas. Tratado de Derecho penal... cit., p. 2-9. 34 HASSEMER, Winfried; MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción… cit., p. 101-102. 35 “Missão da pena é a manutenção da norma como modelo de orientação para os contatos sociais. Conteúdo da pena é uma réplica, que tem lugar à custa do infrator, frente ao questionamento da norma”. JAKOBS, Günther. Derecho Penal – parte general. Fundamentos e teoría de la imputación. 2. ed. Corrigida. Trad. de Joaquin Cuello Contreras e José Luis Serrano González de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997. p. 14. 36 JAKOBS, Günther. Derecho Penal... cit., p. 13-14. 37 “[...] os dois baluartes erigidos pelo pensamento penal liberal para limitar a atividade punitiva do Estado frente ao indivíduo: o princípio do delito como lesão de bens jurídicos e o princípio de culpabilidade, parecem sair definitivamente do prumo e são substituídos por elementos de uma teoria sistêmica, na qual o indivíduo deixa de ser o centro e o fim da sociedade e do direi to, para https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn28 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn29 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn30 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn31 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn32 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn33 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn34 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn35 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn36 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn37 converter-se em um ‘sistema físico-psíquico’ (G. Jakobs, 1983, 385), ao que o direito valora na medida em que desempenhe um papel funcional em relação à totalidade do sistema social”. BARATTA, Alessandro. Integración-prevención: una “nueva” fundamentación de la pena dentro de la teoría sistémica, Cuadernos de política criminal, n° 24, 1984, p. 533-551, Madrid: Edersa – Editoriales de Derecho reunidas. 38 “Um fato criminoso – [...] – não pode definir-se como lesão de bens, senão só como lesão da juridicidade. A lesão da norma é o elemento decisivo em Direito penal, como nos mostra a punibilidade da tentativa, e não a lesão de um bem. De novo, de forma paralela ao anterior, tampouco à pena pode estar referida à segurança dos bens ou algo similar; a segurança dos bens ou a prevenção de delitos se encontram com respeito à pena em uma relação excessivamente elástica como para poder passar por funções da mesma.” JAKOBS, Günther. La ciencia del Derecho penal ante las exigencias del presente. Conferência proferida em Seminario impartido en la Universidad Pablo de Olavide, Sevilla, España. Trad. de Teresa Manso Porto, Sevilla, 2000. p. 12-13. 39 JAKOBS, Günther. Derecho Penal… cit., p. 13. 40 A terminologia postulado é aqui empregada na forma de interpretação argumentativa das normas proposta por Humberto Ávila, que supõe serem os postulados situados em um plano superior aos dos princípios e regras, qualificados pelo autor como normas de segundo grau, que servem para a estruturação e orientação argumentativa das regras e dos princípios. Para detalhes, veja-se: ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, especialmente p. 161 ss. 41 HASSEMER, Winfried; MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción… cit., p. 103. 42 JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGAND, Thomas. Tratado de Derecho penal... cit., p. 2. 43 Veja-se, por exemplo: JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGAND, Thomas. Tratado de Derecho penal... cit., p. 11; MUÑOZ CONDE, Francisco; GARCÍA ARÁN, Mercedes. Derecho penal. Parte General... cit., p. 69; MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal. Parte General. 5. ed. Barcelona: Reppertor, 1999. p. 8 e DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte geral. t. I. Questões Fundamentais, a doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. p. 3. No Brasil, veja-se, por exemplo, BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal. Parte Geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1, p. 5; GRECO, Rogério. Curso de Direito penal. Parte Geral. 5. ed. Niterói: Impetus, 2005. v. I, p. 8. 44 “Assim como a natureza dá a cada homem um poder absoluto sobre todos os seus membros, o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus.” ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Trad. de Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 39; “aquele que deu seu consentimento real expressamente declarado para fazer parte de uma comunidade, está obrigado, necessariamente e para sempre, a ser inalteradamente súdito dela”. LOCKE, John. Segundo tratato sobre o Governo. Trad. de Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 90. “Desta instituição de um Estado derivam todos os direitos e https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn38 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn39https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn40 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn41 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn42 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn43 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn44 faculdades daquele ou daqueles a quem se confere o poder soberano pelo consentimento do povo reunido.” HOBBES, Thomas. Leviatan. Trad. de Manuel Sánchez Sarto. México, D.F.: Fonde de Cultura Económica, 1996. p. 142. 45 Seria demasiado e também despiciendo, aqui, realizar todo o ataque possível à concepção da Assembleia Geral, bem como à sua imagem falaciosa. Para maiores considerações a respeito, remeto a: MOREIRA, Luiz. A Constituição como simulacro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. https://passeidireto.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597016307/cfi/6/34!/4@0:0 https://jigsaw.vitalsource.com/books/9788597016307/epub/OEBPS/Text/10_chapter01.xhtml#fn45 https://passeidireto.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597016307/cfi/6/34!/4@0:0
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