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LA - UNIDADE 02

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METODOLOGIA DO ENSINO A DISTÂNCIACOMUNICAÇÃO E PORTUGUÊS JURÍDICO
UNIDADE 2 – 
Compreendendo como funciona a aquisição de linguagem
Vídeo 1
Ao término deste capítulo você será capaz de entender como funcionam os processos de aquisição de linguagem. Isto será fundamental para que você planeje suas aulas ainda melhor, descobrindo aplicações específicas para o ensino de língua materna, estrangeira e para o ensino bilíngue. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Avante!
Bem-vindo de volta e parabéns! Se você chegou até aqui, já viu algumas noções bem importantes sobre aquisição de linguagem. Acha que não? Então, vamos relembrar…
Para começar, você já está por dentro das ideias de Chomsky, que propôs o conceito de competência linguística, revolucionando a forma como entendemos a faculdade humana da linguagem. Também já sabe que competência, para ele, é algo inato – nascemos “programados” com uma “gramática internalizada” que nos permite desenvolver nosso desempenho linguístico – a particular a partir da qual cada um de nós vai realizar sua competência no mundo. E sabe que a Psicolinguística Desenvolvimentista é a área da Linguística que mais contribui para este tipo de estudo.
Ufa! Só isso já é muita coisa. Mas o fato é que ainda não vimos como o processo de aquisição ocorre e nos dedicaremos a isso neste capítulo.
Podemos começar com uma perguntinha básica que você, talvez, já tenha feito a si mesmo: Como é que se estuda isso se os ‘informantes’ para esse tipo de fenômeno costumam ser bebês ou crianças muito pequenas?
Você tem filhos? Sobrinhos ou primos pequenos? Já teve a oportunidade de acompanhar ou cuidar de bebês? E crianças bem pequenas? Como se comunicava com eles? Acredita que eles se comunicavam com você? Acredita que eles entendiam o que você dizia?
Observar os estágios de desenvolvimento linguístico em bebês e crianças pode não ser tarefa fácil, mas cientistas costumam achar que é mesmo o melhor caminho para compreendermos as fases e fatos da aquisição.
Fenômenos mentais – como a aquisição e processamento de conhecimento – são invisíveis e imensuráveis. Por isso, nas ciências cognitivas, de maneira geral, os experimentos são feitos com base na geração de hipóteses a partir de observação daquilo que se deseja estudar e da posterior criação de testes que permitam confirmar ou refutar tais hipóteses.
No caso dos bebês, muito pode ser dito a partir da observação cuidadosa de seu comportamento e também, no caso de algumas crianças maiores, de suas primeiras produções.
Bebês respondem já nos primeiros dias de vida à voz humana e já sabem a diferença entre consoantes correspondentes surdas e sonoras. Há quem diga que respondem desde antes (LYONS, 2009, p.188). Já ouviu dizer que faz bem conversar com a barriga de uma mulher grávida? E já achou que o bebê tinha ‘respondido’ ao chutar.
Bem, sobre conversas com barrigas, a Linguística não tem muito a dizer. Mas questões relacionadas ao reconhecimento de vozes já foram comprovadas.
Por muito tempo, esse foi um dos exemplos utilizados para justificar a hipótese da competência linguística inata, já que ‘provaria’ que nossa ‘gramática internalizada’ inclui “traços distintivos da fonologia”. Mais tarde, no entanto, demonstrou-se “que chimpanzés muito novos também são capazes de responder à mesma distinção acústica” (LYONS, 2009, p. 168).
Isso não quer dizer que a ‘gramática internalizada’ não exista. Apenas que traços fonéticos podem não fazer parte do conjunto de regras com as quais fomos programados ou, ao
O exemplo dos chimpanzés nos dá uma boa ideia de como é difícil comprovar hipóteses, em especial quando nossos informantes são jovens demais para participar do processo mais ativamente, compartilhando suas intuições de falantes.
Um outro problema é a definição de critérios: como delimitamos o que é linguagem na produção de bebês e crianças pequenas? Usar palavras isoladas já conta? Construir frases com duas palavras de forma mais ou menos regular? Ou seriam três palavras? Repetições de falas de adultos valem? Ou apenas frases ‘inteiramente novas’ ou ‘espontâneas’?
Se você já conviveu com crianças, deve ter reparado que é bem difícil sistematizar sozinho os estágios a partir dos quais elas vão desenvolvendo seu desempenho. Ao mesmo tempo, em uma conversa entre pais, é comum ouvirmos comentários do tipo “Meu filho agora tá na fase de _________”.
Sabemos que existem pontos comuns ao desenvolvimento linguístico de todas as crianças, mas quando tentamos definí-las em um passo a passo a coisa se complica bastante.
E é aí que entram os experimentos em Psicolinguística Desenvolvimentista. Vamos apresentá-los aqui para que você entenda como chegamos às teorias que embasam nossas práticas profissionais atualmente.
Porém, antes disso, vale darmos uma olhada em tudo o que, de fato, sabemos sobre a aquisição e o que ainda não temos como saber:
Figura 1: O que sabemos e o que não sabemos sobre aquisição de linguagem
Fonte: Ampliado com base em LYONS, 2009, p. 188
Um panorama bem complexo, não acha? E as crianças, às vezes, nos surpreendem, apresentando comportamentos muito semelhantes aos da interação comunicativa, sem que possamos saber o que isso significa. Pelo menos, não podemos ter certeza!
Este vídeo viralizou há alguns anos na rede. Mostra dois bebês que, apesar de não produzirem nenhuma estrutura linguística distinguível, parecem estar ‘conversando’. Veja e tire suas próprias conclusões. Disponível em: http://bit.ly/38OE2Zz Acesso em: 05/11/2019.
Para não se perderem em seus estudos, psicolinguistas desenvolvimentistas precisam, antes de qualquer outra coisa, estabelecer critérios bem-definidos de pesquisa. Vamos ver como eles fazem isso?
As pesquisas em Psicolinguística Desenvolvimentista
Veja como Elaine Grolla, coordenadora do Laboratório de Estudos em Aquisição de Linguagem (LEAL) na USP, apresenta os objetivos gerais dos estudos em aquisição de linguagem:
“As línguas humanas são sistemas com propriedades extremamente complexas e abstratas. Estudos nas mais diversas línguas apontam para esse fato e nos fazem questionar como as crianças são capazes de, aos 3 anos de idade, entender e produzir um grande número de sentenças da língua que estão adquirindo. Aos 5 anos de idade, quase toda a estrutura de uma língua já foi adquirida. Esse feito é realizado por todas as crianças de desenvolvimento típico no mundo todo, sem esforço e sem ensinamento explícito. A pergunta que pesquisadores em aquisição de linguagem se colocam é: como isso é possível?” (GROLLA, 2017, p. 51)
Figura 2
Fonte: Freepik
Bacana, não é? Mas peraí! Como é isso de que crianças já adquiriram quase toda a estrutura de uma língua aos 5 anos? Tudo bem que tem gênio para tudo, mas será que as crianças que conhecemos são assim mesmo?
Você se lembra do que vimos na unidade 1, sobre a diferença entre os conhecimentos que a criança aprende dentro e fora da escola? Pois bem! Quando falamos de “toda a estrutura da língua” não estamos falando da visão tradicional do ‘bem falar’, de ‘norma culta’ ou de ‘linguagem escolarizada’. Lembre-se sempre disso: será muito importante para entender esse capítulo.
Os psicolinguistas desenvolvimentistas também trabalham com experimentos laboratoriais, assim como o pessoal da Psicolinguística Experimental. Aliás, muitas vezes, as descobertas em uma vertente apoiam as da outra.
Exemplo: No LAPAL, laboratório da PUCRio, há uma linha de pesquisa voltada para o estudo integrado da Aquisição e do Processamento Linguístico. Segundo o site do laboratório, “visa a contribuir para a criação de uma teoria do processamento linguístico que possa ser articulada com um modelo de língua e para uma teoria do processo de aquisição da linguagem centrada no processamento do material lingüístico pela criança necessário à fixação de parâmetros na aquisição da língua materna.” (Fonte: LAPAL – Disponível em: http://bit.ly/36Pxvfb Acesso em: 05/11/2019.
Entendeu? Os parâmetros presentes em nossa ‘gramática internalizada’precisam ser expostos a material linguístico (falas de outras pessoas) para serem ‘ativados’ e ‘processados’, tornando-se fala da própria criança (parte de seu desempenho linguístico no mundo.
Figura 3: Competência – Processamento – Aquisição
Fonte: A autora
Aquisição e processamento caminham juntos na prática e os pesquisadores de cada fenômeno pode juntar esforços na tentativa de compreender a produção linguística humana de forma mais global.
O tipo de experimento realizado pelo LAPAL envolve crianças com menos de um ano e também adultos.
Dê uma olhada nas instalações do LAPAL – você verá que o tipo de espaço necessário para conduzir esses experimentos não é nada parecido ao que costumamos ter em mente quando imaginamos um laboratório tradicional. LAPAL/Laboratório – Disponível em: http://bit.ly/2ZaVfrB Acesso em: 05/11/2019.
Você reparou na foto do experimento com o bebê? Se não, volte lá! Você verá que a colaboração das mães é muito necessária, como já poderíamos imaginar. Aliás, a interação entre o bebê e elas também é observada.
Embora ainda não haja conclusões definitivas a respeito, muitos pesquisadores apontam o fenômeno da “contingência da fala materna” (BORGES; SALOMÃO, 2003, p. 331) como um dos fatores que acelera o processo de aquisição da linguagem.
Figura 4
Fonte: Freepik
“Contingência da fala materna” é o processo por meio do qual o adulto combina ou articula partes do tópico ou das expressões utilizadas pela criança imediatamente depois que ela as utilizou, estabelecendo um sentido de continuidade na ‘conversa’. Alguns pesquisadores indicam que o aceleramento do processo de aquisição é ainda maior quando esses adultos “reformulam” o que a criança enuncia, ou seja, apresentam à criança versões corrigidas ou ampliadas do que acabou de dizer (BORGES; SALOMÃO, 2003, p. 331-332)
Isso indicaria que a interação entre a mãe e a criança são tão importantes quanto alguns leigos já acham que são. Reformular falas ainda pouco estruturadas – como dizer “Água” depois que a criança disse “Abu!” apontando para o filtro – pode mesmo fazer a diferença.
Você conhece as histórias de seu processo de aquisição de linguagem? Alguns responsáveis compartilham os momentos em que seus filhos disseram suas primeiras palavras, conversam com eles sobre as dificuldades que tinham e as formas que encontraram para apoiá-los. Caso as conheça, o que essas histórias indicam sobre você? De que maneira podem ser relacionadas ao assunto que estamos trabalhando nesta unidade?
Uma outra coisa que você pode estar se perguntando é: Será que os psicolinguistas apenas observam as reações dos bebês? Por que, assim, falar eles não falam, correto?
Para trabalhar com bebês, muitos psicolinguistas usam imagens. Além de observarem o que ocorre espontaneamente, eles utilizam as imagens para ofertar um estímulo de processamento e investigar como esse processamento ocorre. Lembra que o processamento de textos é, também, visual? Bem, está tudo relacionado! E, na imagem do LAPAL, você também verá isso, reparando no que está passando no monitor.
No LEAL (USP), onde Elaine Grallo trabalha, um dos experimentos realizados é conhecido como tarefa de julgamento de valor de verdade (TJVV).
Na TJVV, os pesquisadores trabalham a partir da compreensão da criança, adotando os seguintes passos: 1) elaboração de uma hipótese (o princípio de aquisição que se deseja investigar); 2) contação de história para contextualizar a tarefa para a criança; 3) enunciação de uma sentença ambígua, por meio de fantoche, para a criança. Essa sentença pode ser interpretada respeitando ou violando o princípio investigado; 4) Pede-se à criança que julgue se a sentença é verdadeira ou falsa (GROLLA, 2017, p. 50).
Uma das vantagens deste tipo de tarefa é que ela é simples para a criança, embora as questões que deseja investigar possam ser bem difíceis de encontrar em sua fala espontânea.
Exemplo: História: Experimento I (BERTOLINO; GROLLA, 2012, p.89)
O Woody, a Kelly e o Frankenstein estavam jogando basquete. Os três estavam muito cansados e resolveram parar um pouco. O Frankenstein não estava aguentando de calor e disse:
“Woody, estou com muito calor. Você pode abanar o meu rosto?”
“É claro, Frankenstein.”
Mas, quando o Woody ia abanar o Frankenstein, a Kelly veio e abanou o Frankenstein com o seu cabelo, que era enorme. Logo depois, o Woody começou a sentir calor também. O Woody abanou o rosto com a sua mão. Depois de descansados, o Frankenstein e a Kelly levantaram para continuar a jogar. Sentença-teste: O Woody abanou ele.
No experimento exemplificado acima, a ideia é testar como crianças e adultos intepretariam a referência (ou vínculo) do pronome ‘ele’.
Caso dissessem que a sentença era verdadeira, estariam aceitando que ‘ele’ pode se referir ao próprio Woody nesse caso, já que, de fato, Woody se abanou na história. Caso contrário, diriam que a sentença era falsa.
Você já viu ou se lembra de ter utilizado construções desse tipo? Já viu crianças falarem frases como “Mamãe penteou ela”, em que o ‘ela’ se refere não a uma terceira pessoa, mas à própria ‘mamãe’?
Mas por que os psicolinguistas têm interesse em verificar esse tipo de hipótese? Simples! Porque, ao que tudo indica, esse tipo de interpretação é comum e faz parte do conjunto de parâmetros em nossa ‘gramática internalizada’.
Uma outra forma, mais simples, de realizar experimentos em psicolinguística é Tarefa de Julgamento da Gramaticalidade (TJG). Nessa tarefa, a criança também trabalha com um fantoche, apresentado como um ser fantasioso – pode ser um extraterrestre – que está aprendendo a nossa língua. Caso ele diga algo ‘correto’, a criança deve avisá-lo, dando-lhe algo gostoso de comer (em alguns casos, um chocolate; em outros, uma fruta, para ‘torná-lo mais inteligente’ e não estimular o consumo de doces). Caso diga algo ‘errado’, deve receber algo ruim, como um pedaço de pneu, por exemplo (GROLLA, 2009, p. 9).
Como você deve se lembrar, o conceito de ‘erro’ é bem diferente no âmbito dos estudos linguístico-cognitivos. Gramaticalidade/ agramaticalidade se referem às frases possíveis de serem realizadas em uma língua, então não se espera nenhum julgamento relacionado aos padrões de norma.
E então, gostou da vida de psicolinguista desenvolvimentista? Sabia que você também pode se tornar um se estiver interessado?
Para isso, é preciso muito estudo, incluindo cursos de Mestrado e Doutorado em instituições que ofereçam a possibilidade de já ir praticando nesse tipo de laboratório. E, é claro, sempre vale considerar as palavras de quem já atua na área:
“A área de aquisição de linguagem ainda é pouco difundida no Brasil [...]. Muitos aspectos da aquisição da fonologia, sintaxe e semântica do PB [Português Brasileiro] ainda não foram explorados e é só com um número maior de alunos trabalhando em aquisição que conseguiremos chegar mais perto de uma resposta satisfatória para a pergunta feita acima. Então, se você se interessa pela área, considere-a seriamente. Realizar as pesquisas interagindo com crianças e/ou bebês é um trabalho extremamente recompensador! (GROLLA, 2017, p. 51).
Viu só? E quase todo mundo começa como aluno em cursos de pós-graduação. Vale dizer que a maioria deles não é paga: com esforço e dedicação dá para chegar lá!
Com tudo o que vimos, já dá para delinearmos um conceito um pouco mais preciso do termo ‘aquisição’ nos estudos linguístico-cognitivos.
Conceito de Aquisição
No contexto dos estudos linguístico-cognitivos, podemos definir o termo “aquisição” da seguinte maneira:
“Aquisição” refere-se ao processo por meio do qual as regras de nossa ‘gramática internalizada’ (seus princípios e parâmetros) são ‘ativados’ até, tipicamente, os cinco anos de idade, a partir de input (entradas) do meio externo (falas de outras pessoas) que vão sendo processadas e apoiam a ‘fixação’ dessas regras em nossa produção de fala.
Um dos motivos pelos quais utiliza-se o termo ‘aquisição’ e não ‘aprendizagem’ é deixar claro que todas as crianças, independentemente dos contextossócio-culturais de onde provenham, passam por esse processo, atingindo resultados totais semelhantes no que diz respeito à produção sem precisar de nenhum tipo de instrução especial.
No tópico anterior, vimos como falas maternas que deem sequência à produção de seus filhos podem ajudar a acelerar seu ritmo de processamento. No entanto, isso não significa que crianças que não disponham desse tipo de interação não vão adquirir a língua.
O termo ‘aquisição (de linguagem)’ é “normalmente usado sem ressalvas para o processo que resulta no conhecimento da língua nativa (ou línguas nativas). É concebível que a aquisição de uma língua estrangeira, se aprendida na escola ou não, processa-se de modo bastante diferente” (LYONS, 2009, p. 187).
Portanto, apesar de também utilizarmos o termo ‘aquisição’ para línguas estrangeiras, precisamos ter o cuidado de não aplicar, indiscriminadamente, conceitos e descobertas da área desenvolvimentista a esse tipo de prática.
Fases e Fatos da Aquisição
Tudo bem! Então, já sabemos a definição de ‘aquisição’, temos vários exemplos de como chegamos a ela e entendemos qual é sua base teórico-metodológica de atuação.
Mas e quanto àquelas fases da aquisição – que todo mundo sabe que existe, mas que são bem difíceis de sistematizar? Será que alguém já investigou isso?
Uma das hipóteses mais conhecidas sobre esse assunto, também baseada em experimentos, é a chamada ‘hipótese maturacional da aquisição de linguagem’. Foi concebida por Andrew Radford (1943-), um linguista inglês que segue as propostas de Chomsky. Radford “só considera uma forma adquirida quando esta é usada de modo sistemático, seletivo e contrastivo” (CEZARIO; MARTELOTTA, 2009, p. 209)
Isso significa que, nesta hipótese, uma criança só ‘fixou’ uma forma da língua quando a utiliza de forma repetida, é capaz de selecioná-la nos momentos de uso adequado para a língua em questão e de ver a diferença entre essa forma e as demais existentes na língua.
A hipótese de Radford “atribui as mudanças [...] observadas no processo de aquisição a um ‘calendário maturacional’” (LOPES, 2001, p. 116), ou seja, acredita que a mudança de uma fase a outra é determinada pelo amadurecimento do organismo da criança.
As fases da hipótese podem ser descritas como na figura a seguir:
Figura 5: Fases da Aquisição de Linguagem, segundo a Hipótese Maturacional
Fonte: Adaptado pela autora (baseado em CEZARIO; MARTELOTTA, 2009, pp. 209-212).
*exemplo real de fala de uma menina brasileira
Note, no quadro apresentado, que primeiro se adquirem categorias referentes ao léxico – sistemas que regulam o uso de substantivos, verbos, adjetivos e preposições.
Depois, na quarta fase, se adquirem sistemas que permitem maior complexidade sintática, também conhecidos como sistemas funcionais.
Os sistemas funcionais são responsáveis pelos processos de determinação (uso dos determinantes da língua, tais como os artigos), de complementação (uso de adjuntos, etc.) e de flexão (verbal, de gênero e número) – (CEZARIO; MARTELOTTA, 2009, pp. 209)
Existe, ainda, uma segunda hipótese para a aquisição, conhecida como a hipótese da continuidade (ou continuísta), cujo primeiro propositor foi o psicolinguista norte-americano Steven Pinker.
Figura 6: Comparação: Hipótese Maturacional/ Hipótese da Continuidade
Fonte: (baseado em LOPES, 2001, pp.119, 123).
A hipótese da continuidade ajudaria a explicar dados de crianças que mesclam traços de várias fases.
Há, ainda, teorias mais complexas sobre a aquisição de linguagem que se afastam em maior ou menor grau da proposta de Chomsky ao abordarem a faculdade da linguagem. No capítulo três, quando estudarmos o histórico e os elementos constitutivos da ‘gramática internalizada’, vamos ver o que elas propõe.
No próximo tópico, vamos ver como os conceitos da área de aquisição de linguagem podem ser aplicados ao ensino de línguas. Se você já andou fazendo associações, esta será a hora de checar até onde estavam corretas!
Quer se aprofundar neste tema? Recomendamos o acesso à seguinte fonte de consulta e aprofundamento: Artigo - “Aquisição e desenvolvimento da linguagem: dificuldades que podem surgir neste percurso” (MOUSINHO et alli, 2008) acessível pelo link http://bit.ly/38TMQxg (Acesso em 05/11/2019).
E aí? Gostou de aprender sobre o funcionamento básico da aquisição de linguagem? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste tópico, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que a Psicolinguística Desenvolvimentista trabalhar com experimentos – como a Tarefa de Julgamento de Valor de Verdade (TJVV) e a Tarefa de Julgamento de Gramaticalidade (TJG) – em laboratórios aplicados onde, muitas vezes, coordena esforços com a Psicolinguística Experimental. Tudo isso porque ‘aquisição’, no contexto dos estudos linguístico-cognitivos, se refere ao processo por meio do qual os princípios e parâmetros em nossa ‘gramática internalizada’ são ‘ativados’ a partir de entradas (input) do meio externo, ou seja, da fala de pessoas. Deve ter visto que, considerando um desenvolvimento típico, até os cinco anos já adquirimos todas as estruturas da língua e que existem hipóteses sobre as fases comuns pelas quais toda criança passa ao adquiri-la. A mais conhecida delas é a hipótese maturacional, que propõe que os princípios e parâmetros da ‘gramática internalizada’ vão ficando disponíveis para a criança de acordo com o amadurecimento de seu corpo. E você deve se lembrar de que, para essa hipótese, existem quatro fases (pré-linguística, de uma palavra, multivocabular inicial e multivocabular tardia), mas apenas nas duas últimas a criança desenvolve categorias inatas (primeiro, as lexicais e, depois, as funcionais). Mas, se você andou mesmo prestando atenção, sabe que essa não é a única hipótese que dá conta das fases da aquisição: há, ainda, a hipótese da continuidade, que acredita que os princípios e parâmetros da ‘gramática internalizada’ estão disponíveis ao longo de todo o processo de aquisição.
Aplicando conceitos de aquisição ao ensino de línguas
Vídeo 2
De experimento em experimento, a Psicolinguística Desenvolvimentista acabou construindo uma série de conhecimentos sobre o desenvolvimento do Português Brasileiro (PB) que nos ajudam muito a pensar as práticas de ensino.
Vamos ver alguns deles?
Você se lembra das aulas do primeiro ano (ou classe de alfabetização)? Aquelas do “b” com “a” faz “ba”? Pois é! Pensando sobre o que vimos, você diria que adquiriu a estrutura silábica naqueles momentos (como parte de seu processo de alfabetização) ou já veio ‘programado de fábrica’ para realizálas?
Para responder a essa questão, precisamos, primeiro, entender se a estrutura silábica é parte necessária da produção da fala ou algo específico dos processos de leitura/escrita. O que você acha?
Se respondeu que a estrutura silábica faz parte de nossa “programação” e dos conhecimentos de que precisamos para falar, acertou! Na verdade, ela faz parte de um componente muito maior em nossa ‘gramática internalizada’: o componente fonológico.
“[...] não cabe à criança aprender apenas quais os fonemas de sua língua – os aspectos segmentais (por exemplo, /t/ e /d/ são fonemas em português; /θ/, como em “theater”, é um fonema do inglês, mas não do português). Há muito mais coisa envolvida na aquisição fonológica: a aquisição do sistema entonancional, da acentuação, da estrutura silábica, por exemplo” (SANTOS, 2002, p. 212).
Entendeu? Tudo está relacionado! A constituição básica da sílaba em português é cv (consoante-vogal), mas sabemos que podemos encontrar outras (como v, ccv, cvc e cvc).
Mas a sílaba, do ponto de vista da aquisição, não é uma combinação de letras e vogais apenas – trata-se de uma estrutura hierárquica de falantes/ouvintes adquirem para serem capazes de lidar com todas os aspectos envolvidos ao dizê-la.
Produzir uma sílaba na fala é implementar toda uma arquitetura fonológica. As sílabas, desse ponto de vista, são compostas por “ataque” (tradução do termo em inglêsonset), preenchido pela primeira consoante, e “rima” (noção associada à poesia), preenchida pelos demais fonemas. Normalmente, ao trabalhar com a ‘gramática internalizada’ esse esquema é apresentado por meio de diagramas hierárquicos ou de ‘árvore’ (SANTOS, 2002, p. 212).
A representação em diagramas – que veremos no capítulo 3 – facilita o trabalho de pesquisadores que buscam entender como cada elemento se posiciona na hierarquia linguística.
Mas por que dizemos que “ataque” e “rima” são ‘preenchidos’ por vogais e consoantes?
Veja se essa analogia te ajuda a entender melhor. Se fomos ‘programados’ para adquirir o sistema fonológico, entre outros, nascemos com ‘aplicativos vazios’ que, ao longo do processo de aquisição, vão sendo ‘preenchidos’ pelo uso. Celulares, por exemplo, costumam vir com configurações de fábrica e alguns aplicativos já instalados. À medida que você acessa e utiliza seu Facebook no celular, esse aplicativo vai sendo preenchido por informações e preferências – muitas delas se tornam automáticas.
Quando perdemos o celular, é muito chato ter de programar tudo de novo! Seguindo a analogia, podemos dizer que isso é o que ocorre com algumas pessoas ‘perdem a fala’ por conta de acidentes, por exemplo.
Ficou mais claro? Esperamos que sim! A mesma lógica pode ser aplicada a outros processos da aquisição.
O processo de aquisição da estrutura silábica varia muito pouco entre crianças falantes do português europeu e do português brasileiro? Elas começam produzindo apenas cv, depois adquirem a sílaba v em posição inicial (esse, aqui) e estruturas em que v em posição não inicial (papagaio, lua). Mas tendem a evitar estas últimas, por um período, transformando-as em cv (‘perura’ em vez de ‘perua’; ‘colelu’ em vez de ‘coelho’) - (SANTOS, 2002, p. 212-213).
Mesmo que você não venha a trabalhar com os primeiros anos do ciclo básico de ensino, esses conhecimentos são úteis em sala de aula.
Você precisa saber que, ao trabalhar com alunos que já não estão na idade de aquisição de linguagem (mais de cinco anos), caso surjam, em seus textos, fenômenos semelhantes ao de ‘evitar a estrutura cv’, isso não significa que esses alunos não adquiriram a língua, mas indica algum tipo de desordem de aprendizado (cognitiva ou situacional).
Ou seja, mais do que ‘evitando’, eles podem não estar conseguindo produzi-la na escrita ou na fala mesmo, por conta de algum tipo de condição permanente ou temporária.
Além disso, esse tipo de estudo nos ajuda a repensar nossas metodologias para o ensino de língua portuguesa. Voltemos, então, por um momento, à questão que iniciou este tema:
Você é um falante-ouvinte? Na escola, quando você aprendeu a escrever, tinha a sensação de estar aprendendo não apenas isso, mas também as sílabas? Como isso é possível, se você já as havia adquirido? E, em relação a aulas mais avançadas do Português, já sentiu que o conteúdo trabalhado em sala parecia o de uma Língua Estrangeira de tão difícil (e diferente) que era?
Bem, segundo a pesquisadora Mary Kato, é isso mesmo! Ela nos diz que “aprender a escrever para a criança brasileira [falante-ouvinte] é como aprender uma segunda língua” (KATO, 2005, p. 8). Mas por que isso acontece?
Entre os motivos apresentados por Kato, está o de que as estruturas linguísticas que vemos na escola não são baseadas no aluno já adquiriu, nem na língua culta utilizada pela sociedade brasileira contemporânea (KATO, 2005, p. 8).
Isso significa que, em muitos casos, a escola não está apenas ensinando os padrões que, atualmente, são considerados adequados para a comunicação em jornais, na literatura técnica, acadêmica e ficcional e em espaços profissionais de trabalho.
Do ponto de vista da ‘gramática internalizada’, a escola, muitas vezes, se apega a padrões que já não ocorrem – nem em ambientes formais nos considerados informais. Por isso, acaba, realmente, apresentando algo bem diferente da língua portuguesa que adquirimos.
Alguns desses padrões são baseados em usos do Português Europeu (PE) que, muitas vezes, é tido como referência de correção e estilo para os gramáticos e professores brasileiros.
Exemplo: Compare frases das edições brasileira e portuguesa do livro O Alquimista, de Paulo Coelho (1999 apud KATO, 2005, pp. 7-8):
EDIÇÃO BRASILEIRA
“Se hoje eu me tornasse um monstro e resolvesse matar __ uma por uma ...”
“Estava excitado e ao mesmo tempo inseguro: talvez a menina já tivesse esquecido__.”
EDIÇÃO PORTUGUESA
Se hoje eu me tornasse um monstro e resolvesse matá-las uma por uma ...
Estava excitado e ao mesmo tempo inseguro: talvez a menina já o tivesse esquecido.
Você reparou que os editores brasileiros optaram por não marcar a presença dos pronomes átonos (ou clíticos)? Talvez, o texto original tenha sido escrito assim, mas isso também pode ser influência da tradução.
Edições brasileiras de livros precisam ser traduzidas ao serem publicadas em Portugal e vice-versa, afinal, são duas línguas bem distintas, não é?
Em Português Brasileiro (PB) a forma de utilização dos pronomes clíticos foi se transfomando ao longo dos tempos, então, quando os adquirimos já não utilizamos formas antes comuns, como as que vimos na edição portuguesa do livro de Paulo Coelho.
Exemplo: No PB, é mais comum vermos construções como “Comprei o peixe sem examinar__” do que “Comprei o peixe sem examiná-lo” e isso ocorre em vários contextos de produção, incluindo textos formais. Da mesma forma, introduzimos a forma pronominal de caso reto em estruturas como “Eu vi ele saindo”, que nos soam mais ‘regulares’ do que “Eu o vi saindo”.
No PB do século XVII, construções como “João não me tinha cumprimentado” também eram comuns, enquanto hoje diríamos “João não tinha me cumprimentado” (KATO, 2005, p. 6)
Acreditando que essas mudanças constituem perdas linguísticas, a escola busca compensá-las, ensinando uma língua distante da que se adquire como falante do PB na contemporaneidade. Mas há incoerências nesse processo.
Você, provavelmente, aprendeu que a utilização de frases como (1)“Eu vi ela” e (2)“Comprei o peixe sem examinar” não era adequada em textos formais. Mas não deve ter aprendido a construir frases como (3)“João não me tinha cumprimentado”. Além de considerarem (3) correta, seus professores, provavelmente, achavam o “erro” em (1) mais grave do que o erro em (2).
Ou seja, na tentativa de compensar pelas perdas, a escola acaba se baseando em padrões irregulares – uma adaptação do que se vê em PE e PB. E isso não ocorre apenas com os clíticos.
O sujeito oculto não é a opção preferencial para falantes/ouvintes do PB como descrevem as gramáticas escolares. Línguas em que ocorre este tipo de construção costumam caracterizar-se por propriedades como a inversão sujeito/predicado (“Chegaram as rosas”), opção bem-vista na escola, enquanto, em PB, o mais comum é haja ocorrências do tipo “As rosas chegaram” (KATO, 2005, p.4; SIMÕES, 2006)
Pois é! A sensação de que o Português da escola é uma língua estrangeira, mesmo para aqueles que o têm como língua materna, realmente se justifica!
Ainda mais porque, além de adotar uma visão baseada em estilo (uma construção particular a partir do conceito de “belo”), nossos estudos do Português como matéria escolar ocorrem muito depois do período crítico para a aquisição.
A hipótese do período crítico
Será que existe uma idade certa para adquirirmos a língua materna? Ou um limite de idade depois do qual fica mais difícil adquiri-la?
É isso que a hipótese do período crítico busca responder. Já sabemos que toda criança adquire a língua, ainda que o ritmo de aquisição possa variar imensamente em situações atípicas.
Por isso, muitos pesquisadores se interessaram pela observação de crianças que foram isoladas ao nascerem – privadas de contato com input linguístico –, mas que, posteriormente adquiriram a língua com maior ou menor sucesso.
Figura 8: Kaspar Hauser
Fonte: Wikipedia
As chamadas crianças selvagens (wild children) foram abandonadas, aprisionadas ou estavam impedidas cognitivamente de ter acesso à fala de outros.Entre os casos mais famosos, estão o de Kaspar Hauser (ALE), do “menino selvagem” de Aveyron (FRA), de “Isabelle” e de “Chelsea” (EUA). Em todos eles, parece haver uma forte relação entre o desempenho linguístico posteriormente alcançado e a idade que tinham ao serem resgatados. “Ísabelle’, que obteve mais sucesso, tinha apenas 6 anos; ‘Chelsea’, por seu turno, passava dos 30” (ROSA, 2010, p. 90)
A ideia de período crítico não é nova: desde, pelo menos 1915, estudos em neurologia já a contemplavam (SANTANA, 2004). Baseia-se em dois fatores que já discutimos aqui:
Os estudos acerca do período crítico para a aquisição observam:1) a maturidade dos sistemas cognitivos da criança (o quão desenvolvidos estão quando recebem o input linguístico) e 2) a qualidade do input recebido (se é total, livre de impedimentos; parcial, não ocorre sistematicamente; ou inexistente, como no caso da maioria das crianças selvagens).
A hipótese, tal como considerada nos estudos cognitivos, “surgiu ancorada no pressuposto [...] de que as habilidades linguísticas dependeriam do processo de especialização do hemisfério cerebral esquerdo para a linguagem” (ROSA, 2010, p. 91)
Este processo se completa na puberdade e, portanto, caso uma criança não adquirisse a linguagem até esse período, suas chances de adquiri-la diminuiriam consideravelmente.
Pois é, voltamos ao cérebro! Você já deve ter ouvido falar que existe uma relação entre as atividades que realizados e os hemisférios cerebrais, um processo que está sujeito a maturação. No início de nossas vidas, tudo indica que podemos usar qualquer um dos hemisférios cerebrais para dar conta de tarefas linguísticas. À medida que amadurecem nossos sistemas neurológicos, os hemisférios se especializam – a esse processo, dá-se o nome de lateralização.
A lateralização das tarefas de linguagem costuma ocorrer no lado esquerdo do cérebro “para todos aqueles que usam a mão direita [para escrever, ect.] e para a maioria dos que são canhotos, embora não todos [...]. Na pequena maioria das vezes, entre os canhotos, em que o hemisfério esquerdo não é especializado para a linguagem, é o hemisfério direito que o é: isto é, a lateralização ainda assim ocorre” (LYONS, 2009, p. 185)
Entendeu a relação entre a lateralização e o período crítico? É como se o cérebro, depois da especialização de seus hemisférios, perdesse sua flexibilidade (ou plasticidade) e, por isso, ficasse bem mais difícil adquirir linguagem.
Essa noção também foi aplicada à ‘aquisição’ de línguas estrangeiras, como veremos no tópico a seguir. Nesse sentido, aplica-se ao tanto ao ensino escolar de língua materna (muitas vezes, como vimos, baseado em línguas não adquiridas nos estágios típicos), quanto ao ensino de inglês, espanhol, etc.]]
Para refletir mais sobre este tema, pode ser útil ler sobre as ‘crianças selvagens’ da vida real e também, conhecer suas representações na ficção.
Este relatório, produzido por alunos de Letras que integravam o Programa Nacional de Iniciação à Docência (PIBID), apresenta o filme Nell (EUA, 1994), em que a atriz Jodie Foster faz o papel de uma ‘criança selvagem’. Disponível em: http://bit.ly/2ED8IPi Acesso em: 06/11/2019.
Mas existem outros casos em que a aquisição de língua materna pode ser dificultada ou impedida, como o dos surdos, cuja língua materna é a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).
A aquisição de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais)
Você se lembra da ‘Chelsea’? Para entendermos melhor este tópico, vale conferirmos a história dela:
“Chelsea’ era surda, mas os diferentes médicos que a atenderam não perceberam a surdez e a diagnosticaram como ‘retardada ou emocionalmente perturbada’. Apenas aos 31 anos um neurologista percebeu que o problema da paciente era surdez. O isolamento de ‘Chelsea’ era, portanto, diferente dos casos anteriores” (ROSA, 2010, p. 85)
Hoje em dia, embora seja menos comum, este tipo de erro diagnóstico ainda ocorre, especialmente em caso de surdez leve e moderada.
Quando estudamos o determinismo linguístico, vimos como os surdos já sofreram inúmeros preconceitos por conta da crença na relação direta entre linguagem e raciocínio/ pensamento.
Mas o principal problema enfrentado por surdos, no que diz respeito à linguagem, é o da aquisição tardia de sua língua materna.
A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é uma das línguas oficiais em nosso país e, por conta disso, foi inserida nos currículos oficiais dos cursos de Licenciatura em Letras.
Figura 9
Fonte: Freepik
Há, ainda, muita confusão no que diz respeito aos processos de aquisição de surdos. Entre os mitos de senso comum, está a ideia de que “as crianças surdas com níveis de perda de audição muito elevados podem aprender com facilidade uma língua oral lançando mão da leitura labial” (ROSA, 2010, p. 86).
Por conta disso, crianças surdas interagindo com pais ouvintes ao longo da infância podem ser hiperestimuladas à oralização, quando, na verdade, seus sistemas cognitivos não estão ‘programados’ – de forma inata – para isso.
Para as crianças surdas, que adquirem a língua em nosso país, o Português Brasileiro (PB) é uma língua estrangeira.
E não é uma língua estrangeira qualquer – trata-se de uma ‘ativação’ que seu sistema cognitivo, de fato, não nasceu para realizar.
Você se lembra do exemplo do bebê brasileiro que é levado à Alemanha e, portanto, adquire o alemão? Pois é! No caso de um bebê surdo, os impedimentos para a aquisição de línguas orais permaneceriam não importando onde ele estivesse.
No Brasil, já existem estudos que mapeiam o cérebro de pessoas surdas bilíngues (LIBRAS/PB) por meio de exames de ressonância magnética.
Os resultados sugerem que surdos bilíngues “apresentam maior competência linguística em língua de sinais” de acordo com as áreas que ambas as línguas ativam no cérebro (VALADÃO et alli, 2014, p. 836)
Note que estamos falando de ‘competência’ e não de ‘desempenho’, ou seja, o cérebro parece comprovar que crianças surdas nascem aptas a adquirir a LIBRAS e não o PB. No entanto, a aquisição tardia de LIBRAS é ainda bastante comum como você já deve saber ou imaginar.
Caso os pais da criança não sejam surdos mas aprendam a LIBRAS, os estudos indicam que elas conseguem adquiri-la – mesmo que seu input provenha de falantes não nativos (ROSA, 2010, p. 88).
A história de ‘Chelsea’ terminou com um processo de aquisição incompleto. “Com a ajuda de aparelho auditivo, ‘Chelsea’ passou a ouvir. Não conseguiu, porém, no tocante à língua, alcançar um mínimo de estrutura gramatical, embora tenha aprendido vocabulário razoável (cerca de duas mil palavras), tenha aprendido a ler, a escrever, a comunicar-se e tenha até mesmo arranjado um emprego” (ROSA, 2010, p. 85).
Hoje em dia, já temos como saber que seu problema, provavelmente, estava associado não apenas ao período crítico para aquisição, mas também ao fato de que ela foi exposta a uma oralização compulsória.
A LIBRAS, assim como as outras línguas de sinais (LS) são consideradas línguas naturais (como o PB), ou seja, possuem “uma série de características que lhes atribui caráter específico e as distingue dos demais sistemas de comunicação” (QUADROS; KARNOPP, 2004 apud VALADÃO et alli, 2014, p. 836).
Figura 10
Fonte: Freepik
Adquiri-la nos estágios iniciais do desenvolvimento cognitivo, pode faz grande diferença para pessoas surdas. Um caso que se tornou muito famoso nesse sentido foi o da escritora e ativista norte-americana Hellen Keller (1880-1968).
Keller tornou-se a primeira pessoa surdo cega a alcançar um grau de bacharelado após adquiri-la por meio do tato, com ajuda da educadora Anne Sullivan (1866-1936).
Conheça a história de Hellen Keller e veja trechos de suas conferências neste vídeo. Disponível em: http://bit.ly/2sIObGu Acesso em: 06/11/2019.
Para professores de línguas, as histórias de ‘Chelsea’, Keller e muitos outros indicam a necessidade de adaptarmos nossas abordagens de ensino de língua portuguesa ao lidarmos com alunos surdos.
Entendeu como os estudos em aquisição de linguagem contribuem parao ensino de línguas? Como foi sua experiência com esse tema? Vamos fazer aquela tradicional revisão para garantir que você aprendeu os pontos mais importantes? Começamos estudando algumas descobertas da Psicolinguística Desenvolvimentista que nos ajudam a repensar a sala de aula. Você se lembra de quais foram? Vimos que a estrutura silábica (parte de um sistema fonológico maior) é adquirida em um esquema inicial (cv – consoante vogal) até chegar ao cvc (consoante-vogal-consoante), por mais que, às vezes, pareça que aprendemos tudo isso na escola. Com certeza, a essa altura, você já está craque nas diferenças entre o que estamos chamando de ‘gramática internalizada’ e gramática escolar (língua/norma culta ou padrão). Então, deve ter entendido que, apesar do Português Brasileiro (PB) não ser uma língua de sujeito oculto, nem de uso comum de pronomes clíticos pospostos, a escola ensina esses padrões. Por conta de uma associação entre o PB e o Português Europeu (PE), a escola, muitas vezes, ensina o PB como se fosse uma língua estrangeira, já que não adquirimos esses padrões atualmente. E tudo isso ocorre muito depois de nossa fase crítica de aquisição de linguagem, que vai até a puberdade, se considerarmos a proposta mais comum para essa hipótese. Você deve se lembrar que, segundo essa proposta, fica mais difícil adquirirmos a linguagem por conta da especialização do hemisfério esquerdo do cérebro para a linguagem (lateralização). Todo o processo de aquisição pode se tornar ainda mais difícil para crianças surdas, que, muitas vezes, não adquirem ou adquirem tardiamente sua língua materna, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Com isso, deve ter ficado clara a importância de tentarmos ao máximo incluir tanto a LIBRAS quanto a cultura surda em nosso planejamento de aula.
Identificando e solucionando problemas relacionados à aquisição de línguas estrangeiras
Vídeo 3
Depois de todo esse debate sobre como se ensina língua portuguesa nas escolas e sobre a aquisição de LIBRAS, você já deve estar ansioso para saber se as teorias da aquisição de linguagem se aplicam ao ensino de uma segunda língua, não é mesmo?
Você já sabe que o cérebro se especializa na lateralização. Como será que isso influencia a aprendizagem de línguas não maternas? Será que é por isso que adultos reclamam de não conseguir aprender inglês com tanta facilidade? O que você acha?
Figura 11
Fonte: Freepik
Para responder a essas perguntas, você vai precisar conhecer a área de Aquisição de Segunda Língua (ASL).
As descobertas científicas do campo de aquisição de língua materna – que estivemos estudando até o momento – não podem ser aplicados ao processo de aprendizagem de línguas não maternas diretamente, já que, no primeiro caso, estamos observando fenômenos de ativação da competência linguística inata e, no segundo, processos de aprendizagem consciente.
Por isso, a área de ASL dedica-se a investigar processos em que já haja uma língua-base ‘ativada’, com base em teorias da Linguística em geral, da Psicolínguistica e de outras áreas relevantes. É daí que surge a expressão “segunda língua.”
No dia a dia, usamos o termo “língua estrangeira” para nos referir a qualquer língua que não seja a falada em nosso país. Com o aprofundamento dos estudos na área de ASL, surgiram termos mais técnicos, como ‘segunda língua’ (ou L2, podendo haver L3, L4 e tendo a língua materna como L1) ou ‘língua adicional’.
Mas por que não chamar apenas de língua estrangeira e materna? Precisa complicar tanto? Bem, pode parecer só mania de complicar, mas não é.
A ideia é tornar os termos o mais precisos possível, já que, dependendo da situação, os processos pelos quais cada aprendiz passa são bem diferentes.
Os termos ‘nativo’ e ‘não nativo’ também costumam ser evitados por especialistas, já que reforçam a ideia de que falantes nascidos em país onde uma língua é oficial vão necessariamente apresentar um desempenho ‘melhor’ ou ‘padrão’ ao utilizá-la.
Existe um termo – de difícil tradução! – que se refere a esse processo: ‘nativespeakerism’ (algo como ‘síndrome do falante nativo’). Ele foi cunhado por Adrian Holliday (2006) e explica o ‘falante nativo ideal’ pode ser transformado em modelo de pronúncia, gramática e conduta de forma que não se sustenta, nem cientificamente, nem na prática – Fonte: http://bit.ly/2Z56MbM (Acesso em: 08/11/2019).
Lembrou-se daqueles anúncios de emprego pedindo “fluência de falante nativo”? E dos cursos on-line que prometem “professores nativos”, disponíveis 24 horas por dia? Pois é! São indícios desse fenômeno.
Uma pessoa que fala inglês, mas nunca estudou para ser professor vai, necessariamente, saber como preparar uma aula apenas porque é um falante nativo? E um professor com pronúncia “carregada” do Português, por exemplo, vai, necessariamente, ser ineficiente em comparação a um nativo? Principalmente, se considerarmos que ele pode ser um excelente mediador, consciente dos conceitos que você, por exemplo, está se dedicando para estudar e que o input de seus alunos pode provir de diferentes mídias?
Então! Termos apropriados são muito importantes nessa área, não acha? O próprio conceito de língua estrangeira já foi revisto, como você deve bem se lembrar, de nosso estudo sobre a BNCC, no capítulo um.
Vimos que, para a BNCC, o inglês é entendido como língua franca, ou seja, uma língua que não ‘pertence’ a nenhum povo ou cultura específica, já que, em nosso mundo globalizado, extrapolou os vínculos com as culturas que lhe deram origem. Nesse sentido, ela não é entendida como “estrangeira”.
Ufa! Muita coisa, né? Todos temas muito importantes! Até porque a área de ASL, como a sigla sugere, tem boa parte de seus estudos baseados em contexto de ensino onde o inglês é língua oficial.
Salas de aula americanas em que chilenos, bolivianos, chineses, paquistaneses, etc. que imigraram para os Estados Unidos aprendem o inglês enquanto já estão morando (e quase sempre trabalhando) lá.
Figura 12
Fonte: Freepik
Pesquisadores da ASL criarão novos conceitos, específicos para esses processos, mas também aplicarão hipóteses criadas para a aquisição de língua materna, que revisamos no tópico anterior, testando como/se funcionam nesse campo.
Neste tópico, vamos nos dedicar a entender como os conceitos que vimos em aquisição de língua materna se aplicam ao ensino de língua inglesa e, também, aprender conceitos novos, sempre atentando para aquilo que mais faz sentido no contexto brasileiro.
Mas você poderia estar se perguntando: se são processos de aprendizagem, por que chamar de ‘aquisição’? Essa é uma excelente pergunta e, embora esse termo ainda seja muito utilizado, vale dizer que alguns pesquisadores preferem evitá-lo.
Há várias explicações para o uso do termo ‘aquisição’ com referência a línguas estrangeiras (ou adicionais). Em primeiro lugar, há casos de bilinguismo e aquisição quase simultânea da língua materna e de uma língua estrangeira (como no caso de escolas bilíngues para crianças de menos de cinco anos e de crianças com pais que falam duas ou mais línguas diferentes) que passaram a ser estudados tanto pela Psicolinguística Desenvolvimentista quanto pela ASL. Em segundo lugar, há muitas hipóteses e teorias da aquisição de língua materna que, sofrendo as devidas adaptações, podem ser aplicadas a contextos de aprendizagem de língua estrangeira. Como o termo ‘aprendizagem’ continua sendo muito amplo, muitas vezes, ‘aquisição’ segue sendo utilizado.
Desde que os contextos não sejam confundidos, não há problemas! O importante é que saibamos comparar (sem confundir!) situações de bilinguismo, ensino bilíngue, ensino fora e dentro de um país que tenha a língua de interesse como oficial, etc.
Respeitando a diferença entre contextos, poderemos identificar e buscar soluções para alguns dos problemas mais comuns relacionados às práticas de ensino de língua inglesa, tais como entender até que ponto um aluno adulto pode/deve ser cobrado em relação a pronúncia ou como lidar com a relação entre língua materna e estrangeira.Um exemplo de hipótese originalmente criada para a aquisição de língua materna que tem aplicações importantes no ensino de línguas estrangeiras é a hipótese do período crítico. Vamos ver como?
Período crítico e o ensino de língua estrangeira
Ao que tudo indica, o fenômeno da lateralização do cérebro – finalizado até a puberdade (por volta dos 12 anos) também afeta a aquisição de línguas não maternas.
Confira o que o pessoal da ASL descobriu:
Exemplo: “Estudos de imigrantes nos Estados Unidos mostram que, se eles chegarem antes da puberdade, alcançam níveis muito mais altos de proficiência do que se chegarem depois. Às vezes, tornam-se indistinguíveis de falantes nativos. No entanto, não parece haver um corte de idade além do qual a plena competência é impossível. Em vez disso, a capacidade de alcançar a competência plena parece declinar gradualmente, tornando-se completa por volta dos dezesseis anos de idade. É interessante que a data de chegada [aos Estados Unidos] seja um indicador muito melhor para a previsão de realização final do que o número de anos de exposição à língua-alvo. No caso da pronúncia, a idade crucial parece ser muito antes, possivelmente até os seis anos” (ELLIS, 1996, p. 68, tradução nossa)
Entendeu? Note que o uso de ‘competência’ nesse parágrafo é semelhante ao que vimos até aqui: o interesse é entender se, havendo uma ‘gramática internalizada’ que nos permite adquirir a língua do país em que estamos, até que ponto podemos ‘ativar’ línguas não maternas no período crítico? E como isso muda depois?
Também há estudos em que alunos adultos conseguiram chegar a um nível de proficiência avançado, embora não sejam os mais comuns. Sugerem que, talvez, não haja um período crítico para a aquisição de línguas estrangeiras. Veja:
Entre essas diferenças, está o impacto das condições sociais dos alunos no processo de aquisição.
Já vimos que o contexto sócio-cultural de uma criança não afeta sua aquisição de língua materna – todas as crianças, em condições típicas de desenvolvimento cognitivo – adquirem a língua. No caso da aquisição de línguas estrangeiras, isso pode não se aplicar tão facilmente.
Adquirindo o português, não experimentamos o fenômeno da “distância social” (ELLIS, 1996, p. 68), ou seja, não nos sentimos socialmente distantes do que ele representa em termos de cultura. Até porque, vamos adquiri-lo convivendo com nossa comunidade imediata, ‘ativando’ estruturas da ‘gramática internalizada’ a partir de estruturas que lhes são comuns. Ao adquirir o inglês – mesmo que sejamos jovens e estejamos na Austrália, por exemplo – essa distância se manifestará mais claramente.
Não sabemos que tipo de acesso um aprendiz adulto tem à sua ‘gramática internalizada’. No que diz respeito à aprendizagem de inglês, por exemplo, podemos ter acesso total, parcial ou mesmo não ter nenhum acesso.
Podemos dizer que a aquisição de uma língua estrangeira costuma ser mais ‘consciente’ do que a de uma língua materna. Isso quer dizer que pensamos sistematicamente sobre ela, analisamos como ocorre, tomamos decisões em relação a como abordá-la.
A provável influência do período crítico nesse contexto tem influenciado educadores e pais, criando uma onda de animação quanto à necessidade de ensinar inglês cada vez mais cedo. Os especialistas, no entanto, divergem.
Este artigo do jornal Estadão revisa os principais posicionamentos em relação à melhor idade para crianças aprenderem a língua inglesa. E as opiniões são polêmicas! Disponível em: http://bit.ly/2Sc7umf Acesso em: 08/11/2019
Do ponto de vista científico, ainda não há comprovação suficiente de que exista um período crítico aplicável ao contexto de ensino de línguas estrangeiras.
Mesmo assim, considerar que os aspectos fonológicos parecem ser os mais difíceis de se adquirir depois de uma certa fase – entre os cinco e os seis anos de idade – é importante para que saibamos lidar com qualquer faixa etária ao ensinar.
Como não há confirmações quanto ao período crítico de aquisição de línguas estrangeiras, é sempre importante lembrar que o esino de adultos pode evoluir muito, mesmo no que diz respeito aos aspectos fonológicos da língua. Também é importante lembrar que, ainda que não sejam capazes de produzir uma determinada estrutura na língua-alvo, adultos a adquiriram na língua materna, ou seja, a partir desse conhecimento prévio podem aprender a serem estratégicos na comunicação e suprirem faltas a partir do que, de fato, conseguem produzir.
Esse ponto nos encaminha a outro debate, muito comum na área de ensino de línguas estrangeiras – o da influência da língua materna em sua aquisição.
Transferência de L1
Quando estudamos a hipótese de Sapir-Whorf, no capítulo um, vimos que, apesar de não determinar o pensamento, a língua materna pode influenciar diferentes processos comunicativos, como os de aquisição de língua estrangeira. Você se lembra?
A língua não determina o pensamento, mas pode influenciá-lo, ou melhor, influenciar nosso raciocínio em situações específicas. No caso do ensino de línguas estrangeiras, categoriais lexicais ou gramaticais da língua materna podem dificultar ou mesmo direcionar o uso de certas estruturas da língua que pretendemos adquirir.
No que diz respeito a metodologias e às formas mais eficientes de ensinar inglês, por exemplo, esse tema se tornou bastante polêmico. Se influencia mesmo – e é comum que sintamos essa influência – como devemos lidar com isso em sala?
No que diz respeito a metodologias e às formas mais eficientes de ensinar inglês, por exemplo, esse tema se tornou bastante polêmico. Se influencia mesmo – e é comum que sintamos essa influência – como devemos lidar com isso em sala?
Como você lidaria com a língua portuguesa em sua aula ideal de língua inglesa? Ela deve ser proibida? Evitada? Pediria aos alunos que tentassem ‘pensar em inglês’? O que acha de utilizar a tradução para explicar vocabulário? Como seus professores de inglês lidaram com esse tema?
Para falantes de Português Brasileiro, o presente perfeito do inglês (present perfect) pode tornar-se um caso de evitamento. Isso ocorre porque, intuitivamente, a tradução direta de expressões como “have studied” seria “tenho estudado” (correspondente a nosso pretérito-perfeito composto, uma estrutura que refere continuidade no presente). No entanto, o presente perfeito do inglês pode referir casos de passado experiencial (em que a experiência é enfatizada), para os quais não existe correspondência exata em PB. A tradução mais comum nesses casos utiliza o pretérito perfeito.
Não é à toa que muitos brasileiros se confundem ou preferem evitar tal do presente perfeito! Esse tipo de fenômeno poderia justificar a insistência de alguns professores em não permitir o uso de língua materna em sala de aula.
Vamos repensar, por um instante, nossas questões iniciais: se sabemos que a influência da língua materna existe, adianta proibir seu uso? É possível ‘pensar em inglês’ sem alguma compreensão acerca das diferenças entre as lógicas do português e do inglês? A tradução direta de vocabulário pode ajudar os alunos a entenderem essas diferenças?
Tudo indica que, a menos que você trabalhe em um contexto muito específco de ensino – o bilíngue – a resposta para todas as perguntas acima é negativa. Mesmo no caso das escolas bilíngues, dependendo de como operem, essas questões podem voltar a se tornar relevantes.
Alunos brasileiros falantes de PB que estejam em processo de aquisição de L1 (até os 4-5 anos), podem apresentar maior facilidade no desenvolvimento de um pensamento diretamente baseado na lógica das estruturas em L2, considerando o que vimos até aqui sobre lateralização e especialização cerebral. Isso significa que eles podem conseguir adquirir essas estruturas sem basear-se na comparação consciente entre a L2 e a L1.
Em todo caso, o uso da L1 em sala de aula já não é, há muito, considerado um impeditivo para o processo de aquisição.
A linguagem utilizada por aprendizes tem características próprias, que incluem, por exemplo, mesclas L1 e L2,consideradas produtivas nesse contexto.
Características da linguagem do aprendiz
Você se lembra de quando estudamos os impactos da cultura na sala de aula de línguas?
Começamos a discutir algumas características da fala de alunos que, embora desagradem alguns professores, são parte de seu processo de aprendizagem.
A partir do relativismo linguístico, proposto pela hipótese de Sapir-Whorf, vimos o conceito de intercultura. Em sala de aula, a ilimitada diversidade estrutural das línguas se apresenta como diversidade cultural, em mesclas como o Portuguish, o Portunhol ou os gromelôs. Essas formas interculturais refletem um intenso engajamento cognitivo por parte dos alunos.]]
Para a ASL, uma das questões mais relevantes é estabelecer como a linguagem produzid a por aprendizes pode revelar seus níveis de avanço na aquisição da L2.
Você se lembra de que, para os estudiosos de aquisição de língua materna, um dos maiores problemas era definir quando uma criança começa a falar (ou o que será considerado como avanço de fase)? Pois é! Para a ASL, funciona de forma semelhante, mas os parâmetros costumam ser um pouco diferentes, já que, além de mesclas de L1 e L2, há o impacto de transferências e evitamentos.
Observar seus alunos é uma das primeiras tarefas do professor – com embasamento e atenção à sua produção em sala de aula, professores conseguem mapear a lógica dos momentos de aquisição em que os alunos se encontram.
Caso insistamos em classificar todo tipo de produção diferente da nativa como “incorreta” apenas, podemos perder este tipo de observação, que serviria de base para planejamentos futuros.
Aliás, a ASL considera fundamental a diferença entre erros (errors) e enganos (mistakes) na análise da produção de aprendizes. Você sabe a diferença entre eles?
“Erros refletem uma lacuna no conhecimento do aprendiz; ocorrem porque o aprendiz não sabe qual é o correto. Enganos refletem lapsos ocasionais de performance; ocorrem porque, em uma instância particular, o aprendiz não é capaz de performar o que sabe” (ELLIS, 1997, p. 17).
Podemos dizer que um engano está no nível da performance linguística, assim como o erro está no nível da competência – refere-se a algo que ainda não foi adquirido. Erros, mais que descartados ou punidos, devem ajudar-nos a entender em que momento de processo os alunos estão.
Observando inúmeras situações de aquisição da língua inglesa, pesquisadores da ASL conseguiram identificar os principais movimentos presentes na linguagem dos alunos:
Além dos erros relacionados à transferência de L1, alunos tendem a cometer erros de a) omissão de estruturas e b) generalização, em que aplicam uma única regra que lhes pareça mais fácil de processar a diferentes elementos de um grupo linguístico, ainda que não caiba a todos eles, como em “eated” em vez de “ate” – utilização da desinência “ed”(passado) para um verbo irregular (eat/comer) onde não se aplica (ELLIS, 1997, p. 19).
Para a aquisição do passado simples, as fases observadas costumam seguir este padrão:
Figura 13: Estágios da aquisição do passado do verbo comer/eat
Fonte: Adaptado de (ELLIS, 1997, p. 23)
Entendeu? O processo não é linear, mas segue uma lógica que precisamos entender para sermos capazes de ajudar nossos alunos, não é?
Com base em tudo o que vimos, já podemos definir melhor que tipo de sistema linguístico é esse que os alunos usam enquanto adquirem uma língua estrangeira. A ASL o chama de interlíngua.
Conceito de interlíngua
Podemos definir o conceito de interlíngua como a seguir:
‘Interlíngua’ é o sistema linguístico criado por aqueles que adquirem uma língua estrangeira com base em sua L1 e na L2 (língua que estão adquirindo). Ele é diferente tanto da L1 quanto da L2 e se apresenta como uma ‘gramática mental’ que é, no entanto, diferente da competência linguística ou ‘gramática internalizada’ com a qual nasceu. Trata-se de um sistema altamente aberto à influência de input externo e em constante transformação, ou seja, podemos falar de um continuum de interlíngua (ELLIS, 1997, pp. 33-34).]]
Complicou? Não se preocupe que a gente disseca essa definição aí! Em primeiro lugar, a interlíngua não pode ser confundida nem com a L1, nem com a L2 e nem com a ‘gramática internalizada’ a partir da qual adquirimos nossa língua materna.
A interlíngua é construída pelos alunos à medida que vão interagindo na L2. A princípio, seus conhecimentos linguísticos se baseiam na L1, mas vão sendo comparados e contrastados ao que veem na L2. Esse processo é consciente, ou seja, depende de engajamento cognitivo intencional e atenção direcionada. Bem diferente da ‘gramática internalizada’ com a qual nascemos, ‘ativada’ em todas as crianças de forma direta.
Mesmo sendo diferente da competência linguística inata, trata-se de um processo mental, uma gramática mental própria do aprendiz de L2, a partir da qual ele vai processando seus estágios de aquisição. Por isso, não é estática – evolui de forma contínua.
Você fala inglês? Já testou ou tem uma avaliação própria de seu nível de proficiência? Já passou por algum dos estágios mencionados anteriormente (de omissão, generalização, evitamento)? Como foram/são esses processos para você?]]
Aplicações às práticas pedagógicas: orientações para o professor
Tudo o que vimos ao longo deste tema tem impacto direto na prática de professores de línguas, não é? Chegamos a discutir algumas das possibilidades de aplicação dos estudos em SLA à sala de aula, mas não custa sistematizá-las aqui.
A primeira aplicação direta – e, talvez, a mais importante – é a de compreendermos o quão fundamental é nossa observação e análise da produção linguística dos alunos em língua estrangeira para que sejamos capazes de atuar de forma eficiente.
Muitas vezes, o foco em modelos e textos oferecidos por materiais didáticos e programas de curso distancia o olhar dos professores daquilo que seus alunos estão, efetivamente, produzindo. Com base no conceito de interlíngua, podemos identificar e analisar erros e enganos, adaptando nossos planos de aula para atender aos alunos de forma personalizada.
Materiais didáticos e programas de ensino tendem a ser produzidos para contextos muito gerais. Não há como ser de outra maneira: cabe ao professor adaptá-los para a realidade observada em cada turma.
Uma segunda contribuição importante é a de adequação às faixas etárias dos alunos. Essa noção não deve ser compreendida como algo rígido, mas pode nortear planejamentos mais eficazes.
Finalizando, não podemos nos esquecer de como a SLA desfaz mitos relacionados ao papel da língua materna na sala de aula de língua estrangeira. Conhecedores de sua influência, podemos parar de ‘brigar com ela’ e passar a inclui-la em nossos diagnósticos e análises.
Exemplo: Sabendo da transferência da L1, por que não pedir aos alunos mesmos que considerem seus impactos? Momentos de conversa aberta sobre o que facilita ou dificulta sua vivência entre-línguas podem trazer comprensões muito importantes!
Quer se aprofundar neste tema? Recomendamos o acesso à seguinte fonte de consulta e aprofundamento: Artigo: “A língua materna como instrumento de interação na sala de aula de língua estrangeira” (CASTRO, 2000) acessível pelo link: http://bit.ly/36VrsWF (Acesso em 09/11/2019).
E então? Gostou de conhecer as aplicações da área de Aquisição de Segunda Língua (ASL)? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu este tema de estudo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que a ASL busca testar e comprovar se as hipóteses feitas para a aquisição de língua materna também se aplicam ao ensino de línguas estrangeiras, como no caso da hipótese do período crítico, em que não se pode chegar a conclusões definitivas. Por mais que haja uma insistência em se colocar crianças para estudarem inglês cada vez mais cedo, não temos como provar que haja uma fase depois da qual não seja possível ou fique mais difícil adquirir o inglês, por exemplo. Mesmo assim, há indícios de que alunos adultos tenham maior dificuldade com algunsaspectos da língua, como o fonológico, e uma série de estudos sobre a diferença de duração dos períodos de atenção concentrada (attention spams) em crianças (mais curtos) e adultos (mais longos). Também deve se lembrar de como a L1 influencia a aquisição de L2 por meio da transferência, observável em características próprias da produção de aprendizes, como o evitamento. Essa produção também tende à omissão e à generalização, erros produtivos que compôem as fases a partir das quais os alunos vão adquirindo a L2. Agora, você lembra do que foi descoberto com o estudo e a sistematização dessas fases: os aprendizes constróem sua própria gramática mental, com base na L1 e na L2, porém diferente de cada uma delas e da ‘gramática internalizada’ ativada quando adquiriram sua língua materna. Essa gramática mental, própria de situações de aquisição de línguas estrangeiras, se chama interlíngua – um construto cujas pistas podem ser analisadas por professores como forma de descobrir em que etapa do processo de aquisição seus alunos estão. Para isso, é preciso que se lembrem da diferença entre erro (error) e engano (mistake), além de entenderem que não adianta querer proibir ou evitar o uso da L1 em sala: pode até ser bom discutir sua influência abertamente com os alunos! E aí? Já se vê aplicando esses conhecimentos? Esperamos que sim!
Planejando aulas para programas de ensino bilíngue
Vídeo 4
No século XXI, o número de programas de ensino bilíngue tem crescido de forma considerável não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina.
Segundo o último censo do IBGE, o Brasil tem 40 mil escolas particulares, entre as quais 3% são bilíngues. Em países como a Argentina, o Uruguai e o Chile, esse percentual bate os 8%. Além disso, o número de parcerias entre escolas privadas e cursos particulares de idiomas para a implementação de programas bilíngues cresceu, transformando-se em um mercado de 220 a 270 milhões anuais. Fonte: Revista Educação. Disponível em: http://bit.ly/2SabMuC (Acesso em: 10/11/2019).
No contexto das escolas públicas, as condições infraestruturais dificultam a implementação de programas como esses.
Mesmo assim, em municípios como o Rio de Janeiro, já houve parcerias público-privadas com o intuito de acelerar a aquisição de habilidades orais em língua inglesa nos primeiros anos do ensino fundamental.
Esse tipo de iniciativa ampliou, também, o número de oportunidades profissionais para egressos dos cursos de licenciatura em Letras Português/Inglês.
Antes da ‘onda bilíngue’, professores formados em Letras costumavam atuar no segundo ciclo do ensino básico e no ensino médio; depois da ‘onda’, passaram a atuar, mais ativamente, no primeiro ciclo (em aulas de inglês), como funcionários de cursos que atuam em programas específicos para escolas, como professores de escolas bilíngues, recebendo treinamento específico para ensinarem não apenas o inglês, mas todas as disciplinas em inglês, motivo pelo qual muitos acabam decidindo especializar-se em cursos de nível superior oferecidos pela área de Pedagogia.
Além disso, as oportunidades profissionais para quem deseja trabalhar com a criação de materiais didáticos, desenvolvimento de metodologias de ensino e formação de professores também cresceu consideravelmente.
Mas por que todo esse interesse? Vamos tentar resumir...
Um dos efeitos contemporâneos da globalização é o crescente processo de internacionalização em instituições de todos os tipos. No que diz respeito à comunicação, isso significa que as empresas estão tentando tornar todos os seus processos acessíveis ao mundo inteiro – por meio da criação de plataformas institucionais de conhecimento e serviços compartilhados, por exemplo. Nessas plataformas, a língua franca é o inglês.
Por conta disso, retomou-se o interesse em pesquisas sobre a aquisição de segunda língua, agora focalizando a criação de ambientes de aprendizagem em que a L2 fosse vivenciada como parte do dia a dia regular dos aprendizes, enfatizando seu caráter imersivo.
Muita gente acredita que, se estivermos imersos na L2 vinte e quatro horas por dia, realizando nossas tarefas cotidianas por meio dessa língua, seu processo de aquisição será acelerado. Esse tipo de iniciativa busca recriar, em países onde a L2 não é língua oficial ou corrente, a experiência de adquiri-la como L1 ou como segunda língua – como se o aprendiz viajasse, de fato, para um dos países onde ela é falada e passasse a viver e trabalhar lá, enquanto a adquire.
Costuma-se chamar qualquer programa de ensino que preveja algum tipo de imersão de programa bilíngue.
Exemplo: Licenciaturas em Português/Inglês são consideradas bilíngues pelo MEC não apenas por envolverem duas línguas, mas também porque é comum que algumas de suas aulas sejam oferecidas em inglês. Assim, os licenciandos têm a experiência de estudarem uma matéria – como literatura ou práticas de ensino – em uma língua que não é sua L1.
No entanto, vale refletir sobre o que o termo ‘bilíngue’ pode significar em diferentes situações de uso.
Imagine as seguintes situações de aquisição: 1) você é filho de um americano e uma brasileira; adquiriu o português e o inglê nos Estados Unidos ao longo da infância; 2) aos cinco anos, você começou a estudar em uma escola bilíngue no Brasil, onde as aulas de todas as disciplinas são dadas em inglês; 3) a partir do segundo ano do ensino básico, você começou a participar do programa bilíngue oferecido por sua escola brasileira na parte da tarde, em aulas que traziam atividades e jogos pedagógicos exclusivamente em inglês; 4) você estudou em uma escola regular brasileira (pública ou privada) e aprendeu a língua inglesa em um curso privado. Podemos dizer que essas situações oferecem o mesmo tipo de educação bilíngue?
Figura 15
Fonte: Freepik
Digamos que, em todos os casos, você tenha desenvolvido um nível considerável de proficiência, apesar das diferenças entre os processos descritos. Isso significaria que, agora, você é bilíngue?
No que diz respeito à aquisição de línguas estrangeiras, uma pessoa bilíngue é aquela que exibe algum tipo de desempenho linguístico em mais de uma língua (LYONS, 2010, p. 210).
Se esse for o seu caso, parabéns! Mas saiba que o fenômeno do bilinguismo é complexo e rótulo ‘bilíngue’ diz pouco sobre seus padrões efetivos de processamento linguístico.
A mesma coisa acontece com o termo ‘programa bilíngue’. Refletindo sobre as situações que elencamos, você deve ter imaginado que cada experiência de aquisição terá resultados diferenciados em termos de como os aprendizes utilizarão, posteriormente, suas línguas.
Qualquer tipo de bilinguismo implica uma administração das tarefas cerebrais de aquisição, em termos de economia mental, que indicará como os dois sistemas linguísticos serão ativados. Esse processo envolve condições contextuais, socioculturais e cognitivas de cada aprendiz.
Para entendermos melhor como a aquisição do bilinguismo funciona, precisamos diferenciar os tipos de bilinguismo de acordo com a maneira como cada pessoa bilíngue processa suas línguas.
Tipos de Bilinguismo
Já sonhou com o domínio perfeito de duas ou mais línguas? Já ficou chateado por não conseguir falar tão bem sobre um determinado tema a não ser que usasse sua L1? E por que outros temas parecem ‘sair melhor’ na L2?
A Psicolinguística e a ASL buscaram responder a essas perguntas, investigando processos de aquisição do bilinguismo. Uma das primeiras descobertas foi a de que não existe bilinguismo perfeito. Ou, pelo menos, de que ele é extremamente raro. Triste? Mas é verdade!
“Podemos admitir, como ideal teórico, a possibilidade do bilinguismo perfeito, definido como competência total em duas línguas, equivalente à competência que um falante nativo monolíngue tem em uma. O bilinguismo perfeito, se é que existe, é extremamente raro, porque é raro que as pessoas estejam em posição de usar cada língua numa gama complexa de situações [...]” (LYONS, 2010, p. 210)
Entendeu? Mesmo pessoas cujos pais que falem, cotidianamente, duas línguas dificilmente terãoa oportunidade de ativarem sua competência, acessando a ‘gramática interna’ para ambas, da mesma forma que teriam se estivessem lidando com apenas uma língua.
Isso não significa que não haja vantagens interessantes neste tipo de processo, em termos de flexibilização das especializações linguístico-cerebrais. Também não significa que essas crianças não consigam chegar bem perto do bilinguismo perfeito.
“Nesses casos [de bilinguismo quase perfeito), se adquiriram ambas as línguas simultaneamente na infância ou se adquiriram uma como primeira língua e a outra algum tempo depois, as pessoas podem ser classificadas, de um ponto de vista psicolinguístico, como bilíngues compostos ou coordenados” (LYONS, 2010, p. 210).
No caso do bilinguismo composto, os dois sistemas linguísticos estão integrados em um único, o que normalmente ocorre em casos de aquisição simultânea de duas línguas.
O termo sugere que, os dois inputs de língua formaram um único sistema composto, “em algum nível relativamente profundo de organização psicológica” (LYONS, 2010, p. 210).]]
Note que diz-se ‘psicológica’, porque além de ser cognitiva, essa organização também inclui os padrões sociais e interacionais a que a criança foi exposta. Lembra do caso em que uma criança que adquire duas L1 pode ter ‘preferências de uso’ de acordo com o tema que abordará? Pois é.
Já no caso do bilinguismo coordenado, operam separadamente no sistema cognitivo da criança – podemos dizer que são ‘armazenados’ em locais distintos. Este é o caso de crianças que adquirem uma L1 e, algum tempo depois, uma L2 em condições mais ou menos imersivas.
Mas, como já vimos, esses não são os únicos dois tipos de bilinguismo. Vamos ver resumir e organizar essa classificação?
Figura 16: Tipos de Bilinguismo
Fonte: Adaptado de LYONS, 2010, pp. 210-211
Neste caso, acredita-se que a proximidade estrutural entre as línguas também exerça impacto direto sobre a forma como se ‘acomodam’ no sistema cognitivo.
A classificação de sujeitos bilíngues é, ainda, uma hipótese – como que discute o período crítico para a aquisição de linguagem. No entanto, ela nos ajuda a não generalizar o termo ‘bilíngue’, exercendo profundo impacto em nossas práticas de ensino voltadas a esse contexto.
Nas palavras de Lyons, a classificação serve, no mínimo, “para enfatizar o fato de que existem muitos tipos diferentes de indíviduos bilíngues” (LYONS, 2010, p. 211).
Você fala mais de uma língua? Em caso afirmativo, como se classificaria em relação aos tipos de bilinguismo discutidos por Lyons? E qual é a sua língua dominante? Percebe áreas ou temas em que é mais fácil se comunicar na língua dominante? E é sua relação com a língua subordinada?
Por outro lado, a atual tecnologia de mapeamento por meio de exames de ressonância magnética já nos permite dizer que o cérebro bilíngue é diferente do cérebro monolíngue e que isso lhe confere algumas vantagens operacionais.
Independentemente do processo de aquisição envolvido, cérebros bilíngues exercitam suas funções neurofisiológicas de forma diferenciada e, portanto, têm menos propensão ao desenvolvimento de doenças como o mal de Alzheimer, por exemplo.
Assista a este vídeo do TED-ED, em que se discutem os benefícios de se ter um cérebro bilíngue, não importando o tipo de bilinguismo adquirido. Caso necessário, programe a legenda para Português Brasileiro e divirta-se aprendendo! Disponível em: http://bit.ly/2sN6YQQ Acesso em 10/11/2019.
Não é à toa que, em um momento de expansão da internacionalização institucional, investidores tenham voltado seus olhares para maneiras de acelerar os processos de aquisição de linguagem, com base no bilinguismo.
Normalmente, os programas de ensino bilíngue em países que não tem a língua-alvo como oficial procuram oferecer contextos de aprendizagem em que o nível de imersão seja o mais completo possível.
Como, nessa área, muito do que temos são hipóteses, cada programa tende a seguir suas próprias visões acerca do assunto e oferecer treinamento específico de acordo com as expectativas que tem acerca da atuação de seus professores.
Muitas vezes, o objetivo dos programas é gerar oportunidades para o desenvolvimento de habilidades próximas às de um bilinguismo coordenado ou ampliar as possibilidades de uso da língua subordinada na relação com a dominante.
A crença em um tipo de bilinguismo perfeito e falta de informação acerca dos benefícios que todo indíviduo bilíngue obtém simplesmente por falar mais de uma língua gera altos graus de expectativa e ansiedade em responsáveis por alunos matriculados em programas de ensino bilíngues. Muitas vezes, cabe a coordenadores e professores a administração desse tipo de expectativa.
Com base no que vimos até o momento, já é possível pensar sobre o que professores de programas bilíngues precisam considerar em seu planejamento de aulas. Vamos dar uma olhada?
Como planejar para o contexto de ensino bilíngue
Consegue imaginar como seria trabalhar para um programa bilíngue? Professores que se dedicam a esses contextos costumam ser unânimes em pelo menos um ponto: é muito trabalho!
Figura 17
Fonte: Freepik
Como você faria para construir a sensação de imersão – ao estilo ‘ estamos em outro país’ – em meio ao ambiente de uma escola regular? Teria todos os murais construídos na língua-alvo? Adotaria materiais originais? Como faria a ligação entre o que ocorre na escola e o que ocorre no país em que os alunos, de fato, vivem?
Pois é! Em escolas e programas bilíngues, essas são algumas das estratégias utilizadas, entre muitas outras, para manter o fluxo constante de input na língua-alvo, algo que gera muito trabalho.
Obviamente, os professores recebem o apoio da coordenação e da direção para este tipo de adaptação, mas, em última análise, têm de lidar com a manutenção diária desse ambiente escolar não tradicional.
Veja o depoimento de uma professora de inglês em escola bilíngue brasileira. Em sua escola, adotou-se um programa em que crianças do maternal recebem duas horas diárias de estímulo em língua inglesa:
No capítulo um, discutimos como o engajamento cognitivo do aluno, por meio de atividades lúdicas, como jogos, acelera processos de aprendizagem de qualquer tipo.
No entanto, em ambientes que objetivam a imersão, qualquer jogo ou atividade costuma ser trabalhado preferencialmente na língua adicional, o que significa que seu tempo de preparação é bem maior.
Em uma aula regular de inglês, a inserção de jogos pode ser feita com ou sem o auxílio da L1, mas teremos um ambiente ‘brasileiro’, ou seja, será mais uma tarefa de aula específica em meio a outras aulas que tratam de temas distintos em sua L1. No caso dos ambientes imersivos, a ideia é proporcionar a experiência de ‘jogar na língua adicional’, ou seja, instruções orais, escritas, o ambiente da sala, possíveis contextualizações sob a forma de histórias e interações prévias deverão ser pensadas para a recriação de uma atividade de jogo que ocorresse fora de sala e na língua adicional (ou em uma sala de país que adote a língua adicional como oficial).
Planejar para contextos de ensino bilíngue, portanto, requer não apenas a confecção de um plano de aula, incluindo objetivos e tarefas, mas também a recriação de ambientes escolares completos em que a língua adicional seja experimentada da forma mais ‘espontânea’ possível.
Os programas bilíngues mais tradicionais são oferecidos em escolas administradas por fundações internacionais. Nelas, aulas de várias disciplinas são oferecidas em inglês e todo espaço escolar é recriado para oferecer a experiência imersiva.
A Fundação Escola Britânica (The British School Foundation) financia doze escolas ao redor do mundo, incluindo duas escolas no Brasil (em São Paulo e Brasília). Além das escolas diretamente financiadas, há outras que se baseiam nos mesmos princípios como a The British School do Rio de Janeiro, administrada pela Associação Britânica de Educação (ABE). O objetivo desses espaços é oferecer a britânicos expatriados a oportunidade de aprenderem a partir do currículo

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