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76 ANA PAULA – XXII OBSTETRÍCIA – ATD1 Doença hemolítica peri natal (DHPN) Conceito É uma doença evitável, se apresentando como um problema de saúde pública. Pode ser resolvido com um pré-natal adequado, re- duzindo muito a sua incidência. A Doença Hemolítica Peri Natal (DHPN), tam- bém conhecida como eritroblastose fetal ca- racteriza-se pela destruição das hemácias do feto ou recém-nascido (RN) pelos anticorpos maternos que atravessam a placenta, le- vando à anemia fetal. Portanto, é preciso entender que o feto é um outro indivíduo, que carrega anticorpos ma- ternos e paternos (parte imunológica é ma- terna e outra é paterna). A parte materna re- conhece os antígenos da mãe, porém, os an- tígenos paternos não são reconhecidos pela mãe. O que acontece é que o feto produz antígenos, estes vão para a mãe, que não re- conhece esses antígenos. Dessa forma, a mãe cria anticorpos contra os antígenos pro- duzido pelo feto, atravessando a placenta e causando uma destruição das hemácias fe- tais. Essa situação leva à anemia fetal. Alguns anticorpos passam a placenta e outros não (depende do peso molecular desse anti- corpo, apenas os de menor peso molecular conseguem ultrapassar). Incidência Antes da introdução da profilaxia e da aloi- munização, 1% dos recém-nascidos nasciam com eritroblastose fetal. A partir da década de 1980 foi introduzido to- dos os processos de profilaxia, assim, a inci- dência de eritroblastose fetal caiu para 0,2%. As medidas profiláticas continuaram sendo feitas e estudadas, e assim, a incidência caiu ainda mais. Aloimunização: formar anticorpos contra os antígenos fetais. Etiologia A causa da aloimunização é a exposição a antígenos eritrocitários não compatíveis: • Transfusão de sangue incompatível; • Uso de drogas injetáveis (exemplo: uma seringa contaminada com san- gue tem a capacidade de causar uma aloimunização); • Transplante; • Hemorragia feto materna (principal). Essas são causas que podem fazer com que a mãe já tenha anticorpos para atingir o feto. Conforme a placenta vai se desenvolvendo, pode haver ruptura desses vasos, misturando sangue fetal e materno (hemorragia feto-ma- terno). 60% são menores que 0,1 ml 1% da hemorragia é cerca de 5 ml 0,25% podem ser maiores que 30 ml O que preocupa é uma hemorragia maciça, com mais de 30 ml, é a partir desse valor que pode causar uma aloimunização. 77 ANA PAULA – XXII OBSTETRÍCIA – ATD1 Portanto, a maioria dos processos de aloimu- nização, de acordo com os estudos de Bow- man, ocorrem principalmente no terceiro tri- mestre, quando tem 45% de hemorragias feto-maternas. Essa aloimunização irá ocorrer quando hou- ver mais de 30 ml de sangue perdido pelo feto para o corpo da mãe. Cerca de 1/3 das mães expostas ao antígeno D não desenvolverá resposta imunológica. Condições que favorecem a passagem de hemácias fetais para o sangue materno: • Ameaça de abortamento; • Descolamento prematuro de pla- centa; • Trauma materno; • Procedimentos invasivos (biópsia de vi- losidades coriônicas, amniocentese, cordocentese, biópsia de vilo corial, etc) • Manipulação obstétrica (uso de fór- ceps, abertura do períneo) Qualquer um desses processos pode levar a uma ruptura de vasos placentários ou fetais, o que faz com que o sangue saia do vaso fetal e passe para a mãe. Resumo O feto produz antígenos, quando são seme- lhantes ao materno, a mãe reconhece, e não acontece nada. Quando os antígenos não são reconhecidos pela mãe, esta produz anticorpos, e faz o pro- cesso de aloimunização. Uma das principais causas para ter a aloimu- nização é a hemorragia feto-materno. A mãe entra em contato com o sangue fetal quando existe ruptura dos vasos fetais, normalmente na placenta. Esses vasos fazem com que o sangue fetal passe para dentro da mãe, o que leva a produção de anticorpos. A hemorragia feto-materna é muito comum, porém, apenas 0,25% apresentam uma quan- tidade de sangue acima de 30 ml, e é preciso ter uma quantidade de sangue abundante para que a mãe reconheça. É no 3º trimestre que ocorre a maioria dos pro- cessos de hemorragia feto-materna (45%). Fisiopatologia ✓ 98% das aloimunizações são referentes ao sistema Rh e ABO (quase a totalidade dos processos de aloimunização) ✓ 2% são referentes aos antígenos atípicos (Kell, C, E etc) – são vários tipos de antíge- nos próprios do processo hematogênico (são raros de acontecer) Portanto, a maior preocupação é o sistema Rh, ABO. 9% é relativo ao ABO 89% é referente ao Rh Após a primeira exposição (primeiro sangra- mento em uma primeira gravidez) → sensibi- liza a mãe pela primeira vez. Após isso, o sistema imunológico da mãe irá produzir IgM. O IgM tem um peso molecular muito grande (não atravessa a placenta), portanto, nesse primeiro momento, rara- mente irá ocorrer uma aloimunização. Depois, tem-se uma segunda exposição (se- gunda gravidez). Nessa segunda gravidez, o sistema imunológico já viu aquele antígeno e 98% 2% Rh e ABO Antígenos atípicos 78 ANA PAULA – XXII OBSTETRÍCIA – ATD1 já está preparado para a produção de anti- corpos, produzindo IgG. O peso molecular do IgG é baixo, irá atravessar a placenta. Normalmente, atravessa a placenta em torno da 12ª semana. Após atravessas a placenta, os IgG aderem às paredes das hemácias fetais, e modificam essas hemácias fetais. O sistema reticuloen- dotelial no baço do feto não reconhece a he- mácia (porque ela está diferente), o que leva a uma hemólise e fagocitose dessas hemá- cias. Uma hemólise e fagocitose em grande quan- tidade leva a um processo de anemia. O feto passa a ter um problema de anemia. Quando o bebê está com anemia passa a tentar aumentar a produção de hemácias, através da eritropoiese. O feto possui 2 siste- mas de eritropoiese: ✓ Medular (igual aos adultos) ✓ Extra-medular (temos isso, mas em pouca quantidade) – feita no fígado, baço e parede intestinal Portanto, o feto está apresentando destrui- ção e nova produção de hemácias em grande quantidade. O fígado do feto começa a formar ilhotas eri- tropoiéticas. Com isso, começa a diminuir as células funcionais do fígado (substituição das células hepáticas), com isso, tem disfunção e diminuição do transporte hepático. Assim, há uma insuficiência hepática, a qual vai provocar uma hipoalbuminemia (derrame pericárdico), disfunção hepática e hepatoe- splenomegalia (hipertensão do sistema porta), causando uma ascite. O derrame pe- ricárdico leva a insuficiência cardíaca, altera- ção da circulação e alteração da função placentária. Podendo causar um óbito fetal. Forma clínica intra-útero Há diversas formas clínicas da eritoblastose fe- tal, uma forma clínica é intra-útero (do bebê que ainda não nasceu) e outra forma extra- útero (para bebês que conseguiram nascer). • HIDROPSIA (10 A 15%): Acúmulo de serosidades líquidas em qualquer parte do corpo, mais comum no abdome- podendo gerar insuficiência renal ou cardí- aca (bebê fica inchado, e a maioria vai à óbito por causa disso). • ASCITE Acúmulo de fluidos na cavidade do peritônio, associado com hepatoesplenomegalia. • NATIMORTOS Portanto, a forma intra-útero apresenta 3 for- mas principais, a hidropsia (quase que patog- nomônico), ascite e natimortos. Forma clínica extra-útero Nos bebês que sobreviveram e conseguiram nascer, o quadro clínico do bebê estará pre- sente extra-útero. • ICTERÍCIA (70 A 80%): Aumento de bilirrubina indireta na corrente sanguínea (bebê fica amarelado por causa da hemólise maciça e o fígado não conse- gue metabolizar essa bilirrubina que está sendo produzida). As vezes o bebê pode apresentar icterícia por vários outros motivos. Exemplo: o feto apresenta as hemácias fetais,que são diferentes de nossas hemácias, e apresentam maior capacidade de absorver o oxigênio. Mas essas hemácias não são compatíveis com o bebê fora do útero, mais prejudicam o bebê (porque fora do útero há alta concentração de oxigênio), portanto, após nascer, essas hemácias fetais se rompem e podem causar icterícia. Esse quadro de substituição das hemácias fetais é a principal causa de icterícia no RN (essa é outra causa de icterícia). • ANEMIA • KERNICTERUS: Impregnação de bilirrubina nos núcleos da base, leva a deficiências neurológicas graves (a mais grave é a paralisia cerebral). Diagnóstico • TRIAGEM PRÉ-NATAL: O diagnóstico é fechado por meio da tria- gem pré-natal. Uma das coisas mais importantes que se tem no pré-natal é o rastreamento de doenças, e uma das doenças que precisam ser investiga- das é a doença hemolítica pré-natal. 79 ANA PAULA – XXII OBSTETRÍCIA – ATD1 1º tipagem do sangue materno na primeira consulta pré-natal. Rh - → sinal de alerta (é preciso ficar alerta com essa mãe, porque ela não reconhece antígenos positivos). 2º saber como é o sangue do pai (porque o bebê pode nascer com sangue semelhante ao paterno) Se o parceiro é Rh – acabou o problema. Se o parceiro for Rh +, tem chances que o feto também seja → precisa pesquisar se a mãe está fazendo anticorpos irregulares (anticor- pos produzidos pela mãe porque não reco- nhece os antígenos Rh +). OBS: se não conhecer o Rh do pai, tratar como se fosse um Rh +. 3º pesquisa de anticorpos irregulares através do Coombs indireto (da mãe). OBS: o coombs direto (do feto) só será feito posteriormente (será discutido mais para frente). Coombs (-): Após medir os anticorpos, poderá resultar ne- gativo → repetir entre 16 e 18 semanas (por- que está entrando no 2º trimestre, em que au- menta a incidência de hemorragia feto-ma- terna em comparação ao 1º tri) Medir novamente, se negativo → pesquisar mensalmente até o termo Coombs (+): Existe a possibilidade de que o feto apresente anemia (não sei se esse bebê está com ane- mia ou não). 4º pesquisar se o bebê está com ane- mia ou não (propedêutica invasiva ou não invasiva). Pesquisa de anemia fetal • PROPEDÊUTICA NÃO INVASIVA: ✓ História prévia de gestação afetada por aloimunização: na presença de história prévia de feto afetado, o comprometi- mento fetal seguinte tende a ser progressivamente mais grave (a cada gravidez, aumenta a gravidade) ✓ Títulos de anticorpos maternos (prova): determinam se o feto está em risco de anemia, mas não predizem a gravidade da doença. Se tiver Coombs positivo, o título desse Co- ombs NÃO determina a gravidade da ane- mia. A gravidade da doença é a mesma, o que modifica é a chance de o bebê ter ane- mia (CUIDADO com esse conceito, muitas pessoas se confundem e erram na prova). Quanto maior o título, maior a chance de ter anemia fetal, mas não influencia na gravi- dade da anemia. ✓ Parâmetros ultrassonográficos fetais: tem valor na identificação e quantificação da gravidade da doença Em termos de diagnóstico, o USG fetal não é muito bom, mas é possível avaliar a gravi- dade da doença. Portanto, o USG, serve para dizer se o feto está agravado ou não agravado, mas não diag- nostica a anemia (somente se os ventrículos estiverem muito aumentados ou quando se faz o doppler da artéria cerebral média). ✓ Parâmetros dopplervelocimétricos fetais: o aumento da velocidade do fluxo da ar- téria cerebral média é preditivo de ane- mia fetal (aumento em, pelo menos, 1.5 múltiplos da mediana) ✓ Índica cardiofemoral: relação entre o di- âmetro dos ventrículos do coração fetal e o comprimento do fêmur. Quando essa relação é > 0,60 → insufi- ciência cardíaca fetal (essa situação prediz uma anemia fetal) 80 ANA PAULA – XXII OBSTETRÍCIA – ATD1 Portanto, um ventrículo muito alargado em relação ao diâmetro do fêmur prediz um pro- cesso de anemia presente. ✓ Cardiotocografia fetal: costuma ser em- pregada NÃO para predição de anemia fetal, mas para acompanhamento de fe- tos com risco de anemia. Imagem sinusoidal (imagem de sinos) na car- diotocografia pode predizer uma anemia, mas não é diagnóstico, precisará investigar com outros testes. • PROPEDÊUTICA INVASIVA: Após a propedêutica não invasiva, é feita a propedêutica invasiva para ter a certeza de que é um diagnóstico de anemia fetal. ✓ Espectrofotometria do líquido amniótico: É um exame que já está praticamente em de- suso. Utilizado apenas em locais mais isolados, com poucos recursos. É um método indireto para avaliar o GRAU de anemia fetal. Mede-se a concentração de bilirrubina no lí- quido amniótico, é feito por um aparelho que mede a densidade óptica. Faz uma amniocentese, coleta o líquido e mostra a quantidade de bilirrubina. Em desuso. ✓ Cordocentese (risco de perda fetal 1-2%): É o método feito hoje. É coletado o sangue do cordão umbilical. A partir do momento que coletou, avalia esse sangue. É um procedimento de risco, pode-se perder o bebê (1 a 2% de risco), mas vale a penas ser feito. Pela cordocentese é possível determinar de forma direta no sangue fetal: Tipo sanguíneo do feto (para ver qual é o tipo de sangue que pode ser trans- fundido para esse bebê) Hb/Ht (para saber quando colocar de sangue) Outros valores sanguíneos (bilirrubina e outros) Portanto, o primeiro passo é ter um Coombs indireto +. Após isso, iniciar a pesquisa com os testes propedêuticos não invasivos. Se o dop- pler estiver alterado, pode-se realizar a prope- dêutica invasiva. Conduta • GESTANTES NÃO SENSIBILIZADAS: ✓ Pesquisa de anticorpos irregulares mensal- mente ✓ Profilaxia com imunoglobulina anti-D na 28ª semana e pós-parto → essa imunoglo- bulina é feita nesse período porque é quando se inicia o terceiro trimestre (maior risco de hemorragia). Além disso, a ação profilática da imunoglobulina dura 12 semanas (garante segurança até o fi- nal da gravidez, com 40 semanas) OBS: se não nascer até 40 semanas, deve-se realizar a profilaxia novamente. ✓ Profilaxia pós-parto → porque durante o parto há muita troca de sangue, e a ges- tante pode ter se contaminado (para pro- teger de uma gravidez posterior – não deixar que essa mãe produza IgG). • GESTANTES SENSIBILIZADAS: ✓ Sem história de DHPN e título anti-D <16: determinar título mensamente ✓ Título anti-D >16 ou antecedente de DHPN: pesquisa de anemia nesse bebê (com propedêutica não invasiva) Ausência de anemia e ausência de história ou história de anemia leve: re- torno a cada 3 a 4 semanas 81 ANA PAULA – XXII OBSTETRÍCIA – ATD1 Ausência de anemia e história de ane- mia moderada ou grave: retorno de 1 a 2 semanas Diminuição do movimento fetal: EMER- GÊNCIA (estar pronto para interromper a gravidez assim que for preciso) Presença de sinais clínicos no USG: in- dicar cordocentese para determinar anemia e TRANSFUSÃO INTRAUTERINA CASO CONFIRMADO. Tratamento Hb fetal abaixo do normal → cordocentese e infundir com concentrado de hemácia de sangue Rh negativo. Se não for possível fazer a cordocentese, a transfusão será intraperitoneal (perfura a bar- riga do feto e joga o sangue no peritônio). A sobrevida fetal após transfusão é de 94%. • TRATAMENTO ADJUVANTE: ✓ Prometazina (reduz a ligação antígeno- anticorpo nas pacientes que estão sensi- bilizadas) 25 a 30mg por três a quatro ve- zes ao dia iniciando na 14ª à 16ª semana de gravidez. ✓ Plasmaferese: remoção do plasma ma- terno contendo anticorpo e substituí por plasma, albumina e solução salina. ✓ Imuglobina intravenosa a partir da 12ª se- mana até ter a possibilidade de realizar a transfusão intrauterina. Conduta de Parto Fetos tratados com transfusão intrauterina ↓ realizar parto entre 35 e37 semanas Demais casos (sem transfusão) ↓ realizar parto entre 37 e 40 semanas (período normal, não tem indicação de adiantar esse parto) Via de parto → conduta obstétrica Prevenção (importante) Somente nas não sensibilizadas: imunoglobu- lina na dose de 300 ug Deve ser feita nas seguintes situações: ✓ Gestantes Rh-negativo, não sensibiliza- das, na 28ª semana de gestação (período de maior incidência de hemorragias) ✓ Pós-parto de recém-nascido Rh positivo ou D-fraco (todo bebê com Rh positivo deve receber imunoglobulina no pós- parto, mesmo se recebeu nas 28 sema- nas) ✓ Abortamento ✓ Gravidez molar ✓ Gravidez ectópica ✓ Óbito intrauterino ✓ Natimorto ✓ Trauma abdominal ✓ Após procedimento invasivo (biópsia do vilo corial, amniocentese, cordocentese), devendo-se repetir a cada 12 semanas até o parto. ✓ Nas síndromes hemorrágicas: devendo ser repetida a cada 12 semanas até o parto ✓ Realização de versão cefálica externa ✓ Após transfusão de sangue incompatível Recomendações gerais ✓ A imunoglobulina deve ser aplicada até 72h pós-parto; ✓ Caso o Rh ou coombs no RN não for feito a mãe deverá fazer uso da imunoglobu- lina; ✓ Caso a mãe não tenha recebido nas 72 horas pós-parto poderá ser feito até 28 DIAS pós-parto (lembrar que quanto mais tempo demorar, menor será a eficácia da imunoglobulina) Mãe Rh + → não faz nada. Mãe Rh -, feto Rh - → não faz nada. Mãe Rh -, bebê Rh +, Coombs direto negativo ↓ DEVE fazer imunoglobulina. Mãe Rh -, bebê Rh +, Coombs direto positivo ↓ NÃO deve fazer imunoglobulina, porque a mãe já produziu anticorpos.
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