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DOCÊNCIA EM SAÚDE AUTISMO ASPECTOS PEDAGÓGICOS 1 Copyright © Portal Educação 2012 – Portal Educação Todos os direitos reservados R: Sete de setembro, 1686 – Centro – CEP: 79002-130 Telematrículas e Teleatendimento: 0800 707 4520 Internacional: +55 (67) 3303-4520 atendimento@portaleducacao.com.br – Campo Grande-MS Endereço Internet: http://www.portaleducacao.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - Brasil Triagem Organização LTDA ME Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167 Portal Educação P842a Autismo – aspectos pedagógicos / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2012. 98p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8241-29-6 1. Autismo – Educação especial. 2. Autismo – Aspectos pedagógicos. 3. Criança autista. I. Portal Educação. II. Título. CDD 618.928982 2 SUMÁRIO 1 TRANSTORNO INVASIVO DO DESENVOLVIMENTO ..................................................... 4 2 TRANSTORNO AUTISTA .................................................................................................. 6 2.1 HISTÓRIA ........................................................................................................................... 6 2.2 EPIDEMIOLOGIA, ETIOLOGIA E PATOGÊNESE ............................................................ 7 2.2.1 Epidemiologia .................................................................................................................... 7 2.2.2 Etiologia e Patogênese ...................................................................................................... 8 2.3 FATORES GENÉTICOS, PERINATAIS E IMUNOLÓGICOS ............................................ 8 2.3.1 Fatores Genéticos ............................................................................................................. 8 2.3.2 Fatores Perinatais ............................................................................................................. 14 2.3.3 Fatores Imunológicos ........................................................................................................ 14 2.4 CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO .......................................................... 15 2.5 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ......................................................................................... 39 2.6 CURSO E PROGNÓSTICO .............................................................................................. 41 2.7 TRATAMENTO .................................................................................................................. 43 2.8 ASPECTOS COGNITIVOS DO AUTISMO ........................................................................ 48 3 TRANSTORNO DE RETT ................................................................................................ 50 4 TRANSTORNO DE ASPERGER ..................................................................................... 56 5 AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA: AVALIAÇÃO DOS TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO ...................................................................................... 60 6 APRENDIZAGEM E AUTISMO ......................................................................................... 65 6.1 INTERVENÇÕES FONOAUDIOLÓGICAS ........................................................................ 78 6.2 INTERVENÇÕES EDUCACIONAIS E COMPORTAMENTAIS ......................................... 79 3 7 A POLÍTICA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL ................................................... 82 7.1 POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA ................................................................................................................................. 86 8 EDUCAÇÃO DE ALUNOS COM AUTISMO ..................................................................... 91 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 96 ANEXOS ...................................................................................................................................... 98 4 1 TRANSTORNO INVASIVO DO DESENVOLVIMENTO Segundo Kaplan (1997), os transtornos invasivos do desenvolvimento são condições psiquiátricas nas quais as habilidades sociais, o desenvolvimento da linguagem e os aspectos comportamentais esperados não se desenvolvem de forma esperada ou são perdidos no início da infância. São afetadas várias áreas do desenvolvimento e de forma precoce e persistente. O transtorno Autista é caracterizado por comprometimentos persistentes nas interações sociais, problemas na comunicação, linguagem, e padrões de comportamentos estereotipados e restritos. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), esse funcionamento anormal nas áreas descritas acima deve estar presente aos três anos. Mais de dois terços dos sujeitos com transtorno autista têm retardo mental, mas esse diagnóstico de retardo mental não é necessário para o diagnóstico do autismo. Segundo Fuentes (2008), o autismo é um distúrbio do comportamento de início precoce e crônico com impacto em várias áreas do desenvolvimento. Acarreta problemas na interação social e na comunicação social, assim como maneirismos e estereotipias. Como já foi mencionado acima, essas anormalidades costumam estar presentes antes dos três anos de idade e podem acometer indivíduos com quociente de inteligência (QI) dentro dos limites de normalidade. O autismo é um transtorno biologicamente determinado, mas o diagnóstico é essencialmente clínico e deve seguir os critérios estabelecidos pela 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças – CID-10 (Organização Mundial da Saúde, 1992 publicada pela Artmed) e pela 4ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV. O autismo infantil foi descrito por Leo Kanner em 1943, mas somente em 1980, na terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-III), ele foi reconhecido como entidade clínica distinta. Antes de 1980, as crianças com qualquer um dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento eram classificadas como tendo um tipo de esquizofrenia infantil. O DSM-IV mantém a categoria de transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação para pacientes que apresentam um comprometimento qualitativo nas interações 5 sociais, e na comunicação verbal e não verbal, mas não preenchem os critérios para o transtorno autista. O DSM-IV inclui diversos outros transtornos na categoria de transtorno invasivo do desenvolvimento como: Transtorno de Rett, transtorno desintegrativo da infância e transtorno de Asperger. O transtorno de Rett aparece mais em meninas, a criança começa a apresentar comportamentos estereotipados das mãos, uma perda dos movimentos intencionais, diminuição no uso da linguagem, uma perda no envolvimento social, fraca coordenação. Já no transtorno desintegrativo da infância o desenvolvimento caminha normalmente até mais ou menos os dois anos de idade, depois a criança começa a apresentar uma perda nas habilidades adquiridas até então, em duas ou mais das seguintes áreas: uso da linguagem, contato social, jogos, controle esfincteriano e habilidades motoras. O transtorno de Asperger é um quadro clínico onde a criança apresenta um acentuado comprometimento na interação social e apresenta padrões repetitivos e estereotipados de comportamento sem um atrasono desenvolvimento da linguagem. As capacidades cognitivas e adaptativas da criança são normais. 6 2 TRANSTORNO AUTISTA 2.1 HISTÓRIA Segundo Kaplan (1997), Henry Maudsley (1867) foi o primeiro psiquiatra a dar uma atenção mais séria às crianças com transtornos mentais severos, com atrasos e distorções severas no seu processo de desenvolvimento. Mas no começo todos esses transtornos eram considerados psicoses. Segundo Fuentes (2008), em 1943, Leo Kanner descreveu onze casos clínicos, que deu o nome de distúrbios autísticos, em que enfatizou que existia uma incapacidade de se relacionar bem com as pessoas desde o nascimento, com respostas incomuns ao ambiente e desinteresse em se relacionar com esse ambiente, com inclusão de maneirismos motores estereotipados, resistência à mudança, com dificuldades na linguagem, como: inversão de pronomes e ecolalia. Segundo Kaplan (1997), Kanner descreveu crianças que exibiam extrema solidão autista, com atraso no desenvolvimento da linguagem, com ecolalia, assim como inversão de pronomes (usar “você” ao invés de “eu”), repetições monótonas de sons, e é claro os maneirismos e estereotipias, mas com uma excelente memória de repetição, comportamentos obsessivos, pavor de mudança e imperfeição, relações anormais com as pessoas e preferências por seres inanimados. Ele sugeriu que esses problemas de comportamento eram muito mais frequentes do que se imaginava na época e que eram confundidas com crianças com retardo mental ou esquizofrenia. Durante os anos de 1950 e 1960, acreditava-se que o autismo era causado por pais não emocionalmente responsivos aos filhos, mas essa ideia foi abandonada por uma série de estudos que a negaram. Várias pesquisas começaram a acumular a noção de que o autismo é um transtorno orgânico cerebral presente desde a infância e encontrado em indivíduos de todos os países, grupos socioeconômicos e étnicos investigados. Em 1980, o autismo foi pela primeira vez reconhecido e colocado em uma nova classe diagnóstica: os transtornos invasivos do desenvolvimento (TID) no DSM-III. O termo TID também 7 foi adotado na décima revisão da CID-10 e no DSM-IV. Os critérios para o autismo foram uniformizados nas duas edições. 2.2. EPIDEMIOLOGIA, ETIOLOGIA E PATOGÊNESE 2.2.1 Epidemiologia O transtorno autista ocorre em uma taxa de 2 a 5 casos por 10.000 crianças com menos de doze anos. Se incluir o retardo mental severo com alguns aspectos do autismo isso pode subir para até 20 casos por 10.000. E na maioria dos casos o quadro autista começa antes dos 36 meses, mas muitas vezes passa despercebido pelos pais, pois depende da sua gravidade para a doença ser percebida. Segundo Fuentes (2008), acredita-se que existe uma incidência do autismo em cerca de dois indivíduos para cada mil nascimentos. O autismo é de quatro a cinco vezes mais frequente em sujeitos do sexo masculino, cerca de três a cinco vezes mais meninos do que meninas são afetadas pelo transtorno autista. Mas as meninas tendem a ser mais seriamente afetadas e a terem mais comprometimento cognitivo. Nos últimos 25 anos, nenhum estudo epidemiológico demonstrou uma associação entre autismo e condições socioeconômicas. Há alguns anos se acreditava que o transtorno autista era mais encontrado em famílias com uma alta condição econômica, mas passados alguns anos percebeu-se maior incidência em crianças cuja família tem uma remuneração mais baixa, isso se acredita ter acontecido devido ao acesso maior de profissionais capacitados para o reconhecimento do transtorno no serviço público de saúde. Mas nenhum estudo profundo foi feito nos últimos anos para demonstrar mais adequadamente o fator socioeconômico relacionado com o transtorno autista. 8 2.2.2 Etiologia e Patogênese De acordo com Kaplan (1997), o transtorno autista foi considerado inicialmente como tendo sua origem psicossocial ou psicodinâmica, mas atualmente acumulam-se estudos e evidências de que existem fatores biológicos. Segundo Fuentes (2008), o autismo é multifatorial e com uma forte influência genética. Ele pode ser associado a uma causa conhecida que é a síndrome do X frágil, a esclerose tuberosa e anormalidades cromossômicas. E também podem existir fatores que influenciem como infecções pré-natais por citomegalovírus. O transtorno autista está ligado a lesões neurológicas, notoriamente rubéola congênita, esclerose tuberosa, e síndrome de Rett. As crianças autistas demonstram bem mais complicações perinatais do que as crianças normais ou aquelas que tenham outros transtornos. Isso sugere que as complicações que possam existir nos primeiros três meses da gravidez são significativas para o desenvolvimento do transtorno. 2.3 FATORES GENÉTICOS, PERINATAIS E IMUNOLÓGICOS 2.3.1 Fatores Genéticos Vários estudos demonstram que entre 2 e 4% dos irmãos de indivíduos autistas podem ser afetados pelo transtorno. O transtorno autista é um dos transtornos neuropsiquiátricos de maior herdabilidade. A diminuição rápida do risco relativo de parentes de primeiro para segundo e para terceiro graus, combinada com a concordância entre gêmeos monozigóticos de 64- 91%, e a concordância entre gêmeos dizigóticos e irmãos de 0-9% (Brune et al., 2006; Bailey et al., 1995), indica que o autismo parece ser decorrente de efeito epigenético e/ou da interação de múltiplos genes, em combinações variadas de modo aditivo, multiplicativo, epistático ou de outras maneiras ainda desconhecidas (FUENTES et al.,2008, p. 231-232). 9 Outras evidências para a base genética desse transtorno vêm de investigações em familiares de autistas não afetados que demonstram algumas alterações leves na interação social, na área da comunicação e na área imaginativa semelhante a dos autistas. De acordo com Fuentes (2008 apud Baron-Cohen, 2004), anormalidades anatômicas foram encontradas em várias áreas encefálicas como: cerebelo (Figuras 4, 5, 7, 8); tronco encefálico (Figura 4); lobos frontais, parietais (Figuras 3,5,6,7); hipocampo (Figuras 2,9); corpos amigdaloides (Figura 1). Estudos de ressonância magnética indicam que podem existir diminuição de volume no cerebelo, no lobo parietal, no esplênio do corpo caloso (Figura 5), no tronco encefálico nos portadores do transtorno autista. Vários estudos demonstram que o autismo apresenta anormalidades nas regiões responsáveis pelo processamento emocional e pelo comportamento social. Isso quer dizer que está associado, principalmente, à área do corpo amigdaloide, pois eles se comportam de maneira parecida com pacientes que apresentam lesões nessa área e no córtex orbitofrontal. FIGURA 1- OS NÚCLEOS DA BASE FONTE: Bueno F.A. Orlando et al.: Neuropsicologia Hoje, 2004. 10 FIGURA 2- VISÃO MEDIAL DO HEMISFÉRIO CEREBRAL FONTE: Bueno F.A. Orlando et aL.: Neuropsicologia Hoje, 2004. 11 FIGURA 3- DIVISÃO EM LOBOS DO CÓRTEX CEREBRAL FONTE: Bueno F.A. Orlando et aL.: Neuropsicologia Hoje, 2004. 12 FIGURA 4- VISÃO MEDIAL DO ENCÉFALO, CORTE SAGITAL MEDIANO FONTE: Bueno F.A. Orlando et aL.: Neuropsicologia Hoje, 2004. 13 FIGURA 5- FACE MEDIAL DE UM HEMISFÉRIO CEREBRAL FONTE: Machado Angelo: Neuroanatomia Funcional, 2006. 14 2.3.2 Fatores Perinatais Existe uma alta relação entre problemas perinatais e o transtorno autista, entretanto nenhuma complicação específica tem sido associada ao transtorno como causa direta. Pode estar associado a complicações no primeiro trimestre de gestação e no período perinatal, quando as crianças têm uma alta incidência de síndrome de aflição respiratória e anemia neonatal. E alguns estudos também mostram a relação entre o uso de medicações durante a gravideze o transtorno autista (KAPLAN, 1997). Sangramento materno após o primeiro trimestre e mecônio no líquido amniótico foram encontrados com mais frequência, e podem estar associados, dessa maneira ao autismo. 2.3.3 Fatores Imunológicos Segundo Kaplan (1997), algumas evidências indicam que a incompatibilidade imunológica entre a mãe e o feto pode contribuir para o autismo. Dessa maneira, os linfócitos de algumas crianças autistas reagem com os anticorpos da mãe podendo assim danificar os tecidos neurais embrionários ou extraembrionários. 15 2.4 CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO Todas as crianças autistas apresentam dificuldades na interação com seus pais e outras pessoas. Quando bebês, não exibem muitas vezes o sorriso habitual que existe na interação com as outras pessoas, também apresentam pobre contato visual. O desenvolvimento social apresenta algumas características, como falta de apego, mas nem sempre ausência total, e um fracasso na capacidade de criar vínculos com uma pessoa específica, por exemplo, mais próxima. As crianças com o transtorno parecem não conseguir diferenciar as pessoas mais próximas, como pais e irmãos das outras pessoas. Além de não demonstrar qualquer dificuldade de separação, ou ansiedade de separação quando são deixadas em um local desconhecido com pessoas estranhas. Quando essas crianças entram em idade escolar e vão para a escola, apresentam uma dificuldade em se relacionar com seus pares, com seus colegas. Apresentam um fracasso no brincar, em fazer amigos e principalmente no desenvolvimento de empatia. Conforme descreve Fuentes (2008), segundo a teoria da mente, as bases neurais da empatia parecem depender da integridade dos corpos amigdaloides (Figura 1); do sulco temporal superior (Figura 6); dos córtices frontal medial e orbitofrontal (Figura 6) e do giro temporal superior (Figura 6). Essas áreas juntas podem ser chamadas de cérebro social. 16 FIGURA 6- FACE SUPEROLATERAL DE UM HEMISFÉRIO CEREBRAL FONTE: Machado Angelo: Neuroanatomia Funcional, 2006. 17 FIGURA 7- CISSURAS E LOBOS FONTE: Oliveira Maria A. D.: Neuropsicologia Básica, 2005. 18 FIGURA 8- CÉREBRO HUMANO EM TRÊS DIMENSÕES FONTE: Damásio A. R.: O Erro de Descartes, 1996. 19 FIGURA 9- O SISTEMA LÍMBICO FONTE: Kandel E. R. et al.: Fundamentos da Neurociência e do Comportamento, 1997. 20 Crianças com autismo com um alto funcionamento têm dificuldades de perceber que os estados mentais e o comportamento são representados por crenças, pensamentos, intenções, vontades, desejos e não simplesmente pela realidade objetiva. Portanto, chama-se teoria da mente essa capacidade de inferir a respeito dos estados mentais dos outros. Sendo assim, as crianças autistas têm dificuldade em deduzir os sentimentos ou estados mentais de seus pares, o que as tornam incapazes de interpretar e analisar o comportamento social das outras pessoas. Isso pode levar a uma grande dificuldade em desenvolver o relacionamento social. Na adolescência, os sujeitos autistas que fazem maior progresso sentem a necessidade de fazer amigos, mas a inadequação da abordagem e a incapacidade de responder aos interesses comuns se tornam grandes obstáculos para o desenvolvimento de amizades. Eles sentem necessidades sexuais, mas essa falta de competência para estabelecer vínculos afeta o desenvolvimento de relações sexuais. É muito difícil se casarem. De acordo com Gauderer (1997), os distúrbios globais do desenvolvimento são uma subclasse que se caracterizam pelas perdas no desenvolvimento da interação social recíproca, do desenvolvimento das habilidades de comunicação verbal e não verbal e também das tarefas, das atividades imaginativas. Muitos de seus interesses são realizados de maneira estereotipada e repetitiva e a gravidade dos sintomas varia de caso para caso. Esses comprometimentos podem estar associados a várias outras complicações, as dificuldades e comprometimentos estão ligados a atrasos na atividade intelectual, que podem ser verificados nos testes de inteligência, pois na maioria dos casos há um diagnóstico associado de retardo mental. Está com atraso a compreensão da fala, da linguagem, há problemas no uso dessa fala no meio social, normalmente estão comprometidos a postura, a alimentação, o sono e as respostas aos estímulos sensoriais. O distúrbio global do desenvolvimento é um termo que descreve um comprometimento em várias habilidades do desenvolvimento psicológico que são afetadas ao mesmo tempo e em níveis diferentes. Podemos descrever o comprometimento qualitativo na interação social recíproca. Esse comprometimento é caracterizado pela falência do desenvolvimento das relações interpessoais e 21 pela falta de interesse para com as outras pessoas e situações cotidianas. Nas primeiras fases da vida podemos presenciar a falta de interesse dessa criança, a falta de contato social e responsividade facial e a indiferença ao contato afetivo e físico de pais ou cuidadores. Algumas vezes, é possível confundir essas crianças com crianças surdas, por também estar associada à indiferença social. O tipo de vínculo estabelecido por essa criança costuma ser bizarro, como por exemplo, ela pode ligar-se a mãe e reconhecê-la fundamentalmente pelo olfato. Em alguns casos, pode-se observar que, nos primeiros anos, a criança apresenta um desenvolvimento social aparentemente adequado, mas mesmo assim percebe-se uma dificuldade do desenvolvimento do jogo imaginativo e das amizades. Com o passar do tempo, podem desenvolver um maior nível de alerta e interesse social. Algumas crianças menos deficientes podem estabelecer um contato passivo em brincadeiras com outras crianças, ou podem incluir outras em suas brincadeiras como ajudantes de suas atividades estereotipadas. Com relação ao comprometimento na comunicação e na atividade imaginativa, pode- se observar uma dificuldade na comunicação verbal e não verbal. A linguagem pode estar totalmente ausente. Em alguns casos, quando essa fala se desenvolve, é possível ter uma estrutura gramatical imatura, ecolalia ou uma fala retardada, podendo haver inversão de pronomes, dificuldades na nomeação, comprometimento para usar termos abstratos, uma sonoridade anormal, como por exemplo, uma fala monótona ou entonações nos momentos errados. Na comunicação não verbal, como expressão facial, o gesto está ausente ou é mínimo, e quando presente é realizado de forma socialmente inadequado. Essa perturbação da linguagem no meio social pode ser observada na dificuldade de entender piadas e trocadilhos. Já o comprometimento na atividade imaginativa pode incluir a ausência de jogos simbólicos e fantasias com brinquedos ou perda da representação dos papéis de adulto. Essa atividade imaginativa pode ser realizada de maneira repetitiva e estereotipada. Como por exemplo, essa criança pode querer ficar repetindo sempre o mesmo personagem da televisão ou sempre utilizar o mesmo brinquedo na mesma quantidade. As crianças autistas de pouca idade usam os objetos inanimados quase sempre para girá-los ou sacudi-los. Possuem uma tendência em enfileirar ou arrumar esses brinquedos sempre da mesma maneira, para manter o seu ambiente sempre igual, para não ocorrer mudanças. 22 Segundo Tamanaha (2006), a criança autista tem peculiaridades no brincar. Ela desenvolveu uma pesquisa na qual foi observado o brincar da criança autista, primeiramente foi observado de maneira livre e depois de maneira dirigida, em que o avaliador interferia no brincar dessa criança. Na pesquisa, foi analisado o brincar dessa criança segundo os critérios propostos por Wetherby e Prutting (1984), como: - Sensório-motor: ela manipula livremente o brinquedo de maneira sensório-motora, levando a boca, por exemplo; -Agrupamento: ela agrupa peças em critérios estabelecidos; - Formação de conjunto: a criança, por exemplo, agrupa as peças por cores; - Sequencialização: organiza uma sequência de objetos seguindo um critério; - Funcionalidade: usa o brinquedo com sua função; - Jogo compartilhado: utiliza o brinquedo para estabelecer uma comunicação entre ela e o adulto; e - Jogo simbólico: brincadeiras de faz de conta. Pode-se observar nesse estudo que a maioria das crianças utilizou a forma sensório- motora. Esse comportamento sugere mais do que um possível atraso no comportamento da exploração lúdica, essa característica deve estar presente por causa das estereotipias na criança autista. E essa manipulação sensório-motora pode ser observada em idades mais avançadas, demonstrando um atraso no desenvolvimento cognitivo, que decorreria também das falhas na aquisição da linguagem. Observou-se que essas crianças não utilizaram a forma de sequencialização, o que também demonstra falhas cognitivas, que irão atrapalhar no desenvolvimento da linguagem. Em relação aos outros critérios, verificaram-se diferenças estatísticas significativas no uso das categorias de agrupamento, formação de conjuntos, funcionalidade e jogo compartilhado em situação dirigida. Portanto, isso mostra a importância de compartilhamento em atividades lúdicas. O direcionamento, os incentivos parecem muito importantes para aquisição da linguagem. A interação de um adulto na brincadeira do jogo compartilhado é essencial para ajudar na interação social e na elaboração de jogos simbólicos. Foi possível verificar nessa pesquisa que a atividade lúdica da criança autista é essencialmente sensório-motora, mas com a participação de um adulto com incentivo, ou ajuda 23 para a criança explorar outras formas de brincar, e dessa forma pode ajudar no seu prognóstico de comunicação. Segundo Ocampo (2003), a hora de jogo diagnóstica constitui um recurso técnico que o psicólogo utiliza dentro do processo de diagnóstico com a finalidade de reconhecer as características da criança que está sendo analisada. Para a criança a atividade lúdica é uma forma de expressão, assim como para o adulto é a linguagem verbal. Quando se oferece para a criança um espaço onde poderá brincar com um enquadramento específico e estruturado, assim nessa condição ela irá expressar seu repertório de condutas. Mas não se pode confundir a hora de jogo diagnóstica com a hora de jogo terapêutica. Na hora de jogo a criança pode usar o brinquedo para expressar o que está vivenciando no momento. Essa hora de jogo diagnóstica é precedida das entrevistas realizadas com os pais. Nelas o psicólogo pode elaborar com os pais as instruções que serão dadas a criança por eles. Como pode haver interferências na forma dos pais colocarem essas informações, elas serão reformuladas para a criança em um momento adequado, para que sejam passadas para a criança de forma clara e precisa. Cada hora diagnóstica é única, e ela implica um estabelecimento de vínculo transferencial breve, com o objetivo de compreender a criança da melhor maneira possível. Na hora de jogo é necessário utilizar material de boa qualidade para evitar fáceis estragos, pois isso poderá causar culpa na criança. E deve-se evitar material perigoso que possa machucar a criança ou o avaliador. E além do mais, os materiais e brinquedos devem estar em bom estado. Deve-se esclarecer para a criança que ela pode usar o material como quiser, e que observaremos sua utilização, com o objetivo de conhecê-la e de compreender suas dificuldades para uma ajuda posterior, isso explicando que existe um tempo e um lugar determinado. E serão explicados os limites para a realização das atividades que possam ser perigosas para a criança, para o avaliador, para o ambiente ou para o mobiliário. O papel do psicólogo na hora de jogo diagnóstica é passivo. Ele só irá participar se for solicitado pela criança, para exercer um papel complementar em suas brincadeiras, ou atividades. Outro tipo de participação é no estabelecimento de limites, caso a criança quebre o enquadramento. 24 Quando nos deparamos com uma análise de jogo diagnóstica, verificamos a não existência de uma padronização deste material. Mas existem alguns itens importantes a serem observados para fins de diagnóstico e prognóstico, como a escolha de brinquedos e de brincadeiras; modalidades de brincadeiras; personificações; motricidade; criatividade; capacidade simbólica; tolerância a frustração; e adequação à realidade. De uma criança, por exemplo, de três anos é esperado um jogo de tipo egocêntrico, centrado em si mesmo. Pode pedir ajuda, ou fazer perguntas sobre os objetos, mas não coloca o avaliador como participante ativo na brincadeira. Essa criança pode passar com muita facilidade de uma brincadeira para outra, sem terminar nenhuma. E a sua atenção principal é na função dos objetos e na manipulação dos mesmos. Dos quatro aos sete anos as brincadeiras já se aproximam mais do real. E também costuma pedir mais a presença do outro nas brincadeiras. Aos cinco ou seis anos começa a colocar mais intencionalidade nas brincadeiras. Posteriormente, dos sete aos onze anos, encontram-se já estabelecidas as regras das brincadeiras, podendo exercer papéis mais próximos da realidade, como fazer papel de médico, de professor, etc. Como modalidade mais patológica de funcionamento egoico, podemos caracterizar as brincadeiras estereotipadas e a perseveração nas mesmas. Dessa maneira, observa-se uma desconexão com o mundo externo, com única finalidade de descarga de energia, repetem-se as brincadeiras e elas não têm fins de comunicação. Essa característica pode ser verificada nas crianças psicóticas, com lesões orgânicas e também nos casos de autismo, por exemplo. Por meio da hora de jogo o psicólogo pode verificar a falta de funcionalidade motora. Alguns aspectos podemos observar, como o deslocamento geográfico, possibilidade de encaixe, preensão e manejo, alternância de membros, lateralidade; movimentos bizarros, movimentos voluntários e involuntários, ritmo do movimento. A criatividade também é um fator importante a ser observado. Klein (1997), ao se referir à capacidade simbólica diz que o simbolismo é importante para toda a fantasia e sublimação, e é sobre ele que se constrói a relação do indivíduo com o mundo exterior e a realidade. E essa capacidade simbólica encontra-se comprometida nas crianças portadora do quadro autista. A dificuldade em brincar é um dos problemas evidentes em uma criança seriamente perturbada. São frequentes as organizações originais, os neologismos, as atitudes bizarras e as dificuldades de se adaptar à realidade, tolerância à frustração e a aprendizagem. 25 Nas crianças autistas, o repertório de atividades e interesses é acentuadamente restrito, essa restrição pode ter várias formas. Na criança menor podem ser notadas reações de resistência a qualquer mudança, isso inclui mudanças no seu ambiente. Por exemplo, a criança pode ficar extremamente irritada quando se muda um móvel de lugar, ou quando trocarem o seu lugar de sentar à mesa. Há na maioria das vezes vinculação a objetos – pode acontecer mania de colecionar coisas e fixação a um tipo de comida. Estereotipias motoras como bater palmas, movimentos nas mãos, movimentos de inclinação, balanceio. Na criança mais velha pode acontecer insistência em seguir rotinas de modo preciso, ou seja, realizar determinada coisa sempre do mesmo modo, como por exemplo, pegar exatamente sempre o mesmo caminho para ir à escola. Pode ocorrer fascínio por um determinado movimento como ficar horas observando o movimento repetitivo do ventilador. As estereotipias verbais incluem repetições de palavras ou frases, independentemente do significado. Nas crianças mais velhas, é possível observar, em alguns casos, uma excelente memóriade longo prazo, em razão disso, muitas têm certos interesses como decorar músicas, números, mas sempre com uma relação anormal. Para o diagnóstico do distúrbio autista é necessário ter, além dos sintomas descritos acima relacionados aos distúrbios do desenvolvimento, idade inicial na primeira infância e também algumas características como: 1. Incapacidade qualitativa na interação social recíproca manifestada pelo seguinte: falta de percepção de existência ou sentimentos dos outros. 1.1 Ausência ou busca de consolo exagerado por ocasião de sofrimento. Por exemplo, pode ficar sorrindo quando está machucado, ou pode não buscar consolo quando se encontrar doente. 1.2 Imitação ausente ou comprometida. 1.3 Jogo anormal ou ausente, por exemplo, não participa de jogos com outras crianças e quando participa é de maneira mecânica. 1.4 Incapacidade nítida de fazer amizades. 2. Incapacidade qualitativa na linguagem verbal e não verbal e na atividade imaginativa. 2.1 Ausência de modo de comunicação como: balbucio, expressão facial, gestos, mímica. 26 2.2 Comunicação não verbal anormal no uso de olhar fixo olho no olho, postura corporal, expressão facial. Não olha ou não sorri para uma pessoa quando se faz uma interação social. Não cumprimenta. 2.3 Ausência de atividade imaginativa, como por exemplo, falta de interesse em histórias com acontecimentos imaginativos. 2.4 Anormalidades marcantes na produção do discurso incluindo volume, ritmo, entonação, modulação. 2.5 Anormalidades na forma e no conteúdo do discurso: o uso repetitivo ou estereotipado da fala. 2.6 Dificuldade acentuada em iniciar ou sustentar uma conversação com as outras pessoas. 3. Repertório de atividades e interesses restritos. 3.1 Movimentos corporais estereotipados. 3.2 Insistente preocupação com partes dos objetos e não com o objeto em si e nem interesse na sua função. 3.3 Sofrimento acentuado com mudanças triviais no seu ambiente. 3.4 Insistência sem motivo em seguir rotinas com detalhes precisos. 3.5 Interesses limitados com fatos ou eventos. É de grande importância que estejam presentes pelo menos oito desses sintomas e com início na primeira infância ou infância. Características essenciais para o autismo incluem início antes dos dois anos e seis meses de idade; alterações no desenvolvimento social; alterações no desenvolvimento da linguagem; comportamentos estereotipados e rotinas; ausência de delírios, alucinações e distúrbios do pensamento do tipo esquizofrênico. Características mais presentes do desvio do desenvolvimento social é incapacidade de criar vínculos específicos, desta maneira desde os primeiros meses de vida a criança tem 27 dificuldades na postura antecipatória, como por exemplo, não estender os braços para as pessoas pegarem no colo, dificuldades em manter um contato visual. Já quando chegam à fase de começar a andar não seguem seus pais pela casa, não correm para recebê-los quando eles chegam a casa, como é esperado. Quando se machucam não costumam buscar ajuda nos seus cuidadores. Essas crianças não buscam companhia dos adultos e podem ou não demonstrar angústia de separação e não usam os relacionamentos para acalmar suas ansiedades quando isso se faria necessário e seria esperado. O contato olho a olho no desenvolvimento de interações sociais é muito importante para as crianças, e nas crianças autistas esse contato é anormal, normalmente elas não encaram as pessoas quando querem alguma coisa ou quando simplesmente alguém se dirige a ela. Esses sujeitos na maioria das vezes têm um rosto inexpressivo, dificultando o reconhecimento de suas emoções, mas sua característica mais acentuada é a ausência de variação na expressão de suas emoções em função das emoções dos outros. Têm grande dificuldade de cooperar com outras crianças em suas brincadeiras, dificultando assim o vínculo de amizades. As alterações da linguagem são várias. No início, a criança tem um balbucio irregular, pouco em termos de quantidade e anormal em termos de qualidade, além de não ter a característica de interação social, não vem acompanhado de gestos, como apontar as coisas, ou responder aos contatos de outras pessoas. Quando a fala se desenvolve, o aspecto mais acentuado é o pouco uso para contato social, pois a fala da criança quando está apreendendo a andar e extremamente relacionada ao seu conato com o meio. Normalmente, por exemplo, não seguem os pais pela casa tentando manter conversas, falando sobre tudo. São incapazes de descrever suas atividades a outras pessoas, além disso, a fala é estereotipada e repetem a fala de outras pessoas, apresentam uma linguagem egocêntrica, e com trocas pronominais, quando invertem falando você em vez de eu. Outra característica essencial do autismo são os comportamentos estereotipados e rotinas. As brincadeiras são repetitivas, sem qualidade, sem variedade, podem passar horas repetindo a mesma brincadeira ou ficar girando os objetos. Raramente brincam de faz de conta, e usam os brinquedos de forma pobre e sem simbolismo ou sem criatividade. É muito difícil uma 28 criança autista responder a uma brincadeira iniciada por um adulto, por exemplo, é muito difícil responder um adeus dado por outra pessoa ou bater palminhas. Muitas crianças se preocupam com itinerários, horários, números, datas, etc. rotinas rígidas na alimentação, nos hábitos, nas atividades diárias, e vêm acompanhadas de resistência a qualquer mudança. É comum terem fases de preferência por determinados alimentos. Outra característica é a presença de algum grau de retardo mental, mas o autismo também pode ocorrer em crianças de inteligência normal. Elas têm maiores habilidades em atividades que só exigem habilidades mecânicas ou memorização do que das tarefas que requerem abstração, percepção de sequência e conhecimento de conceitos. A maioria das crianças apresenta expressão de seriedade e pode dar uma ideia de inteligência, mas mesmo com a expressão facial normal, eles não têm expressão facial emocional. Segundo o CID-10 (Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento de CID-10), o transtorno autista é definido pela presença de desenvolvimento anormal ou dificuldades que se manifestam antes da idade de três anos e tem as características de alterações em três áreas de interação social, comunicação e comportamento restrito e repetitivo. O transtorno é mais encontrado em meninos do que em meninas. Não há um momento determinado para que as alterações ocorram, mas elas começam a ser evidenciadas antes dos três anos de idade. Há sempre dificuldades qualitativas na interação social, falta de respostas para as emoções das outras pessoas e falta de adequação do comportamento de acordo com o contexto. Dificuldades em conversações, em brincadeiras, principalmente com aspectos imaginativos e pouca flexibilidade na expressão da linguagem e uma ausência de criatividade nos processos de pensamento e falta de gestos para ajudar a modular a comunicação emocional com outras pessoas. Também apresentam padrões de comportamento, interesses e atividades restritos, repetitivos e estereotipados. Esses gestos repetitivos podem ser encontrados tanto em brincadeiras, como em atividade do dia a dia. Mas as crianças com autismo podem mostrar uma série de outros problemas como, medo, fobias, perturbações do sono e alimentação, ataques de birra e agressão. Autolesão também é bem comum, principalmente quando há retardo mental grave associado. A maioria dos indivíduos com transtorno autista tem dificuldades em sua espontaneidade, iniciativa e criatividade, na organização do seu lazer e em aplicar 29 conceitualizações em seu trabalho. À medida que a criança cresce suas dificuldades vão mudando, mas todas estão relacionadas com problemas de interações sociais, comunicação e padrões de interesse. Todos osníveis de QI podem ocorrer em associação ao autismo, mas ocorre o retardo mental significativo em vários casos. O quadro clínico do autismo é complexo. O autismo é um transtorno comportamental ímpar que consiste em vários sintomas. Assim, é essencial para o diagnóstico a tríade de sintomas, envolvendo dificuldades na interação social, de comunicação, de linguagem e de reações a objetos. Os distúrbios na motilidade e os distúrbios da modulação sensorial recebem menos atenção, mas também são importantes componentes da síndrome em crianças autistas pré-escolares. A modulação sensorial refere-se tanto ao excesso como ao desinteresse em relação às reações a estímulos sensoriais. Segundo Fuentes (2008), a criança autista pode desenvolver um interesse em uma atividade repetitiva como: colecionar coisas; memorizar números, músicas. Os brinquedos são utilizados de maneira ritualística, com pouco aspecto simbólico, essa é uma característica do brincar autista, pois essas crianças na maioria das vezes não se utilizam dos brinquedos com suas funções adequadas, como por exemplo, pegam um carrinho, mas não brincam com ele como se fosse um carrinho, muitas vezes ficam só balançando o brinquedo por exemplo. Estereotipias, maneirismos e caretas são muito comuns. Déficits na linguagem estão entre os critérios essenciais para o diagnóstico do autismo. As crianças apresentam dificuldades em formar frases, mesmo quando o seu vocabulário é suficiente, além de terem prejuízos na comunicação não verbal, como gestos e entonação vocal. Essas crianças apresentam também dificuldades em manter um diálogo de forma adequada e, muitas vezes, não respondem ao chamado de outras pessoas. Elas têm grande dificuldade em abstração compreendendo as coisas no seu sentido literal. Indivíduos com autismo apresentam comprometimento global da linguagem, envolvendo recepção e produção fonológica (sons de fala), sintaxe (gramática), além da semântica (significado) e da pragmática (uso comunicativo da linguagem). Diferentemente de um atraso simples de linguagem eles não apresentam interesse, motivação para comunicar-se seja por vias verbais ou não verbais. 30 Já autistas com um melhor funcionamento, ou alto funcionamento, podem apresentar dificuldade na semântica e na pragmática, mas ocorre principalmente a dificuldade pragmática que pode ser decorrente da inflexibilidade mental. Os déficits verbais que o autismo apresenta levam a escores melhores nas tarefas de execução do que nas tarefas verbais no teste de Wechsler de inteligência, principalmente em sujeitos que têm escore na faixa de retardo mental, esse aspecto clínico é muito importante para auxiliar em um diagnóstico. De acordo com Kaplan (1997), no primeiro ano de vida, a quantidade e o padrão do balbucio das crianças autistas podem estar reduzidos quando comparados com as crianças “normais”. Podem emitir alguns sons, mas a maioria das vezes é de forma estereotipada, sem a intenção de verdadeira comunicação. Os autistas dizem mais do que entendem, palavras ou mesmo frases inteiras podem aparecer e desaparecer do seu vocabulário, às vezes, eles podem usar uma palavra e depois não voltar a usar por dias, meses, às vezes, ano. E a linguagem na maioria das vezes se dá de forma de ecolalia. Há presença de inversão pronominal, elas dizem “você quer algo”, quando na verdade estão querendo dizer que elas querem alguma coisa. Algumas crianças aprendem a ler sozinhas e, às vezes, muito bem, mas leem sem qualquer compreensão. Nos primeiros anos de vida a atividade exploratória, que é intensa em uma criança normal, não acontece da mesma maneira com as crianças autistas, essa atividade é mínima ou não existe. Elas não conseguem imitar ou usar os brinquedos de forma adequada, as atividades, jogos, quando existem, são rígidos, repetitivos e monótonos. Várias crianças autistas, principalmente com maior comprometimento intelectual, exibem várias anormalidades dos movimentos. Essas crianças resistem a mudanças e transições. As mudanças, por exemplo, de casa, mudança dos móveis na casa, ou comer antes de tomar banho quando estão acostumadas a fazer o inverso, podem causar pânico e ataques de raiva. Elas podem apresentar também instabilidades no humor, como súbitas mudanças de humor, com surtos de risada, ou choro sem razão aparente e sem expressão de pensamentos de afeto. Algumas têm uma elevação no limiar de dor, podendo machucar-se gravemente e não chorar. A hipercinesia é um problema comportamental comum em crianças pequenas autistas. A hipocinesia é menos frequente e quando acontece pode estar associada à hiperatividade. 31 Podem-se observar explosões de raiva e agressividade, assim como comportamentos autodestrutivos, como: morder-se, arranhar-se, arrancar os cabelos. Podem apresentar ainda fraco alcance da atenção, dificuldade grave para se concentrar, insônia, problemas de alimentação, enurese, encoprese. Segundo Fuentes (2008), distúrbios do sono e alimentares podem ser muito esgotantes para a família. Distúrbios alimentares podem causar aversão a certos alimentos devido à textura, à cor ou ao odor, ou podem querer comer só um alimento, recusando-se a provar alimentos novos. Podem ocorrer também episódios de heteroagressividade, como também autoagressividade. Elas podem morder as mãos ou punhos, muitas vezes, levando a sangramento e a formação de calosidades. A dificuldade em comunicar e interagir pode também causar explosões de raiva e agressividade principalmente em crianças autistas com o funcionamento mais prejudicado. As alterações na prosódia afetiva têm sido muitas vezes identificadas como característica fundamental para o quadro autista. Essas alterações seriam estáveis ao longo do tempo e representam sua maior dificuldade na interação social. Os indivíduos com autismo apresentam um déficit no processamento das emoções faciais. Alguns estudos, segundo Fuentes (2008 apud ASHWIN et al., 2007), demonstram que eles têm prejuízo no reconhecimento de raiva e de nojo, outros no reconhecimento de surpresa, mas não da alegria e tristeza. Mas os achados mais precisos foram que adultos autistas têm dificuldade no reconhecimento de expressões faciais de medo. Estudos da movimentação ocular têm demonstrado dificuldades da fixação do olhar, quando, por exemplo, olham para uma face humana eles direcionam o olhar para a boca e não para os olhos, isso vai de encontro com a ideia de que sujeitos autistas têm dificuldades com o contato visual direto. Estudos com neuroimagem funcional em autistas durante o reconhecimento explícito de emoções faciais mostraram déficits na ativação dos corpos amigdaloides, do córtex pré-frontal orbital e do giro fusiforme, ausência da modulação de ativação diante de variações de intensidade emocional e aumento da ativação do giro temporal superior e do córtex anterior do giro do cíngulo (FUENTES, 2008 apud ASHWIN et al., 2007, p. 238). 32 Em autistas de alto funcionamento, a área fusiforme, o corpo amigdaloide esquerdo e o cerebelo não mostraram ativação durante o processamento implícito de faces como nos controles saudáveis; a ínsula teve uma ativação reduzida provocada por faces de nojo, e o giro frontal medial também em resposta a faces de medo. Além disso, autistas tem diminuição da ativação do córtex pré-frontal medial em tarefas que consistem em inferir pensamentos e emoções em outras pessoas (FUENTES, 2008 apud SPEZIO et al., 2007, p. 238). Sendo assim, esses estudos inferem que cérebros de indivíduos autistas reconhecem emoções na face de maneira diferencial. O retardo mental é presente em 75% dos casos e está ligado a um pior prognóstico, mas o autismo clássico pode estar presente mesmo em sujeitos com inteligência normal ou superior. Sendo assim, o teste de QI não é critério determinante para o autismo. Mas mesmoindivíduos que tenham autismo com QI normal, apresentam dificuldades nos aspectos da linguagem oral e escrita. As dificuldades tendem a ser maiores na abstração e na sequência verbal, com alguma preservação de habilidades visuoespaciais e memória de hábito. Antes de uma avaliação mais rigorosa, é importante permitir que os pais expressem de maneira natural suas preocupações e apreensões, pois os pais são as pessoas que melhor conhecem a criança, e é de suma importância considerar como foco principal os aspectos do comportamento da criança que estão causando maiores problemas e preocupações para os pais. O objetivo é obter o maior número de informações para se ter conhecimento dos comportamentos, relacionamentos, sentimentos da criança, como a intensidade, quando ocorre, qual motivo pode ser agravante para os sintomas e como os pais lidam com os sintomas quando ocorrem. Mas é claro que se deve buscar analisar a relevância do comportamento em questão para se aprofundar na questão, essa relevância pode ser relacionada à avaliação e ao tratamento. Exige-se uma análise sistemática do comportamento da criança, ou seja, identificação do contexto familiar ou ambiental associado ou não com o comportamento, condições que ajudam a ocorrência do comportamento que preocupam os pais ou cuidadores, fatores precedentes, reações que causam o comportamento e situações que eliminem esse comportamento. 33 Após o relato das queixas, é importante buscar maiores informações do desenvolvimento da criança. Como o autismo é um doença do desenvolvimento, é importante saber desde quando os sintomas iniciaram, saber o que acontecia na época. Às vezes, pela inexperiência dos pais, às vezes, por ser o primeiro filho pode ocorrer dos pais só se preocuparem com alguns comportamentos após algum tempo do início de sua ocorrência, algumas vezes, a partir do momento que vão para a escola. É importante pesquisar medicações usadas durante a gravidez, as condições do parto, duração da gestação, peso ao nascer, problemas após o nascimento, problemas na alimentação, no sono, etc. Deve-se buscar colher informações como: quando começou a andar, sorrir, engatinhar, falar, etc. Muitas vezes, eles não lembram exatamente quando ocorreu, mas recordam que foi com atraso. É claro que para ajudar no diagnóstico é de fundamental relevância perguntar sobre o desenvolvimento da linguagem, da atividade lúdica e da interação social. Sobre a linguagem, é importante fazer perguntas específicas, como quando falou a primeira palavra simples com sentindo, não só quando falou balbuciando, assim como o uso das primeiras frases simples e uso dos gestos. Os pais não costumam achar importante o processo de socialização, por isso é necessário saber se era uma criança afetuosa nos primeiros anos de vida, como por exemplo, se respondia a outras pessoas, se era afetuoso com os outros quando começou a andar, é importante fazer perguntas bem específicas sobre os aspectos fundamentais do relacionamento social e da sua sociabilidade nas diferentes idades e com diferentes pessoas. Assim, por exemplo, nos primeiros meses até um ano de idade é relevante saber se a criança se virava para olhar as pessoas que se comunicavam com ela, ou se estendia os braços para ser pego, se gostava de ser pego no colo, se reclamava quando a colocavam de volta no berço, ou se ria ou demonstrava alguma alegria quando recebia atenção, etc. Já na fase que começa a andar é bom investigar se esboçava alguma reação para com os pais quando esses saiam e depois voltavam para casa, como eram recebidos pela criança. Buscar saber também se quando se machucava buscava consolo nos pais, e se diferenciava os pais de outras pessoas, enfim se demonstrava ansiedade de separação, se respondia positivamente a brincadeiras de faz de conta. Saber se a criança usa seus brinquedos com suas funções determinadas, como brincar de fazer comidinha no fogão, brincar de pegar o carro para ir passear; enfim, se usava os brinquedos com algum sentido lógico, ou somente com atitudes bizarras. 34 Após analisar todos esses aspectos, como interação social, linguagem, atividade lúdica nos primeiros anos de vida da criança, é importante buscar colher todas essas informações no comportamento atual dessa criança. Nota-se que além de avaliar a criança com outras técnicas como testes é importante colher o maior número de informações necessárias sobre o seu desenvolvimento. O questionário para investigar a linguagem e funções relacionadas à fala deve colher informações como imitações, a linguagem interior, compreensão da linguagem, balbucio, qualidade dos sons, ritmo da fala. Na fase em que a criança começa a andar é importante observar a imitação, se imita a mãe limpando a casa, se imita o pai andando de carro etc. Se responde a um contato social realizado por outra pessoa, como um aceno com as mãos. A linguagem interior diz respeito a como a criança usa seus brinquedos, como escuta e responde aos sons a sua volta, se olha para o céu quando ouve um barulho de pássaro, se corre para a porta quando toca a campainha. Já a linguagem verbal pode ser observada pela capacidade da criança de seguir instruções de adultos, sem a ajuda de gestos, por exemplo. Se a criança fala é interessante saber a complexidade dessa fala, a qualidade, a quantidade e o seu uso social. Na qualidade da fala, deve-se investigar se consegue “bater um papo”, se fala, escuta, se reage ao que lhe é dito ou se a comunicação é incoerente e sem sentindo. Se consegue relatar a uma terceira pessoa o que foi feito em outro momento ou local e se essa fala vem acompanhada de variações emocionais adequadas e se existe um contato olho a olho com a pessoa com a qual se mantém a conversa. Além de investigar a articulação da fala, a fonética, o ritmo, pois normalmente a criança autista não apresenta as variações adequadas ao contexto e ao que está sendo relatado, o que é de grande importância para se estabelecer um contato social. Com relação às interações sociais, os pais tendem a perceber algum tipo de afetividade mesmo nas crianças autistas, mas, às vezes, os pais descrevem-nas como insensíveis. Uma das características principais a ser investigada é se essas crianças conseguem diferenciar os seus pais de outras pessoas e como esta diferença se manifesta. A próxima questão a ser avaliada é se a criança apresenta seletividade em seus vínculos ou afetos, pois o apego, a ansiedade de separação e desconfiança em relação a outras pessoas dura normalmente até os seus três, quatro ou cinco anos. Já a vinculação social é uma característica que dura por toda vida. É necessário verificar se existem iniciativas de relacionamento social. 35 Na maioria das vezes, a criança normal busca aproximações sociais com expressões faciais (como sorrir após a aproximação de uma pessoa), sendo assim necessário fazer uma investigação detalhada de como a criança tenta atrair a atenção de outra pessoa. Investigar como a criança brinca com outras pessoas, se ela procura outras pessoas para brincar, observar se ela é capaz de cooperar, repartir, esperar sua vez. Observar ainda se ela é capaz de respeitar regras, demonstra prazer enquanto a outra pessoa brinca, etc. Enfim, se é capaz de participar de uma dinâmica de jogo com as emoções adequadas à interação social. Ainda na avaliação do brincar é necessário observar se a criança explora seu ambiente, se explora os brinquedos, se desenha. Como um dos aspectos prejudicados no autismo é a atividade lúdica imaginativa, é necessário fazer brincadeiras de faz de conta para verificar a criatividade e a espontaneidade. Além do mais, muitos autistas apresentam dificuldade em iniciar e organizar suas próprias brincadeiras. Obviamente é importante e necessário prestar atenção a características do autismo, como rotinas, rituais e se ela apresentaresistência a mudanças, como mudanças de um móvel de um lugar para outro. E se tem alguma atividade que lhe interessa mais que outras brincadeiras comuns, como obsessões por números, datas. Assim como se apresentam interesses que costumam ser incomuns, como cheirar os objetos por exemplo. Após a investigação sistemática da anamnese é importante corroborar esses dados com uma observação direta com a criança. Assim como observar essa criança em contextos diferentes, como na escola, buscando o máximo de informação possível com a professora para saber como é a atividade grupal da criança. Na clínica é importante observar a criança com sua família para ver sua interação com a mesma (pode-se observar na sala de espera). Parte da entrevista da anamnese deve ser feita com toda a família junta. E é essencial verificar se há discrepância nas reações da criança no ambiente estruturado do consultório, e os relatos descritos pelos pais ou cuidadores. É importante uma avaliação completa do desempenho cognitivo da criança. Essa avaliação é de suma importância, mas não deve ser considerada isoladamente como forma para ajudar no diagnóstico. Devem associar a essa avaliação todos os aspectos investigados com os pais, aspectos esses citados acima, os relatos dos professores e a observação dessa criança em diferentes ambientes. A maturidade social pode ser avaliada por meio da capacidade que a criança tem de se vestir sozinha, abotoar as roupas, amarar os sapatos, assim como capacidades de ajudar nas 36 atividades domésticas, sua capacidade de usar objetos, como tesouras, ligar o rádio, etc. É necessária para esta avaliação cognitiva a utilização de testes padronizados. Para criança com idade escolar sem retardo mental grave, é possível utilizar escala Wechsler de inteligência, pois ela permite a avaliação de escores tanto para desempenhos de QI de execução, quanto QI verbal. Em casos de crianças com retardo mental grave associado é necessário utilizar outros testes adicionais. Às vezes, acredita-se que não se pode aplicar testes em uma criança autista, mas esta avaliação é possível quando realizada por um psicólogo com experiência em avaliações de crianças autistas. Muitas crianças autistas são difíceis de serem testadas exigindo do profissional paciência e persistência. Portanto, se o teste estiver no nível adequado para a criança e o profissional estimular o interesse da mesma para o teste, esta testagem se torna possível. Segundo Gauderer (1997), a base mais sólida para um critério diagnóstico é o conhecimento das causas da doença e os seus efeitos, mas para a maioria das condições psiquiátricas, incluindo o autismo, os detalhes etiológicos e patológicos ainda são desconhecidos. Portanto, a investigação do quadro autismo quer uma combinação de conhecimento das disfunções psicológicas e suas manifestações no comportamento. As pesquisas demonstram que o desenvolvimento das capacidades de interagir com os outros é uma das principais deficiências das pessoas autistas. A forma mais grave dessa deficiência é o isolamento e a indiferença em relação às outras pessoas. As crianças e/ou os adultos ignoram e evitam o contato físico ou social. Alguns se aproximam de outras pessoas quando querem alguma coisa, mas quando estão satisfeitos voltam a isolar-se; outros gostam apenas de carícias, mas não se interessam por uma interação social maior. Uma característica menos grave pode ser observada quando a criança não procura espontaneamente a outra pessoa, mas quando é solicitada pelo outro para participar de alguma atividade aceitam de bom gosto, sem oferecer resistência. Entretanto, normalmente fazem papéis de coadjuvante em brincadeiras. Outra forma de contato é quando a criança procura a outra pessoa para uma brincadeira, mas isso é feito de forma irregular, e sempre para satisfazer seus interesses, não se preocupando com as necessidades do outro e sempre querendo fazer brincadeiras repetitivas, ficando muitas vezes cansativos e inconvenientes. Muitas crianças autistas não usam gestos para obter uma interação social, são na maioria das vezes incapazes de tocar em alguém quando a necessidade de consolar ou encorajar outra pessoa, ou criança, se faz necessária. 37 O problema do transtorno da imaginação e compreensão sociais afeta a habilidade de imitar o comportamento da outra pessoa com real compreensão do seu significado, de seu objetivo. As crianças ditas normais adquirem essa habilidade por volta dos dois ou três anos de idade. O autista, quando imita o gesto de outra pessoa, o faz de maneira mecânica, sem compreender o sentido real da brincadeira de faz de conta. Mas o comportamento repetitivo por si só não pode ser utilizado como diagnóstico, pois também podemos encontrar essa característica em crianças pequenas. Como o brincar nessas crianças está prejudicado, a linguagem sofre muitos problemas, pois, por exemplo, as brincadeiras de faz de conta ajudam e muito na aquisição da fala e na compreensão da mesma. Assim como também ocorre uma perda nas respostas a estímulos sensoriais, prejudicando dessa forma todo o contexto cognitivo da criança. Por exemplo, muitas crianças não conseguem contar o que comeram na hora do almoço, mas essa incapacidade de responder pode estar ligada a uma dificuldade de compreender a pergunta e não a uma falha da memória em si. Algumas crianças podem apresentar discrepância de atitudes em determinadas tarefas diferentes. Por exemplo, uma criança totalmente isolada em termos de interação social e com grave retardo mental pode desenhar ou tocar um instrumento fantasticamente bem, o que se pode verificar é que a relativa independência entre os níveis de deterioração das várias funções psicológicas pode ter como resultado uma variação de perfis possíveis. Até agora falamos dos problemas na interação social como um dos aspectos principais do transtorno autista, mas todos os aspectos são de grande importância na hora da investigação do problema, pois tanto os problemas na interação social, como os distúrbios da fala, tanto na compreensão como na recepção dessa linguagem, como também problemas na leitura e na coordenação motora são de relevância significativa para serem examinados nesse quadro. Mas a questão social é uma função central para o ser humano, por isso é enfatizada. Áreas do cérebro que organizam o aprendizado da linguagem, da comunicação não verbal e de certas áreas da coordenação motora são mais suscetíveis de serem afetadas quando a área responsável pela interação social está afetada. É importante descrever a diferença entre crianças que sofreram privações ambientais e as crianças autistas. Muitas sequelas podem ser encontradas em crianças que sofreram privações, como em crianças criadas em instituições ou em famílias onde vivem desprovidas de 38 contato físico, afeto, estimulações. Os bebês assim carentes demonstram atraso no desenvolvimento e perturbações da motilidade, no relacionamento, na linguagem e na percepção. São exatamente as mesmas funções que estão com déficits no autismo, mas a natureza dos sintomas é diferente. Por exemplo, as crianças que sofrem privações apresentam uma dificuldade no uso dos brinquedos. Já as crianças autistas não usam os brinquedos para brincar, e sim para ficar olhando, girando. As crianças que são carentes de estimulação podem apresentar até os mesmos balanceios no corpo, e alguns movimentos rígidos das mãos, mas não apresentam os movimentos estereotipados e rígidos das crianças autistas. As crianças carentes podem até reagir de forma inadequada quando recebem alguma forma de carinho, mas não ficam com comportamentos como a rigidez. E as crianças carentes podem não buscar um carinho dos adultos, mas também não costumam negá-lo e fixam o olhar no adulto. As crianças carentes brincam com as outras crianças, e quando são retiradasda privação se desenvolvem de forma adequada, e adquirem a linguagem quando estimuladas e não apresentam nenhum problema nessa fala. Já na depressão anaclítica a criança pode ter um retardo mental e graves distúrbios dos relacionamentos associados. Essa depressão anaclítica está associada a uma relação insatisfatória entre a mãe e o bebê, assim sendo o bebê reage sendo chorão, birrento, manhoso, que pode seguir a uma fase de retardo psicomotor e de linguagem, perda de peso e choro intenso, e depois de algum tempo a criança se torna apática. Mas não ocorrem problemas na motilidade e na modulação sensorial, como ocorre no autismo e os problemas nos relacionamentos se caracterizam por apatia e retraimento e não pelo distanciamento encontrado no transtorno autístico. Além disso, o retardo mental citado é transitório e não orgânico como no autismo. 39 2.5 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Segundo Kaplan (1997), devemos ficar atentos aos principais diagnósticos diferenciais como a esquizofrenia de aparecimento na infância, transtornos mistos da linguagem receptivo/expressiva, surdez congênita, privação psicossocial, retardo mental com sintomas comportamentais, além de psicoses desintegrativas. A esquizofrenia é rara em crianças com menos de cinco anos, apesar de que na literatura sobre o transtorno autista seja maior, existe pouquíssima literatura ou dados sobre crianças com esquizofrenia com menos de doze anos de idade. E, quando existe algum quadro de esquizofrenia infantil, ela vai ser acompanhada de alucinações, delírios, com uma incidência mais baixa de convulsões e retardo mental e apresentam um QI mais homogêneo que os indivíduos com autismo. Existem outras diferenças como o fato do autismo iniciar antes dos trinta e seis meses, e a esquizofrenia ser mais rara antes do cinco anos. As complicações pré e perinatais e disfunção cerebral são mais comuns no transtorno autista e menos na esquizofrenia. No autismo, pode-se observar fracasso para desenvolver conexões sociais, ausência de fala ou ecolalia, a compreensão da linguagem é falha ou ausente, comportamentos estereotipados, insistência na mesmice e frases repetitivas. Já na esquizofrenia podem aparecer alucinações, delírios e transtornos do pensamento. O funcionamento adaptativo no autismo é sempre prejudicado, na esquizofrenia percebe-se uma deterioração no funcionamento. O nível de inteligência no quadro autista é na maioria dos casos subnormal, frequentemente prejudicado. Na esquizofrenia é geralmente dentro da faixa normal (dentre mais ou menos 70). O padrão de QI no autismo é a acentuada falta de uniformidade, já na esquizofrenia observa-se uma maior uniformidade. Em relação ao retardo mental e o autismo, pode-se ver que cerca de 40% das crianças com transtorno autista têm retardo moderado, severo ou profundo, e as crianças com retardo mental podem apresentar alterações com aspectos autistas. Quando ambos os transtornos estão presentes, ambos devem ser diagnosticados. As principais diferenças são que as crianças 40 retardadas geralmente se relacionam com adultos e com crianças de acordo com sua idade mental; usam alguma linguagem que possuem para se comunicar com os outros e apresentam um retardo homogêneo e não apresentam ilha de precocidade. Já no quadro autista e no transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva pode-se observar diferenças como: no quadro autista, a surdez associada é muito infrequente, já no transtorno misto da linguagem não é infrequente. A comunicação não verbal como gestos é ausente ou rudimentar no autismo, no transtorno misto da linguagem ele é presente. É mais comum no autismo encontrar anormalidades na comunicação, como ecolalia, frases estereotipadas, e não são comuns no transtorno misto da linguagem. Também são mais frequentes no transtorno misto da linguagem problemas na articulação. Já em relação ao nível de inteligência e padrões de testes de QI, no autismo o nível de inteligência é frequentemente um grave prejuízo, e no padrão de QI são desiguais, mais baixos em escores verbais e mais baixos em subteste de compreensão. Já o transtorno misto da linguagem o nível de inteligência pode apresentar prejuízo no pensamento, menos severos, e nos padrões de QI eles apresentam maior regularidade, embora o QI verbal seja mais baixo do que o QI de execução. Comportamentos autistas, vida social prejudicada, assim como estereotipias, atividades ritualísticas no autismo é mais comum e mais severo, já no transtorno misto da linguagem é ausente ou, se presente, menos severo. Os jogos imaginativos são presentes no transtorno misto da linguagem e no autismo são ausentes ou rudimentares. Como as crianças autistas normalmente são mudas ou apresentam um desinteresse na linguagem, podem ser confundidas com crianças surdas. Algumas características podem diferenciar os dois quadros, como: as crianças autistas balbuciam muito pouco, enquanto os bebês surdos têm uma história de balbucio normal ou relativamente normal, que vão diminuindo ou cessam por volta dos seis meses a um ano de idade. As crianças surdas respondem a sons altos, enquanto as autistas podem ignorar sons altos e normais e respondem a sons baixos ou fracos. O mais importante é que o audiograma indica perda em crianças surdas e as crianças surdas normalmente se relacionam com seus pais, buscam um afeto e, quando bebês, gostam de um contato mais direto, como serem seguradas no colo, diferente das crianças autistas. Já em relação à privação social, em algumas crianças que sofreram alterações severas no ambiente físico e emocional (como hospitalizações, privação materna, ou um fracasso não orgânico do desenvolvimento), pode parecer que apresentam uma apatia, que são retraídas e distantes, assim como a linguagem e o contato social e motor pode ficar prejudicado, assim 41 como podem sofrer atraso no seu desenvolvimento. Entretanto, quando essas crianças são colocadas em um ambiente favorável, onde elas possam ter estimulação, melhoram rapidamente, o que não acontece com as crianças autistas. 2.6 CURSO E PROGNÓSTICO O transtorno autista tem um curso crônico e um prognóstico reservado. Mais comumente pode-se observar que crianças autistas com altos QIs. (acima de 70) e aquelas que usam a linguagem comunicativa por volta dos cinco aos sete anos, apresentam o melhor prognóstico. Os estudos demonstram que os adultos autistas continuam vivendo com sérias dificuldades e vivem com completa dependência ou semidependência. Vivendo com seus parentes ou em instituições. Somente um ou dois por cento adquirem uma situação normal ou independente com empregos remunerados e de cinco a vinte por cento conseguem chegar a um estado boderline. Claro que o prognóstico será melhor se o ambiente ou o lar fornecer um apoio, com estimulação necessária a essas crianças. De acordo com Fuentes (2008), algumas características do transtorno autista podem ser observadas precocemente, como perda do sorriso social, perda da expressão facial, perda do controle e contato visual e gestual, baixa atenção, e falta de respostas a sons. Alguns fatores vão ajudar nesse curso e prognóstico como a presença da linguagem antes dos cinco ou sete anos, a gravidade da condição e as respostas à estimulação. Uma minoria pode ter capacidade de desenvolver alguma atividade profissional com eficiência e ter uma vida independente. Embora possamos ver um atenuamento dos sintomas, em muitos casos a automutilação severa ou a agressividade e regressão podem estar presentes e prejudicar bastante o prognóstico. O comportamento autista aparece desde muito cedo, começa mais ou menos em torno da idade de dezoito ou vinte e quatro meses. Independente da idade de início do quadro autístico o quadro clínico subsequente é o mesmo. 42 O recém-nascido pode apresentar-se como uma criançadiferente dos outros bebês, pode chorar pouco e não apresentar necessidade de companhia ou estimulação. Normalmente é descrito como um bebê muito fácil, que nunca reclama ou às vezes se mostra muito irritado respondendo de forma intensa a qualquer estímulo. Nos primeiros seis meses, o bebê não nota as idas e vindas da mãe, não sorri para as outras pessoas, e não costuma esticar os braços para ser pego no colo. As primeiras vocalizações estão nitidamente atrasadas. No período de seis a doze meses, encontramos problemas com a alimentação, não querem comer alimentos sólidos, apresentam indiferença aos brinquedos. O sentar, o andar encontram-se atrasados, não estranham outras pessoas, e são indiferentes. No segundo e terceiro anos, a criança busca se estimular por meio de atividades repetitivas e estereotipadas, e as brincadeiras são sem criatividade, sem fantasia. No quarto e quinto anos, a fala está muito comprometida, as crianças não falam ou falam muito pouco, há presença de ecolalia, e uso incorreto de pronomes pessoais. Do sexto ano até a puberdade, os sintomas de autismo podem se tornar menos evidentes. Se até essa idade a criança não desenvolveu o uso da fala é provável que não se desenvolva mais. Continuam os problemas de socialização, assim como emocionalmente distantes. Quadro de irritabilidade, agitação, falta de controle emocional podem ocorrer. A puberdade pode vir acompanhada de comportamentos perturbadores, grande distanciamento social e resistência a mudanças. A depressão pode ocorrer também. Já na fase adulta, a maioria dos autistas com retardo mental acaba vivendo em instituições, e a minoria, sem o retardo mental, leva uma vida cheia de rotinas e rituais. Têm muitos problemas sociais, são incapazes de apresentar uma boa reciprocidade social. Às vezes, eles conseguem ter uma vida mais independente, inclusive com algum tipo de emprego, mas isso acontece muito raramente. Segundo Gauderer (1997), algumas crianças autistas são epilépticas na infância. E aproximadamente 7% a 28% dos casos desenvolvem quadros epilépticos depois em outras fases. Cerca de 75% dessas crianças permanecem mentalmente retardadas. As crianças que têm crises epilépticas associadas, ou outras lesões cerebrais, possuem uma tendência maior a serem retardadas e também apresentam uma dificuldade maior na linguagem. A incapacidade de usar a linguagem até os cinco anos de idade, e a dificuldade em usar os jogos simbólicos para a comunicação, levam a um prognóstico pobre em termos de 43 desenvolvimento intelectual e de personalidade e provavelmente essa criança vai necessitar de cuidados institucionais por toda a vida. Mas, em contraste a essa realidade, nas crianças que conseguem desenvolver a linguagem antes dos cinco anos de idade e que apresentem algum tipo de interação social o prognóstico é melhor, mas mesmo assim terão muitas dificuldades. 2.7 TRATAMENTO Os principais objetivos do tratamento consistem em diminuir os sintomas comportamentais, poder ajudar no desenvolvimento de funções atrasadas, ou que sejam rudimentares ou ausentes, como a linguagem, e tentar desenvolver o máximo de independência possível. Assim como é muito importante para os pais e familiares o acompanhamento, para terem um apoio e um aconselhamento. Métodos educativos e comportamentais, além de melhor escolha, são mais eficientes nas ajudas necessárias. A psicoterapia individual orientada para o insight não é a melhor escolha, pois tem se mostrado ineficaz, devido a todas as dificuldades cognitivas existentes no quadro do transtorno autista. O treinamento estruturado em sala de aula, assim como um acompanhamento mais de perto com métodos comportamentais tem se mostrado mais eficaz para muitas crianças autistas. Estudos mostram melhoras nos aspectos da linguagem e cognição, além de uma melhora no comportamento mal adaptativo. Nenhum medicamento tem se mostrado especificamente adequado para o transtorno autista, mas mesmo assim a psicofarmacologia é um coadjuvante valioso para o tratamento. A administração de haloperidol diminui os sintomas comportamentais e melhora o aprendizado, acelerando-o. A droga diminui a hiperatividade, estereotipias, retraimento, inquietação, irritabilidades e afeto instável. Quando essa medicação é utilizada de maneira 44 criteriosa, continua fazendo efeitos em longo prazo. A fenfluramina, que reduz níveis sanguíneos de seretonina, pode ser eficaz em algumas crianças autistas. O lítio pode ser utilizado para os sintomas de agressividade quando outras medicações não são eficazes. Segundo Mercadante (2005), existem diversas drogas antipsicóticas (lembrando que esse nome foi dado a um grupo de drogas pela sua função, o que não quer dizer que essas drogas sejam usadas apenas para “combater a psicose”), que podem ser usadas também, por exemplo, para tratar tiques. Os agentes antipsicóticos são utilizados para o tratamento de quadros psicóticos, comportamentos agressivos graves e determinadas alterações comportamentais observadas em indivíduos com autismo ou com transtornos invasivos do desenvolvimento. O Haloperidol, o pimozida e a flufenazina estão indicados para o tratamento de tiques também. O haloperidol é uma das drogas mais estudadas no caso de autismo, esquizofrenia, comportamentos agressivos graves e tiques. Esses estudos mostram que embora o haloperidol tenha efeitos colaterais importantes, é menos sedativo do que outras drogas o que interferirá menos no aprendizado das crianças. A flufenazina, uma piperazina, não tem seu uso liberado para crianças menores de doze anos, mas é muito utilizada em adultos. Em poucos estudos realizados com crianças foi possível observar a eficácia no controle de sintomas de hiperatividade, agressividade e estereotipias em indivíduos com transtornos invasivos do desenvolvimento. A dose utilizada nesse estudo foi de 0,04mg/kg/dia (MERCADANTE 2005 apud JOSHI et al., 1998). Uma dose de início de 0,5mg, com aumento gradual a cada três a cinco dias até a dose chegar de 1 a 2,5mg/dia, sendo tomados duas vezes ao dia para dividir. O lítio também tem sido estudado como uma droga eficaz para transtornos bipolares e em transtornos que apresentam problemas graves de comportamento agressivo. Mas o seu uso também não foi aprovado para crianças menores de doze anos. A melhor estratégia de tratamento é uma abordagem flexível, na qual o tratamento pode ser adaptado às mudanças que ocorrem ao longo do tempo, pois ocorreram mudanças nos sintomas, na capacidade de comunicação e de aprendizagem. A psicoterapia para os pais é de grande importância é deve ser dirigida a ajudar no manejo dos comportamentos difíceis da criança, assim como a diminuir a enorme culpa e perda 45 da autoestima vivida por esses pais, pois se sentem incapazes de manter com seus filhos um relacionamento normal. Já a psicoterapia só é recomendável para a criança autista em alguns casos em que a criança possa ter atingido um bom nível de desenvolvimento da fala relativamente cedo. O nível de eficácia das técnicas de modificação de comportamento é bastante variável. Pode haver alguma melhora nas verbalizações, no comportamento social e na atividade lúdica, melhorando de alguma maneira também os comportamentos autodestrutivos. A modificação de comportamento é um dos meios de tratamentos mais central para a criança autista. A educação especializada é provavelmente a intervenção mais utilizada para as crianças autistas, em instituições especializadas em educação especial. Algumas instituições incluem aconselhamento aos pais e o envolvimento destes com terapeutas. A educação especial tende a ser eclética e quando usada de maneira adequada com programas comportamentais bem estruturados pode ser um dos melhores tratamentos para as crianças autistas. Gauderer (1997 apud BARON-COHEN, 1991; FRITH
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