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393 - Feminino e sagrado

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Feminino e sagrado 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Feminino e sagrado 
 
 
 
Diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
 
Organizadora 
Maria Simone Marinho Nogueira 
 
 
 
 
 
 
 
 
Diagramação: Marcelo A. S. Alves 
Capa: Carole Kümmecke - https://www.conceptualeditora.com/ 
Arte de Capa: Kate Bedell - https://www.katebedell.com/ 
 
 
O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são prerrogativas de 
cada autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva 
responsabilidade de seu respectivo autor. 
 
 
 
Todos os livros publicados pela Editora Fi 
estão sob os direitos da Creative Commons 4.0 
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR 
 
 
 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
NOGUEIRA, Maria Simone Marinho (Org.) 
 
Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia [recurso eletrônico] / Maria Simone Marinho Nogueira (Org.) 
-- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2021. 
 
265 p. 
 
 
ISBN - 978-65-5917-393-8 
DOI - 10.22350/9786559173938 
 
Disponível em: http://www.editorafi.org 
 
 
1. Feminino; 2. Sagrado; 3. Literatura; 4. Filosofia; 5. Coletânea; I. Título. 
 
CDD: 100 
Índices para catálogo sistemático: 
1. Filosofia 100 
 
 
 
Nota da organizadora 
 
Os textos aqui reunidos são fruto dos trabalhos realizados para o 
Componente Curricular Literatura e Sagrado, ministrado por mim no se-
gundo semestre de 2020, no Programa de Pós-Graduação em Literatura e 
Interculturalidade/PPGLI da Universidade Estadual da Paraíba/UEPB. São 
de autoria de mestrandas e mestrandos, contando alguns poucos com a 
participação de professoras e professores do Programa. O Componente 
Curricular teve como tema O sagrado a partir da literatura de autoria fe-
minina e o seu objetivo geral foi pensar o sagrado em suas diferentes 
perspectivas, tomando como horizonte de sentido textos escritos por mu-
lheres na Idade Média e na Contemporaneidade. Em um primeiro 
momento houve uma abordagem do referencial teórico sobre literatura e 
sagrado, e posteriormente procurou-se repensar a categoria do sagrado 
sob o viés da mística, sobretudo da mística feminina. Para tanto, foram 
analisados os textos de autoria feminina, focando nas suas características 
literário-filosóficas como recursos de expressão do sagrado, e nove mulhe-
res foram abordadas a partir dos respectivos temas que aparecem a seguir: 
O sagrado na mística sufi de Rabiaa Al Adawiyya (ca. 715); Orewoet van 
minnen como sagrado nas poesias de Hadewijch da Antuérpia († 1248); A 
teologia natural e a intuição feminina do divino em Christine de Pisan 
(1364-1430)1; O sagrado na Autobiografia espiritual de Simone Weil 
(1909-1943); A última aparição do sagrado em Maria Zambrano (1904-
1991); A ausente Presença na lírica de Hilda Hilst (1930-2004); Erotismo, 
mística e morte: a tríade Adelina (Adélia Prado, 1935)2; O feminino e o sa-
grado em Julia Kristeva (1941) e Catherine Clément (1939). 
 
1 A aula sobre Christine de Pizan contou com a colaboração do Prof. Dr. Evaniel Brás, da Universidade Federal de 
Sergipe. 
2 As aulas sobre Hilda Hilst e sobre Adélia Prado contou com a colaboração da Profa. Dra. Cleide Oliveira, do Centro 
Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, e que gentilmente engrandece este livro com o Prefácio. 
 
 
De qualquer modo, é importante fazer uma observação em relação 
aos textos aqui publicados. Com exceção de dois deles, que têm por base 
as pesquisas já desenvolvidas na Pós-Graduação, todos os outros se cons-
tituem num esforço por parte das mestrandas e dos mestrandos em 
realizar uma investigação sobre uma escritora até então desconhecida ou 
nunca trabalhada por elas e eles, valorizando-os ainda mais porque pos-
suem o sabor da descoberta e do encanto que deve ser um dos 
pressupostos da pesquisa quando se trata, sobretudo, das humanidades. 
Área tão necessária e importante quanto mal compreendida no atual con-
texto em que vivemos. Nesta direção, o solicitado no Componente 
Curricular foi que ao final do semestre fosse entregue um artigo sobre o 
tema abordado a partir das mulheres apresentadas ou de outras que pu-
dessem acrescentar novas perspectivas à discussão. Assim, dentre as 
estudadas, se apresentaram textos sobre Hadewijch da Antuérpia, Simone 
Weil, Hilda Hilst e Adélia Prado. A estes, acrescentaram-se textos sobre 
Isabel Machado, Catarina de Siena, Etty Hillesum, Clarice Lispector e Dôra 
Limeira. Logo, da Idade Média à Contemporaneidade, partindo dos Países 
Baixos, passa pela Itália, França e Portugal, cruza o Atlântico e chega ao 
Brasil, recortando diferentes paisagens. Neste percurso, vê-se um coro de 
vozes, na verdade, de escritas que desenham o sagrado ou que expressam 
um experienciar dele. Seja como for, cada uma à sua maneira, cada uma 
na sua língua, escreve para si e para quem tiver a disponibilidade da escuta 
para o indizível, isto é, para aquelas e aqueles que têm sede do infinito e a 
quem, naturalmente, tudo não basta. Aproveitando a metáfora do desejo, 
que não baste, desta forma, este livro, e que suas leitoras e seus leitores se 
sintam sedentos por provar um pouco mais. 
 
Maria Simone Marinho Nogueira 
Campina Grande/PB, julho de 2021. 
 
 
 
 
 
 
Sumário 
 
 
Prefácio 11 
Cleide Oliveira 
1 14 
Um pouco da religiosidade medieval a partir das experiências místicas de Catarina de 
Siena 
Ana Rachel G. C. de Vasconcelos 
2 37 
“Cristo desceu e tomou conta de mim”: a mística em Simone Weil 
Luiza Benício Pereira 
Maria Simone Marinho Nogueira 
3 60 
Crítica à instituição igreja e a recusa de Simone Weil ao batismo em carta a um 
religioso 
Luana Micaelhy da Silva Morais 
4 77 
Simone Weil e o acesso ao divino por meio do infortúnio 
Jaqueline Vieira de Lima 
5 92 
A espera de Deus em Simone Weil: reflexões sobre justiça e caridade 
Erica Dayana Monteiro Cavalcante 
6 106 
Testemunho e sagrado em Simone Weil 
Jéssica da Silva Nascimento 
Reginaldo Oliveira Silva 
7 129 
A experiência mística na escrita de si em Etty Hillesum 
Solange Alves de Almeida 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 149 
Entre o feminino e o sagrado: um estudo sobre a relação com o divino em D. Isabel de 
Aragão no medievo europeu 
Francisco Edinaldo de Pontes 
Aldinida Medeiros 
9 180 
Peças do inespecífico: o mosaico do amor na poética de Hadewijch da antuérpia 
Itamar Mateus Muniz de Melo 
10 193 
Entre o real e o sagrado: uma leitura possível do conto Búfalo, de Clarice Lispector 
João Aleixo da Silva Neto 
11 203 
Dimensões do sagrado em Hilda Hilst, Obscena Senhora D. 
Julian Bohrz 
12 226 
A experiência divina em Adélia Prado: uma ligação mística do eu-lírico em 
Consanguíneos e O amor no Éter 
Pedro Caio Sousa Almeida 
13 240 
A presença do sagrado na escrita de autoria feminina em O beijo de Deus, de Dôra 
Limeira 
Ana Flávia da Silva Oliveira 
Autoras e autores 262 
 
 
 
 
 
Prefácio 
 
Cleide Oliveira 
 
 
Das muitas possibilidades de compreensão dos substantivos sagrado 
e feminino, e das possíveis pontes de intercessão entre eles, quero chamar 
atenção para a pluralidade de cores e matizes hermenêuticas que tornam 
difícil, se não impossível, que a conceituação precisa e inequívoca recaia 
sobre esse binômio singular. Em tempos em que, por um lado, complexi-
ficam-se as designações de gênero e, por outro lado, problematiza-se o 
conceito de sagrado – que precisa ser circunscrito a essa ou aquela percep-
ção teórica – não é óbvio do que se trata um livro sobre feminino e sagrado. 
Mas tal dificuldade é minimizada quando folheamos as páginas dessa pu-
blicação e constatamos que uma certa unidade se impõe à aparente fluidez 
desses treze ensaios que se debruçam sobre o feliz binômio, perscrutando 
as possibilidades de interação, influência e confluência entre esse irromper 
do Completamente Outro – na esteira da compreensão de RudolfOtto do 
sagrado, autor que frequenta amiúde os diversos textos aqui presentes – e 
a sua recepção/percepção/reflexão por um eu que se diz no feminino. 
Os textos que ora se dispõem à fruição do leitor curioso tem em 
comum o foco em personagens femininas – históricas ou ficcionais – em 
embate com um sagrado, no mais das vezes de tradição judaico-cristã, que 
irrompe de forma tempestuosa e se impõe como força que a si tudo 
conclama e seduz. São textos como o de Ana Rachel G. C. de Vasconcelos, 
que escreve sobre a espiritualidade mística da também medieval Catarina 
Benincasa de Siena, que exerceu importante papel político no medievo. 
Ainda os textos de Luiza Benício Pereira e Maria Simone Marinho 
Nogueira, de Luana Micaelhy da Silva Morais, de Jaqueline Vieira de Lima, 
12 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
de Erica Dayana Monteiro Cavalcante e de Jéssica da Silva Nascimento e 
Reginaldo Oliveira Silva, que abordam diferentes facetas da vida e obra da 
filósofa e mística Simone Weil. Outra filósofa abordada, no artigo de 
Solange Alves de Almeida, é Etty Hillesum, onde, por meio da análise dos 
Diários da autora, é enfatizada a força combativa que a escrita de si possui, 
e o papel de resistência que tal escrita assumiu na vida de Etty Hillesum, 
no contexto terrível da Segunda Guerra Mundial e do nazismo. Se os 
primeiros textos se voltam para figuras histórias para compreender o 
apelo místico a que todas elas atenderam, os demais possuem como objeto 
de estudo a literatura, tanto em prosa quanto na poesia. A questão do 
sagrado amarra com fios delicados cada um dos textos, por exemplo o de 
Francisco Edinaldo de Pontes e Aldinida Medeiros, que analisam a 
personagem D. Isabel de Aragão, personagem do romance histórico A 
Rainha Santa (2017), de Isabel Machado, em sua sede pelo divino no 
contexto teocêntrico da Idade Média. Ou o de Itamar Mateus Muniz de 
Melo, que discorre sobre o poema Strophische Gedichten V da mística 
medieval Hadewijch da Antuérpia († 1248), na tentativa de entender como 
se configura o tema do amor em sua poesia mística. Ou João Aleixo da Silva 
Neto, que visita a narrativa Búfalo, de Clarice Lispector, a partir de um 
instrumental teórico lacaniano, e formula como hipótese interpretativa a 
sobreposição entre o conceito de Real, em Lacan, e Sagrado, para a análise 
do conto. Ainda, a instigante personagem Senhora D., de Hilda Hilst, 
comparece no ensaio de Julian Bohrz, que se detém na construção 
memorialística dessa obscena senhora, focando principalmente as agudas 
reflexões da narrativa hilstiana sobre o divino. De igual modo, o texto de 
Pedro Caio Sousa Almeida propõe uma leitura de dois poemas de Adélia 
Prado, Consanguíneos e O Amor no Éter, os quais tratam de uma complexa 
relação entre o humano e o divino, essa “formidável parelha” que aponta 
para uma espiritualidade tanto mística quanto ética nos textos adelianos. 
Cleide Oliveira | 13 
 
 
Por fim, o texto de Ana Flávia da Silva Oliveira, sobre a escritora paraibana 
Dôra Limeira, em especial sobre a narrativa O beijo de Deus (2007), texto 
que enfoca a intercessão sempre surpreendente entre o erótico e o sagrado 
na referida narrativa. 
Entre o feminino e o sagrado os textos que aqui se dispõem estabele-
cem rico diálogo com a filosofia e com a literatura; fica a sugestão para que 
o leitor aceite o convite e se embrenhe nessa floresta de signos tecida a 
partir de uma multiplicidade de vozes que se conjugam no feminino e se 
afinam no comum desejo de aceder ao sagrado. 
 
Curvelo/MG, outubro de 2021. 
 
 
 
 
 
 
1 
 
Um pouco da religiosidade medieval a partir das 
experiências místicas de Catarina de Siena 
 
Ana Rachel G. C. de Vasconcelos 
 
 
Introdução 
 
O século XIV é visto, por muitos autores, como paradoxal, pois, se por 
um lado, foi marcado por eventos como a Guerra dos Cem Anos, a Peste 
Negra e o Grande Cisma, por outro, foi também a época em que viveram 
grandes poetas, místicos e santos, como Boccaccio, Geoffrey Chaucer, Jo-
hann Tauler, Henrique Suso, Ruysbroeck, Brígida da Suécia e Catarina de 
Siena. Por isto, ele é comumente descrito como uma era de destruição, mas 
também de soerguimento; de terror apocalíptico, mas também de espe-
rança mística. 
Nele, houve o colapso da ordem estabelecida pela Igreja, o esgota-
mento do modelo feudal, o surgimento do nacionalismo e das primeiras 
divisões religiosas, contudo, espiritualmente, ele foi bastante profícuo, 
uma época de bastante vitalidade espiritual que marcou a história do Oci-
dente (DAWSON, 2002). 
A Itália, que viria a ser expoente do Renascimento, produziu, nos sé-
culos anteriores, uma literatura espiritual extremamente rica, “repleta de 
devoção mística e fervor religioso” (KING, 2004, p.56). Embora alguns 
místicos tenham se mantido propositalmente afastados das polêmicas, 
preferindo enfatizar a necessidade de conversão pessoal e de uma mu-
dança interior; outros, como Catarina de Siena, sentiram-se compelidos 
ao profundo envolvimento em defesa do papado e de uma reforma da 
Igreja (MCGINN, 2005). 
Ana Rachel G. C. de Vasconcelos | 15 
 
 
Catarina foi talvez a mais importante mística italiana do século XIV e 
a primeira a deixar seus escritos em língua vernácula (MCGINN, 2016). 
Autora de uma importante obra de espiritualidade e de um extenso epis-
tolário; possuidora de uma personalidade marcante, na esteira de Joaquim 
de Fiore, Dante Alighieri, João de Parma, Francisco de Assis e Angela de 
Foligno, a mística italiana, desde muito cedo, tomou ciência dos problemas 
eclesiásticos e envolveu-se profundamente, – primeiramente como con-
templativa e, num segundo momento, também como profetisa e 
embaixatriz de Siena e do Papa – doando-se pela unidade dos cristãos e 
pela paz. 
Neste escrito, faremos um breve estudo da experiência mística de Ca-
tarina Benincasa de Siena, figura importante não apenas para os estudos 
de gênero e das relações de poder, mas também para a compreensão da 
mística e da cosmovisão medievais. 
Como sabemos, a reconhecida santidade, normalmente ligada à vir-
gindade, dava à mulher medieval autoridade para influenciar nas questões 
temporais e espirituais, e Catarina é o perfeito exemplo de mulher que 
exerceu fortemente esta atividade, entrando para a história pela atuação 
pública, mas, antes disso, Catarina foi uma típica mística medieval e só 
desempenhou aquele importante papel porque primeiro desenvolveu ple-
namente a sua vida interior. 
Ela estabeleceu uma íntima relação com Deus, tendo como principais 
notas de sua espiritualidade o severo ascetismo, a devoção à Paixão, ao 
sangue e à eucaristia, os inúmeros êxtases, o recebimento de estigmas 
(MCGINN, 2005) e outras experiências decorrentes daquela, como o casa-
mento místico, a troca de corações, a levitação etc. 
O entendimento da mística catariniana a partir das suas próprias prá-
ticas, crenças e anseios é o objeto deste estudo. Primeiro, abordar-se-á o 
sagrado, a partir das bases estabelecidas por Mircea Eliade, e alguns 
16 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
aspectos definidores da espiritualidade medieval. Em seguida, após uma 
breve exposição de Catarina como mística dominicana por excelência, pas-
saremos à exposição das suas práticas religiosas e experiências místicas. 
 
A mística cristã medieval 
 
O homem contemporâneo, de maneira geral, sente certo desconforto 
em relação às manifestações do sagrado. Apenas com muito esforço, sua 
mente materialista e pragmática consegue compreender o que representa 
a hierofania – em especial a maior de todas, para os cristãos, a encarnação 
de Deus – para o homo religiosus (ELIADE, 2011). 
O homem ocidental contemporâneo olha para a sociedade medieval 
com condescendência, tomando a sua religiosidade e as suas práticas como 
sinais de profunda ingenuidade, quandonão de tolice. É excruciante para 
ele a ideia de que o sagrado possa, para o religioso, manifestar-se em um 
pedaço de pão, por exemplo, porque ele olha para o pão e vê apenas pão, 
enquanto o religioso considera que, embora a aparência não mude, 
quando o sagrado se manifesta, aquilo torna-se outra coisa. 
O pão e o vinho sagrados são adorados não pelo que são material-
mente, mas como hierofanias. Eles transmudaram-se para uma realidade 
sobrenatural e passaram a revelar algo que já não é nem pão, nem vinho, 
mas o sagrado sob aquelas espécies. Frequentemente o contemporâneo 
olha para o medieval com lentes atuais e pressupostos inadequados, es-
quecendo-se que os fatos religiosos estão para além da apreensão 
meramente histórico-cultural e que o fenômeno religioso tem caráter 
trans-histórico (RIES, 2014). Para bem compreender a religiosidade me-
dieval, portanto, é necessário deixar que o próprio medieval explique a sua 
experiência, pois o seu comportamento decorre inteiramente dela (RIES, 
2014). Para ele, tudo possui valor e significado religioso ou espiritual. A 
alimentação é valorizada, a vida sexual é ritualizada, o casamento é visto 
Ana Rachel G. C. de Vasconcelos | 17 
 
 
como mais do que mera realidade natural, e tudo – a própria casa, a rotina 
– é compreendido a partir de uma perspectiva que toma por base a trans-
cendência (ELIADE, 2011). 
O sagrado, para ele, é a realidade por excelência, e ele deseja nunca 
perdê-la de vista, mantendo-se, o máximo possível, perto de onde ele se 
manifesta primordialmente, o templo, e dos objetos consagrados, dese-
jando santificar-se e viver num mundo santificado. A vida cotidiana é 
valorizada no plano religioso e metafísico e é transfigurada, de forma que 
até o gesto mais habitual pode significar um ato espiritual, e a vida mesma, 
de muitas formas, é passível de ser santificada (ELIADE, 2011). Embora 
muito do que Eliade descreve seja relativo a sociedades primitivas, as in-
formações supracitadas ajudam o ocidental contemporâneo a 
compreender o pensamento cristão e a mística medieval, que se funda-
menta nesta necessidade que o religioso tem de santificar-se para entrar 
em comunhão com Deus – tudo o mais se desenvolve a partir deste postu-
lado inicial (ADDISON, 1918). 
O religioso considera haver no coração do homem uma inquietação1, 
um abismo2, uma saudade profunda, um “desejo de Deus” intenso e ine-
xaurível, chamado pelos primeiros padres sírios de “sede da alma pelo 
Deus vivo” (GEBHART, 1922). A partir deste ponto de vista, desde os pri-
mitivos, com seus rituais e sacrifícios, há uma busca do homem por algo 
superior que o criou e com quem deve restabelecer o contato, por meio de 
rituais religiosos e da observância de leis, de uma ética revelada por este 
ser supremo a um pontífice, seja sacerdote ou profeta. 
 
1 “Todavia, o homem, partícula de tua criação, deseja louvar-te. Tu mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, 
porque nos fizeste para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso”. (AGOSTINHO, 
1955, 1.1) 
2 “O infinito abismo só pode ser preenchido por um objeto infinito e imutável, isto é, somente pelo próprio Deus”. 
(PASCAL, 2001, VII, 425). 
18 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
Para o cristão medieval, isto decorre da comunhão perdida com a ex-
pulsão do Éden. Mas, se Adão e Eva fugiram e esconderam-se de Deus, 
envergonhados, após a desobediência primeva, por estarem nus – algo que 
só puderam notar porque, simbolicamente, perderam a visão vertical e 
passaram a ter uma visão horizontal e rasteira –, sendo expulsos do para-
íso3, há esperança para a cristandade medieval com a Nova Criação, 
inaugurada pela nova Eva4, Maria de Nazaré, e o novo Adão, Jesus Cristo. 
Aquela, por sua obediência e submissão, e este, por sua encarnação e sa-
crifício, tornaram novamente possível a comunhão com Deus. 
O místico cristão é a pessoa que consegue estabelecer, em vida, a 
união pessoal com Deus, tornada possível pela Encarnação do Verbo. Adão 
e Eva podem ser lidos, simbolicamente, como figuras5 dos místicos cristãos 
(que não à toa frequentemente falam em nudez); todo o drama de Jó pode 
ser resumido na luta do homem por encontrar e alcançar a Deus, e sua 
vida é facilmente relacionada6 com o caminho místico. Da boca de Jó saem 
palavras com as quais qualquer místico cristão concordaria: "Sim, hoje a 
minha queixa é amarga, ainda que sua mão reprima meus suspiros. Oxalá 
soubesse onde poderia encontrá-lo, para que eu pudesse chegar ao seu 
trono!" (Jo 23, 2-3). 
 
3 Gn 3, 23-24: "O Senhor Deus expulsou-o do jardim do Éden, para que ele cultivasse a terra “de onde havia tirado”. 
E expulsou-o; e colocou ao oriente do jardim do Éden querubins armados de uma espada flamejante, para guardar 
o caminho da árvore da vida" 
4 Maria de Nazaré é uma figura bastante cara aos medievais, que costumavam apontá-la como contrária a Eva: a 
desobediência da primeira Eva ocasionou a queda; a obediência da nova Eva permitiu a Encarnação do Verbo; a 
primeira Eva disse “não” a Deus, a nova Eva disse “sim” e concebeu do Espírito Santo; por meio da primeira Eva, o 
pecado veio ao mundo; por meio da nova Eva, a redenção veio ao mundo. Se por meio da primeira Eva houve a 
queda, pela intercessão da nova Eva Jesus iniciou seu ministério salvífico com o primeiro milagre (bodas de Caná) 
etc. A nova Eva é amada triplamente por Deus: com amor de Criador, por Deus Pai; com amor de esposo, pelo 
Espírito Santo; e com amor de Filho, por Jesus Cristo, sendo, por isso, considerada a maior e mais amada dentre as 
criaturas. Se, com a expulsão do Éden, anjos foram colocados na porta para evitar a volta do casal caído e, em todo 
o Antigo Testamento, os homens se prostram e não conseguem fitar os anjos, tamanho o seu esplendor; a nova Eva 
é saudada alegremente pelo maior dos arcanjos e o fita com tranquilidade etc. A famosa Ladainha de Nossa Senhora 
remonta ao século XIII. 
5 Deus passeava no jardim à hora da brisa da tarde, em plena comunhão com os homens (Gn 3,8) [grifos nossos] 
6 Jó se despoja de tudo e suporta o sofrimento pacientemente, perde bens, filhos e chega a ter o corpo coberto por 
feridas – lembra o que ocorre com certa frequência na mística cristã. 
Ana Rachel G. C. de Vasconcelos | 19 
 
 
A peregrinação pelo deserto em busca da terra prometida, relatada 
no Pentateuco; o livro dos Salmos, repleto de expressões que refletem a 
via mística (não à toa, na Idade Média, era decorado e entoado pelos reli-
giosos), tais como: 
 
Como a corça anseia pelas águas vivas, assim minha alma suspira por 
vós, ó meu Deus. Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando 
irei contemplar a face de Deus? Minhas lágrimas se converteram em ali-
mento dia e noite, enquanto me repetem sem cessar: “Teu Deus, onde está?” 
[...] Por que te deprimes, ó minha alma, e te inquietas dentro de mim? 
Espera em Deus, porque ainda hei de louvá-lo: ele é minha salvação e meu 
Deus. Desfalece-me a alma dentro de mim; por isso, penso em vós do lon-
gínquo país do Jordão, perto do Hermon e do monte Misar. Uma vaga traz 
outra no fragor das águas revoltas, todos os vagalhões de vossas torrentes 
passaram sobre mim. Conceda-me o Senhor de dia a sua graça; e de noite eu 
cantarei, louvarei ao Deus de minha vida. Sl 42, 2-4.6-9. (Destaques nossos) 
 
Ó Deus, vós sois o meu Deus, com ardor vos procuro. Minha alma está se-
denta de vós, e minha carne por vós anseia como a terra árida e sequiosa, 
sem água. Quero vos contemplar no santuário, para ver vosso poder e vossa 
glória. Porque vossa graça me é mais preciosa do que a vida, meus lábios 
entoarão vossos louvores. Assim vos bendirei em toda a minha vida, com 
minhas mãos erguidas vosso nome adorarei. Minha alma saciada como de fino 
manjar, com exultante alegria meus lábios vos louvarão. Quando, no leito, me 
vem vossa lembrança, passo a noite todapensando em vós. Porque vós sois o 
meu apoio, exulto de alegria, à sombra de vossas asas. Minha alma está unida 
a vós, sustenta-me a vossa destra. Sl 62, 2-9. (Destaques nossos) 
 
 Os livros dos profetas7, o Cântico dos Cânticos etc, todo o Antigo e o 
Novo Testamentos estão permeados por expressões que remetem a uma 
 
7 Por exemplo: "Buscai o Senhor, já que ele se deixa encontrar; invocai-o, já que está perto" Is 55,6. 
20 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
busca8, uma espera9 do homem por Deus, com quem deseja estabelecer 
uma relação pessoal. A mesma coisa é encontrada nos primeiros séculos 
do Cristianismo e na Idade Média. "A teologia mística começa sustentando 
que o homem se apartou de Deus e anseia por estar novamente unida a 
ele" (GEBHART, 1922), este anseio, como dito, é o postulado da mística 
cristã. O homem está incompleto, insatisfeito, e não se satisfará com nada 
menos que Deus. 
Mas, além da natural dificuldade, para o homem moderno, de com-
preender a cosmovisão medieval, no entendimento da mística medieval 
sobrevém ainda o antigo problema da linguagem que, em certa medida, 
foi responsável pelos clássicos embates entre teólogos especulativos e mís-
ticos; aqueles, buscando, a todo custo, enquadrar as ações divinas na razão 
humana e em seus conceitos filosóficos e teológicos, e estes sem conseguir 
expressar perfeitamente a experiência mística, utilizando termos inexatos, 
inadequados, ou até mesmo, para os teólogos, exagerados, devido à limi-
tação da linguagem a qual os místicos sentem-se constrangidos a recorrer 
por não haver outra opção, mesmo sabendo que fica muito aquém da ex-
periência inefável10 que tentam descrever (ROYO MARÍN, 1988). 
Em certa ocasião, relata Raimundo de Cápua, Catarina afirmou: “Mas 
aqui me falta a memória, e a pobreza da linguagem me impede de dar uma 
descrição adequada destas coisas. Não obstante, lhe darei o que puder” 
(CÁPUA, 1960, p. 76). Em outro momento, o confessor diz que Catarina de 
Siena, durante uma de suas visões, repetiu em latim, por muito tempo, 
 
8 Jo 14,8: Disse-lhe Filipe: "Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta". 
9 João Batista, considerado o último profeta da Antiga Aliança, mandou perguntarem ao Cristo: “Sois vós aquele que 
deve vir, ou devemos esperar por outro?” (Mt, 11,3). 
10 Interessante destacar que o apóstolo Paulo, em II Cor, 2-4 – citação entendida por McGinn (2016, p. 242) como 
"arquétipo de exaltação extática e exemplo da possibilidade de algum tipo de visão de Deus nesta vida” -, relata que 
não é permitido repetir as palavras inefáveis ouvidas: “Conheço um homem em Cristo que há catorze anos foi 
arrebatado até o terceiro céu. Se foi no corpo, não sei. Se fora do corpo, também não sei; Deus o sabe. E sei que esse 
homem – se no corpo ou se fora do corpo, não sei; Deus o sabe – foi arrebatado ao paraíso e lá ouviu palavras 
inefáveis, que não é permitido a um homem repetir” (Destaques nossos). 
Ana Rachel G. C. de Vasconcelos | 21 
 
 
Vidi arcana Dei, vi os segredos de Deus. Muito tempo depois, quando vol-
tou a si, continuou repetindo as mesmas palavras. Por isso, quando 
questionada acerca do motivo pelo qual repetia aquelas palavras sem ex-
plicá-las, como costumava fazer, respondeu: 
 
Devo repreender-me pelo compromisso de expressar-lhe o que vi, como cul-
pada de proferir palavras vãs - parece-me que blasfemo contra Deus e o 
desonro com minha fala. Tamanha é a distância entre o que meu espírito con-
templou, quando arrebatado por Deus, e tudo o que eu poderia expressar com 
palavras que penso estar falseando ao falar-lhe dele. Não devo, portanto, 
prestar-me a explicar para vós; tudo o que posso dizer é que vi coisas 
inefáveis (CÁPUA, 1960, p. 115) [Destaques nossos] 
 
Há, portanto, o caminho largo e seguido pela maioria e, mais adiante, 
o “caminho da perfeição”, difícil de compreender e de ser explicado; es-
treito e difícil também de seguir, a princípio, mas que se vai tornando 
suave e fácil aos que o escolhem por amor (ARINTERO, 1920). 
O dominicano Tomás de Aquino diz, na Suma Teológica11 que, pela 
graça santificante, que aperfeiçoa a criatura racional, o ser humano pode 
fruir (potestatem fruendi divina persona) e gozar da pessoa divina (ut ipsa 
persona divina fruendi). Por dom recebido do alto, a criatura racional 
torna-se participante do Verbo divino e do Amor procedente, podendo co-
nhecer a Deus verdadeira e livremente e amá-lo retamente. 
Deus confirma, em O Diálogo, esta afirmação, e deixa claro que deseja 
unir-se às almas devotas: “Eu jamais cesso de fazê-los semelhantes a Mim, 
contanto que não coloqueis obstáculos. O que em minha vida fiz, quero 
renovar em vossas almas” (CÁPUA, 1960, p. 57). Em vários outros mo-
mentos, Ele descreve a união mística a Catarina: 
 
 
11 ST I, q. 43, art. 3, resp. 
22 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
Estas almas lançadas no forno de minha caridade, sem que nada delas 
reste fora de mim, ou seja, nenhum desejo seu, senão todos eles abrasa-
dos em mim, nada há que seja capaz de tomá-las e arrancá-las de mim e 
minha graça, porque estão feitas uma só coisa comigo, e eu com elas. E 
jamais delas me aparto por este sentimento de minha presença: seu espírito 
me sente sempre consigo, enquanto que em outros, menos perfeitos, te disse 
que ia e vinha, afastando-me deles quanto ao sentimento, embora não en-
quanto graça, e que isto fazia para levá-los à perfeição. (CATALINA DE SIENA, 
1996, p. 193) 
 
Catarina de Siena não apenas expôs, em seu livro (O Diálogo), a ex-
periência de união; ele mesmo, ditado por ela durante um êxtase, é fruto 
da experiência mística da santa, e ela é um exemplo de mulher que, se-
gundo a explicação cristã, pela graça santificante, pôde passar por esta 
experiência de união com Deus e fruir da Pessoa divina, como se verá no 
terceiro ponto deste artigo. 
 
Da cela para o mundo: Catarina de Siena, perfeita realização do carisma 
dominicano 
 
A Escola de Espiritualidade Dominicana, da qual Catarina fez parte, 
como terciária, tem por lema contemplata aliis tradere, frase da Suma Te-
ológica12 que expressa o ideal da ordem de contemplar e levar ao próximo, 
compartilhar, o fruto da contemplação. 
Embora, para muitos, haja incompatibilidade entre a vida ativa e a 
vida contemplativa, para os dominicanos, o apostolado não só não impede 
a vida contemplativa, como deve advir de seu transbordamento. Royo Ma-
rín bem sintetiza o ideal da ordem: “O dominicano deve ser um monge 
contemplativo que comunica aos demais, pelo apostolado da palavra e da 
pluma, a verdade saboreada previamente no silêncio da contemplação” 
(2019, p. 284). 
 
12 ST II.IIae, q. 188, art. 6. 
Ana Rachel G. C. de Vasconcelos | 23 
 
 
A analfabeta, mas grandiosíssima escritora (LEONARDI, 2006), Ca-
tarina, em sua vida e em seus escritos – onde se nota claramente a doutrina 
da Graça agostiniana e a assimilação de muito da filosofia tomista13 unidas 
ao profundo conhecimento das Escrituras – estava em plena sintonia com 
os ideais de sua ordem, unindo contemplação e ação. 
Catarina de Siena passou a primeira parte de sua vida religiosa culti-
vando a vida interior. Foi só quando a desenvolveu plenamente e passou 
pela experiência da “morte mística”, que começou, por ordem divina, a 
influenciar o mundo político e eclesiástico, passando da contemplação à 
ação, sem deixar de lado a vida interior, em busca da ordenação do mundo 
exterior que, em sua época, estava em plena ebulição. 
Pode-se dizer, portanto, que a mantellata14 Catarina de Siena é a per-
feita expressão do carisma da ordem de Domingos de Gusmão, Tomás de 
Aquino, Alberto Magno, Mestre Eckhart, Johannes Tauler e Henrique Suso. 
A vida de contemplação e ação se unem, tratando-se, sem sombra de dú-
vidas, de uma “mística missionária, uma mística do apostolado” (PETRY, 
2006, p. 265).Não obstante tenha viajado e pregado, em grande medida, sua atua-
ção pública esteve ligada à troca de cartas15 – escritas por seus secretários, 
visto que foi por quase toda a vida analfabeta – com diversas pessoas, de 
leigos e familiares a papas e reis (SIENA, 2016). Há sempre, em sua mís-
tica, um caráter profundamente intelectual e um aspecto marcadamente 
filosófico e teológico (ROYO MARÍN, 2019). 
 
 
13 Capítulos inteiros do Diálogo têm teor idêntico a questões da Suma Teológica; 
14 Mantellate: mulheres piedosas da Ordem Terceira Dominicana que usavam hábito preto e capa branca e 
dedicavam-se à caridade, normalmente eram viúvas e mulheres de idade; 
15 “Suas cartas são ótima fonte para conhecer seu espírito de amante da vida espiritual e dos mais nobres valores 
fundados na fé e na caridade de Cristo. Mostram Catarina como portadora de uma mensagem ligada a realidades 
que lhe são infinitamente superiores” (CATARINA DE SIENA, 2016, p. 11) 
24 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
Catarina era uma grande pensadora e olhava o assunto principal sob diversos 
pontos de vista. Tinha grande facilidade de palavras, férrea unidade e associ-
ação de ideias, ótima memória sobre afirmações feitas precedentemente 
(INTRODUÇÃO, CATARINA DE SIENA, 2016, p. 18). 
 
Nas Cartas, onde demonstra grande cultura e erudição, ela dá expli-
cações profundas, mas claras, sobre temas complexos da teologia católica 
sem perder de vista a vida e a situação pessoal de seus destinatários. Sua 
sabedoria, embora notadamente fruto de uma prolífica vida interior, em-
basada na filosofia e espiritualidade dominicanas, é também direcionada à 
vida prática; Catarina dá conselhos aplicáveis à vida cotidiana, ilumi-
nando-a com uma visão mais profunda e sobrenatural (SESÉ, 1993). 
Sua vida ativa, iniciada aos 24 anos, consistiu, resumidamente, na 
atuação como embaixatriz na resolução da guerra entre Florença e a Santa 
Sé; na promoção de uma cruzada contra o Islã, a fim de unir novamente 
os cristãos em torno de um inimigo em comum; na defesa ardente de uma 
reforma da Igreja que tivesse por base a santidade; na volta do Papa de 
Avignon, onde estava há mais de sessenta anos, para Roma16, cidade esco-
lhida por Deus para ser o centro da cristandade; e na busca pela resolução 
do Cisma do Ocidente, em que não obteve sucesso. 
Comumente, os estudiosos focam na atuação política de Catarina, 
mas o fato é que sua vida espiritual é tão interessante quanto, primeiro, 
por ser o fundamento daquela e, segundo, pela diversidade e riqueza de 
experiências místicas vividas e descritas pela santa e por seu confessor, 
secretário e biógrafo, Raimundo de Cápua. Cumpre frisar que não fosse 
por ele, dificilmente as obras de Catarina de Siena teriam sido escritas e 
chegado até nós, e pouco saberíamos da sua vida; ela faz parte do extenso 
 
16 Brígida da Suécia também agiu pelo mesmo propósito, mas não há registros de que tenha conhecido ou chegado 
a se corresponder com Catarina. 
Ana Rachel G. C. de Vasconcelos | 25 
 
 
rol17 de mulheres que contaram com parceiros homens que creram na ve-
racidade das experiências místicas e ajudaram a registrar e divulgar as 
suas mensagens. 
Os escritos de Catarina são uma verdadeira joia não apenas quando 
lidos em busca de informações históricas ou sociológicas, para uma melhor 
leitura da sociedade italiana medieval, mas também – e principalmente – 
por sua beleza e riqueza espiritual. Tanto o Epistolário como as Orações e 
seu O Diálogo foram escritos em língua vernácula, não em latim; este úl-
timo, inclusive, “é uma das mais apreciadas joias da mística cristã de todos 
os tempos” (ROYO MARÍN, 2019, p. 307), apontado, por muitos, como um 
clássico da língua italiana sendo a contrapartida mística em prosa da Di-
vina Comédia. 
Doutrinariamente, Catarina ecoa os grandes ensinamentos dos cris-
tãos de seu tempo, o que faz com que seja parte, portanto, de uma tradição; 
mas, ao mesmo tempo, ela inova trazendo conceitos e reflexões próprias, 
com ênfases bastante particulares, de tal forma que resta difícil definir a 
espiritualidade catariniana apontando uma única característica. Quatro 
elementos importantes permeiam os seus escritos: o conhecimento de si, 
que, juntamente com o conhecimento de Deus, leva à santidade; o amor 
ao próximo como forma de pôr em prática o amor a Deus, ou seja, o amor 
a Deus no próximo; a caridade; e o sacrifício redentor de Jesus Cristo 
(MCGINN, 2016). 
 
 
17 Hildegarda de Bingen e Volmar de S. Disibodo; Elisabeth e Ekbert de Schönau; Christina de Markyate e Geoffrey 
de St. Albans; Jacques de Vitry e Marie de Oignies; Lutgarda de Aywières e Thomas de Cantimpré; Matilde de 
Magdeburgo e Enrique de Halle; Christine de Stommeln e Peter de Dracia; Elsbeth Stagel e Henrique Suso; Dorothea 
de Montau e John Marienwerder; e Angela de Foligno e Irmão A. (NEWMAN, 1995) são alguns exemplos. Ademais, 
Jerônimo e Paula, João da Cruz e Teresa d’Ávila, Francisco de Sales e Joana de Chantal e Vicente de Paula e Luisa de 
Marillac (ROYO MARÍN, 1988) são exemplos de mútua influência sobrenatural. 
26 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
A vida mística de Catarina: práticas religiosas e experiências 
extraordinárias 
 
Como dito, a vida interior de Catarina é bastante rica e comumente 
relegada em nome da ênfase em sua atuação política. Parece-nos impor-
tante, então, após explicar um pouco da cosmovisão medieval e da vida 
pública de Catarina, destacar algumas de suas principais práticas religio-
sas, devoções e, principalmente, experiências místicas, tais como: o 
casamento místico, os estigmas, a troca de corações, a levitação, a morte 
mística, a sobrevivência pela ingestão unicamente da eucaristia por anos 
e, por fim, a experiência de carregar sobre os ombros o peso da Igreja. 
Experiências místicas eram usuais na sua vida. Normalmente, du-
rante as experiências místicas, Catarina de Siena contraía as mãos e os pés 
violentamente, de tal forma que era impossível arrancar os objetos que 
tinha em mãos, no entanto, embora o comum seja a insensibilidade e imo-
bilidade, em alguns momentos, tal qual Madalena de Pazzi, durante o 
êxtase, Catarina não tinha uma suspensão completa dos sentidos, de ma-
neira que, por vezes, podia falar do objeto de sua visão contemplativa e 
ditar as revelações recebidas (TANQUEREY, 1948). Deus mesmo justifica: 
 
Unidas todas estas potências e imersas no fogo do Meu amor, o corpo perde o 
sentido de modo que, vendo, o olho não vê; a língua, mesmo falando, não 
fala; a mão, apalpando, não toca; e os pés, se movendo, não caminham. 
Algumas vezes, pelo transbordamento do coração, permito que a língua 
se mova, pronunciando palavras para desafogar o coração e para glória e 
louvor do Meu nome. (CATALINA DE SIENA, 1996, p. 194-195) [grifos nos-
sos] 
 
A primeira visão de Catarina ocorreu quando ainda era criança. Aos 
seis anos de Idade, em 1353, viu Cristo, Pedro, Paulo e João pairando acima 
da igreja de São Domingos. Um ano depois, contrariando sua família, con-
sagrou sua virgindade a Jesus Cristo (MITCHELL, 2007), algo bastante 
Ana Rachel G. C. de Vasconcelos | 27 
 
 
valorizado na Idade Média, que certamente fortaleceu a sua autoridade 
para o exercício da posição de destaque que ocuparia anos mais tarde 
(LACEY, 1999). Mesmo não sendo freira, como mantellata, desde muito 
nova viveu num ambiente propício ao florescimento da vida mística, em 
que as leituras em voz alta, as conversas, as imagens, os pensamentos e 
afetos remetiam a Deus, sendo o êxtase quase que uma consequência na-
tural (ROYO MARÍN, 1988). 
Desde cedo dedicou-se às penosas práticas ascéticas, fazendo jejuns – 
buscando aniquilar em si quaisquer afetos pelas coisas do mundo e forta-
lecer o autodomínio, desenvolvendo a virtude da temperança –, dormindo 
pouquíssimas horas pornoite e passando bastante tempo adorando a Eu-
caristia, com uma intensa vida de oração. Aos 20 anos, Catarina de Siena, 
após meses de experiências místicas, casou-se espiritualmente com Cristo. 
Raimundo de Cápua descreve (1960, p. 57-58): 
 
Um dia, ao aproximar-se o tempo sagrado da Quaresma (...) Catarina retirou-
se para sua cela para desfrutar seu esposo mais intimamente com jejum e ora-
ção; ela reiterou seu pedido com maior fervor, e Nosso Senhor respondeu: 
“porque evitaste as vaidades do mundo e os prazeres proibidos, fixando so-
mente em mim todos os desejos do seu coração, pretendo, enquanto sua 
família se regozija em festas e festivais profanos, celebrar o casamento para 
unir-me à tua alma. Vou, de acordo com a minha promessa, desposar-te na 
fé” 
 
Em seguida a Virgem Maria apareceu, com João Evangelista, Paulo, 
Domingos de Gusmão e Davi, com sua harpa, e oficiou a cerimônia, to-
mando a mão de Catarina e apresentando-a a Jesus, pedindo-lhe que se 
casasse com ela. Jesus consentiu amorosamente e colocou no dedo de Ca-
tarina o anel de ouro incrustado com pedras preciosas. Em seguida, cessou 
a visão, e o anel permaneceu no dedo de Catarina, mas invisível aos de-
mais, de forma que apenas ela o enxergava. 
28 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
Para os cristãos medievais, o casamento místico é uma experiência – 
embora não essencial – por meio da qual a pessoa passa a ter uma partici-
pação mais íntima nos sofrimentos do Cristo. O embasamento para tal 
vem da própria Bíblia. No Novo Testamento, por exemplo, Paulo, em 
mais18 de uma ocasião19, estabelece o paralelo entre o matrimônio e a união 
de Cristo com a Igreja. 
Segundo Hugo de São Vítor, o matrimônio espiritual não é uma rea-
lidade menos verdadeira que o matrimônio terreno, antes, é este que não 
passa de uma sombra, uma figura daquele, ou seja, falar em matrimônio 
não é mera figura de linguagem ou recurso retórico dos místicos, ao con-
trário, a união mística é a experiência real, e o matrimônio que 
conhecemos a figura; o matrimônio é o que é pela união entre Cristo e a 
Igreja, de forma que “o que há na experiência humana de intimidade, fe-
cundidade, alegria e grandeza não passa de frieza, desamparo, tristeza e 
desânimo em relação à união espiritual da alma transformada em Deus” 
(ROYO MARÍN, 1988, p. 742). 
Catarina tinha grande devoção pelo corpo, a Eucaristia, e pelo sangue 
de Cristo – o centro da teologia mística dela, “nenhum teólogo deu ao san-
gue mais atenção que Catarina de Siena” (MCGINN, 2016, p. 208). Em 
uma de suas experiências místicas, bebeu do sangue da lateral do corpo 
dele. Segundo Raimundo de Cápua, a partir deste momento, seus êxtases 
eram quase que contínuos e ela passou a viver como que em permanente 
estado de contemplação, “com seu espírito de tal modo absorto que é como 
se estivesse fora dos sentidos” (CÁPUA, 1960, p. 95), não mais conseguindo 
ingerir alimento algum. 
 
18 2Cor 11, 2: “"Eu vos consagro um carinho e amor santo, porque vos desposei com um esposo único e vos apresentei 
a Cristo como virgem pura" 
19 Ef 5, 25-27. 32: "Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, para santificá-
la, purificando-a pela água do batismo com a palavra, para apresentá-la a si mesmo toda gloriosa, sem mácula, sem 
ruga, sem qualquer outro defeito semelhante, mas santa e irrepreensível [...]"Esse mistério é grande, quero dizer, 
com referência a Cristo e à Igreja." 
Ana Rachel G. C. de Vasconcelos | 29 
 
 
A Eucaristia também figura frequentemente em seus textos e experi-
ências místicas. O que o crucifixo era para outros místicos, como Francisco 
de Assis, a Eucaristia era para Catarina: o símbolo que fitava e estimulava 
a sua atenção, provavelmente ajudando-a a ter visões (ADDISON, 1918). 
Como Teresa de Jesus, Micaela do Santíssimo Sacramento e tantas outras, 
Catarina de Siena teve uma fome e sede tão devoradoras, um desejo tão 
ardente por ela, que não passava um único dia sem receber a Comunhão. 
O biógrafo Raimundo de Cápua descreveu que, certa vez, “recebida a Co-
munhão, pareceu que sua alma entrava no Senhor, e o Senhor nela, como 
o peixe entra na água e a água o envolve por completo” (CÁPUA, 1960, p. 
207). 
Tamanha era a sua devoção pela Eucaristia que, por oito anos, tempo 
muito superior ao naturalmente suportado pelo corpo – que resiste por 
algumas poucas semanas -, viveu em jejum absoluto, alimentando-se ex-
clusivamente dela, sem perder peso, sem ter a saúde fragilizada ou perder 
a energia para as atividades cotidianas, antes, tendo ainda mais vitalidade 
e sendo ainda mais ativa (ROYO MARÍN, 1988). Viver da ingestão apenas 
da Comunhão por muitos anos não é peculiaridade de Catarina, antes, é 
evento comum na vida de muitos estigmatizados, e normalmente vem 
acompanhado da privação de sono (TANQUEREY, 1948, p. 788). 
Nos escritos dela percebemos a sua grande devoção pelos sofrimentos 
do Cristo Crucificado (GRAEF, 1970), pelo precioso sangue derramado em 
sua Paixão e pela Eucaristia (KING, 2004). 
 
O Senhor lhe guiava pessoalmente pelos caminhos da santidade aparecia a ela 
com frequência, rezava com ela o Breviário, e alguma vez lhe deu Ele mesmo 
a Sagrada Comunhão, assim como deu a ela de beber de seu próprio lado 
aberto pela lança. Seus êxtases e arroubos eram quase contínuos (ROYO 
MARÍN, 2019, pp. 305-306). 
 
30 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
A mística de Catarina tem esta grande nota – comum aos místicos 
católicos – de sofrimento, ela sofria com dores lancinantes20. Comumente 
nos questionamos acerca da necessidade do sofrimento, para grande parte 
dos místicos cristãos, no processo de união com Deus. Pode-se dizer que, 
para o cristão tradicional, o sofrimento é compreendido como uma conse-
quência da mútua entrega e da transformação da alma em Deus 
(TANQUEREY, 1948). Da mesma forma que os cônjuges precisam se adap-
tar à nova realidade, o místico cristão precisa se configurar ao esposo – 
um Deus que sofre e quer ser consolado. 
O místico cristão repete em seu coração as paradoxais palavras de 
Paulo, para quem as marcas são sinais de triunfo, um troféu de vitória: 
 
Ele me disse: “Basta-te minha graça, porque é na fraqueza que se revela 
totalmente a minha força”. Portanto, prefiro gloriar-me das minhas fra-
quezas, para que habite em mim a força de Cristo. Eis por que sinto alegria 
nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições, no pro-
fundo desgosto sofrido por amor de Cristo. Porque, quando me sinto fraco, 
então é que sou forte"(2Cor 12, 9-10) [destaques nossos]. 
 
Assim como Francisco de Assis21, tamanha foi a união com Cristo que 
Catarina chegou a receber os estigmas, mas pediu – e foi atendida – que 
ficassem invisíveis para os demais. A própria Catarina descreve o aconte-
cimento ao seu confessor e biógrafo: 
 
Eu vi o Senhor crucificado descendo para mim em uma grande luz…. Então, 
pelas marcas de Suas feridas mais sagradas, vi cinco raios vermelho-sangue 
 
20 Na carta 373, de despedida ao Frei Raimundo de Cápua, ao descrever as fortes dores e agonias, ela revela uma 
visão na qual o próprio Cristo a conforta: “Abraçou-me e disse palavras com muita ternura, mas não as direi”. 
(CATERINA DA SIENA, 1939, p. 1239) 
21 Francisco de Assis é considerado o primeiro estigmatizado da História do Cristianismo; quem não o considera, 
normalmente vê nas declarações de Paulo (Gl 6, 17: carrego em meu corpo as marcas de Jesus; II Cor 12,7: foi-me 
dado um espinho na carne; Gl 2,20: já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim; Col 1, 24: Agora me alegro 
nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo 
que é a Igreja, etc) provas de que era estigmatizado. 
Ana Rachel G. C. de Vasconcelos | 31 
 
 
descendo sobre mim, os quaisse dirigiam para as mãos, os pés e o coração do 
meu corpo. Portanto, percebendo o mistério, exclamei imediatamente: “Ah! 
Senhor, meu Deus, suplico-te, não deixes que as marcas apareçam externa-
mente no corpo”. [...] Sinto nestes cinco locais, especialmente em meu 
coração, uma dor tão grande que, a menos que o Senhor faça um novo milagre, 
não me parece possível viver neste estado, com tanta agonia. (CÁPUA, 1960 p. 
123) 
 
Os estigmas são o sinal por excelência da união do místico com o Cru-
cificado e da participação no seu martírio. Este fenômeno, que 
normalmente vem acompanhado de fortes dores (TANQUEREY, 1948), 
consiste no aparecimento, sem que sejam provocados, de estigmas ou cha-
gas, normalmente, nos mesmos locais e assemelhando-se às de Jesus. 
Outra importante experiência mística de Catarina de Siena foi a troca 
de corações com Cristo. Assim como Gertrudes de Helfta e Margarida Ma-
ria Alacoque, por exemplo, Catarina passou pelo fenômeno de extração de 
seu coração e substituição pelo do próprio Cristo. Raimundo de Cápua as-
sim descreve: 
 
O Senhor apareceu-lhe segurando em suas sagradas mãos certo coração hu-
mano vermelho e resplandecente (...) abrindo o seu peito esquerdo e 
introduzindo o coração que segurava em suas mãos, disse: “eis aqui, caríssima 
filha, assim como ontem te tirei o coração, te entrego agora o meu para que 
vivas sempre por ele”. Dito isto, fechou e cicatrizou a ferida que havia aberto 
em seu peito (...) e, como sinal do milagre, permaneceu naquele lugar a cica-
triz, como suas companheiras me asseguraram e a muitos outros tê-la visto 
frequentemente; perguntando a ela mesma seriamente, não pôde negar, e 
confessando ser verdade, confirmou (CÁPUA, 1960, p. 110-111) 
 
Dentre as extraordinárias experiências de Catarina de Siena, encon-
tramos também a levitação, que normalmente ocorre durante o êxtase 
místico, e consiste numa elevação não provocada do corpo no ar, sem 
32 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
apoio ou causa aparente. São inúmeros os casos de levitação, como os de 
Francisco de Assis, Felipe Nery, Teresa de Jesus e João da Cruz (ROYO 
MARÍN, 1988). Num dos trechos mais bonitos de O Diálogo, Catarina atri-
bui a levitação à força da união mística: 
 
Apesar de serem mortais, experimentam os bens imortais, e, suportando ainda 
o peso do corpo, adquire a leveza do espírito. Por isso muitas vezes o corpo se 
eleva da terra, pela perfeita união que a alma realizou comigo, como se o 
corpo pesado se tornasse leve. Não é que se lhe tire o peso, mas porque a união 
que a alma tem comigo é mais perfeita que a existente entre a alma e o 
corpo, e por isso a força do espírito unido a mim levanta da terra o peso 
do corpo, e este fica como que imóvel, todo desprendido pelo afeto da alma, 
até o ponto que, como recordas ter ouvido de algumas pessoas, não seria pos-
sível viver se minha bondade não lhe cercasse com força. Compreenda que 
maior milagre é ver que a alma não se separa do corpo nesta união do 
que ver muitos corpos ressuscitados (CATALINA DE SIENA, 1996, p. 194) 
[destaques nossos] 
 
Em 1370, Catarina passou por um longo êxtase, conhecido como ex-
periência de morte mística. Segundo Raimundo de Cápua, foram três dias 
e três noites sem sinais vitais: “Nossa virgem foi arrebatada em êxtase e 
seu espírito subiu tão alto que, por três dias e três noites, ela não teve sinais 
vitais” (CÁPUA, 1960, p. 68). Foi nesta ocasião que ela recebeu a ordem de 
Deus para que deixasse a cela e começasse a influenciar diretamente a so-
ciedade, tendo em vista os tempos tão conturbados. Seguindo o mesmo 
caminho de muitos contemplativos, Catarina, como dito no ponto anterior, 
passou a atuar para ordenar as coisas exteriores, sem deixar de lado ou 
comprometer sua vida contemplativa. 
Após um breve período de paz com o papa tendo chegado a Roma, no 
qual ocorreu a escrita de O Diálogo, irrompeu o Grande Cisma, provo-
cando imenso desgosto a Catarina, que empregou todas as suas forças na 
Ana Rachel G. C. de Vasconcelos | 33 
 
 
sua resolução, mas sem sucesso. Ela ofertou a sua vida ao Esposo, ofere-
cendo-se para suportar o peso de todos os pecados do mundo, pela 
unidade e reforma da Igreja. 
Nos últimos três meses de vida, Catarina sentiu profunda agonia, su-
portando-a, paradoxalmente, com júbilo e contentamento. A nave de São 
Pedro havia sido colocada sobre os seus ombros e a estava esmagando. Ela 
escreve as últimas cartas, despede-se, confessa os seus pecados, pede a mi-
sericórdia divina, exclama “Sangue! Sangue!”, e entrega a sua alma a Deus 
(ROYO MARÍN, 2019). Catarina, inteiramente unida a Cristo, faleceu em 
um domingo, dia do Senhor, um mês após completar 33 anos, a idade com 
que Ele morreu pelos pecadores. 
 
Considerações finais 
 
Neste breve estudo, buscamos inserir Catarina de Siena em sua 
época, destacando a cosmovisão medieval e o pano de fundo teológico cris-
tão a partir do qual compreendemos no que ela cria, o que desejava e o 
porquê de oferecer a própria vida como sacrifício, por meio de práticas 
consideradas estranhas ou até doentias para a modernidade. 
Primeiramente, expusemos brevemente, a partir dos conceitos de 
homo religiosus e de hierofania, de Eliade, um pouco do pensamento da 
pessoa religiosa. Em seguida, falamos especificamente do cristão medieval 
e de aspectos de sua crença. A partir daí, inserimos Catarina de Siena, mu-
lher dominicana da Ordem Terceira, ou seja, leiga e solteira, como 
exemplo por meio do qual é possível ilustrar melhor as práticas e os an-
seios do religioso cristão medieval. 
Em Catarina encontramos uma mulher que encarna o ideal domini-
cano de atuação pública como desdobramento de uma rica e profunda vida 
interior. Catarina desempenhou um papel decisivo na volta do papado de 
Avignon para Roma e foi bastante influente na sociedade da época, tendo 
34 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
trocado cartas com grandes personalidades e influenciado não apenas a 
política eclesiástica, mas também a temporal, numa época em que facil-
mente ambas se confundiam. 
Mas, para além do trabalho ativo, Catarina, como contemplativa se-
cular, conquistou o maior sucesso da perspectiva católica, e o que mais 
desejava: a união mística com Jesus Cristo. Em sua vida, vemos o casa-
mento místico, os estigmas, a troca de corações, o profundo êxtase 
conhecido por “morte mística”, a sobrevivência pela ingestão unicamente 
da Eucaristia por oito anos, as sucessivas visitas de Jesus Cristo, a devoção 
à Eucaristia e ao sangue de Cristo, o júbilo encontrado no sofrimento e o 
oferecimento de si como holocausto e vítima de propiciação pelo bem da 
Igreja. 
Com sua vida e obras, a analfabeta Catarina, como Teresa de Jesus e 
João da Cruz, por exemplo, esclarece, complementa e corrige os conceitos 
definidos pelos grandes doutores, que empenharam as suas vidas ao es-
tudo da Filosofia e da Teologia, o que desconcertava – e ainda desconcerta 
– sobremaneira as mentes mais racionalistas. Catarina é a mística medie-
val que, pela riqueza de experiências e profundidade de seus escritos, foi a 
escolhida para ilustrar a relação entre o cristão medieval que de fato seguiu 
o caminho proposto pela religião e o Sagrado. 
 
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Ana Rachel G. C. de Vasconcelos | 35 
 
 
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2 
 
“Cristo desceu e tomou conta de mim”: 
a mística em Simone Weil 
 
Luiza Benício Pereira 
Maria Simone Marinho Nogueira 
 
 
Considerações iniciais 
 
O sagrado transcende os limites das normas religiosas institucionais 
e se manifesta na interioridade de cada sujeito, consistindo em um ato ín-
timo, não categorizado pela linguagem. Esta, apesar de suas múltiplas 
funcionalidades e riqueza, não encontra modos para defini-lo. Conforme 
Rudolf Otto, as concepções teístas acerca de uma divindade tendem a con-
siderar indispensável a definição em torno das suas características, 
direcionando-se aos campos da racionalidade e da individualidade na 
constituição de uma concepção de Deus interligada às limitações humanas. 
A racionalidade, de alguma forma, circunscreve o âmbito religioso, mas o 
sagrado não pode ser pensado apenas partir dela, pois é “algo árreton [‘im-
pronunciável’], um neffabile [‘indizível’]” (OTTO, 2007, p. 37), porquanto 
excede a categoria conceitual. 
Neste direcionamento, destacamos, a mística, esta palavra plurívoca 
(Cf. VELASCO, 1999), que apresenta diversas facetas pragmáticas, que 
pode ser compreendida, de modo abrangente, a partir da colocação de No-
gueira (2019, p. 194), como um percurso que leva ao encontro do humano 
com o divino. Acerca das suas especificidades (da mística) trataremos um 
pouco mais adiante. No momento, cabe destacar que essa trajetória vivida 
pelo sujeito com o sagrado é enxergada sem delimitações ou criações de 
conceitos em si fechados, já que não é possível atribuir à mística uma 
38 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
concepção estática e limitada, uma vez que ela é dinâmica e busca uma 
experienciar do ilimitado. 
A pensadora enfocada neste estudo é a filósofa francesa Simone Adol-
phine Weil1 – uma das mentes mais impactantes e inquietantes do século 
XX –, que nasceu em Paris em 3 de fevereiro de 1909 e faleceu em 24 de 
agosto do ano de 1943 no Reino Unido, “sem ter podido presenciar a der-
rocada do nazismo e a libertação da França do jugo da Alemanha hitlerista” 
(PUENTE, 2020, p. 55). Em seu percurso de 34 anos, atuou não apenas no 
campo das produções teóricas, mas também na filosofia, na docência, 
como militante ativa dos movimentos sociais, na luta pelos mais pobres, 
foi também “sindicalista, crítica do capitalismo (do colonialismo, do comu-
nismo, do marxismo, do totalitarismo, da revolução), anarquista, 
operária” (NOGUEIRA, 2019, p. 204). A capacidade intelectual e a versati-
lidade são marcas constantes na vida e na escrita de Simone Weil, que 
produziu obras acerca de diversas áreas do conhecimento: na teologia, ci-
ência, política, filosofia, literatura, sociologia, dentre outras, mantendo 
aflorada até os últimos minutos de sua vida a ânsia por compreender a si 
mesma e os acontecimentos que a cercavam, em sua totalidade. 
Simone Weil preocupou-se com os mais pobres, com a classe traba-
lhadora, em uma visão que contemplava as categorias políticas e sociais, 
refletindo sobre as causas que promoviam a miserabilidade do sujeito. 
Eram essas as suas inquietações pessoais no desnudamento da caridade, 
do amor, da partilha do sofrimento ou do querer sentir a angústia que 
abarcava a tantos para, assim, sofrer na própria carne e entender na sua 
vida as dimensões da alma humana e da realidade desumanizadora, bus-
cando sentir, simbolicamente, a cruz de Cristo, com todas as suas 
contradições. 
 
1 Nogueira (2019) destaca a existência da obra biográfica La vie de Simone Weil, datada de 1973, escrita por Simone 
Pétrement, amiga da pensadora francesa. 
Luiza Benício Pereira; Maria Simone Marinho Nogueira | 39 
 
 
Nossa pensadora teve contato com a filosofia “antiga e moderna, 
principalmente com Platão, Descartes e Kant, com a tradição literária e 
[...] cristã, além de ser influenciada [...] por escritos da tradição hinduísta, 
taoísta e certas tradições budistas” (MARIZ, 2016, p. 122). Assim sendo, o 
trajeto da vida de Weil percorreu e absorveu diferentes tradições religio-
sas, mas sempre a conduziu aos braços do Cristo, e a sua “mística da cruz” 
pode ser encontrada em todos os campos da sua breve e profunda existên-
cia, unindo temas que lhes eram caros, como, por exemplo, mística e 
trabalho, chegando a falar de uma espiritualidade do trabalho no seu livro 
A gravidade e a graça (1993), precisamente na sua última parte intitulada 
Mística do trabalho. 
Vemos, assim, que o período histórico, social, político e econômico 
em que viveu fora marcado por guerras mundiais2, em uma época que 
suscitou “intensos movimentos sindicais de luta por melhores condições 
de trabalhos para os operários, [...] engajamento de intelectuais da época 
para promover a formação educacional dos trabalhadores” (MARIZ, 2016, 
p. 122). Dentro deste contexto, Weil elaborou ideias consistentes e críticas 
contundentes a determinadas correntes teóricas. Leitora assídua de Marx, 
escreveu em seus textos sua oposição à dimensão revolucionária, a partir 
da experiência que adquiriu como operária nas fábricas e também conhe-
cendo o que se passava na então União Soviética depois da Revolução3. 
Feitas estas breves considerações gerais, objetivamos apresentar 
neste texto a mística weiliana, que não se fundamenta ou não deve ser 
entendida unicamente através de uma via afetiva – característica frequen-
temente e erroneamente atribuída às mulheres místicas –, mas enquanto 
 
2 Referimo-nos à Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e à Segunda Guerra Mundial (1939-1945). 
3 Como escreveMartins (2013, p. 55): “Simone Weil mantinha certo preço pelo marxismo, mas de forma crítica. 
Aproximou-se do comunismo, mas tinha certeza de que o comunismo soviético de Stalin era tão opressor como 
qualquer regime capitalista. Crítica Stalin por criar uma máquina burocrática e um Estado que não libertou os 
trabalhadores, mas a opressão apenas trocou de mãos.” 
40 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
união com o divino, e com o próximo, envolvendo, desta forma, suas per-
cepções, sua filosofia de vida, seus modos de enxergar o outro e os 
problemas que o envolvem, sua reflexão do Cristianismo e de outras reli-
giões, assim como sua contemplação do Cristo. Para tanto, tomamos como 
apoio a carta Autobiografia espiritual, e os ensaios O amor de Deus e o 
infortúnio, que se encontram na obra Espera de Deus (2019)4. 
Dessa forma, buscamos colocar em evidência um pouco do percurso 
existencial de Simone Weil, dando destaque aos acontecimentos principais 
de sua vida, visto ser esta bastante dinâmica e marcada por inúmeros fatos 
importantes, inclusive, no que diz respeito ao seu percurso espiritual. Em 
seguida, procuramos abordar a mística a partir dos aspectos conceituais e 
terminológicos, com base no teólogo Juan Martins Velasco. Por último, 
abordamos os textos da pensadora em tela, tendo como foco a sua mística. 
 
Simone Adolphine Weil: professora, filósofa e mística francesa 
 
Nesta seção, pretendemos apresentar outras informações do per-
curso de Simone Weil, não considerando suficiente as explicitadas 
anteriormente em nossas considerações iniciais, por ter nossa pensadora 
uma vida bastante efervescente e entrelaçada com a sua visão do Cristia-
nismo. Sabemos que Weil deixou uma extensa produção intelectual, o que 
não nos permite fazer uso de toda sua obra. Todavia, mencionaremos de 
uma forma geral alguns temas recorrentes nas produções da escritora 
francesa. 
Simone Weil pertenceu a uma família judia não praticante de classe 
média alta. O pai, Bernard Weil, exercia a medicina, e a mãe, Selma Rei-
nherz, dedicava-se aos cuidados dos filhos e da casa. O irmão de Simone 
Weil, André Weil (1906-1998), foi um matemático de prestígio do século 
 
4 O título original é Attende de Dieu. 
Luiza Benício Pereira; Maria Simone Marinho Nogueira | 41 
 
 
XX. A relação dos irmãos foi regada de amizade e cumplicidade. Na infân-
cia, “estudaram em casa com diversos professores particulares e sob os 
auspícios zelosos de sua mãe em função de mudanças constantes que tive-
ram de fazer devido aos sucessivos empregos do pai” (PUENTE, 2020, p. 
55). Durante a fase adulta os laços de respeito e afeto não se desfizeram. 
Como salienta Puente (2020), ao longo do tempo houve uma intensa troca 
de correspondência entre os irmãos, marcada por profundas reflexões fi-
losóficas, científicas e matemáticas. 
A origem socioeconômica elevada de Weil causava-lhe incômodo a 
ponto de lamentar não ter nascido em uma família humilde. Ela trajava-
se de maneira desleixada, exibindo um visual excêntrico (CUGINI, 2010). 
A personalidade irreverente e marcante a levou a ser chamada de “Marci-
ana”, por Alain – pseudônimo de Émile-Auguste Chartier5 –, que fora seu 
professor e mestre no Liceu Henry IV, onde estudou ao longo dos anos de 
1925 a 1928. O mestre Alain contribuiu com o aprofundamento das ideias 
de Simone Weil durante a sua formação e a sua “influência no pensamento 
weiliano se faz presente tanto no modo de leitura e intepretação dos textos 
filosóficos, quanto na estreita relação empreendida por ele entre teoria e 
prática” (MARIZ, 2016, p. 122), abarcando, inclusive, o olhar filosófico que 
se estende e/ou se aplica aos fatores políticos e sociais. 
Em 1931, Weil começa a lecionar em um liceu de Le Puy, destinado à 
educação do público feminino. Neste mesmo ano, ela e Simone Prétement 
fazem parte de “uma manifestação organizada por estudantes pacifistas 
em honra de Aristide Briand, demonstração que degenera em confronto 
com a polícia” (MARTINS, 2011, p. 161). A participação nas atividades de 
protesto e reinvindicação dos direitos civis interessa muito à filósofa 
 
5 Nasceu em 1868 e faleceu em 1951, na França. Além de professor de Filosofia, atuante nos liceus franceses, foi 
jornalista e escritor. Os textos produzidos por Alain versam sobre diversos temas, da política à educação, publicados 
no jornal francês La Dépêche de Rouen et de Normandie, e em outras fontes da época. 
42 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
francesa, pois compreendia e defendia a importância da igualdade social, 
pensamento presente em sua vida desde a infância. 
Em 1934, divide-se entre a docência e o trabalho de operária – desejo 
este que nutria desde 1924 –, entrando na fábrica Alsthom6, empresa do 
ramo eletricista e mecânico, depois trabalhou na Carnaud e na Renault. A 
experiência de sentir na pele a realidade opressora e desumana dos ope-
rários da época refletiu-se na filosofia weiliana e na maneira como 
enxergou as relações de trabalho e as ideias revolucionárias provenientes 
dos marxistas, passando a criticar de modo contundente os limites entre a 
teoria da revolução incentivada e defendida nos postulados de Karl Marx 
e Engels e a concretização desta na realidade massacrante que perdurava 
nos anos 30. De acordo com Mariz (2016), Simone Weil colaborou com 
uma nova concepção de trabalho cuja base respalda-se em uma visão de 
vida e de mundo igualitária e espiritual no exercício da caridade cristã. 
Publica em 1934, antes de trabalhar na fábrica, a obra Reflexões sobre 
as causas da liberdade e da opressão social. Escreve em 1936, Diário de 
fábrica, com as vivências adquiridas como operária. Em agosto de 1936, 
resolve “se engajar na Guerra Civil Espanhola. Lutou ao lado dos republi-
canos na coluna comandada por Durruti, que dirigia a formação mais 
importante das milícias da Central Sindical Anarquista” (PUENTE, 2020, 
p. 56). A experiência que passou faz com que compreenda, de forma em-
pírica, a violência que afeta o ser humano, independente das suas raízes 
ideológicas ou culturais. Os textos Reflexões sobre a barbárie e Ilíada ou o 
poema da força destacam tais questões pensadas por Weil. Em 1940, co-
nhece o padre Joseph-Marie Perrin, que se torna seu grande amigo e com 
quem refletiu acerca da religião cristã, expondo a sua perspectiva acerca 
de Cristo e das normas instituídas pela igreja, dentre outros temas. 
 
6 Simone Weil contou com a colaboração de Auguste Detoeuf, que a pedido de Boris Souvarine, oportunizou a sua 
entrada na Alsthom em 04 de dezembro de 1934, permanecendo até o mês de abril do ano seguinte (MARTINS, 2011). 
Luiza Benício Pereira; Maria Simone Marinho Nogueira | 43 
 
 
Conheceu por intermédio de Pe. Perrin o agricultor Gustave Thibon, e este 
proporcionou a Simone Weil trabalhar nas vindimas, onde realizou um 
trabalho duro e satisfatório7 (PUENTE, 2020). 
Em maio de 1942, refugia-se com os pais em Nova Iorque, atemori-
zados pelas ações contra os judeus, entregando aos amigos, Gustave 
Thibon e Pe. Perrin, os vários escritos que possuía. Ao primeiro, “deixou 
vários Cadernos que registavam os seus pensamentos e reflexões” (LUZ, 
2009, p.1532) e que resultaram na obra A Gravidade e a Graça, publicada 
em 1947. Ao segundo, “confiou um conjunto de manuscritos de índole es-
piritual e de problematização de diversos temas ligados às contingências 
mais dilacerantes da vida humana” (LUZ, 2009, p. 1532). A partir destes 
textos, acrescentados de nove cartas, formou-se o livro Espera de Deus, 
publicado em 1950 (LUZ, 2009). 
A estadia de Simone Weil em Nova Iorque pode ser descrita como 
apreensiva e contrária as suas vontades, uma vez que só realizou a viagem 
para garantir a segurança dos pais, já que planejava voltar à França. La-
mentava “por não fazer nada e por não estar sofrendo juntocom as 
pessoas que lutavam contra a força hitleriana ou eram vítimas da guerra” 
(MARTINS, 2011, p. 41). Diante da dificuldade da realização de viagens, 
devido aos conflitos que estavam ocorrendo, pede ajuda ao amigo do 
tempo de sua formação no liceu, Maurice Schumann, “que intercedeu 
junto a Andre Philip, comissário do Interior e do Trabalho do comitê naci-
onal do France Libre” (MARTINS, 2011, p. 42), permitindo a partida de 
Weil a Londres em novembro de 1942, onde colaborou com a resistência 
francesa londrina, sendo direcionada a trabalhar nos trâmites do escritó-
rio, pois não tinha condições físicas, – devido à frágil saúde que 
 
7 José Luiz Brandão Luz (2009) destaca, utilizando o registro de Gustave Thibon, que enquanto trabalhava como 
operária, Weil não aceitou as confortáveis acomodações disponibilizadas pelo agricultor, preferindo “uma habitação 
degradada que possuía numa propriedade de família” (LUZ, 2009, p. 1533). 
44 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
apresentava – e também por ter tido o projeto enfermeiras de primeira 
linha8 não aprovado por Charles de Gaulle (MARTINS, 2011). 
Segundo Martins (2011), Weil escreveu em seus últimos meses de 
vida a obra L’Enracinement, que apresenta uma reflexão acerca das mu-
danças nos sistemas políticos e sociais que poderiam ser adotadas em uma 
França livre. Destarte, “este é o único texto sistemático escrito por ela, cer-
tamente um dos mais importantes” (MARTINS, 2011, p. 42). Em Londres, 
não conseguiu ajudar aqueles que viviam as atrocidades da guerra, como 
gostaria. Não sentiu os mesmos pesares daqueles que estavam imersos em 
intenso calvário, não desceu a Gólgota, como tanto desejou. Diante da frus-
tação sentida, conforme aponta Maria Clara Bingemer (2011), Simone Weil 
escreve a seguinte oração: 
 
Pai, em nome de Cristo, concede-me: Que eu não possa corresponder a ne-
nhuma de minhas vontades com nenhum movimento do corpo, nem sequer 
um esboço de movimento, como um paralítico completo. Que eu seja incapaz 
de receber qualquer sensação, como alguém que fosse inteiramente cego, 
surdo e privado dos três outros sentidos. Que eu fique fora do estado de enca-
dear pela menor ligação dois pensamentos, mesmo os mais simples, como um 
desses idiotas completos que, além de não saber contar nem ler, não puderam 
jamais aprender a falar. Pai em nome de Cristo, concede-me realmente tudo 
isso... Que tudo isso seja arrancado de mim, devorado por Deus, transformado 
em substância de Cristo, e dado de comer aos infelizes cujo corpo e alma care-
cem de toda espécie de alimento. E que eu seja um paralisado, cego, surdo, 
idiota e lesado. Pai, porque és tu o Bem e eu sou o medíocre, arranca de mim 
este corpo e esta alma para fazer deles coisas tuas, e deixa subsistir em mim, 
eternamente, este desgarramento, ou então o nada. (WEIL, 1966, s.p, apud 
BINGEMER, 2011, p. 171-172) 
 
8 Em linha gerais, o projeto consistia no envio, por meio de paraquedas, de enfermeiras capacitadas ao campo de 
combate para a prestação dos socorros necessários aos soldados feridos, a própria Weil preparou-se para tal tarefa 
quando estava nos Estados Unidos (MARTINS, 2011). O projeto encontra-se nos Ecrits de Londres et dernières letres 
e uma tradução para língua portuguesa pode ser encontrada no belo livro de Maria Clara Bingemer, Simone Weil. A 
força e a fraqueza do amor, 2007, no Anexo III. 
Luiza Benício Pereira; Maria Simone Marinho Nogueira | 45 
 
 
 
A francesa em epígrafe é, sem dúvida, uma pensadora desafiante, a 
sua vida fora marcada por fortes convicções filosóficas e místicas, interli-
gadas fortemente aos aspectos sociais. Do mesmo modo que não se 
limitava a uma religião, também não se limitava a um único tipo de com-
portamento (mesmo com a saúde frágil que sempre a acompanhou). Pelo 
contrário, a sua trajetória foi movida pela luta em busca de melhores con-
dições sociais para o outro que sofre, por uma reflexão profunda e ativa 
dos contextos políticos, e por um olhar do cristianismo enriquecido e am-
pliado pela acolhida de outras tradições religiosas. 
Encerramos esta parte, destacando que muitas são as informações 
acerca da nossa filósofa que mereciam ser mencionadas, mas restringimo-
nos a estas, pelo espaço que aqui dispomos e por considerá-las suficientes 
para uma primeira aproximação da mística weiliana, cuja contempl(ação) 
alcança o próximo, os oprimidos, os marcados pela dor. 
 
Mística: uma tentativa de compreensão 
 
Apresentamos nesta parte as discussões que envolvem a mística, di-
ferenciando-a de outros tipos de vivências com Deus, as quais se 
distanciam do que se compreende do que estamos entendendo por expe-
riência mística. Desse modo, caminhamos pela polissemia do termo e sua 
etimologia; passamos pela categoria de adjetivo à de substantivo; e chega-
mos à conceituação do que foge a um determinado tipo de razão e a um 
determinado conhecimento do divino. Acreditamos que tais reflexões po-
dem nos ajudar a melhor compreender, no sentindo de apreender, a 
mística weiliana. 
Conforme Velasco (1999), a palavra mística pode ser empregada em 
diferentes conjunturas, entrando, obrigatoriamente, na dimensão da im-
precisão e das múltiplas significações. Isto constata-se, inclusive, nas 
46 | Feminino e sagrado: diálogos entre a literatura e a filosofia 
 
 
definições dicionarizadas, não alcançando, porém o rigor do seu signifi-
cado. Tal ambivalência, ou imprecisão, deve-se ao fato de que “o termo 
ultrapassou o terreno religioso em que nasceu e começou a ser utilizado 
para fazer referência a áreas limítrofes da experiência humana” 
(VELASCO, 1999, p. 18, tradução nossa). Essa ambiguidade coloca a mís-
tica em um espaço nebuloso no que tange seu entendimento. Todavia, 
tentaremos adentrar neste umbral de polissemias e aproximar-se do que 
compreendemos por mística, caminho que nos levará a conhecer diferen-
tes contextos e suas interpretações. 
Tendo esclarecido este ponto, vejamos o entendimento acerca da mís-
tica na perspectiva de Velasco (1999): 
 
O termo «místico» é utilizado para designar esse mundo, essa «nebulosa», do 
esotérico, do oculto, o maravilhoso, o paranormal, o parapsíquico de quem se 
ocupa toda uma família de novos movimentos em que emerge o cansaço cul-
tural produzido por uma civilização unicamente técnico-científica incapaz de 
responder às necessidades e aspirações muito profundamente enraizadas na 
consciência humana. (VELASCO, 1999, p. 18, tradução nossa) 
 
Os fenômenos que fogem dos mecanismos positivistas de compreen-
são e constatação experimental, o hermético, o que desafia, inquieta, o que 
não é totalmente compreendido, nem poderia tornar-se, o que não se res-
tringe aos relatos tecnicistas, passam a ser denominados de místico. Isto 
leva o termo para uma área semântica que em nada ajudar a entender o 
seu real sentindo ou, ao menos, o sentido de uma cognitio Dei experimen-
talis. De toda forma, como visto no excerto acima, a mística também se 
vincula ao que é impenetrável pela razão, ao que não é respondido de 
forma simplista. 
Segundo Velasco (1999), a mística é vista na religião como um enga-
jamento em função do “absoluto”, porém ainda não apresenta uma 
Luiza Benício Pereira; Maria Simone Marinho Nogueira | 47 
 
 
exatidão no conceito. Isso ocorre em função da sua capacidade de nomear 
diferentes fenômenos e das múltiplas perspectivas existentes entre os filó-
sofos, teólogos, historiadores, os quais se debruçam em sua 
heterogeneidade. Nesse seguimento, como destaca Bernard Mcginn 
(2012), a mística deve ser entendida como um componente que faz parte 
das correntes religiosas e não como uma nova religião, ou seja, o elemento 
místico encontra-se inserido nesse contexto religioso de contínua modifi-
cação. 
O termo mística deriva do grego mystikòs, pertencendo ao grupo do 
radical myo, que se refere ao desconhecido,

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