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Juventudes entre A a Z

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JUVENTUDES 
e n t r e A & Z
PORTO ALEGRE
2020
Mauricio Perondi
Gislei D. R. Lazzarotto
Tanise Baptista de Medeiros
Wesley Ferreira de Carvalho
(Organizadores)
Copyright © Editora CirKula LTDA, 2020. 
1° edição - 2020
Organizadores da Obra: Mauricio Perondi, Gislei D. R. Lazzarotto
Tanise Baptista de Medeiros e Wesley Ferreira de Carvalho
Edição, Diagramação e Projeto Gráfico: Mauro Meirelles
Revisão: Mauro Meirelles
Capa: Luciana Hoppe
Tiragem: 500 exemplares para distribuição on-line
Editora CirKula
Av. Osvaldo Aranha, 522 - Loja 1 - Bomfim 
Porto Alegre - RS - CEP: 90035-190 
e-mail: editora@cirkula.com.br
Loja Virtual: www.livrariacirkula.com.br
CONSELHO EDITORIAL 
Mauro Meirelles
Jussara Reis Prá
José Rogério Lopes
César Alessandro Sagrillo Figueiredo 
CONSELHO CIENTÍFICO
Alejandro Frigerio (Argentina)
André Luiz da Silva (Brasil) 
Antonio David Cattani (Brasil) 
Arnaud Sales (Canadá) 
Cíntia Inês Boll (Brasil) 
Daniel Gustavo Mocelin (Brasil) 
Dominique Maingueneau (França) 
Estela Maris Giordani (Brasil) 
Hermógenes Saviani Filho (Brasil)
Hilario Wynarczyk (Argentina) 
Jaqueline Moll (Brasil) 
José Rogério Lopes (Brasil) 
Ileizi Luciana Fiorelli Silva (Brasil)
Leandro Raizer (Brasil) 
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva (Brasil) 
Lygia Costa (Brasil) 
Maria Regina Momesso (Brasil) 
Marie Jane Soares Carvalho (Brasil) 
Mauro Meirelles (Brasil) 
Simone L. Sperhacke (Brasil) 
Silvio Roberto Taffarel (Brasil) 
Stefania Capone (França) 
Thiago Ingrassia Pereira (Brasil) 
Wrana Panizzi (Brasil) 
Zilá Bernd (Brasil)
O que é O CIeSS?
ApreSentAçãO
18 AnOS
AbAndOnO eSCOlAr
ACOlhImentO InStItuCIOnAl I
ACOlhImentO InStItuCIOnAl II
AdOleSCer
AlegrIA
AlertA
AmIgA
AmOrA
brAnquItude I (um InCômOdO)
brAnquItude II - prátICAS AntIrrACIStAS
CAnetA
CentrO dA Juventude (CJ)
CIberCulturA
COnflItO COm A leI
COrpO
COrre
COtAS
Su
m
á
r
io
13
15
21
25
30
34
38
42
46
50
52
55
59
63
67
72
76
80
84
87
COtAS-rupturA
COvId-19
COzInhAr
CuIdAdO
CulturAS JuvenIS
defenSOrIA
defICIênCIA
denúnCIA
dIreItOS humAnOS
drOgA
eduCAçãO - eSCOlArIzAçãO
eduCAçãO de JOvenS e AdultOS – eJA
eduCAçãO SOCIAl
eduCAdOrA(Or) SOCIAl
embOlAmentO
enSInO médIO
eSCutA
eSqueCer
eStAtutO dA Juventude
etnIA
93
97
102
108
112
116
118
122
124
128
132
136
140
146
153
157
162
164
168
172
experImentAr
fAmílIA
femInISmO
femInISmO negrO
flOr
frAu (COm)
frAu
funk
futurO
gArAntIA de dIreItOS
gênerO tem nOme?
gênerO
genOCídIO
gerAçãO
hOmOSSexuAlIdAde
hOrárIO
ImAgem
InfeCçõeS SexuAlmente trAnSmISSíveIS 
JuStIçA reStAurAtIvA
JuStIçA JuvenIl
177
180
185
188
194
198
201
203
207
211
215
218
222
226
231
234
238
241
244
248
JuvenICídIO
JuventudeS
Juventude IndígenA
Juventude pArA CrIAnçAS
kIt
lAdAIA
lIberdAde
mAIOrIdAde penAl
mArIelle
mASCulInIdAdeS I
mASCulInIdAdeS II
mAternAr
medIdA SOCIOeduCAtIvA
memeS
merItOCrACIA e enSInO SuperIOr
mImImI
mOrte(S)
mOvImentOS
nAmOrAr I
nAmOrAr II
252
255
260
263
267
270
273
278
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287
290
295
299
303
307
309
313
317
321
326
nASk
negrItude
OCupAr
OfICInAS SOCIeduCAtIvAS
pArAISópOlIS
pAternIdAde pretA
perfOrmAtIvIdAde
pOder
pOetIzAr
prOfISSIOnAlIzAçãO
prOJetO de vIdA
queer
quIlOmbO
rAçA
rACIAlIzAr
reCOrtAr-Se
reSIStIr
ruA
rurAlIdAdeS
SAúde mentAl
330
333
336
337
340
344
347
350
353
355
359
365
368
372
376
381
385
388
393
396
SexuAlIdAde
SlAm
SOCIAl
SOrA/SOr
teStemunhO
trAbAlhAr
trAbAlhO
trAnSgenerIdAdeS
unIverSIdAde
vIOlênCIA COntrA mulhereS
vIdA
vOz
WhAtSApp
x dA queStãO
YuppIe
zOeIrA
400
405
409
410
413
417
421
426
431
435
440
443
448
453
457
460
Juventudes: entre A & Z
13 
O Centro Interdisciplinar de Educação Social e Socioe-
ducação (CIESS) da Universidade Federal do Rio Grande do 
Sul é um órgão Auxiliar da Faculdade de Educação que visa 
a promoção e a realização de ações de ensino, pesquisa e 
extensão em educação social e socioeducação. 
Suas ações buscam a promoção da formação acadê-
mica; a execução de medidas socioeducativas; a concepção 
de pesquisas e produção de conhecimento; as atividades de 
educação permanente para estudantes, professores/as e ou-
tros/as profissionais; a realização de protocolos de coopera-
ção, convênios e intercâmbio acadêmico, técnico e científico 
com instituições congêneres nacionais e internacionais. 
O CIESS é aberto às participações de docentes, discen-
tes e técnicos/as que tenham interesse em desenvolver pes-
quisas, programas e ações educativas nas áreas de Educação 
Social, Educação em Direitos Humanos e Socioeducação. 
Também é um espaço aberto a parcerias e a participação de 
outras unidades da UFRGS, de outras universidades e insti-
tuições realizadoras de projetos nas áreas abrangidas. 
O trabalho do CIESS é orientado pelo agir em rede, 
desenvolvendo atividades em articulação com centros de 
juventude, coletivos de educadores/as sociais, grupos ju-
venis, movimentos sociais, trabalhadores/as da socioedu-
cação e redes de políticas públicas. Acreditamos que esta 
forma articulada possibilita melhores resultados e maior 
conexão entre saberes e práticas. Um exemplo é a produ-
ção desse livro, que foi elaborado através dessas redes, co-
nectando, jovens, educadores/as, pesquisadores/as, comu-
nidades e as políticas públicas.
O que é o CIESS?
Juventudes: entre A & Z
14 
ContAto
Av. Paulo Gama, s/nº Prédio 12201
CEP 90046-900 Porto Alegre RS Brasil
E-mail: ciess@ufrgs.br
Equipe do CIESS 2020
CoordenAdorAs/es de Projetos
AlIne CunhA gIAnCArlA brunettO
kArIne SAntOS mAgdA OlIveIrA
mArIA dO CArmO mAuríCIO perOndI
OrIAnA hAdler WAgner mAChAdO
 
ColAborAdorAs/es
AnA ClAudIA gOdInhO Alex vIdAl
brunA rOSSI kOerICh CAmIlA bArbIerI ChIApettI
CArmem m. CrAIdY gISleI d. r. lAzzArOttO
 
bolsistAs
AdrIene mACIel
AnnA luIzA OlIveIrA
gAbrIelA CAStrO de AzevedO
JéSSICA SOuzA
ketlIn AgASSIS
lAYS Ieglle
lAurA beCker
mArIélI lApInSkI
mOnIque pAdIlhA
henrIque luIS engel
mAtheuS CIrInO
tAnISe medeIrOS
thAYná rAmOS
vAnderSOn SOAreS
vItórIA lOpez
Juventudes: entre A & Z
15 
A de abandono, alegria, acolhimento, amiga, alerta, 
amora, alguns dos termos que iniciam nosso vocabulário 
para contar experiências com jovens a partir do trabalho rea-
lizado pelo Centro Interdisciplinar de Educação Social e So-
cioeducação (CIESS), da Universidade Federal do Rio Grande 
do Sul (UFRGS). Contemplamos todos os “as” que a experiên-
cia juvenil produz? Não, ao contrário, trata-se do início de 
um movimento de pensar com as infinitas possibilidades de 
sentido que as experiências compartilhadas com jovens pro-
duzem. Assim, nesta publicação, abordamos a experiência 
de uma universidade com jovens e com uma rede de rela-
ções que trabalham com políticas públicas e juventudes: jo-
vens universitários/as; jovens de diferentes comunidades de 
Porto Alegre; equipes de serviços de atendimento público à 
infância e juventude em assistência social, educação, cultu-
ra, direitos humanos, saúde; pesquisadores/as.
O contexto das escritas contorna experiências de algu-
mas cidades brasileiras, mas há uma centralidade nas pro-
Apresentação
[Juventudes e letras: a proposta pluriversa de 
escrever com jovens]
Gislei D. R. Lazzarotto
Pesquisadora colaboradora no Centro Interdisciplinar de Educação 
Social e Socioeducação - CIESS da Faculdade de Educação/UFRGS. 
Maurício Perondi
Professor da Faculdade de Educação/UFRGS, Área de Educação 
Social/Departamento de Estudos Especializados, membro do 
Observatório da Socioeducação CIESS/UFRGS, membro do PPSC/
CIESS/UFRGS.
E-mail: mauricioperondirs@gmail.com
Juventudes: entre A & Z
16 
duções realizadas com a rede de trabalho de Porto Alegre. 
Entretanto, pensamos que as situações narradas podem 
dialogar com as experiências de diferentes locais de outros 
locais do Brasil e até mesmo da América Latina, pois exis-
tem muitos aspectos que transversalizam a territorialidade 
deonde estamos inseridos. A partir de um mundo digital 
que cada vez mais nos conecta, as distâncias são cada vez 
menores e o conhecimento produzido localmente pode se 
articular com experiências e sentidos de outros espaços. 
A ideia de propor um vocabulário “entre A e Z” acolhe 
o sentido múltiplo e diverso que ultrapassa as letras do alfa-
beto e o saber acadêmico instituído, compondo uma publi-
cação que dialoga com diferentes formas de expressão que 
toma forma através da escritura. Esta forma de organização 
do livro tem como inspiração a obra “Medidas Socioedu-
cativas: Entre A&Z” (Disponível em: https://lume.ufrgs.br/
handle/10183/115265), publicado em 2013 pelo Programa 
de Prestação de Serviços à comunidade (PPSC), que hoje in-
tegra o CIESS. Seguimos abordando a socioeducação, mas 
agora ampliamos nossa lente para/com as juventudes que 
encontramos na experiência com a rede de nosso trabalho 
de ensino, pesquisa e extensão. Assim, a temática “juventu-
des” é guiada pelo fio das políticas públicas, pois é através 
delas que chegamos a esses e essas jovens e eles e elas a 
nós. Por que juventudes?
Porque nas últimas duas décadas a conceituação e a 
tematização sobre a pessoa jovem mudaram significativa-
mente. Deixamos de abordar a juventude no singular para 
expressá-la através do plural “juventudes”. Isso se deve ao 
fato de que não temos uma juventude universal, pois jovens 
de diferentes lugares, contextos e situações vivenciam essa 
fase da vida de maneira diferenciada. Por isso, a análise de 
classe, gênero, raça/etnia, nível de escolaridade, localização 
territorial, acesso às políticas públicas, são fundamentais 
Juventudes: entre A & Z
17 
para compreendermos as trajetórias e vivências de diferen-
tes sujeitos jovens.
Vários motivos tem sido destacados para enfatizar o 
porquê de os/as jovens estarem mais em pauta do que em 
outros momentos históricos, entre os quais se destacam: o 
maior número de jovens da história do país (mais de 51 mi-
lhões de pessoas); o surgimento de uma cultura especifica-
mente juvenil que, geralmente é desconhecida dos adultos; 
o aumento dos fenômenos de violência social que repercu-
tem na vida dos/as jovens; o mundo da cibercultura e as pes-
soas jovens sendo identificadas como nativas digitais, com 
vivências e práticas muito diferentes de outras gerações; os 
novos desafios pedagógicos decorrentes de todos os aspec-
tos anteriores. A prática juntos aos diversos projetos com 
jovens tem apontado outro fenômeno que não podemos ig-
norar na atualidade, a questão da saúde mental. Temos pre-
senciado e acompanhado diferentes situações de crises de 
ansiedade, automutilação, depressão e até suicídio juvenil; 
manifestações de sofrimento psíquico que nos levam a pro-
blematizar os modos de viver de nosso tempo e de como 
acolhemos essas demandas.
No contexto brasileiro é preciso considerar que as ex-
periências juvenis enunciam consequências da desigualda-
de social vivida no país, tais como: mais de metade da popu-
lação com até 25 anos não concluiu o Ensino Médio, grande 
parte da população jovem não acessa os serviços básicos de 
saúde, o desemprego atingiu o recorde histórico para esta 
faixa etária em 2019, a maior taxa de mortalidade por ho-
micídio no país é referente a jovens pobres e negros. Esses 
dados sinalizam a premência de políticas públicas voltadas 
para jovens e desenvolvidas juntamente com eles e elas 
para o enfrentamento das dificuldades deste momento his-
tórico. Cabe destacar que esta necessidade se articula a cada 
vez maior participação de jovens em diversos movimentos 
Juventudes: entre A & Z
18 
que mobilizam a agenda social de demandas vinculadas a 
afirmação da negritude, dos direitos sexuais e de gênero, do 
exercício da vida na cidade para todos/as. 
Na articulação entre estudos, políticas públicas e mo-
vimentos sociais, se faz necessário ampliar a visibilidade das 
criações com e das juventudes. Nessa direção este vocabu-
lário buscou a participação direta de jovens integrantes de 
projetos em que estamos em rede, acolhendo a multiplici-
dade de sentidos com termos conceituais e com as expres-
sões do cotidiano juvenil, numa perspectiva educativa que 
conversa com os diferentes modos de produzir saberes. Esta 
conversa diz respeito à forma como orientamos nossa inter-
venção com educadoras e educadores em diferentes áreas 
de atuação: “fazer com jovens”. A proposta foi exatamente a 
de promover uma escrita em que conceitos, teorias e sabe-
res das experiências cotidianas conversassem a partir de um 
vocabulário diverso, tanto na composição de sua autoria, 
como na poética da escrita. 
Ao iniciarmos o projeto desta publicação, definimos as 
modalidades de textos, o número de autores/as para cada 
termo, o tamanho e formatação do verbete. Entretanto, no 
decorrer da organização apareceram outras possibilidades 
buscando a singular expressão do que o convite a escrever 
gerava. E o que gerava: vontade de usar as próprias palavras 
e definições produzidas com jovens; criação conjunta entre 
profissionais de diferente áreas e jovens, em que se afirma-
va a autoria coletiva com três, quatro, cinco, dez autores/as; 
textos que tomavam forma de poesia, carta, conversas de 
whatsapp. O movimento de organizar essas expressões di-
versas nos levou a compor com essa multiplicidade de op-
ções, afirmando a escuta de diferentes vozes e a abertura ao 
diálogo entre a ciência e a cultura, a escritura e a vida co-
tidiana. Imaginamos jovens, pesquisadores/as, educadores/
as, professores/as, mães, pais, lendo este livro, encontrando 
Juventudes: entre A & Z
19 
e desencontrando suas vozes, buscando conversar e incluir 
seus verbetes ao serem provocados/as pelo que estas mais 
de cento e cinquenta pessoas escreveram compondo em 
114 verbetes.
Assim, “Juventudes: entre A&Z” oferece aos espaços 
educativos uma caixa de palavras, palavras que contém 
conceitos, perturbações, teorias, injustiças, alegrias, dores, 
opressões, lutas, incertezas e orientações. São pistas para 
provocar a conversa e o exercício ético de como é viver a 
juventude e de como acompanhamos esse tornar-se jovem. 
Nesse movimento encontramos a dimensão que Paulo Frei-
re nos ensina, de que conhecer é uma ação que implica um 
exercício de liberdade com o que se vive. Uma forma de pro-
duzir conhecimento que convoca a leitora e o leitor a dialo-
gar com diferentes saberes e exercitar sua própria composi-
ção, exercitando sua posição ética.
Por fim e início compartilhamos que ao recebermos 
muitos dos verbetes para nossa leitura e análise, fomos inva-
didas e invadidos pela mudez. Afetos que não tem nomea-
ção em palavra, mas sim a grandeza do sentido que pousa 
no coração apertado, nos olhos marejados, na pele arrepia-
da. Ao mesmo tempo, foi a palavra que nos possibilitou ali 
chegar e experimentar as expressões em letras com os jo-
vens e as jovens que viemos a conhecer através da extensão 
acadêmica. Essa é nossa aposta: parar, escutar, conversar, 
escrever e compartilhar, sermos um pouco deste nós que 
afirma o desejo de vida com juventudes que são oprimidas e 
mortas, que gritam e transformam, exercitando a liberdade 
de aprender para construir um outro horizonte.
Este é o primeiro livro da “Coleção Juventudes”, inte-
grante do Selo CIESS/UFRGS, a partir da qual outras produ-
ções sobre adolescentes e juventudes serão lançadas futu-
ramente. Além disso, outras coleções serão criadas a partir 
de temas abordados no CIESS, tais como, Educação Social, 
Juventudes: entre A & Z
20 
Socioeducação, Práticas Educativas. Você está convidado/a 
a nos acompanhar nessas produções, leituras e ampliação 
de olhares.
Os direitos de publicação desta escrita estão reservados 
para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pois a obra 
foi produzida a partir dos projetos desenvolvidos na univer-
sidade. Esta versão digital do livro estará disponível gratuita-
mente a todos/as que quiserem dialogar com o coletivo que 
deu forma a este livro, aumentandoo tamanho de nossa caixa 
de palavras ao conversar com outras experiências.
Agradecemos a Universidade Pública, em específico 
a Universidade Federal do Rio Grande do Sul por apostar 
e investir recursos neste projeto, a toda a equipe do CIESS, 
pelo empenho e envolvimento na produção do livro, as au-
toras e aos autores que compartilharam suas experiências, 
conhecimentos e afetos na criação dos verbetes, a você, que 
está nos lendo e compondo este fazer educativo para uma 
sociedade que valorize ainda mais as expressões e as parti-
cipações juvenis.
 
Juventudes: entre A & Z
21 
O que pode um jovem aos 18 anos? O Código Civil estabe-
lece o que significa a maioridade para todas brasileiras e to-
dos brasileiros: “a menoridade cessa aos dezoito anos com-
pletos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos 
os atos da vida civil” (BRASIL, 2002). Entende-se, então, que 
existem situações permitidas e proibidas, de acordo com a 
idade. O aviso +18 significa que determinado conteúdo não 
é recomendado para menores de 18 anos. Ou seja, atingir a 
maioridade é, judicial e socialmente, um marco importante. 
Laura, um dia após completar 18, se matriculou em um Cen-
tro de Formação de Condutores – CFC. Estava ansiosa em 
poder dirigir e entrar em festas sem autorização, por escrito, 
de seus pais. Para Magnum, atingir 18 anos tem outro sig-
nificado. Recebeu uma carta (um ofício, para dizer melhor) 
dias depois de seu aniversário, que anunciava “motivo de 
desligamento: alcançou a maioridade”. Para ele e para ou-
tras e outros jovens que vivem em serviços de acolhimento 
18 anos
Amanda Cappellari
Psicóloga (UNISC), Mestre em Psicologia Social e Institucional 
(UFRGS), doutoranda em Psicologia Social e Institucional (UFRGS).
E-mail: amanda.cappellari@gmail.com
Lílian Rodrigues da Cruz
Psicóloga, Pós-Doutora em Psicologia Social e Institucional 
(UFRGS), Doutora em Psicologia (PUCRS), docente do Instituto de 
Psicologia – Departamento de Psicologia Social e Institucional – e 
do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucio-
nal (UFRGS).
E-mail: lilian.rodrigues.cruz@gmail.com
Juventudes: entre A & Z
22 
(abrigos ou casa-lar), ser “de maior” implica em ter que sair 
da instituição. Ao se tornar habilitado à prática de todos os 
atos da vida civil, também é exigido de Magnum, que mora 
em serviço de acolhimento desde os 11 anos, que tenha au-
tonomia e responsabilidade para “tocar sua vida sozinho”. 
Ele não terminou o Ensino Médio, não aprendeu a cozinhar, 
nunca precisou acordar com o despertador porque alguém 
o chamava para ir para a escola. Foi jovem aprendiz e conse-
guiu guardar algum dinheiro para quando saísse da institui-
ção de acolhimento, no entanto, nunca precisou ir ao mer-
cado ou farmácia, não sabe quanto dinheiro irá gastar. Ele 
precisa de um lugar para morar, mas como poderá pagar o 
aluguel sem ter um emprego? “Não posso voltar para a casa 
do meu pai, tia”. A maioridade de Laura e de Magnum estão 
atravessadas por experiências singulares, os movimentos 
possíveis a partir de seus aniversários são outros. Completar 
18 anos morando em uma instituição de acolhimento é um 
acontecimento que convoca jovens a habitar outros lugares 
– simbólicos e concretos. Mesmo que se saiba que aos 18 
anos se deve sair do acolhimento institucional, a chegada da 
carta que anuncia o desligamento provoca surpresas e an-
gústias: quanto tempo posso morar aqui? Devo fazer contato 
com algum familiar? Quanto gastar com aluguel? Tenho como 
pagar aluguel? Preciso tentar uma vaga em República? Quem 
pode me ajudar? O Estatuto da Criança e do Adolescente 
(ECA) orienta que os serviços de acolhimento institucional 
fomentem preparação gradativa para o desligamento, no 
entanto, esse processo, que deveria ser investido por varia-
dos serviços que compõe a rede de proteção de crianças e 
jovens, ainda é frágil. Este momento delicado, para que não 
figure como ruptura ou violência, deve ser antecedido por 
movimentos de alargamento das relações sociais, criação de 
novos vínculos, facilitação de acesso aos espaços comunitá-
rios, culturais e artísticos dos territórios, costurando outros 
Juventudes: entre A & Z
23 
laços sociais. Para algumas e alguns, sair da instituição ao 
completar 18 anos não é uma possibilidade, principalmente 
quando possuem necessidades especiais. Nesses casos, re-
correm judicialmente ao direito de proteção, conseguindo 
permanecer sob tutela do Estado até 21 anos. Há possibi-
lidade, ainda, de acolhimento social em Repúblicas, desti-
nadas a “proteção, apoio e moradia subsidiada a cidadãos 
entre 18 e 59 anos, em estado de abandono, situação de 
vulnerabilidade e risco pessoal e social” (TEIXEIRA, 2014, s. 
p.). Esse alargamento de tempo possibilita que jovens se for-
taleçam para a construção de vida fora de instituições. Cabe, 
ainda, pensarmos nas diferentes nomenclaturas usadas no 
cotidiano para dizer desse processo: desligamento, desaco-
lhimento, desabrigamento. Desunir1. Repelir2. Tirar o abrigo3. 
Como construir um percurso de desligamento institucional, 
em conjunto com as e os jovens, que seja potente e prolifere 
vida? Como fazer com que seja isto, um percurso, e não uma 
ação pontual que signifique perda de abrigo, reiteração de 
abandono? Judith Butler (2018) ressalta que ali, onde a vida 
não tem chances de florescer, é que devemos investir nossos 
esforços. Então, contrariando as nomenclaturas costumeira-
mente usadas, que o desligamento institucional por maiori-
dade possa estar encharcado de acolhimento.
Referências
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o 
Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 
139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002.
1 Desligar. In: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013. 
Disponível em: https://www.priberam.pt/dlpo/desligar. 
2 Desacolher. In: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013. 
Disponível em: https://www.priberam.pt/dlpo/desacolher. 
3 Desabrigar. In: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013. 
Disponível em: https://www.priberam.pt/dlpo/ desabrigar. 
Juventudes: entre A & Z
24 
BUTLER, J. Quadros de guerra: quando a vida é passível 
de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
TEIXEIRA, S. República completa um ano de acolhimen-
to social. Prefeitura de Porto Alegre, 2014. Disponível em: 
http://www2.portoalegre.rs.gov.br/fasc/default.php?p_no-
ticia=172462&REPUBLICA+COMPLETA+UM+ANO+DE+A-
COLHIMENTO+SOCIAL . Acesso em: 30 nov. 2019.
Juventudes: entre A & Z
25 
A concepção de abandono escolar proposta neste verbe-
te fundamenta-se no conhecimento expresso na ordem 
do experimentado por adolescentes, situados em um con-
texto de sala de aula, em um espaço de privação de liber-
dade, a partir de uma escola inserida em uma unidade de 
internação socioeducativa. O conhecimento prático desses 
adolescentes pode ser percebido como um fenômeno cog-
nitivo, relacionado ao pertencimento social, às implicações 
afetivas e normativas, às interiorizações das experiências, 
das práticas, dos modelos de conduta e de pensamento, 
socialmente inculcados ou transmitidos pela comunicação 
social que aí estão ligados (JODELET, 1993). Esta análise re-
sulta de um recorte de dados da pesquisa de mestrado de 
Bastos (2019), que investigou os fenômenos representativos 
de adolescentes privados de liberdade em relação às aulas 
de língua materna, escolarização e abandono escolar. Con-
sideramos que lugar e o modo de saber desses jovens, ou 
seja, de onde sabem e como sabem o que expressam, se 
configura na ação social (HALL, 1997), pois o significado não 
está na ação por si mesma, mas em relação aos múltiplos 
Abandono Escolar
Sabrina Cecília Moraes Bastos
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Linguística Apli-
cada da Unisinos.
E-mail: scmbastos@gmail.com 
Cátia de Azevedo Fronza
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Linguísti-
ca Aplicada da Unisinos.
E-mail: catiafronza@gmail.comJuventudes: entre A & Z
26 
sistemas de significados que as pessoas utilizam para definir 
o que significam as coisas e para codificar, organizar e regu-
lar sua conduta uns em relação aos outros. Assim, identifi-
camos em Bastos (2019) três fatores que favorecem o aban-
dono escolar: o envolvimento com o tráfico, a modalidade 
das relações interpessoais numa adolescência vinculada ao 
território de vulnerabilidade social e violência e o fracasso 
escolar, materializado em sucessivas reprovações. Para José 
e Lucas, dois dos adolescentes que participaram da pesqui-
sa de Bastos (2019), o envolvimento com o tráfico, de modo 
geral com a “criminalidade”, foi determinante para que aban-
donassem a escola. Em vista de seu comprometimento com 
facções criminosas, corriam risco de serem alvejados pelas 
facções inimigas no percurso da escola, ou na própria esco-
la, já que esta pode ser tomada pelas facções como um lu-
gar onde o adolescente poderia ser facilmente encontrado. 
Conforme disse José, “Nossos contra que o cara tem né, dona? 
O cara tá dando mole no colégio e vem o cara armado e pega 
o cara de mochilinha”. Lucas apresenta relato semelhante: 
“Quando eu ia pra escola um dia os cara que são meu contra 
iam lá pra me pegá. Eles sabiam onde eu estudava, se eu fos-
se pro colégio eles iam me pegá lá”. Há também o fato de os 
adolescentes se envolverem com outros jovens atuantes no 
ponto de tráfico. De acordo com João, “Nem sei... porque eu 
via os guri ali na frente na biquera e eu ficava na volta, aí me 
envolvi com os guris dali e parei de estudá”. Da mesma forma 
que João, Lucas disse: “Impedia porque eu ficava com os guris 
na boca, né, dona?”. Os argumentos de João e Lucas para o 
abandono escolar demonstram uma outra modalidade das 
relações interpessoais na adolescência, cujas preocupações 
e interesses partem dos companheiros, condicionando ne-
cessidades afetivas e condutas de grupo e afastamento da 
escola. Essas relações contribuem para determinar necessi-
dades e tendências afetivas da personalidade, assim como 
Juventudes: entre A & Z
27 
podem ser uma motivação para parar de estudar. Portanto, é 
na dimensão das relações interpessoais que os adolescentes 
se envolvem com o tráfico, com o consumo de drogas e com 
outros jovens que compartilham dos mesmos interesses, em 
uma relação intersubjetiva (LAGO, MOZER e VALDEZ, 2015, 
p. 227). Estes elementos estão associados ao fracasso esco-
lar e à sensação de não pertencimento às relações escolares. 
Tiago assim diz: “Eu saí da escola, não por causa do crime. Eu 
saí mesmo, porque eu ia e nunca aprendia nada. Nunca saía da 
mesma série, eu via aquelas criancinhas, me sentia mal, vinha, 
estudava cada vez mais criança pequenininha; eu larguei da 
escola, e como eu larguei da escola, o cara vai se envolvendo 
na rua”. Da mesma forma, comenta André: “eu parei de estu-
dá, porque eu não saía mais do quinto ano. Rodei três vezes no 
quinto ano”. Mateus foi alfabetizado em uma de suas passa-
gens na instituição de atendimento socioeducativo. Em uma 
nova passagem, já no sexto ano, apresentava diversas lacu-
nas de aprendizagem e grandes dificuldades nas práticas de 
leitura e escrita, não tinha fluência em leitura nem em escrita 
e já estava com 16 anos de idade. “Eu parei de estudá, né, 
dona? Desde os dez ano. Aí, no caso, eu não tava aprendendo 
nada, nada, aí eu, bah! Mas, na real, a escola não é pra mim, vô 
soltá de vez e soltei e entrei pra vida do crime”. “[...] Já andava 
no meio da vagabundagem, já ficava com os cupinxa na esqui-
na, aí cada cara já falava pro outro: O cupinxa tá estudando, 
o cupinxa tá de loco! Quando vê o cara pah, na real, nem vai 
estudá mais... já era, larguei o estudo. Aí, quando caí na inter-
nação, vi que o bagulho não era assim, não sabia nem lê nem 
escreve, fui aprendê, né?... aí foi que gostei de português, mate-
mática, várias eu gosto agora”. Há um processo de negligên-
cia conjunto, que se inicia na família e na escola, passando 
pelas políticas públicas de proteção juvenil, pois não propor-
cionaram a estrutura necessária para que esse adolescente 
tivesse o adequado desenvolvimento na infância. Mateus, 
Juventudes: entre A & Z
28 
ao afirmar que, “na real, a escola não é pra mim”, ratifica o fato 
de não estar aprendendo nada, por também considerar que 
a experiência escolar não pertence a ele. Entretanto, quan-
do conseguiu aprender, em outro espaço escolar, passou a 
gostar de disciplinas. O cotidiano de vulnerabilidade social 
favorece a exposição da juventude à violência, pois se confi-
gura por meio de carências de ordem educacional e cultural, 
que contribuem com o agravamento dos problemas que a 
juventude enfrenta na atualidade. A falta de alternativas de 
lazer e de ambientes escolares incentivadores são exemplos 
de fatores que contribuem para o desenvolvimento dessa 
carência (GADEA et Al., 2017, p. 268). Portanto, o abandono 
escolar de adolescentes não pode ser percebido por meio 
de relações de causa e consequência, pois resulta de uma 
multiplicidade de significados e sentidos que as vivências 
que motivaram tal abandono representam para esses jovens 
em seus mundos de vida.
Referências
BASTOS, S. C. M. “Na escola, o cara tinha que ficá quieto, 
olhando pro quadro e escrevendo. na rua, eu fazia o que 
eu queria”: fenômenos representativos de adolescentes 
em conflito com a lei sobre as Aulas de Língua Materna, 
Escolarização e Abandono Escolar, Brasil. [Dissertação de 
Mestrado]. São Leopoldo: Unisinos, 2019. 
GADEA, C. A. et Al. Trajetórias de jovens em situação de vul-
nerabilidade social: sobre a realidade juvenil, violência inter-
subjetiva e políticas para jovens em Porto Alegre – RS. So-
ciologias, Ano 19, n. 45, pp. 258-299, 2017.
HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções 
culturais do nosso tempo. Educação e Realidade, v. 2, n. 22, 
pp. 15-46, 1997.
Juventudes: entre A & Z
29 
JODELET, D. Représentations sociales: um domaine em ex-
pansion. In: JODELET, D. (Org.). Les Représentations so-
ciales. Paris: PUF, 1989, pp. 31-61. [Tradução: Tarso Bonillha 
Mazzotti. Revisão Técnica: Alda Judith Alves-Mazzotti. UFRJ 
– Faculdade de Educação, dez. 1993. Uso escolar, proibida a 
reprodução].
LAGO, M. P.; MOZZER, G.; VALDEZ, D. Universal, Singular e Ex-
cluído: a construção do lugar do adolescente pobre na so-
ciedade brasileira. Inter-Ação, v. 40, n. 2, pp. 213-233, 2015.
Juventudes: entre A & Z
30 
O que será de nós todos logo mais, se não dilatar-
mos nossos corações ao infinito? (HILST, 2015). 
Quando recorremos aos dicionários para entender a defini-
ção de acolher, encontramos significados que se referem a 
receber ao outro em sua casa, agasalhar, agir com hospita-
lidade, oferecer abrigo... Acolher implica, necessariamente, 
no encontro com o outro. Aqui desejamos pensar o ato de 
acolher para além de sua definição conceitual, então pre-
cisamos de Clarice Lispector. Em Paixão Segundo G. H., a 
personagem solicita “dá-me a tua mão desconhecida, que 
a vida está me doendo, e não sei como falar - a realidade 
é delicada demais” (1998, p. 24). Acolher é um pouco disso, 
estender a mão quando a realidade do outro dói, ser pre-
sença pulsante em momentos delicados. A questão que se 
formula para nós é a seguinte: como acolher na realidade do 
acolhimento institucional? Os serviços de acolhimento ins-
Acolhimento Institucional I
Amanda Cappellari
Psicóloga (UNISC), Mestre em Psicologia Social e Institucional 
(UFRGS), Doutoranda em Psicologia Social e Institucional (UFRGS). 
E-mail: amanda.cappellari@gmail.com 
Lílian Rodrigues da Cruz 
Psicóloga, Pós-Doutora em Psicologia Social e Institucional pela 
UFRGS, Doutora em Psicologia (PUCRS), docente do Instituto de 
Psicologia – Departamento de Psicologia Social e Institucional – e 
do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucio-
nal (UFRGS).
E-mail: lilian.rodrigues.cruz@gmail.com
Juventudes: entre A & Z
31 
titucional recebem crianças e jovens que nãotiveram seus 
direitos garantidos e precisaram ser afastados do convívio 
familiar. Conforme estabelecido pelo Estatuto da Criança e 
do Adolescente (ECA), só devem ser encaminhados aos ser-
viços de acolhimento institucional aqueles que já tiveram os 
demais recursos de cuidado e proteção esgotados, ou seja, 
trata-se de uma medida excepcional. Além disso, deve ser 
transitório, onde as equipes precisam investir no fortaleci-
mento de vínculos com a família de origem ou com a família 
extensa. Ainda, o ECA assegura que pobreza não é motivo 
para acolhimento institucional. Nos cotidianos de traba-
lho, contudo, observa-se que a pobreza, quando associada 
a outras situações, continua sendo decisiva para a medida 
de acolhimento. Nesse sentido, é um campo que está em 
permanente disputa e requer nossa atenção. O acolhimento 
institucional existe em quatro modalidades, de acordo com 
as Orientações Técnicas: serviços de acolhimento institucio-
nal (CONSELHO..., 2009):
- Abrigo institucional, que oferece moradia pro-
visória para crianças e jovens em situação de 
abandono ou que suas famílias não estejam, tem-
porariamente, capazes de exercer seu cuidado. O 
abrigo deve estar inserido na comunidade e não 
se distanciar em demasia da família de origem 
da/o acolhida/o. São atendidas crianças e jovens 
de 0 a 18 anos, e o número máximo de acolhidos 
por equipamento deve ser de 20. 
- Casa-lar, modalidade que se difere do abrigo, es-
pecialmente, por contar com uma pessoa ou um 
casal que trabalha como cuidador residente, ou 
seja, os cuidadores “moram” na instituição. O ob-
jetivo dessa modalidade é que as relações sejam 
mais próximas e o mais parecido possível com um 
ambiente familiar. Sugere-se que o número máxi-
Juventudes: entre A & Z
32 
mo de residentes em casa-lar seja de 10 crianças e/
ou jovens.
- Famílias acolhedoras, que se responsabilizam 
pelo cuidado de crianças e adolescentes afastadas 
da família de origem, visando a reintegração fami-
liar e, quando isto é impossível, encaminhadas 
para adoção. As famílias acolhedoras são volun-
tárias, mas podem receber subsídios materiais ou 
financeiros para suprir as necessidades das aco-
lhidas e dos acolhidos. Cada família deve acolher 
uma única pessoa, a não ser quando se trata de 
grupos de irmãos. Essa modalidade ainda é pouco 
difundida no Brasil. 
- República, pensadas especialmente para jovens 
em situação de desligamento institucional. Obje-
tiva-se a construção de autonomia e independên-
cia, para tanto, as normativas sugerem idade entre 
18 e 21 anos, e número máximo de 6 jovens por 
equipamento. 
Independente da modalidade de acolhimento institucional 
para a qual a criança ou jovem seja encaminhado, é um pro-
cesso que requer cuidado e investimento. É preciso saber 
acolher nos serviços de acolhimento. Se os vínculos familia-
res já estavam fragilizados em função das situações de vio-
lência, chegar em um novo espaço, com regras específicas e 
pessoas desconhecidas pode reiterar sofrimentos. Propomos, 
apoiadas em Safatle (2016), que haja produção de uma revo-
lução na sensibilidade... que a mão desconhecida, solicitada 
pela personagem de Clarice Lispector, possa tocar aquela ou 
aquele que chega aos serviços mencionados, oferecendo 
cuidado, respeito e presença sensível aos que doem. Acolher, 
sobretudo, na realidade do acolhimento institucional. 
Juventudes: entre A & Z
33 
Referências
CONSELHO Nacional de Assistência Social (CNAS). Orienta-
ções Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e 
Adolescentes. Brasília, 2009.
HILST, H. Em frase de destaque na exposição Ocupação 
Hilda Hilst, no Itaú Cultural. 2015.
LISPECTOR, C. A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: 
Rocco, 1998. 
SAFATLE, V.  Quando as ruas queimam: Manifesto pela 
Emergência. São Paulo: Editora n-1, 2016. 
Juventudes: entre A & Z
34 
Dizem que nós temos tudo no Lar, mas a gente 
não tem a nossa família perto e nem a liberdade 
de caminhar na rua (V.S.).
Essa escrita inicia com a fala da Educanda V.S., pois foi a par-
tir dela que importantes reflexões sobre a vida de crianças e 
adolescentes em acolhimento institucional passaram a fazer 
parte dos meus dias. V.S é uma adolescente de 14 anos, tímida, 
meiga e que quase nunca fala de seus sentimentos. Lembro-
-me bem do dia em que estávamos somente nós duas na sala 
dos adolescentes no Serviço de Convivência e Fortalecimento 
de Vínculos (SCFV) e ela manifestou a vontade de caminhar na 
rua. Eu a olhei e disse que sim, que seria possível. Ela abriu um 
sorriso e envergonhada disse que era somente no SCFV que 
ela e seus colegas em acolhimento tinham a possibilidade de 
sair andando pela rua, pois iam da Casa Lar para o SCFV e para 
escola de micro-ônibus. Assim, a conversa começou a fluir e co-
meçamos falar sobre sua rotina, atividades, objetivos, quando 
ela disse - referindo-se a equipe da Casa Lar -: “Dizem que nós 
temos tudo no lar, mas a gente não tem a nossa família perto 
e nem a liberdade de caminhar na rua” (V.S.). Essa afirmação 
me pegou desprevenida, fiquei por um instante sem reação 
e refletindo sobre isso. Em seguida falei que a compreendia, 
mas que lá ela estava protegida e em segurança. No final do 
dia segui para casa pensando no que V.S havia dito. O acolhi-
mento institucional ocorre sempre que os direitos reconheci-
Acolhimento Institucional II
Tatiane de Oliveira
Educadora Social, Licenciada em Educação Física (Feevale) e Espe-
cialista em Educação (IFSUL). 
E-mail: tatiolive90@gmail.com
Juventudes: entre A & Z
35 
dos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990) fo-
rem ameaçados ou violados por omissão da sociedade ou do 
Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis, 
ou por sua própria conduta. Nesse sentido, o acolhimento da 
criança e adolescente acontece visando sua proteção integral 
e bem-estar. Todavia, refletindo sobre processo de retirada do 
contexto familiar até o acolhimento institucional e a adapta-
ção à nova rotina, observei o quanto esse movimento é vio-
lento e marca as trajetórias desses sujeitos. V.S narrava a sua 
retirada familiar, juntamente com as demais irmãs, com uma 
expressão de raiva, por vezes chegava a morder os lábios ma-
nifestando esse sentimento. Essa situação piorou com a sus-
pensão das visitas da mãe a Casa Lar. V.S não compreendia o 
que motivou tal decisão e no fundo sabia que isso indicava 
uma possível destituição familiar e um consequente processo 
de adoção. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Bra-
sil, 1990) em seu artigo 101, § 1º afirma que: 
O acolhimento institucional e o acolhimento fa-
miliar são medidas provisórias e excepcionais, 
utilizáveis como forma de transição para reinte-
gração familiar ou, não sendo esta possível, para 
colocação em família substituta, não implicando 
privação de liberdade.
 
Frente a isso, entende-se que a reintegração familiar sempre 
será privilegiada, todavia depois de esgotadas as tentativas 
de trabalho com a família visando o retorno da criança e ado-
lescente, essas serão colocadas em família substituta. Esse era 
o maior medo de V.S., pois sabia que as chances de ser ado-
tada juntamente com as irmãs eram mínimas. Recordo que 
durante uma atividade em que os/as educandos/as deveriam 
escrever sobre seus sentimentos, ela escreveu sobre o sofri-
mento em ser mais velha e ter que carregar sobre os ombros 
a responsabilidade de ser o suporte de suas irmãs. Refletindo 
Juventudes: entre A & Z
36 
sobre suas narrativas, percebi o quanto a condição para sua 
existência era violenta. Certamente, em seu contexto familiar 
conviveu com situações violentas, todavia estava tão imer-
sa nesse meio que se quer dava-se por conta das violações 
de seus direitos, inclusive, naturalizando-os. Contudo não se 
pode negar que na Casa Lar, mesmo sendo um espaço de pro-
teção, há o sentimento de não se perceber pertencente a uma 
família e consequente violência simbólica constituinte dessa 
experiência. Há, ainda, os relatos onde a adolescente detalhaas “medidas” que deve cumprir em caso de indisciplina. Aliás, 
a palavra medida faz parte da narrativa de todas as crianças e 
adolescentes em acolhimento institucional que frequentam o 
SCFV e pode ser descrita na fala de um educando:
Acho que quem ler isso (medida) pensa que é uma 
alguma medida de comprimento, largura, altura. 
Mas para mim isso significa outra coisa, pelo me-
nos no abrigo que eu estou há uns oito meses. Lá 
já ganhei duas medidas. Medida então, significa 
para todos que moram no abrigo, uma palavra 
que deriva de punição, castigo, pelos atos incer-
tos. Neste tempo em que estou lá (abrigo) ganhei 
duas medidas. A primeira foi quando eu inferni-
zei a vida de uma educadora que estava conosco 
naquele dia. Fiquei uns quarenta plantões dela 
de medida, limpando o chão. A outra medida foi 
quando incomodei no quarto com outro cupin-
cha, mas por bom comportamento minha medida 
terminou mais cedo do que eu esperava, e não de-
sejo ganhar outra tão cedo (E.L. 12 ANOS).
 
Assim, destaco que é preciso assumir e refletir que o acolhi-
mento institucional mesmo sendo uma medida de proteção 
e garantia de direitos para crianças e adolescentes, acaba 
por reproduzir violências, pois a retirada do convívio familiar 
e comunitário, a mudança de território e o rompimento das 
Juventudes: entre A & Z
37 
relações estabelecidas nele, a inserção em um espaço com-
partilhado com demais pessoas, o ingresso em outra escola 
é um processo violento. Posto isso, é primordial tencionar as 
condições de funcionamento dessas instituições para aco-
lher e adaptar essas crianças e adolescentes que se encon-
tram numa condição de fragilidade. Carvalho et Al. (2015) 
trazem importantes considerações sobre a forma como o 
cuidado subjetivo se apresenta no acolhimento institucio-
nal, especialmente através do trabalho do/a Educador/a 
Social. O estudo revela que as instituições tendem a margi-
nalizar esses sujeitos; que os/as educadores/as possuem um 
papel fundamental em seu desenvolvimento, contudo pou-
cos participam de programas de qualificação do trabalho; 
que os efeitos adversos do acolhimento não se encontram 
somente pelo fato da separação da mãe, mas também pela 
qualidade da instituição que acolhe. Destarte, é preciso es-
tar atento para que a lógica de trabalho não acabe por pro-
duzir violações de direitos. Enfim, encerra-se essa reflexão 
com muitos questionamentos, pois acredito que somente 
através da reflexão sobre a ação é que se pode mudar a rea-
lidade e tornar a vida dessas crianças e adolescentes digna 
de ser vivida.
 
Referências
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, 1990.
CARVALHO, C. F. et Al. Acolhimento institucional: considera-
ções sobre a forma como o cuidado subjetivo se apresenta 
no cotidiano de trabalho dos educadores sociais. Aletheia, 
n. 47-48, pp. 51-63, 2015. 
Juventudes: entre A & Z
38 
A adolescência é lembrada como uma fase da vida do ser 
humano em uma condição peculiar e, em especial, do de-
senvolvimento. Um período constante de alterações em 
competências cognitivas, sociais, psíquicas e emocionais. 
Etapa conhecida por transitar entre as fases da vida ado-
lescente. Adoles-ser. O ciclo pode ser entendido como uma 
fase específica do desenvolvimento, um tempo de morató-
ria e de maturação do corpo. Definido e entendido, muitas 
vezes, pelo caos hormonal. O sujeito não é mais uma criança, 
tampouco um adulto. Um limbo entre as brincadeiras infan-
tis, as expectativas para a vida e a realização dos ideais de in-
dependência e de autonomia, considerados típicos da vida 
adulta. A época é evidenciada pelo período de crise e confu-
são em que o sujeito se encontra com um número excessivo 
de possibilidades numa dinâmica própria de construção de 
identidade. Entre a infância e a vida adulta uma passagem, 
um período ou uma etapa com contornos imprecisos ou de-
limitados pelo que ainda não se é, mas que pode vir a ser. As 
transformações, nessa perspectiva, impõem a necessidade 
de construir novas respostas para questões nada simples, 
cobrando algo de novo do sujeito que não mais reconhe-
ce seu corpo, os novos interesses e seus desejos, por vezes, 
conflitantes. É também um tempo que fica perceptível a 
variação de humor, da voz, dos contornos, das curvas, das 
formas e volumes. Pêlos pelo corpo. O tempo do adoles-ser 
circunscreve uma passagem turbulenta, exigindo, simulta-
Adolescer
Wesley Ferreira de Carvalho 
Trabalha com as juventudes. Assistente Social, Mestre em Educa-
ção, Residente em Saúde Mental Coletiva.
E-mail: eu_wesley@yahoo.com.br
Juventudes: entre A & Z
39 
neamente, equilíbrio e maturidade para situações em que 
deve responder diante as exigências sociais que idealizam 
o seu amadurecimento e a sua constituição, como sujeito 
de identidade própria, que se apropria desse novo corpo e 
se posiciona perante o desejo sexual. Momento que causa 
inquietação ao vivenciar as transformações do corpo, fase 
que (pode) provoca(r) sofrimento. A adolescência é um 
tempo de receber julgamentos dos adultos e de possibili-
dade efetiva de experimentar, de crescer e de escolher ca-
minhos. Não se pode negar, também, os desafios daqueles 
que acompanham essas transformações desse sujeito cam-
biante, já que os “de maior” por vezes tem dificuldade em 
sustentar tais diferenças e questionamentos. O sofrimento 
também atravessa o mundo adulto nessa relação, frente às 
dificuldades geracionais ao para compor com as tecnologias 
e as novas formas do comunicar-se adolescente pela música, 
pela poesia, pela imagem, pelas tatuagens, pelas roupas e 
pela estética do corpo que se metamorfoseia: aborrescên-
cia, tempo da incomodação, mas, tudo bem é adolescen-
te... daqui a pouco passa! A palavra adolescência deriva do 
latim adolescere, sendo composta pelo prefixo ad (para) 
mais olescere (crescer) – crescer para. Um dos sentidos mais 
usuais compreende a adolescência como etapa constitutiva 
do ciclo vital humano, preparatória à fase adulta. É curioso 
que a palavra adolescere guarde proximidade com o termo 
addolescere – que significa adoecer. O termo vem sendo 
utilizado desde os séculos I e II, quando delimitava apenas 
um período, específico, da vida dos cidadãos de acordo com 
a hierarquia patriarcal, que organizava a vida social. Nessa 
época, não havia separação entre as dimensões pública e 
privada – como haveria na Modernidade –, uma vez que, 
moral, sexualidade e política articulavam-se num todo úni-
co, em dada ordem, compreendida como natural do univer-
so. Muitos são os autores brasileiros que estudam as ado-
Juventudes: entre A & Z
40 
lescências e as juventudes e destacam a complexidade em 
defini-las ou conceituá-las, apesar de o senso comum codifi-
cá-las como homogêneas, até porque, nem todos vivenciam 
com a mesma intensidade as refrações desse processo. Do 
ponto de vista político administrativo o Instituto Brasileiro 
de Geografia e Estatística (IBGE) define a adolescência como 
a população entre a faixa etária dos doze aos dezoito anos 
e a juventude dos dezoito aos vinte e quatro anos de idade. 
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), existe a divisão 
em três fases: a pré-adolescência (dos 10 aos 14 anos), a ado-
lescência (15 aos 19 anos incompletos) e a juventude (15 aos 
24 anos). A fixação de critérios relativos à compreensão da 
juventude pode se alargar até os 29 anos, conforme Estatuto 
da Juventude (SINAJUVE, 2013). Outro aspecto interessante 
é o uso dos plurais visto que viver tais experiências variam 
de acordo com os modos como são estabelecidas as rela-
ções sociais em seus diversos contextos, sejam os familiares, 
sejam os escolares ou os comunitários. A despeito das dife-
renças conceituais optou-se pelo que ambos os conceitos 
guardam de comum, usando-os não como sinônimos, mas 
dialógicos, ao pensar a adolescência como uma porta de en-
trada para este outro movimento da vida, que chamamos 
de juventude. O discurso contemporâneo sobre o jovem, ou 
sobre o adolescente, é ainda pouco generosoe acolhedor. 
Por exemplo, reduzir a condição do adolescer e do ser jovem 
ao caos hormonal, vinculando os comportamentos, os im-
passes e os movimentos tomados como típicos dessa etapa 
exclusivamente ao biológico, é recorrente, apesar de cons-
tituir-se como impossibilidade conceitual e ética. Ao retirar 
o sujeito do jogo da linguagem, do encontro com o outro e 
com a cultura, lhe é outorgado um lugar de objeto. A supo-
sição do adolescente como sujeito de direito, com status de 
proteção integral na letra da lei, mostra sua fragilidade no 
discurso social. Os tempos atuais revelam tensões e interpre-
Juventudes: entre A & Z
41 
tações sobre o tema evidenciando que os direitos positiva-
dos ainda não se encontram, de fato, efetivados, na medida 
em que explicita a importância de compreendermos que 
os adolescentes (d)enunciam com atenção ao modo como 
designamos este momento e porque associamos a violência 
ou o risco de violência quando tratamos do adolescer.
Referências
BRASIL. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre 
os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das polí-
ticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Ju-
ventude – SINAJUVE. Lei Nº 12.852, de 5 de agosto de 2013.
Juventudes: entre A & Z
42 
Minha tristeza não tem pedigree, 
já a minha vontade de alegria, 
sua raiz vai ao meu mil avô.
(Adélia Prado, 2002)
Quem tá alegre?! 
Ah, quem tá alegre vai bem mais longe.
(Endrius Rodrigues - Jovem do Centro da 
Juventude Restinga)
O que permanece em nós daqueles com quem encontra-
mos? O que transmitimos? Como somos lembrados? A mim 
parece que a alegria é o efeito mais marcante de uma relação 
de contágio com a juventude. Memórias e momentos parti-
lhados em que os sorrisos são largos e impossíveis de con-
ter, fazendo-nos cúmplices, na experiência de compartilhar 
uma intensidade que nos percorre e nos expande. Quando 
estamos alegres, somos gigantes. Propor-se a um trabalho 
com juventudes – especialmente, em condições de vulne-
rabilidades e violações de direitos – é ser encontrada, inevi-
tavelmente, por um discurso muito distante da potência de 
vida que a alegria carrega. Um discurso que diz da morte, da 
estatística, da violência e da falta de expectativa de futuro. 
Os encontros, contudo, vão diluindo os discursos preestabe-
lecidos, dando passagem para a experiência de estar com 
jovens e sentir-se viva. Testemunhar alegria de quem ensaia 
Alegria
Ana Paula Genesini 
Psicóloga em transformação constante pelos encontros potentes 
e alegres com as juventudes. Mestre em Psicologia Social e Institu-
cional. Técnica Social do Centro da Juventude Restinga.
E-mail: anagenesini@gmail.com
Juventudes: entre A & Z
43 
viver, ainda que em arranjos sociais que podem produzir a 
legitimidade do morrer. Assim, compartilho no decorrer des-
ta escrita conversas que constituíram minha escrita de dis-
sertação (GENESINI, 2018) e afetam este verbete:
- Cara, eai, algo mais que tu queira dizer? - Sora, sim. 
Eu tô feliz. Hoje eu chorei... mas, finalmente, foi de 
alegria... nunca na minha vida eu pensei que fosse 
ter o amor de família, que eu tenho agora!”. 
A alegria compartilhada nos contagia, impulsiona e trans-
forma. Preenche de leveza e sentidos o cotidiano, propor-
cionando pequenos deslocamentos diários, que vão nos 
tornando outras e outros: sujeitos mais apropriados de sua 
singularidade e diferença. Para dizer da experiência da ale-
gria, voltamo-nos ao corpo. Quando estamos alegres, nosso 
corpo é percorrido por essa intensidade que Espinosa deno-
mina afecto (SILVA, 2013). Tal intensidade é capaz de produzir 
um pensamento em ato, criativo e sensível, conectado com a 
experiência de afetar e ser afetado. A alegria é afecto que nos 
expande, ampliando nosso potencial de agir sobre nós mes-
mos, nossas relações e nosso modo de ser e estar, existir. Essa 
torção de um cotidiano desafetado, entristecido e com pou-
cas perspectivas e escolhas, para uma vida implicada com a 
alegria é capaz de atualizar nosso posicionamento ético-es-
tético-político em relação à formação, ao trabalho, à vida, aos 
relacionamentos, nos possibilitando criar uma relação mais 
próxima com práticas de cuidado e exercícios de liberdade. 
Alegria e tristeza são afectos primários, do qual derivam to-
dos os outros. Experimentamos alegria quando aumentamos 
nossa potência de ser e agir no mundo. A alegria nos dá a 
compreender o que é bom. Tal experiência, face à um modo 
de viver e conviver em sociedade, que nos coloca tantos im-
passes e dureza, é um refúgio. A experiência da alegria não 
se resume a uma variação de potência - ora triste, ora alegre 
Juventudes: entre A & Z
44 
- mas indica a posse plena de tal potência: podemos ser ale-
gres, nosso corpo pode alegria. E quando podemos alegria, 
ela não permanece restrita aos limites de nosso próprio cor-
po, mas cria redes de conexão afetiva: 
- Sora, tu tá sempre assim contente? - Como as-
sim? - Bah, não sei sora, eu te vejo sempre feliz, pra 
cima aqui com a gente...parece que tu quer mes-
mo estar aqui...isso anima o cara, sabe?”
O conheci calado. Emudecido e solitário. Corpo 
que se arrastava pelos corredores, como se a vida 
lhe fosse sugada, a cada passo. Alto, muito ma-
gro, pálido...cabelos longos e muito pretos...olhos 
atentos...toca na cabeça, independente da tempe-
ratura (que agonia, menino). Quando me dei con-
ta, era outro...tão outro...tão risonhamente e ex-
pansivamente notável que se fazia certa saudades 
dos dias que calava mais. “Hoje tá difícil, Rael”. Nos 
saiu à namorador...beijos na recepção, nos corre-
dores, no refeitório...passo por eles e lhes faço cara 
de “nojinho”... Eles riem e se abraçam ainda mais 
forte, ainda mais perto. Quando conheci sua mãe, 
me disse que antes Rael não saia do quarto...hoje, 
não para em casa. Quando vem, a tardinha...traz 
até um amigo, pra escrever poesia.
Ainda que a experiência com jovens seja encontro com 
inúmeras violências, preconceitos, criminalização, mortes, 
exclusão – denúncias do modo social que vivemos, impres-
so em nossos corpos – é como se algo operasse constante 
embate com o pesar e a dor, em reação pela potência ati-
va de viver, de querer viver. Resistência que transforma as 
dores e cria possibilidade de coexistência e paradoxo: ser 
alegre, ainda que... Alegre na luta, na celebração da cultura, 
na reverência a ancestralidade, na arte enquanto exercício 
de vida. Estar com jovens evidencia que este algo que opera 
constante embate é a alegria: uma alegria sentida, vivida e 
Juventudes: entre A & Z
45 
compartilhada, que transborda em risos e gargalhadas, fa-
las altas que ecoam nos espaços, danças e músicas que di-
zem de que viver tem ritmo e balanço, abraços de encontro, 
pra percorrer espaços e caminhos acompanhados. Quando 
afirmamos que a alegria é capaz de transformar a nós mes-
mos e a nosso pensar, não a restringimos a uma vivência da 
ordem do individual, pois compreendemos que os afectos 
de que somos capazes também dizem dos afectos que são 
possíveis, na sociedade que vivemos, portanto, são políticos. 
É preciso assumir, com eles este compromisso, encontran-
do formas e abrindo espaço para sua transmissão e expe-
rimentação. Se quanto mais um corpo é capaz de afecções 
e alegria, mais também a mente é consciente de si (SILVA, 
2013), afirmar este caminho é fazer resistência a um modo 
desafetado e desvitalizado de viver e de pensar. Modo este 
que a juventude ensina: é preciso criar, pois a alegria não 
é apenas possível, mas necessária. Existir em potência de 
multiplicidade e reinvenção produz desejo e vida singular 
e pulsante, nos ritmos de encontros de afetar e ser afetado, 
que se embalado por sorrisos, vão certamente, mais longe.
Referências
GENESINI, A. P. Percursos entre Afectos e Corpos: a criação 
de arquivos de experiência através de encontros narra-
tivos com a juventude. [Dissertação de Mestrado]. Porto 
Alegre: UFRGS, 2018. 
PRADO, A. Poesia Reunida. São Paulo: Arx, 2002, p. 11. 
SILVA, C. V.Corpo e pensamento: alianças conceituais en-
tre Deleuze e Espinosa. Campinas: Unicamp, 2013.
Juventudes: entre A & Z
46 
Atualmente, o mundo comporta 4 bilhões de pessoas usan-
do algum serviço conectado à internet, e até 2021 seremos 
5 bilhões. O escândalo da Cambridge Analytica - empresa 
privada que combinava mineração e análise de dados com 
comunicação estratégica para processos eleitorais – reve-
lou o uso de dados de redes sociais sem autorização. Perce-
bemos que os dados não identificados dessas redes, mais 
as imagens de câmeras de vigilância, GPS, buscas em pla-
taformas como Google, Amazon, Instagram, lojas virtuais, 
etc. alimentam gigantescos bancos de dados e são trans-
formados em capital e gerenciados por inteligência artifi-
cial. O Brasil é o segundo país do planeta em tempo de co-
nexão, em uma média de nove horas por dia por habitante, 
sendo que 133 milhões de brasileiros/as seguem perfis po-
líticos nas redes sociais. Assim como juventude, a palavra 
rede também guarda em si uma multiplicidade de sentidos 
e de inserção na esfera filosófica, tecnológica e política: 
podemos pensar as redes como espaço de conexões entre 
pessoas, como espaços de acolhimento e como aparelhos 
de captura. O que me traz aqui a escrever diz respeito a 
um câmbio de sentido da palavra “rede social”. No ano de 
2002 defendi a dissertação “Autopoiese e sociedade: a rede 
integrada de serviços do bairro Restinga na teoria dos sis-
temas vivos” e, cinco anos mais tarde, foi produzida a tese 
de doutorado em sociologia “Redes sociais e micropolíticas 
Alerta
Fabio Dal Molin
Psicólogo, psicanalista associado da APPOA, professor da Univer-
sidade Federal de Rio Grande-FURG. 
E-mail: dalmolinorama@gmail.com
Juventudes: entre A & Z
47 
da juventude”. Ambos os trabalhos tiveram o mesmo obje-
to de estudo: as estratégias de organização de entidades 
sociais (estatais ou não) e movimentos sociais utilizando 
como tecnologia social o conceito de rede. Em suma, como 
as redes sociais são configuradas na esfera pública sendo 
entendidas como modos de fazer política e micropolítica 
entre atores e instituições. As transformações tecnopolíti-
cas nas últimas duas décadas provocaram uma conversão 
radical do campo semântico da expressão “rede social”. 
Nos arquivos de minhas dissertação e tese, ainda estão o 
termo “rede social” operando os algoritmos de busca, con-
tudo, ocorreu uma metamorfose no território subjetivo do 
pesquisador. Em 2019, quem procurar as palavras chaves 
associadas “rede” e “social” vai encontrá-las nos dois traba-
lhos, mas não encontrará o que procura, e considero funda-
mental pensar sobre essa dissonância. Atualmente, chama-
mos de rede social plataformas de conexão mediadas por 
uma tecnosfera de computadores, smartphones, satélites, 
antenas de celular, navegadores de internet, e algoritmos 
de processamento de informação: Facebook, WhatsApp, 
Twitter, Instagram etc. Na antiga acepção da rede social, 
os movimentos lançavam mão de tecnologias informáticas 
e telemáticas (celular, e-mail, blog, página) como instru-
mentos de comunicação e de compartilhamento e arma-
zenamento de informações. Grosso modo, as conclusões 
da época de meus estudos evidenciavam que o desejo de 
formar redes dizia respeito a um modo de relação solidário 
e organizativo que usava a tecnologia como ferramenta. O 
explosivo e colorido caldeirão social de nossos dias, con-
forme abordo no verbete movimentos, apresenta como 
grande característica o uso das tecnologias digitais algo-
rítmicas para comunicar, mobilizar e expressar. Ou seja, 
se antes o objetivo era ampliar a comunicação, hoje elas 
passaram a constituir um modo de nos comportarmos e 
Juventudes: entre A & Z
48 
esse funcionamento nos faz questionar: Há diferença entre 
nos comunicarmos e nos relacionarmos? Sim e não. Como 
essa conexão – comunicação e relação - está produzindo as 
vidas juvenis que já nasceram sendo enunciadas em redes 
sociais para o mundo? Desde que aprendemos a falar a lín-
gua materna percebemos que a linguagem forma e é for-
madora do pensamento e da subjetividade. Hoje qualquer 
um de nós pode escrever textos, organizar grupos, publicar 
vídeo e música em plataformas de streaming, gritar por so-
corro, denunciar, amar, odiar, sem passar pela edição das 
grandes empresas de comunicação... Mas, ALERTA!!!!! Na 
fluidez virtual da internet proliferam as “fake news”, que, 
em bom português, chamamos de difamações, mentiras, 
calúnias, boatos, que desencadeiam os “linchamentos vir-
tuais”. Nada mais exemplar que um linchamento para ilus-
trar porque o filósofo Giorgio Agamben (2007) chama nos-
so contemporâneo de “Estado de Exceção”. Afinal, mesmo 
que o direito tente acompanhar os avanços tecnológicos, 
no espaço entre a ofensa cometida e o devido processo le-
gal, ocorre um dano moral, político, afetivo e até mesmo 
físico de difícil reparação. O Big Other é um trocadilho que 
tem anteparo no livro de George Orwell “1984” no qual a 
sociedade é toda ela controlada, observada e regulada por 
um único líder que tudo vê, que inclusive criou o próprio 
partido de oposição: o Big Brother (que obviamente inspi-
rou a franquia de Reality Shows holandesa muito famosa 
no Brasil). Segundo Shoshana Zuboff (2018), mesmo não 
estando conectados, estamos imersos no mundo digital. 
Aqui o Big Other está calcado no que a autora de “compor-
tamento mediado pelo computador” destaca ao proble-
matizar que o termo informática: denota ao mesmo tempo 
informar e formatar. E aqui entra o grande perigo, aquilo 
que constitui o que chamo de “subjetividade hackeada”, ou 
seja, quando somos conduzidos por uma dinâmica fria e 
Juventudes: entre A & Z
49 
impessoal, na ausência de laço social e do reconhecimen-
to dos sujeitos (como do Big Other), em que prevalece a 
reprodução do/a seguidor/a como única verdade sobre 
fatos e pessoas. Afinal, Leonel Brizola dizia que cinco famí-
lias dominam os meios de comunicação no Brasil, pois a 
comunicação social sempre esteve sob o poder econômi-
co e políticos das mesmas elites que nos governam e opri-
mem e práticas de monopólio e oligopólio. Como eu disse 
no início, atualmente, cinco grandes empresas dominam o 
mercado virtual mundial. Em um universo onde tudo está 
conectado a tudo, onde todos estamos conectados a re-
des virtualmente infinitas de conhecimento mediadas por 
controles algorítmicos, onde tudo encontra seu lugar, até 
mesmo a transgressão, onde sobrará espaço para o novo, o 
revolucionário, o utópico?
Referências
ZUBOFF, S. Big Other: capitalismo de vigilância e perspec-
tivas para uma civilização da informação In: BRUNO, F.; 
CARDOSO, B.; KANASHIRO, M.; GUILHON, L.; MELGAÇO, L. 
(Orgs.) Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da mar-
gem. São Paulo: Boitempo, 2018 
AGAMBEN, G. Homo Sacer. O poder soberano e a vida 
nua. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2007.
ORWELL, G. 1984. São Paulo, Companhia das Letras, 2019.
Juventudes: entre A & Z
50 
Quem durante a sua infância não queria ter uma amiga 
ou até mesmo uma melhor amiga? Aquela com a qual se 
cochichava pelos cantos, dava risadinhas e se tinham uma 
lealdade do tamanho do oceano atlântico. Na escola se 
andava de mãos dadas com a amiga, se contava segredos. 
Amiga é uma expressão até mesmo genérica para se cha-
mar pessoas próximas, mas a amiga aqui é sobre algo mui-
to difícil de colocar em palavras, acredito que seja porque 
cada pessoa tem a sua relação única com a amizade e com 
a sua amiga. Dá para se pensar e sentir várias coisas quan-
do se fala em amiga. É ela que eu convido para sair, para 
compartilhar, para ser mais leve, pois a vida anda dura, não 
sei se é essa coisa de virar adulto e encarar esse mundo 
cão ou se a gente que fica cada vez mais sério. Pois bem, 
amiga também está aí para lembrar que a vida não precisa 
ser levada tão a sério e principalmente, não se precisa levar 
a sério o tempo todo a nós mesmos. Isso é sobre leveza e 
sobre sentir o efeito do afeto, como já dizFlora Matos. É 
da amiga que se ganha o melhor abraço do mundo. É se 
divertir com pouco, ser criativas juntas, cair na gargalha-
da, não olhar as horas e ouvir música até de madrugada. 
Chamar alguém de “amiga” é um carinho, é saber que se 
pode contar com ela, porque quem tem amiga, tem ajuda. 
A amiga te conhece, sabe quando precisa dar um ombro, 
apoiar mesmo que sem palavras. Amiga é sobre respeito 
Amiga
Francisca Shelley Dilger 
Psicóloga graduada pela UFRGS e incansável na tentativa de colo-
car afetos em palavras.
E-mail: franciscadilger@hotmail.com
Juventudes: entre A & Z
51 
e cumplicidade, porque é entrelaçar caminhos para acom-
panhar. Esses tempos, eu recebi uma carta de uma grande 
amiga, que dizia que se aprende tanto com uma amizade, 
com o simples e ao mesmo tão complexo estar em amigas. 
Certamente, estar entre amigas é fazer circular o saber de 
todas, é beber e respirar da vida da outra. Duas amigas que 
se acompanham são aquelas que mostram detalhes, mo-
mentos e abrem os olhos uma da outra que sozinhas não 
poderiam ver, sentir. É como uma cabra das montanhas 
que leva um peixe para ver o horizonte e sentir o vento das 
alturas, ou um peixe que leva sua amiga cabra para mergu-
lhar no mar e sentir o frescor salgado. Esses dias, também 
reli uma carta de uma amiga mais antiga e percebi que ter 
uma amiga é contar com coragem, é ouvir de uma pessoa 
que te conhece tão bem coisas que nem sempre são bem 
vindas, mas que servem pra te dar aquele empurrãozinho, 
às vezes te sacudir e te dizer: a vida está na tua frente! O 
que tu estás esperando? Toma coragem e vai! Às vezes es-
tar com uma amiga é como entrar em uma cachoeira: é re-
carregar energias para seguir.
Juventudes: entre A & Z
52 
Amora não é uma coisa sobre a qual se possa simplesmente 
pensar – e está logo feito. não, não se trata disso. A amora 
é um fruto silvestre? É um processo? É uma coisa que leva 
tempo? De certa forma, sim. A amora é um “sim”? De cer-
ta forma, sim. Amora é amor que acontece à medida que 
o bater (des)compassado do coração coincide com o ges-
to. Portanto, amora é ação que se orienta pelo batimento 
cardíaco, pelo calor que toma os ventres, pelas mãos de 
mulheres que insistem no próprio enlace: ser uma mulher e 
amar outra mulher me parecem duas coisas (talvez ineren-
temente) revolucionárias. A amora vai ditando seu próprio 
ritmo, sua própria dança improvisada; vai nos acontecendo 
sem ensaio, de forma única e irrepetível. Mas há algumas 
tendências, claro: a amora gosta de ser em clima temperado 
subtropical, e em solos úmidos - ainda que deteste os propí-
cios a encharcarem; a amora é forte. e gosta de ser em solos 
profundos, o que é só outra maneira de dizer que ela prefe-
re habitar o fundo do fundo do fundo do fundo do fundo; 
a amora vai abrindo espaço em nós, da mesma forma que 
o mercúrio vai se espalhando, irremediavelmente, quando 
o vidro do termômetro (aquele da poeta matilde campilho) 
se quebra; a amora precisa ter muita coragem para ser, des-
de antes de nascer; isto é, a amora precisa de muita cor e de 
muito coração. A amora precisa de muito corpo para se dizer, 
para se expandir, para se afirmar, para ser. Outras tendên-
Amora 
Sthefany Lacerda
Graduanda em Psicologia na Universidade Federal de Pelotas - UFPel. 
E-mail: sthefanylaccc@gmail.com .
Juventudes: entre A & Z
53 
cias recentemente encontradas mediante rápida pesquisa 
sobre amora: a amora gosta de ser em condições primave-
ris: a frutificação começa a ocorrer em setembro, quando a 
vontade de viver regressa ao mundo humano; e, é preferí-
vel mantê-la sob temperatura quente, entre 24 e 28 graus. 
Informação (nova) que me faz arregalar os olhos: tu sabias 
que a amora possibilita os fios de seda? Tu sabias o bicho 
da seda come as folhas de amora e, de barriguinha cheia, se 
põe a tecer seus casulos, dos quais se extrairá, mais tarde, 
os fios de seda. O absurdo é sempre tão real. Parece certo 
afirmar que, enquanto o bicho tece, enquanto sua artesania 
atravessa os dois lados da costura, a amora cresce, impulso 
de vida vindo de dentro da amoreira - e continua. A amora 
pressupõe uma continuação. Trata-se de um amor cujo cul-
tivo se faz de modo muito – especialmente – singular: se 
aprende como cuidar do fruto enquanto se cuida dele. Não 
há quem ensine esse cuidado. Não há. Não há porque se-
quer se fala sobre a possibilidade de cultivar amora. sequer 
se fala. Com a poeta Angélica Freitas pergunto: piri qui? 
piri qui ni si fili im amiri? Mas estou tentando, Angélica. Es-
tou. Estou tentando falar, mesmo tendo, desde o começo, 
a nítida impressão de que, para falar sobre amora, é pre-
ciso uma outra coisa, uma outra coisa além da palavra. Eu 
diria que é preciso uma demora diante dela; que é preciso 
(a)guardar-se dentro dela - apesar do medo; que é preciso 
permitir que ela nos percorra o corpo e que é preciso per-
corrê-la, também; que é preciso sentir sua superfície irregu-
lar, seu corpo híbrido, composto por vários pequenos frutos 
agregados; que é preciso sentir a grandeza do seu tamanho 
miúdo e a acidez que a torna, inexplicavelmente, doce. Eu 
diria, portanto, que amora é uma coisa formada por mui-
tas outras coisas. e que isso requer da gente um olhar aber-
to, atento, disposto, diverso, entregue. São inesgotáveis as 
amoras (da escritora Natália Borges Polesso): há as grandes 
Juventudes: entre A & Z
54 
e sumarentas; há as pequenas e ácidas. Com isso quero di-
zer que são infinitas as amoras possíveis. e que são infinitas 
as amoras que existem em uma única amora (tô arriscando 
usar palavras grandes, como deves ter percebido: possível, 
infinito). Não é em vão. Uso essas porque, por mais parado-
xal que pareça, sinto que não poderia, ao falar sobre amo-
ra, usar palavras pequenas). Eu diria que é preciso permitir 
que a amora nos escorra, nos adentre, nos desestabilize, 
nos amedronte, nos assuste, nos maravilhe, nos aconteça. 
No mais, não há muita coisa possível de ser dita – seja ela 
grande ou pequena. não que se esgote o assunto, muito 
pelo contrário: não tem como dar conta de tanto, porque 
afinal nem se sabe até onde a amora vai, até onde se des-
dobra, de que forma, em quanto tempo, e se conseguire-
mos colhê-la quando parecer a hora. Por isso, não acredito 
que haja qualquer instrução a ser seguida, além da de que 
é preciso ir. Sim, é preciso ir. É preciso atravessar o quintal, 
é preciso se deter diante da improvável amoreira que figura 
na calçada, é preciso buscá-la pelo pomar de Dinda Lena. 
Aí é preciso chegar ao pé da fruta, esticar os dedos – e apa-
nhá-las, um punhado de amoras roxas, vermelhas, pretas. 
E, ao segurá-las nas mãos, nos acontece algo. Nos aconte-
cem vários pequenos frutos coloridos, formados por várias 
outros pequenos frutos – e isso nos atordoa. Nos acontece 
um aglomerado de aglomerados – o absurdo é sempre tão 
real, repito – que nos colore a palma da mão, a carne que 
circunda as unhas, as cutículas. Amora é amor que acontece 
quando se decide afirmar a vida, quando se decide a revo-
lução pelo gesto. Amora é palavra - e gesto. 
Juventudes: entre A & Z
55 
BRANQUITUDE I (Um Incômodo)
Bruna Moraes Battistelli
Doutoranda no PPGPSI/UFRGS, bolsista CAPES, mestra em Psico-
logia Social
E-mail: brunabattistelli@gmail.com
Cara professora,
Este era para ser o trabalho final da disciplina, mas acabou ga-
nhando o formato de carta, que é como eu melhor me expres-
so. Vou falar de um tema que tratamos bem rápido em aula: 
a branquitude. E vou aproveitar para lhe escrever sobre algu-
mas coisas que me incomodaram no semestre. Espero que a 
senhora entenda. E entenda também meu modo de escrever. 
Tentei usar as referências, mas isso é sempre uma dificuldade 
de fazer certinho como as regras mandam. A senhora falou em 
aula sobre o texto da Maria Aparecida Bento (Branqueamento 
e branquitude no Brasil). Um texto que me ajudou a me olhar 
e tentar ver quando eu tinha me percebido enquanto uma 
pessoa que tinha raça também. Me descobribranca muito 
tarde, preciso dizer. Quando já estava na faculdade: tipo com 
20 anos. Antes, eu só assistia a essas discussões sobre as cotas 
e não entendia. Eu achava que quem se esforçava era quem 
tinha chances. Minha mãe e meu pai sempre disseram isso: 
“se tu te esforçar tu vai conseguir ter uma vida boa”. Aí veio a 
universidade. E as cotas. Entrei pelas cotas de escola pública. 
Não entendia por que tinha para negros e indígenas. Ouvi das 
minhas professoras do colégio que cota era mimimi de quem 
não se esforçava. Por que eu lhe escrevo? Preciso te dizer que 
fiquei incomodada com o que a senhora disse em aula: “Tem 
que fazer por merecer para estar na faculdade! Tem gente que 
Juventudes: entre A & Z
56 
ganhou a vaga”. Fiquei dias me perguntando o que a senhora 
quis dizer com isso. E principalmente, porque disse isso no dia 
que estudamos sobre branquitude na aula. Eu vou colar um 
trecho grande do texto da Maria Aparecida, ele me ajudou a 
entender o meu incômodo com sua fala:
Evitar focalizar o branco é evitar discutir as dife-
rentes dimensões do privilégio. Mesmo em si-
tuação de pobreza, o branco tem o privilégio 
simbólico da brancura, o que não é pouca coisa. 
Assim, tentar diluir o debate sobre raça analisando 
apenas a classe social é uma saída de emergên-
cia permanentemente utilizada, embora todos os 
mapas que comparem a situação de trabalhado-
res negros e brancos, nos últimos vinte anos, ex-
plicitem que entre os explorados, entre os pobres, 
os negros encontram um déficit muito maior em 
todas as dimensões da vida, na saúde, na edu-
cação, no trabalho. A pobreza tem cor, qualquer 
brasileiro minimamente informado foi exposto a 
essa afirmação, mas não é conveniente conside-
rá-la. Assim o jargão repetitivo é que o problema 
limita-se à classe social. Com certeza este dado é 
importante, mas não é só isso (BENTO, 2002, p. 03).
Eu entendo que a senhora é de uma outra geração. Que foi 
ensinada de outras formas, mas não dá para a gente ficar re-
petindo as coisas sem pensar um pouco melhor. Ainda mais 
uma professora! Uma professora branca tem que saber que 
não basta se dizer uma pessoa branca, é preciso ir além de 
dizer que tem privilégios. Desculpa a forma de lhe dizer essas 
coisas, mas foi duro ouvir os colegas (principalmente as/os es-
tudantes negras/negros) falando das suas dificuldades e das 
vezes que sofreram racismo na escola e do como as pessoas 
tratam as cotas como esmola. A senhora conhece a música 
“Cota não é esmola” da Bia Ferreira? Cotas não são esmolas, 
são ações afirmativas em um país onde a desigualdade tem 
Juventudes: entre A & Z
57 
cor. A disciplina de relações étnico-raciais me ajudou muito 
a entender isso. Pobres também se beneficiam do privilégio 
da brancura. Quando a senhora falou de merecimento foi 
muito complicado, parecia que não tínhamos lido o texto 
que discutimos. A Maria Aparecida Bento (2002) mostra de 
muitas formas como o privilégio e a noção de merecimento 
é algo colado a branquitude. Merecimento é a manutenção 
dos privilégios, professora! E nós, pessoas brancas, temos que 
ir para além do incômodo. Uma colega de aula me indicou um 
texto que mexeu bastante comigo: Branquitude para além do 
incômodo da Schuma Schumaher (https://www.geledes.org.
br/branquitude-para-alem-do-incomodo/). Esse portal, o 
Geledés, é muito bom para encontrar materiais sobre raça, 
mulheres, racismo e branquitude. Tenho estudado bastante 
por ali, e sugiro que a senhora dê uma olhada por ali. Estudar 
é uma coisa importante se a gente quer ser mais conscien-
te da nossa racialidade branca e de como nos beneficiamos 
de todo um sistema racista. Primeiro dói, depois a gente vai 
vendo como se movimenta. Importante é se movimentar! 
Sei que a senhora é mais velha e que eu sou só uma estu-
dante de 21 anos. Já ouvi muito que jovem se acha, que jo-
vem acha que sabe e pode tudo. Eu tenho aprendido muito 
com as colegas e com os colegas. Uma coisa que aprendi 
quando cheguei na universidade é que não posso esperar 
que os outros digam que sou racista ou que preciso discutir 
minha branquitude e nem posso fazer as/os colegas negras/
os de google para saber o que estudar sobre raça, racismo 
e branquitude. Por que estou lhe dizendo essas coisas? Me 
incomodei com sua pouca empatia com as/os colegas. Elas/
eles falavam sobre suas dificuldades e a senhora mal deixou 
eles terminarem e falou em merecer a vaga na universidade, 
em se esforçar. E pior ainda, me usou como exemplo. Não 
faça mais isso, por favor. Eu sei que incomoda ser cutucada 
nas nossas certezas, mas permita-se ouvir de forma menos 
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violenta os colegas. Escute o que a gente tem a lhe dizer. Dói 
a gente sair do nosso lugar de privilégio (sair não é bem a 
palavra). Falo de uma pessoa branca para outra pessoa bran-
ca: não silencie o conflito quando ele aparecer! Racismo não 
pode ser um assunto só para pessoas negras. Fomos nós, 
pessoas brancas, que inventamos isso, portanto é nossa res-
ponsabilidade transformar a posição que ocupamos. É nossa 
responsabilidade pensar em nossas atitudes e em como 
modificamos as mesmas para que possamos participar e 
sermos atuantes em uma cultura antirracista. Uma cultura 
antirracista precisa ser pensada nas relações do cotidiano. O 
que a senhora acha? Um abraço, sua aluna.
Referências
BENTO, M. A. S. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: 
CARONE, I.; BENTO, M. A. S. Psicologia social do racismo: 
estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Pe-
trópolis: Vozes, 2002. Pp. 25-58.
 
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Branquitude II - Práticas Antirracistas
Bruna Moraes Battistelli
Doutoranda no PPGPSI da UFRGS, bolsista CAPES, Mestra em Psi-
cologia Social.
Email: brunabattistelli@gmail.com 
Professora, 
Tomo a liberdade de seguir lhe escrevendo. A senhora diz que 
ficou incomodada com alguns pontos da minha carta e pede 
que eu seja mais clara sobre o que é possível uma pessoa (prin-
cipalmente uma professora) branca fazer. Assim, vou continuar 
a compartilhar um pouco do que tenho feito. Não adianta falar 
que não é racista ou que é antirracista. É preciso mais, é preci-
so mostrar nas atitudes cotidianas como estamos modificando 
nossas práticas. Vou trazer um trecho do texto que falei na ou-
tra carta (Branquitude para além do incômodo); seguem umas 
perguntas que a escritora se faz (ela, uma mulher branca, con-
vidada a falar sobre feminismo e branquitude):
Mas incômodo não era o suficiente para me li-
vrar do privilégio de ser branca. Como desna-
turalizar o que parecia natural desde que eu 
me entendia por gente? Como ter consciência de 
que, muitas vezes, eu mesma, era beneficiária do 
racismo? Como ter consciência crítica dessa vio-
lência? Como ser solidária com a dor do outro/a? 
Como determinar a dor que não sentimos? Como 
descrever, intensificar, medir, aquilo que a/o outra 
sente? (SCHUMAHER, 2017, sp.).
Somos beneficiárias do sistema racista. A senhora me enten-
de? Esse é um ponto importante. E a senhora precisa lidar com 
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os sentimentos que podem aparecer nesse processo. Isso é 
importante! Raiva, culpa, vergonha, negação: são alguns dos 
que surgem no processo de pensar sua branquitude. Impor-
tante é não “jogar” eles para cima de outras pessoas (princi-
palmente pessoas negras). Assim, se quiser saber um pouco 
mais sugiro retornar ao texto da Maria Aparecida Bento (cons-
ta na nossa primeira carta) e o artigo de Lourenço Cardoso 
(2010) intitulado “Branquitude acrítica e crítica: a supremacia 
racial e o branco antirracista”. Ele analisa o quanto a branqui-
tude não é uma identidade racial única, sendo múltipla e fa-
zendo-se necessário uma discussão desta para pensarmos a 
constituição de uma pessoa branca antirracista. O autor e Lia 
Schucman (2014) apontam questões importantes que dizem 
da constituição do Brasil como uma nação que tem “precon-
ceito de ter preconceito” (Lourenço Cardoso cita esta frase de 
Florestan Fernandes) e

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