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INQUÉRITO POLICIAL CONSIDERAÇÕES INICIAIS O Estado pode e deve punir o autor da infração penal, garantindo com isso a estabilidade e a segurança coletiva (função, jamais se pode esquecer, subsidiária do direito penal). E, para aplicar o direito material ao caso concreto, como já vimos, o Estado deve se valer do processo penal. Entretanto, o respeito à dignidade da pessoa humana impõe a formação de um quadro probatório prévio, justificador da ação penal. Não se pode investir contra o indivíduo, agindo em juízo contra alguém sem um mínimo razoável de provas, de modo a instruir e sustentar tanto a materialidade (prova da existência da infração penal) como indícios suficientes de autoria (prova razoável de que o sujeito é autor do delito). Portanto, no Brasil, o Inquérito Policial (IPL) faz as vezes desta investigação preliminar. Trata-se de um procedimento prévio, que visa dar justa causa para ação penal, isto é, visa coletar requisitos mínimos de prova de materialidade e indícios de autoria. CONCEITO E FINALIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL O principal instrumento investigatório no campo penal é o inquérito policial, presidido pela autoridade policial. Surgiu com a Lei 2033/1871, que o definiu: “O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito” (art. 42). Trata-se de um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal (prova da materialidade) e sua autoria (indícios de autoria). Permite ao MP (nos crimes de ação penal pública) e ao ofendido (nos crimes de ação penal privada) o oferecimento da denúncia e da queixa-crime, respectivamente. O IPL tem por finalidade precípua estruturar, fundamentar e dar justa causa à ação penal, porque só com a justa causa para a ação penal o juiz será convencido da necessidade de um processo. Seu objetivo é a formação da convicção da acusação, mas também se presta à colheita de provas urgentes, que podem perecer ou ser deturpadas irreversivelmente (ex: exames de corpo de delito, exame de local etc.). No bojo do IPL tem-se uma instrução prévia, presidida pela autoridade policial, com a finalidade de reunir todas as provas preliminares que sejam suficientes para apontar a ocorrência de um delito e seu autor. Portanto, o IPL atua como um filtro duplo: em favor do indivíduo e da sociedade, pois auxilia a Justiça Criminal a preservar inocentes de acusações injusta e temerárias, ao mesmo tempo em que resguarda o movimento da máquina judiciária apenas para julgamento de fatos minimamente verificados. ARQUIVAMENTO – Nova disciplina do artigo 28 do CPP – estabelecida em consonância com o Projeto Anticrime – Lei 13.964/2019. Verificar https://www.conjur.com.br/2020-jan-10/limite- penal-procede-arquivamento-modelo Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) § 1º Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, Estados e Municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) – Disciplina antiga do artigo 28 do CPP – ainda em vigência por determinação do STF em medida cautelar na ADI 6305, que suspendeu a eficácia do novo dispositivo acima transcrito. Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao Procurador-Geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender – Possível reabertura da investigação arquivada: art. 18 do CPP. Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia. https://www.conjur.com.br/2020-jan-10/limite-penal-procede-arquivamento-modelo https://www.conjur.com.br/2020-jan-10/limite-penal-procede-arquivamento-modelo http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm#art3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm#art3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm#art3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm#art3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm#art3 CARACTERÍSTICAS a) Natureza administrativa Tem natureza administrativa, na medida em que é instaurado pela autoridade Policial Judiciária, vinculada ao Poder Executivo, não ao Poder Judiciário. Não se trata, portanto, de processo judicial. b) Procedimento inquisitorial É um procedimento administrativo de característica predominantemente inquisitorial e, como tal, não há ampla defesa e nem contraditório. Não se permite ao investigado/indiciado a ampla oportunidade de defesa, produzindo e indicando provas, oferecendo recursos, apresentando alegações etc. A autoridade policial pode ou não deferir eventuais diligências postuladas pelo ofendido ou pelo investigado (art. 14, CPP). Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade. Essa natureza inquisitorial do IPL visa agilizar a investigação do crime e descoberta da autoria pelo Estado, mas tem sido paulatinamente “oxigenada” com o amadurecimento democrático do processo penal a partir de sua interpretação constitucional, inspirando inclusive algumas reformas legislativas (no próprio CPP e em leis esparsas, como o Estatuto da Advocacia). c) Valor probante relativo Justamente por ser inquisitivo, possui um valor probante relativo, ficando sua utilização como instrumento de convicção do juiz condicionada a que as provas nele produzidas sejam renovadas ou ao menos confirmadas em juízo, sob o manto do devido processo legal e seus princípios. O juiz não pode condenar com base em provas produzidas no IPL, devendo estas ser reproduzidas ou judicializadas. Isto é, o juiz pode utilizar as provas produzidas no IPL para formar a sua convicção, mas não poderá fundamentar-se exclusivamente neles. Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil. OBS. IMPORTANTE – O QUADRO MENTAL PARANOICO E A TENTATIVA DE INTRODUÇÃO DO JUIZ DE GARANTIAS O modelo brasileiro como está construído sempre revela o perigo de que o juiz seja capturado desde o inquéritopor suas suspeitas, estabelecendo o primado da hipótese sobre os fatos e gerando o quadro metal paranoico de que falava o italiano Franco Cordero. Mesmo sem poder empregar “exclusivamente” as provas produzidas unilateralmente no inquérito para condenar o réu, a partir delas o Juiz forma a sua convicção e passa a procurar, ele mesmo, no processo, as provas que se encaixam na sua convicção já formada. Este quadro se agrava quando o sistema permite a produção de provas de ofício pelo julgador, como acontece na nossa realidade (vide, por exemplo, o artigo 156, II, do CPP). O juiz de garantias, introduzido a partir do no novo artigo 3.º-A em nosso sistema pela Lei 13.964/2019, visa contribuir para a redução deste problema, mas teve a eficácia suspensa por decisão cautelar do STF na ADI 6305. Segundo o novo artigo 3.º-C, “a competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código”, e de acordo com o § 3.º deste dispositivo, “os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado.” d) Dispensável O IPL se presta a achar a justa causa para a ação penal (prova da materialidade e indícios de autoria). Todavia, se desde logo a acusação dispuser de informações suficientes para dar justa causa à ação penal, pode ajuizar de pronto a denúncia ou a queixa-crime, dispensando o procedimento policial (art. 39, § 5.º, 46, § 1.º, CPP). Portanto, o IPL não é imprescindível ao ajuizamento da ação penal. * o IPL não é indispensável, podem existir outras formas de investigação. A denúncia pode ser oferecida com base no relatório final de uma CPI, por exemplo, ou de uma representação fiscal para fins penais do caso de delitos tributários. e) Procedimento escrito Todos os atos realizados no curso das investigações serão formalizados de forma escrita (ex: depoimentos, acareações, reconhecimentos etc.). Art. 9o Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade. g) Oficiosidade Ressalvadas as hipóteses excepcionais de ação penal pública condicionada à representação ou à requisição e dos delitos de ação penal privada, o IPL deve ser instaurado ex officio pela autoridade policial sempre que tiver conhecimento da prática de um delito (art. 5º, I, CPP). Ou seja, quando se tratar da regra em nosso ordenamento jurídico, ou seja, nos crimes que devem ser processados em juízo mediante ação penal pública incondicionada, tomando conhecimento do fato, a autoridade policial deve iniciar a investigação de ofício. Art. 5o Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: I - de ofício; h) Oficialidade A investigação deve ser realizada por autoridades e agentes integrantes dos quadros públicos (Polícia Judiciária), sob a presidência do Delegado de Polícia. i) Discricionariedade Instaurado o IPL, a autoridade policial tem liberdade para decidir acerca das providências pertinentes ao êxito da investigação, respeitando-se, por óbvio, as normas constitucionais e infraconstitucionais que se mostrarem incidentes em determinados meios de prova. O MP, todavia, pode requerer diligências específicas, que deverão ser realizadas pela polícia. j) Indisponibilidade Uma vez instaurado o IPL, não pode a autoridade policial, por sua própria iniciativa, promover o seu arquivamento (art. 17, CPP), ainda que venha a constatar eventual atipicidade do fato ou que não tenha detectado indícios que apontem o autor do ilícito. Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito. l) Sigilo Não se submete à publicidade que rege o processo judicial. Não cabe a incursão de qualquer do povo à delegacia de polícia desejando acesso aos autos do IPL a pretexto de fiscalizar e acompanhar o trabalho do Estado-investigação, como se poderia fazer quanto ao processo em juízo (sigilo externo). Entretanto, esse sigilo não atinge o advogado ainda que não tenha procuração nos autos (lembrar da Súmula Vinculante n.º 14, do STF). Entretanto, se o IPL estiver em segredo de justiça, somente o advogado constituído poderá ter acesso aos autos (é vedado o sigilo interno - art. 7º, lei 8906/94) Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes, salvo no caso de existir condenação anterior. O INÍCIO DO INQUÉRITO As formas pelas quais o inquérito policial pode iniciar variam e dependem de qual seja a ação penal a ser adotada para o crime que se quer investigar. I) Se o crime for de ação penal pública incondicionada (que é a regra em nosso ordenamento jurídico), o inquérito policial pode ser iniciado: a) de ofício pela autoridade policial judiciária (característica da oficialidade já vista acima), sempre que, de qualquer maneira, ela, por si só, tome conhecimento da ocorrência do fato: Art. 5.o Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: I - De ofício; b) por requerimento da vítima ou de quem seja o seu representante, de acordo com a parte final do inciso II do mesmo artigo 5.º: Art. 5.o Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: ... II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. Este requerimento (essa é a nomenclatura do Código, mas pode ser chamado de pedido de abertura de inquérito, registro de ocorrência, B.O., relato de fato, comunicação de crime, “notitia criminis”, “delatio criminis”...) deve conter os seguintes elementos, sempre que possível: § 1.º O requerimento a que se refere o no II conterá sempre que possível: a) a narração do fato, com todas as circunstâncias; b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer; c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência. c) por comunicação de qualquer pessoa do povo que tenha tido conhecimento do fato, de acordo com o § 3.º, do mesmo artigo 5.º: § 3o Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito. Aqui também o Código chama de “comunicação”, mas pode ser chamado de pedido de abertura de inquérito, registro de ocorrência, B.O., relato de fato, “notitia criminis”, “delatio criminis”...). Da mesma forma, se possível, é recomendável que tenha os elementos do § 1.º do artigo 5.º, pois facilita o início dos trabalhos investigativos da polícia. d) por requisição do juiz ou do membro do Ministério Público, de acordo com a parte inicial do inciso II do mesmo artigo 5.º: Art. 5.o Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: ... II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. e) através da lavraturado auto de prisão em flagrante delito, quando for o caso Nos casos das letras “a” a “d”, a peça que inaugura o inquérito policial é a Portaria lavrada pelo Delegado; no caso da letra “e”, a peça que inaugura o inquérito é o próprio auto de prisão em flagrante, não sendo necessária a lavratura de Portaria. II) Se o crime for de ação penal pública condicionada (que é exceção no nosso ordenamento jurídico), o inquérito policial não pode ser iniciado sem a condição exigida pela lei, ou seja, não pode ser iniciado sem que exista a representação ou a requisição do Ministério da Justiça, em consonância com o § 4.º, do artigo 5.º, do CPP: § 4º O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado. Quanto aos delitos que exigem “representação”, que são mais comuns do que aqueles que exigem “requisição do MJ”, atentar para as características desta representação, definidas no artigo 39 do Código de Processo Penal: Art. 39. O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial. II) Se o crime for de ação penal privada (que também é exceção no nosso ordenamento jurídico), o inquérito policial igualmente não pode ser iniciado sem o requerimento da vítima ou do seu representante legal neste sentido, direcionado à autoridade policial, nos termos do § 5.º, do artigo 5.º, do CPP: § 5º Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la. OBSERVAÇÃO IMPORTANTE – ARTIGO 38 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL Art. 38. Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.
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