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A Ideia de Modernidade

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Modernidade 
A ideia de modernidade surge, segundo Jacques Le Goff, quando há um sentimento de ruptura com o passado. Nesse 
sentido, um dos primeiros pensadores a utilizar a ideia de modernidade foi Charles Baudelaire, escritor francês da segunda 
metade do século xix, autor de As flores do mal, que pensava a modernidade como as mudanças que iam se operando em 
seu presente, utilizando a palavra sobretudo para a observação dos costumes, da arte e da moda. Etimologicamente, 
entretanto, Andrew Edgar apresenta a modernidade como um termo derivado do latim modernus (significando 
recentemente), que desde o século v, com os escritos de Santo Agostinho, passou a ter diversos significados. Na origem, 
opunha-se ao passado pagão; a partir do século xvi, todavia, quando os eruditos revalorizaram a cultura pagã, ser moderno 
era se opor ao medieval e não ao antigo ou à Antiguidade. Os homens do século xvi julgavam estar vivendo em um mundo 
novo (moderno), embora o passado greco-romano devesse ser respeitado na construção desse novo mundo e do novo 
homem, liberto do “obscurantismo” medieval. Nesse sentido, a Era Moderna é de fato moderna, ao menos para os que nela 
viveram. (...). Apesar disso, modernidade é um conceito histórico que difere do sentido original da palavra e surgido com 
o Iluminismo, tendo seu ápice nos séculos xix e xx. 
Podemos definir a modernidade como um conjunto amplo de modificações nas estruturas sociais do Ocidente, a partir 
de um processo longo de racionalização da vida. Nesse sentido, como afirma Jacques Le Goff, modernidade é um conceito 
estritamente vinculado ao pensamento ocidental, sendo um processo de racionalização que atinge as esferas da economia, 
da política e da cultura. Segundo Sergio Paulo Rouanet, a racionalização econômica levou o Ocidente a dissolver as formas 
feudais e pré-capitalistas de produção e a elaborar uma mentalidade empresarial fundamentada no cálculo, na previsão, nas 
técnicas racionais de contabilidade e de administração e na forma de trabalho livre assalariado. Enfim, a racionalização 
econômica se materializa no Capitalismo, desde o século xviii até nossos dias. 
A racionalização política, por sua vez, apareceu com a substituição da autoridade descentralizada medieval pelo Estado 
moderno, com o sistema tributário centralizado, as forças militares permanentes, o monopólio da violência e da legislação 
pelo Estado e a administração burocrática racional. Com a passagem para o Estado liberal burguês, no século xviii, a 
dominação política deixou de estar vinculada ao carisma, ao Direito Divino, ao costume, à tradição, e passou a ser legitimada 
em fundamentos racionais, em um contrato, em regras estabelecidas pelos cidadãos. No plano cultural, aos poucos ocorreu 
o desencantamento do mundo: o mundo moderno só poderia ser entendido pela razão, sem necessitar recorrer a mitos, a 
lendas, ao temor, à superstição. Ou seja, a ciência ganhou um poder de compreensão do mundo que deveria permitir ao 
homem escapar de visões mágicas (fantasmas, bruxas, seres imaginários), derrubando os altares e instalando o reino da 
Razão. 
Outra mudança que caracterizou a modernidade foi a separação e a autonomia entre a ciência, a moral e a arte. Antes, 
essas esferas de valor estavam embutidas na religião. Mas a partir da Idade Moderna, e principalmente com a 
contemporaneidade, a ciência deixou de precisar do respaldo (e dos limites) da religião; o comportamento moral também 
foi separado da religião, e o Ocidente começou desde então a acreditar que uma pessoa, para ser boa, não precisaria 
necessariamente ser religiosa. Ela poderia ser racionalmente boa e instituir para si mesmo normas de conduta que norteariam 
sua relação com o mundo e com as outras pessoas. Por outro lado, um homem muito religioso (fanático e dogmático) 
poderia fazer mal em nome de sua fé. Por fim, a arte se desvinculou da religião e encontrou formas autônomas de criação e 
divulgação, primeiro com o mecenato e posteriormente com a formação do mercado consumidor de arte, permitindo que o 
artista possa viver de modo independente de sua relação com a religião e com o mecenas. 
Reconhece-se, em geral, a Ilustração como o fenômeno responsável pelo início da modernidade. A Reforma Protestante 
iniciou o processo de secularização do mundo Ocidental, mas foram os pensadores do século xviii que o laicizaram de vez. 
Na Reforma havia ainda o dogma do pecado original, os pavores e as incertezas da predestinação. O Iluminismo julgou não 
precisar mais da religião revelada, nem de Deus, para se portar no mundo. Esse projeto iluminista de modernização do 
mundo tinha duas vertentes, depois herdadas pelo liberalismo e pelo Socialismo: [1]o aumento da eficácia e o [2] aumento 
de autonomia [emancipação humana]. 
A primeira dimensão pregava a racionalização das ações dos homens e da relação entre estes e a natureza, que permitisse 
maior eficiência científica nas esferas de produção de bens e de administração política, o que seria possível com a técnica 
e a tecnologia. Em suma, essa dimensão instrumental e funcional garantiria um controle ilimitado do homem sobre a 
natureza e sobre outros homens. No entanto, a eficácia degenerou em dominação [exploração burguesa do trabalho e do 
corpo e colonização], e é atualmente muito criticada por ser responsável pelos estragos ecológicos que o planeta enfrenta, 
pela desumanização das relações sociais, pela violência e belicosidade entre as Nações, pelo tecnicismo frio da vida 
moderna, por ter colocado em risco de aniquilamento atômico toda a humanidade. Quando se fala em crise da modernidade, 
fala-se, sobretudo, na crise desse modelo da eficácia que foi, de fato, o projeto de modernidade que mais se efetivou desde 
o século xviii até nossos dias, defendendo uma ciência e uma técnica que são, elas mesmas, dominação. 
Sobre a dimensão da autonomia, a modernidade defendia, e continua a defender, acima de tudo, a libertação do 
Homem, sem distinção de sexo, cor, raça, credo ou opinião. Pregava que a razão devia emancipar a humanidade, que a 
sociedade civil devia ser livre e atuar sobre uma sólida opinião pública que geraria tanto o dissenso como o consenso. Essa 
seria a modernidade ideal proposta pelo Iluminismo. No entanto, a modernidade realmente posta em prática pelo Ocidente 
desde o século xix, a chamada modernidade real (...), não foi capaz de emancipar o homem. Como exemplo é possível 
citar a dominação de classe, a miséria, a concentração da riqueza, o racismo estrutural, a dominação de gênero e outras. 
Os pensadores que defendem, como Sergio Paulo Rouanet, que o projeto iluminista de modernidade ainda não foi 
totalmente realizado, acreditam que a dimensão da eficácia conduziu a humanidade a um grande desenvolvimento material, 
ao passo que a dimensão da autonomia ficou no meio do caminho. Ou seja, o progresso material não foi acompanhado de 
maior liberdade, nem da emancipação do homem. E, aos poucos, como notou Edgar Morin, muito do que a modernidade 
iluminista projetou virou mito: a cultura de massa promoveu incontáveis imagens nas quais o amor, a felicidade, o bem-
estar, o descanso, o lazer parecem possível a todos. A modernidade capitalista, assim, se tornou cultura de massas. 
No âmbito da América Latina, as oligarquias agroexportadoras durante muito tempo construíram obstáculos ao 
processo de modernização em razão de seus interesses internos de dominação dos demais grupos sociais [escravidão, 
exploração do trabalho indígena], apesar de ter sido essa mesma oligarquia que, no final do século xix, se propôs a 
modernizar as cidades, os transportes, o urbanismo latino-americano [numa perspectiva excludente social e 
racialmente].(...) 
Seja como for, nem mesmo a modernidade instrumental, baseada na eficácia, se realizou plenamente em todos os países. 
Fora da América Latina, outras regiões têm problemas semelhantes: até podemos falar de um Egito “moderno”, mas 
reconhecendoque muitos traços da cultura tradicional dos países muçulmanos resistiram ao avanço da modernização que 
lhes parecia, não sem razão, uma ocidentalização que serviria aos interesses dos países ocidentais. Já no Japão, a 
modernização, segundo Le Goff, foi equilibrada, com a adoção de técnicas ocidentais e a manutenção de valores próprios, 
ao passo que nos países muçulmanos ela foi conflitual, ou seja, atingiu apenas parte da população e gerou tensões com as 
tradições antigas, com a identidade cultural dessas Nações. Na África negra, por sua vez, o que existiu foi uma 
modernização tateante, com fracas e inadequadas tentativas de modernização promovidas pelas elites. 
Falar em modernidade é pisar em um terreno de contradições, pois esse conceito é muitas vezes posto em oposição ao 
de tradição, que pode ser considerada de um ponto de vista saudosista ou como algo retrógrado. Por um lado, em 
determinadas circunstâncias, o discurso modernizador, em particular em sua vertente da eficácia, do progresso, torna-se 
apenas uma ilusão para muitas pessoas, ou aparece como algo destrutivo e opressor (o progresso técnico pode ser 
antiecológico e promover a desigualdade social e racial). Mas, por outro, a tradição também pode conter elementos muito 
conservadores das relações de dominação entre pais e filhos, homens e mulheres, brancos e não brancos grupos dominantes 
e dominados etc., enquanto a modernidade, em sua vertente da autonomia, propõe a igualdade e a liberdade. 
. 
 
Fonte: SILVA, Kalina Vanderlei e SILVAm Henrique Silva. Dicionário de conceitos históricos. Ed Contexto. SP. 2005. 
P. 297-31. [Consulte outros verbetes] 
Ver também: BOBIO, Norberto. Dicionário de Conceitos Políticos. Ed. UNB. 11ª Edição. Brasília. 1998. 
Textos complementares 
Texto 1: Entrevista com Ailton Krenak, autor do livro “Ideias para adiar o fim do mundo” (durante a pandemia). 
Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/pensar/2020/04/03/interna_pensar,1135082/funcionamento-da-
humanidade-entrou-em-crise-opina-ailton-krenak.shtml 
Texto 2: Textos do filósofo camaronês, Achile Mbembe, autor do livro “Necropolítica” (disponível SIGAA) 
Vídeo 1: O objetivo da vida é ser produtivo? Entrevista com Ailton Krenak, autor do livro “A vida não é útil”. Disponível 
em https://www.youtube.com/watch?v=FKtEm1x3IeM&t=639s 
 
Orientações para a reflexão 
- Diferenciar os conceitos de “Época Moderna” de “Modernidade” (dê exemplos pelos conteúdos estudados no E.M) 
- Conceitos de “racionalização econômica”, “racionalização política” e “desencantamento do mundo”, separação 
entre “ciência, moral e arte” para explicar a progressiva construção histórica da modernidade (dê exemplos pelos 
conteúdos estudados no E.M) 
- Conceitos de “eficácia” e “autonomia” na proposta idealizada pela modernidade ocidental. Aponte suas contradições, 
ou seja, o que aconteceu na “modernidade real”, quais críticas são feitas (dê exemplos nos conteúdos estudados no E.M) 
- Como as ideias de Ailton Krenak e Achile Mbembe podem ser interpretadas em relação à modernidade ocidental real. 
 
Atividade: 
- Construir um texto explicando os conceitos, respondendo às reflexões sugeridas e dando os exemplos. Tamanho: entre 1 
e duas laudas (caneta esferográficas) 
https://www.em.com.br/app/noticia/pensar/2020/04/03/interna_pensar,1135082/funcionamento-da-humanidade-entrou-em-crise-opina-ailton-krenak.shtml
https://www.em.com.br/app/noticia/pensar/2020/04/03/interna_pensar,1135082/funcionamento-da-humanidade-entrou-em-crise-opina-ailton-krenak.shtml
https://www.youtube.com/watch?v=FKtEm1x3IeM&t=639s

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