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Indaial – 2019 DiDática e MetoDologia Do ensino Da Música Prof. Lucas Zewe Uriarte 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Prof. Lucas Zewe Uriarte Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: UR76d Uriarte, Lucas Zewe Didática e metodologia do ensino da música. / Lucas Zewe Uriarte. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 170 p.; il. ISBN 978-85-515-0334-8 1. Música - Instrução e estudo. – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 780.7 III apresentação Prezado acadêmico, seja bem-vindo à disciplina de Didática e Metodologia do Ensino da Música. O objetivo da disciplina é proporcionar acesso, reflexão e encontro com as diferentes formas de pensar e realizar a educação musical, seus processos de ensinar e aprender música por meio de atividades que busquem ampliar nossa relação com os sons e suas características, seja ela realizada em espaços escolares ou não escolares. O material está organizado em três unidades, que serão apresentadas a seguir: Na Unidade 1 - Delimitação epistemológica da educação musical -, está organizada em três tópicos que apresentam a interlocução entre música, sociedade e escola, com aporte teórico focado na educação musical, na formação político-pedagógica do professor de música e nas funções da música na sociedade e nos espaços escolares. Na Unidade 2 são apresentadas as concepções de educação musical e as manifestações sonoras de diferentes origens, a partir das metodologias criadas pelos educadores musicais estrangeiros e brasileiros dos séculos XX e XXI: o que pensam e como realizam suas propostas. Acessar o processo de escuta ativa e as relações da música com as outras áreas artísticas indicadas por Schafer; a metodologia CLASP e a Teoria Espiral de Desenvolvimento Musical apresentada em Ensinando música musicalmente, de Swanwick, assim como os jogos de improvisação propostos por Koellreutter, são alguns dos tópicos dessa unidade. Também faremos as articulações com os educadores musicais brasileiros, que adaptam a nossa característica multicultural essas formas de ensinar e aprender música. Por meio da Unidade 3 - A música como área do conhecimento na escola -, organizada em três tópicos, pretende-se estimular o reconhecimento da música como área do conhecimento, partindo das tendências históricas sobre o ensino de música no Brasil, estabelecendo um fluxo de diálogo entre a legislação e os atuais pressupostos conceituais para o ensino de música. Nessa unidade também serão trabalhados temas como a aplicação de princípios metodológicos e estratégias para o planejamento e execução de uma aula de música e a consequente investigação quanto às formas e critérios de avaliação utilizados por diferentes professores. Para encerrar, o texto apontará possibilidades sobre os processos avaliativos para aulas de música, com ênfase nas relações estabelecidas entre teoria e prática. Meu desejo é de que tenhamos um percurso de estudos esclarecedor e dinâmico! Prof. Lucas Zewe Uriarte IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI V VI VII UNIDADE 1 – DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ÁREA DE EDUCAÇÃO MUSICAL .........................................................................................................................1 TÓPICO 1 – O QUE É EDUCAÇÃO MUSICAL? ................................................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA ...............................................................................................4 3 EDUCAÇÃO MUSICAL E ESCOLA ...................................................................................................7 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 11 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 12 TÓPICO 2 – FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DO EDUCADOR MUSICAL............. 13 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 13 2 PROPICIAR UMA EDUCAÇÃO COM MÚSICA .......................................................................... 15 2.1 COMO PENSAR O ESPAÇO DA MÚSICA NA ESCOLA? ....................................................... 17 2.2 SUGESTÕES DE ATIVIDADES ..................................................................................................... 21 2.2.1 Repertórios ecléticos para o ensino médio .......................................................................... 22 3 A ESCOLA COMO PRODUTORA E REPRODUTORA DE CULTURA ................................... 24 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 29 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 30 TÓPICO 3 – AS FUNÇÕES DA MÚSICA NOS DIVERSOS CONTEXTOS SOCIOCULTURAIS E EDUCACIONAIS ................................................................... 31 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 31 2 FUNÇÕES DA MÚSICA NA SOCIEDADE .................................................................................... 32 3 FUNÇÕES DA MÚSICA NA ESCOLA ............................................................................................ 36 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................40 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 49 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 50 UNIDADE 2 – AS CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO MUSICAL E MANIFESTAÇÕES MUSICAIS DE DIFERENTES ORIGENS ............................................................... 51 TÓPICO 1 – IMPORTÂNCIA DOS EDUCADORES MUSICAIS DO SÉCULO XX ................. 53 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 53 2 COMO PENSAM E QUAIS SÃO SUAS PROPOSTAS ................................................................ 54 2.1 ÉMILE JAQUES-DALCROZE ........................................................................................................ 55 2.1.1 Lucas Ciavatta ......................................................................................................................... 58 2.2 CARL ORFF ...................................................................................................................................... 60 2.2.1 Jos Wuytack e Luis Bourscheidt ........................................................................................... 64 2.3 ZOLTÁN KODÁLY ......................................................................................................................... 67 2.3.1 Heitor Villa-Lobos ................................................................................................................ 70 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 72 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 73 suMário VIII TÓPICO 2 – ACESSO À VARIEDADE DE VERTENTES E METODOLOGIAS DOS EDUCADORES MUSICAIS ................................................................................ 75 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 75 2 MURRAY SCHAFER ............................................................................................................................ 77 2.1 EDUCAÇÃO SONORA: PROPOSTA DE ATIVAÇÃO DA AUDIÇÃO................................... 78 2.1.1 Ouvindo os sons e ativando a memória .............................................................................. 79 3 KEITH SWANWICK ............................................................................................................................ 82 4 HANS-JOACHIM KOELLREUTTER................................................................................................ 85 4.1 MODELOS DE IMPROVISAÇÃO ................................................................................................. 87 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 90 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 91 TÓPICO 3 – MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO MUSICAL .............................................. 93 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 93 2 MANIFESTAÇÕES MUSICAIS DE ORIGEM AFRO-BRASILEIRA ......................................... 96 3 MANIFESTAÇÕES MUSICAIS DE ORIGEM INDÍGENA......................................................... 97 4 MANIFESTAÇÕES MUSICAIS DE ORIGEM PORTUGUESA .................................................. 98 5 O ENSINO DE MÚSICA E A DIVERSIDADE CULTURAL ........................................................ 99 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................104 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................108 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................109 UNIDADE 3 – A MÚSICA COMO ÁREA DO CONHECIMENTO NA ESCOLA ...................111 TÓPICO 1 – A MÚSICA E O SEU ENSINO NO BRASIL .............................................................113 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................113 2 TENDÊNCIAS HISTÓRICAS PARA O ENSINO DA MÚSICA NO BRASIL .......................115 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................130 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................131 TÓPICO 2 – PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS E PRÁTICOS PARA O ENSINO DE MÚSICA ..... 133 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................133 2 PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS PARA O ENSINO DA MÚSICA .....................................134 3 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS PARA O ENSINO DA MÚSICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA .......................................................................................................................138 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................145 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................146 TÓPICO 3 – AVALIAÇÃO EM MÚSICA ..........................................................................................147 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................147 2 O QUE É AVALIAÇÃO? ....................................................................................................................148 3 PROCESSOS DE AVALIAÇÃO PARA O ENSINO DE MÚSICA ............................................150 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................155 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................160 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................161 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................163 1 UNIDADE 1 DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ÁREA DE EDUCAÇÃO MUSICAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer a área da educação musical realizando possíveis interlocuções com a educação básica; • compreender a importância da sua formação como educador musical, na qual a música deve ser tratada como área do conhecimento na escola; • dialogar sobre a função político-pedagógica do educador musical, dimensionando a importância e abrangência da música no espaço escolar; • analisar, por meio de teorias, exemplos da vida cotidiana e sonoridades, as diferentes funções que a música possui na sociedade e na escola. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – O QUE É EDUCAÇÃO MUSICAL? TÓPICO 2 – FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DO EDUCADOR MUSICAL TÓPICO 3 – ASFUNÇÕES DA MÚSICA NOS DIVERSOS CONTEXTOS SOCIOCULTURAIS 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 O QUE É EDUCAÇÃO MUSICAL? 1 INTRODUÇÃO FIGURA 1 - DESENHANDO AS NOTAS MUSICAIS FONTE: Brito (2003, p. 6) A música está tão presente em nosso cotidiano, que nem sempre paramos para pensar nas influências que ela exerce sobre nós, ou na importância que ela tem na nossa vida, apesar de termos, quase sempre, músicas que gostamos de ouvir, cantores preferidos, bandas que seguimos pelas diferentes mídias. Muitos de nós criamos ou executamos música mesmo não sendo músicos profissionais, tocamos um instrumento, cantamos quando nos reunimos em uma roda de amigos, quando frequentamos uma igreja, escolhemos músicas adequadas para diferentes ocasiões, como casamentos, aniversários, encontros de amigos, entre outros. Muitas vezes, escolhemos os lugares que frequentamos em virtude da música que toca nesse ambiente, ou seja, em geral, nós respondemos à música com vitalidade e curiosidade. Cada grupo familiar e social relaciona-se com a música de maneira diferente, o que torna o seu estudo cada vez mais instigante, porque todos temos histórias a contar que envolvem música. Prieto e Pucci (2008) indicam a importância da presença da música para curar os doentes, adormecer as crianças, divertir-se, comemorar datas importantes, marcar os ritos... Desde que o mundo é mundo, a música faz parte da vida dos diferentes povos, confundindo-se, muitas vezes, com a própria linguagem falada. “Em diferentes tempos ou lugares, quem canta conversa com os animais, com os espíritos, com os amigos, consigo mesmo” (PRIETO; PUCCI, 2008, p. 48). UNIDADE 1 | DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ÁREA DE EDUCAÇÃO MUSICAL 4 Dessa forma, parece oportuno dizer que todos nós temos uma trilha sonora da nossa história de vida: músicas que nos remetem à infância, canções de ninar, música de aniversário, músicas para o Natal e outras festas comemorativas, depois as músicas das festas na adolescência, os compositores e cantores preferidos, nossas seleções de músicas nos computadores e celulares: uma para cada momento e estado de espírito. Como não fazer uso dessa constância da música em nossas vidas, utilizando-a na escola como fonte inesgotável de saberes e sensações? Por outro lado, quando perguntamos sobre a educação musical, nem todos têm clareza sobre o que esse termo quer dizer. A curiosidade nos leva a fazer essa pergunta muitas vezes, para pessoas de diferentes formações acadêmicas e de diferentes idades, e as respostas são muito variadas: Educação musical é aula de música, é aprender um instrumento, é cantar, é brincar com música, é dançar, é ouvir música com atenção... Todas essas respostas estão parcialmente corretas, é aula de música, que necessariamente não precisa ser de um instrumento específico, pode, sim, ser uma experiência musical por meio de brincadeiras e jogos, também pode ser uma oportunidade de conhecer a teoria musical, ou seja, como se escreve a música, que não usa linha, mas um conjunto de linhas chamado pauta; que não usa letras, mas sinais que chamamos figuras musicais, e estas figuras ao serem colocadas na pauta transformam-se em notas musicais. O objeto do estudo da educação musical é, portanto, a produção do fenômeno sonoro: a música, em suas diversas relações com o ser humano, na maneira pela qual a música é percebida e manipulada por cada pessoa. Para se comunicar, expressar-se, compreender as mensagens que nos são transmitidas, é necessário que se conheçam os elementos dessa área do conhecimento. A educação musical, então, objetiva o conhecimento e o ensino da música, que é construído através da vivência com os diferentes sons, criando significados, possibilitando a expressão por meio dos elementos que a compõem. Para Koellreutter, “a música é, em primeiro lugar, uma contribuição para o alargamento da consciência e para a modificação do ser humano e da sociedade; ela impulsiona-o à ação e promove nele uma multiplicidade de condutas de diferentes qualidades e grau” (GAINZA, 1988, p. 22). Para melhor compreender esses significados específicos do encantador universo musical, nessa unidade vamos transitar de forma temporal pelo conceito de educação musical, procurando compreender a relevância desta manifestação cultural na formação de cada indivíduo, especialmente para esse grupo de licenciandos em Música. Nesta disciplina vamos nos debruçar para escutar, perceber, sentir, pensar e nos comunicarmos através da música de forma consciente, como parte do processo de formação integral do indivíduo. Temos que começar conosco, para depois conseguirmos ensinar música. 2 DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA Para muitas pessoas, a música é entendida apenas como entretenimento ou um produto que não necessita ser desenvolvido a partir de seus fundamentos teóricos, o que acaba por esvaziar seu valor como área do conhecimento, isso porque, na maioria das vezes, o trabalho com música no ambiente escolar resume-se unicamente a ensaios para apresentações em datas comemorativas, não priorizando o aprendizado da música. TÓPICO 1 | O QUE É EDUCAÇÃO MUSICAL? 5 Em sua complexidade, a música sofreu alterações ao longo do tempo, no entanto, mantém sua caracte rística de reunir pessoas, seja para apreciar, cantar e/ou tocar um instrumento. Através da vivência musical, indivíduos criam suas relações sociais, manifestando sua identidade. Assim, compreendemos a música como processo de comunicação sensorial, simbólica, afetiva e, portanto, social. As implicações afetivas, sociais e psicomotoras abordadas não devem nos afastar do foco principal da educação musical: a música como área de conhecimento específica. É preciso priorizar a vivên cia musical apontando os elementos que compõem a música, sendo ela o objeto de estudo em sala de aula, tendo em mente que só é possível compreender música fazendo música, ouvindo música e experimentando música de forma prática e consciente. FIGURA 2 – CRIANÇA COM METALOFONE FONTE: Uriarte, Muller e Amaral (2017, p. 23) E como chamamos o processo de ensinar música? Educação musical ou Musicalização são termos utilizados para definir essa atividade, que se baseia em oferecer ferramentas básicas para a compreensão e utilização da linguagem musical, propor cionando condições para que o aluno compreenda o que se passa no plano da expressão e no plano do signifi cado, ao ouvir ou executar música. Nessa linha de pensamento, Cecília França, autora de vários materiais didáticos para a educação musical, nos alerta que em uma aula de música é preciso que a música seja o objeto de construção do conhecimento, dizendo que “aula de música é aula de música, com música e por meio da música” (FRANÇA, 2009, p. 25, grifo nosso). Ou seja, é preciso orientar os alunos na compreensão do discurso sonoro, do discurso musical! UNIDADE 1 | DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ÁREA DE EDUCAÇÃO MUSICAL 6 “O objetivo específico da educação musical é musicalizar, ou seja, tornar um indivíduo sensível e receptivo ao fenômeno sonoro, promovendo nele, ao mesmo tempo, respostas de índole musical”, nos diz uma grande educadora musical argentina chamada Violeta Gainza (1988, p. 101, grifo nosso). Musicalizar, portanto, objetiva também despertar e desenvolver o gosto musical, favorecendo o desenvolvimento da sensibilidade, criatividade, senso rítmico, memória, concentração, disciplina, respeito ao próximo, socialização e afetividade, também contribuindo para uma efetiva movimentação e consciência corporal. Observa-se que, para tanto, é necessário que tenhamos profissionais de educação musical interessados em ampliar seu conhecimento e desenvolvimento musical formal em cursos que os habilitem ao ensino, pois, só assim, serão capazes de refletir criticamente sobre a sua prática e sobre o “fazer musical” que realiza ou deixa de realizar. Sabemos que muitos professores, especialmente da Educação Infantil, trabalham com música na escola, mas a diferençaentre eles e os licenciados é que esses terão condições de ampliar as experiências musicais de seus alunos, assim como, estarão sempre em processo de aprendizagem e busca por novas metodologias, referências, materiais didáticos e sonoros que estimulem a criatividade e percepção sonora de seus alunos. Portanto, torna-se necessário que os professores se reconheçam como sujeitos mediadores no processo educativo, que levem em conta a importância do aprendizado da música no desenvolvimento e formação dos alunos como indivíduos produtores e reprodutores de uma cultura. Só assim poderão procurar e reconhecer todos os meios que têm em mãos para criar, à sua maneira, situações de aprendizagem que deem condições aos alunos de construir conhecimento sobre música. E o que é um sujeito mediador? O que é mediar o conhecimento? Mediar é andar junto, promover encontros com a arte e cultura, esteja ela nos museus, nos livros, no teatro ou nos muros do colégio. Mediar é promover encantamento, mas também estranhamento, conversar e perguntar, ter dúvidas, inquietar-se e mover-se em diferentes direções. Mediar é estesiar os sentidos! (URIARTE, 2017, p. 92). Importante salientar que mediar não é dizer o que o outro deve ouvir, sentir ou fazer, mas aproximar o outro da arte. No caso do professor de música, o mediador é aquele que apresenta o evento musical, para que dele o aluno possa se aproximar, ouvir, perceber, aprender, avaliar e que também possa extrair suas impressões pessoais. Martins (2014) salienta a importância de diferenciar as múltiplas ações desempenhadas pelos mediadores, que podem ser relacionadas à apresentação, explicação, informação, interpretação e à mediação cultural. Essas ações podem estar sobrepostas no processo de mediação, ou se desmembrarem, nem sempre se efetivarem, mantendo-se disponíveis para o grupo a ser mediado, mas que, ao serem utilizadas, possam provocar encontros que emancipem o sujeito, e não encontros que o aprisionem em definições fechadas. TÓPICO 1 | O QUE É EDUCAÇÃO MUSICAL? 7 Conseguimos perceber isso especialmente quando mediamos contatos artísticos com os alunos, porque a música não se manifesta apenas pelas mãos ou pela voz, porque ela envolve todo o corpo, desde a cognição, a atenção, a preparação física e emocional, para então poder chegar às sonoridades, portanto, aproximar os alunos de instrumentos, confeccioná-los, experimentá-los são experiências extremamente importantes para o desenvolvimento da sua autonomia sonora. Esther Beyer fala que as primeiras construções musicais são feitas a partir da analogia entre som e movimento. Apoiada na teoria piagetiana, a autora diz que para formar conceitos, é preciso, antes, vivenciá-los, em nível prático. O aparecimento conjunto dos sons vocais e dos movimentos ajudaria a criança na formação de conceitos musicais. Assim, as primeiras vocalizações que acompanham os movimentos físicos-motores são formas de organizar tanto o espaço físico quanto a própria vocalização: “o fazer musical é pré- requisito do compreender” (BEYER, 2000, p. 49). Ao observar essa citação de Beyer, fica claro que para futuros professores, o fazer musical também é um pré-requisito importantíssimo para compreender as teorias voltadas ao ensino de música, para que então seja possível adequá- las às diferentes faixas etárias, escolher repertórios, materiais e espaços mais adequados e capazes de estesiar os sentidos, reforçando a importância da Educação Musical Escolar, e o quanto é gratificante trabalhar na nossa área de opção com curiosidade, ousadia, mas também com segurança, que é alavancada por todo o conhecimento adquirido ao longo do curso de graduação. 3 EDUCAÇÃO MUSICAL E ESCOLA FIGURA 3 – ENSINO DE ARTE SERÁ COMPONENTE CURRICULAR OBRIGATÓRIO FONTE: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/05/03/lei-inclui-artes-visuais- danca-musica-e-teatro-no-curriculo-da-educacao-basica>. Acesso em: 14 jan. 2019. UNIDADE 1 | DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ÁREA DE EDUCAÇÃO MUSICAL 8 Compreendemos que a cultura é a marca indelével do ser humano, manifestando-se em registros muito antigos, em que encontramos cores, formas e objetos que passam a ser utilizados para favorecer sua comunicação e consequente leitura de mundo. De muitos povos, o que a História guarda como características marcantes são algumas de suas manifestações culturais, incluindo a língua, a música, a pintura, as danças, entre outras, sendo necessário o uso de códigos que decifrem suas características, para assim interpretá-las e dar-lhes sentido. Essa é, portanto, a função primeira da escola: auxiliar na compreensão e decifração dos signos da linguagem, para acesso à leitura, escrita e fala, assim como de imagens, sonoridades, desenhos e movimentos para ler o mundo. É por meio das linguagens da arte que podemos compreender o mundo das culturas e o nosso eu particular. Assim, mais fronteiras poderão ser ultrapassadas pela compreensão e pela interpretação das formas sensíveis e subjetivas que compõem a humanidade e sua multiculturalidade (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 2010, p. 13). Esse espaço de acesso às diferentes linguagens de que estamos falando é a escola: território de força política, cultural e artística, no qual estão presentes as diretrizes educacionais manifestadas por meio dos currículos, da formação de professores, dos projetos e programas, e também a cultura que é demarcada inicialmente pela região como um todo, mas que particularmente destaca especificidades do bairro, da rua, daquele grupo de pessoas, as famílias com suas particularidades, que na escola se misturam e formam um outro círculo cultural. Quando pensamos a cultura no contexto escolar, observamos que cada vez mais a responsabilidade de instigar um olhar curioso, atento e emancipatório para o que nos circunda e o que está distante tem sido deixado sob a responsabilidade da escola, mais especificamente para o professor que assumir a função de mediador cultural – aquele que aproxima e oportuniza o contato. Em diferentes documentos educacionais, a arte é compreendida como uma área específica do conhecimento, que trabalha com a produção, a fruição e a reflexão sobre a cultura artística, e não apenas como atividade recreativa. No caso da música, temos uma legislação (Lei nº 11.679/08) atualizada recentemente pela Lei no 13.278/2016, que inclui as artes visuais, a dança, a música e o teatro nos currículos dos diversos níveis da educação básica. A nova lei altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB — Lei nº 9.394/1996), estabelecendo prazo de cinco anos para que os sistemas de ensino promovam a formação de professores para implantar esses componentes curriculares no Ensino Infantil, Fundamental e Médio, que indica que seus conteúdos são obrigatórios em toda a Educação Básica, mais uma vez destacando sua importância na formação dos brasileiros. A questão levantada sobre uma nova visão de docência em arte é extremamente importante para espaços que se voltam para a educação estética de professores, especialmente nesse caso, um curso de licenciatura em Música, que tem na sonoridade seu maior empenho e argumento: “Pela arte somos levados a conhecer aquilo que não temos a oportunidade de experienciar em TÓPICO 1 | O QUE É EDUCAÇÃO MUSICAL? 9 nossa vida cotidiana, e isso é básico para que se possa compreender as experiências vividas por outros homens” (DUARTE JR., 2012, p. 69). Segundo o autor, para que o conhecimento realmente ocorra, deve haver uma articulação entre o que é vivido (sentido) e o que é simbolizado (pensado), pois, quando a aprendizagem é vinculada apenas à transmissão de conhecimentos verbais, “[...] que não se ligam de forma alguma aos sentimentos dos indivíduos, não é garantia de que um processo de real aprendizagem ocorra” (DUARTE JR., 2012, p. 70). Essa afirmação se faz muito importante nesse momento em que vivemos mudanças na legislação, assim como a inserção da nova BNCC na EducaçãoBásica, pois fica claro para nós, professores, que não basta falar sobre Arte/Música, se não transformarmos a teoria em especulações sonoras, criações, práticas diversas, jogos, apreciação e avaliação do que fazemos e ouvimos. Gadotti (2014, p. 128) nos diz que a escola: [...] tem que ser um lugar de aprendizagem, um espaço da comunidade, da relação entre os diferentes espaços de aprendizagem. Por que há fracassos na escola? Porque muitas vezes ela não relaciona o espaço escolar com outro espaço, não formal. A primeira unidade de aprendizagem é a família, é o entorno. Partindo desse pressuposto, a família e o entorno devem ser ouvidos, devem ser convidados a partilhar sucessos e dificuldades, pois a escola que se interessa em estabelecer sintonia com o local onde está situada organiza-se como uma comunidade, e comunidades desenvolvem-se em colaboração. A colaboração é outra atitude importante nos processos de ensinar e aprender, especialmente no caso de professores de música, porque dificilmente teremos “pares professores de música” na mesma escola, então nossos projetos interdisciplinares serão realizados com professores de outras áreas do conhecimento, partindo do pressuposto de uma percepção de coletividade, de ajuda mútua, de trocas que envolvem seus saberes, valorizam as habilidades já desenvolvidas, as novas aprendizagens oportunizadas pelo convívio e trabalho com o grupo, para gerar reflexão sobre e para a prática. Como nos diz Mosé (2014, p. 124): “Sair de uma lógica da disputa para uma lógica da escuta”. Precisamos entender essa lógica da escuta como uma oportunidade de aprendizagem, de movimento emancipador, que é fundamental para a formação estética e artística dos nossos alunos. A partir de experiências sensibilizadoras com a Arte e a Música, os professores devem observar se estas foram capazes de interferir na formação pessoal dos alunos, percebendo-se como mediadores culturais na escola. Se a escola não empreender, desde os primeiros anos de escolaridade, o trabalho de sensibilização estética que é necessário, através de audições de discos, apresentação de obras de artes plásticas, cinematográficas etc., aqueles que não puderem beneficiar-se de um ambiente familiar favorável jamais sairão do analfabetismo sensorial e do consumismo embotado (PORCHER, 1982, p. 46). UNIDADE 1 | DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ÁREA DE EDUCAÇÃO MUSICAL 10 Pensada dessa forma, a mediação cultural assume papel preponderante na formação dos futuros professores, pois só aquele que se sensibiliza é que pode acionar, nos outros, dispositivos sensíveis na sua prática, voltados às formas e às forças da cultura, por meio de uma proposta de formação estética de professores, para que estes se percebam como mediadores culturais no espaço escolar. FIGURA 4 – O SEU OLHAR LÁ FORA FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=4E5fFV9KUuw>. Acesso em: 14 jan. 2019. O seu olhar lá fora O seu olhar no céu O seu olhar demora O seu olhar no meu O seu olhar melhora Melhora o meu Arnaldo Antunes e Paulo Tatit, 1995. Arnaldo Antunes e Paulo Tatit nos indicam, na sua canção, que precisamos ampliar nosso olhar sobre nós e sobre os outros, função de professor artista, que quando amplia o seu olhar, amplia também o olhar dos seus alunos, processo de mediação cultural. Quando reunimos mediação com cultura, o olhar sobre os significados, as atuações e as possibilidades da música na escola multiplicam-se, porque são colocados em atividade as sensações, percepções e diferentes meios de expressão, com o objetivo de acompanhar o movimento da arte e ampliar o nosso olhar sobre as coisas. 11 Neste tópico, você aprendeu que: • Existe uma preparação para o exercício da profissão Professor de Música, que acontece por meio de teorias que explicam a importância que a música possui na vida das pessoas, a percepção de que todos nós temos uma trilha sonora da nossa vida, e quanto é representativo observar e conhecer essa trilha para ampliá-la, sem desmerecê-la. • As relações que estabelecemos entre Música, Sociedade e Escola devem ser ampliadas, partindo da percepção de que a música é uma forma de representação social, e que acessá-la, por meio de diferentes repertórios, manuseio de instrumentos, movimento corporal, jogos e brincadeiras, entre outros, nos prepará para assumir a importante função de mediadores culturais nos espaços de atuação profissional, sempre com foco na importância de registrar, reconhecer e recriar as manifestações artístico-musicais. • Devemos favorecer a necessária interlocução entre Música, Sociedade e Escola, a partir de uma lógica da escuta como oportunidade de aprendizagem e de movimento emancipador, fundamental para a formação estética e artística dos futuros professores e de seus alunos. RESUMO DO TÓPICO 1 FIGURA 5 – INSTRUMENTO DE PERCUSSÃO FONTE: <https://st.depositphotos.com/2103661/2182/i/450/depositphotos_21826763-stock- photo-two-colorful-caxixi-afro-brazilian.jpg>. Acesso em: 22 abr. 2019. 12 1 Faça um comentário usando exemplos sobre a importância da ênfase na relação entre Som e Movimento para a Educação Musical. 2 “Sair de uma lógica da disputa para uma lógica da escuta” (MOSÉ, 2014, p. 124). De acordo com esta afirmação, analise as sentenças a seguir: I- A lógica da escuta é uma oportunidade de aprendizagem para professores e alunos. II- A escuta gera um movimento emancipador, que é fundamental para a formação estética e artística dos nossos alunos. III- Experiências sensibilizadoras com a arte e a música são capazes de interferir na formação pessoal dos alunos. IV- Professores são mediadores culturais na escola. Com relação às sentenças acima, é CORRETO afirmar que: a) ( ) Apenas a alternativa III está correta. b) ( ) As alternativas III e IV estão corretas. c) ( ) As alternativas I e III estão corretas. d) ( ) Todas as alternativas estão corretas. 3 A família e o entorno devem ser __________, devem ser convidados a _________ sucessos e dificuldades, pois a escola que se interessa em estabelecer _________ com o local onde está situada, organiza-se como uma __________, e comunidades desenvolvem-se em __________. As palavras que completam as lacunas na ordem CORRETA são: a) ( ) comunidade, partilhar, colaboração, sintonia, ouvidos. b) ( ) ouvidos, partilhar, sintonia, comunidade, colaboração. c) ( ) ouvidos, sintonia, colaboração, sintonia, partilhar. d) ( ) comunidade, colaboração, partilhar, sintonia, ouvidos. AUTOATIVIDADE 13 TÓPICO 2 FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DO EDUCADOR MUSICAL UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Falar sobre a formação político-pedagógica do educador musical não é tema fácil, tendo em vista as diferentes formas como a música é observada por alunos e professores, no âmbito da escola, da comunidade e da família. Dessa forma, apesar das diferentes visões e funções que são dadas à música, não se pode esquecer que o principal objetivo da educação musical é aproximar e ensinar música, e quando falamos em ensinar música, a Figura 5 nos ajuda a pensar em diversas formas de realizar essa tarefa: a música que se ouve por meio de diferentes fontes, a música gravada, seja ela midiática ou não, e a música na sua forma escrita, a partitura. Essa imagem nos dá o sentido pleno da formação que o educador musical deve buscar para si, para bem desenvolver sua função político-pedagógica: perceber que a música está ligada à vida cotidiana, carregando os significados adquiridos e experimentados nas práticas musicais formais ou informais, o que significa que a aula de música não pode estar fora do contexto musical dos alunos. FIGURA 6 – DIÁLOGOS POSSÍVEIS ENTRE PRÁTICA E TEORIA FONTE: Torres (2017, p. 31) UNIDADE 1 | DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ÁREA DE EDUCAÇÃO MUSICAL 14 Por outro lado, o ensino de música não pode ficar apenas com aquilo que os alunos já conhecem e gostam, as aulas de música devem ampliar repertórios, conhecimentos, formas de ouvir e, também, de escrevere executar músicas, e para isso, a formação do educador musical tem que estar no foco das atenções. Licenciandos de Música precisam se perceber como futuros professores de música, como pessoas que irão mostrar caminhos sonoros dos mais variados, propiciar momentos de estesia, de observação sobre o quanto os sons são capazes de nos envolver, mas também de nos inquietar e instigar a querer sempre conhecer mais sobre eles. Além de compreender como a música é vista e valorada na sociedade em que vivemos, o trabalho com música também possibilita ampliar a visão de mundo e o conhecimento das diferentes manifestações culturais. A educação musical deve abranger os diferentes “mundos” musicais de uma cultura, seus discursos e significados, como uma porta de acesso ao conhecimento, à aceitação e compreensão de outros modos de ser e viver, entre eles, diferentes maneiras de utilizar e vivenciar a música. Em uma perspectiva intercultural, cabe aos educadores musicais compreender as diferenças entre o universal e o particular, percebendo onde as conexões acontecem, por mais distantes que pareçam, contribuindo, assim, na formação individual do aluno e na ampliação das perspectivas do ambiente escolar, visando um espaço consciente de cidadania de todas as raças, gêneros e padrões culturais. Neste Tópico 2, nossa atenção irá voltar-se para dois temas específicos e importantes: a necessária busca do educador musical em propiciar uma educação musical com música, ou seja, precisamos fazer música, ouvir música, falar sobre música, ler sobre música, criar sonoridades, agrupá-las e socializá-las. Depois que essas ações já tiverem sido experimentadas e compreendidas pelos licenciandos, a próxima etapa é a escola, momento em que iremos socializar e compartilhar saberes e experiências sonoras com alunos de diferentes faixas etárias. O outro tema, tão instigante quanto, é a nossa conscientização de que a escola produz e reproduz cultura, e quando nos percebemos sujeitos da cultura, precisamos ampliar nossos horizontes, manter diálogos abertos sobre os temas voltados para a cultura em geral, mas também focar na cultura musical, seja ela local, regional, nacional ou internacional. Precisamos nos “alimentar” de cultura, o que significa ler, ouvir, mas também frequentar espaços culturais, shows, concertos, audições, para estarmos sempre atentos à multiplicidade de “variações sobre o mesmo tema”, nesse caso, variações possíveis com a música. TÓPICO 2 | FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DO EDUCADOR MUSICAL 15 2 PROPICIAR UMA EDUCAÇÃO COM MÚSICA Escutar. O verbo mais utilizado e praticado neste projeto. Em um primeiro momento, escutamos que o ensino de música voltou às escolas do ensino básico. Felizes com o acaso por unir as vertentes que movem nossos trabalhos, cultura e educação, escutamos, então, uma a outra, na busca da melhor maneira para contribuir com esse processo, tão importante e oportuno. Neste momento, nos demos conta da abrangência, da responsabilidade e de nossa vontade de acertar. Percebemos, então, que teríamos que escutar muito além de nossos corações (JORDÃO; ALLUCCI, 2012, p. 5). Esta epígrafe foi retirada das páginas iniciais do livro A música na escola (2012), lançado pelo Ministério da Cultura e Vale do Rio Doce, com o intuito de promover discussões acerca da importância da música na escola, ou dito de outra maneira, considerar não a importância da presença da música na escola, mas a presença de educação musical, o que é bastante diferente, pois a música sempre esteve na escola, como recreação, como lazer, o que nesse momento estamos buscando é a presença do ensino de música na escola, a educação musical. Esse material tem caráter pedagógico, pois um de seus objetivos é amadurecer a discussão sobre como a disciplina Música deve ser conduzida em sala de aula. Para tanto, o livro abrange questões históricas, cognitivas, conceituais, físicas e sociológicas, servindo como um início de discussão sobre como oferecer uma educação musical adequada, tendo como premissa dar voz aos professores e ouvidos aos estudantes de música. Salienta-se, também, que o livro A música na escola foi preparado com foco na diversidade cultural brasileira para o ensino de música, estabelecendo contribuição inicial para o professor que estará em sala de aula apresentando a música para os estudantes, bem como para os envolvidos no processo de planejamento de aulas, discussão de conteúdos e afins (JORDÃO; ALLUCCI; MOLINA, 2012, p. 3). A prática musical é, sem dúvida, um laboratório privilegiado para o exercício de temas transversais a toda educação, “[...] como a cooperação, a paciência, a gentileza, a relativização da competição, a escuta de si e do outro” (MOLINA, 2012, p. 7). Desenvolver essas habilidades deveria ser de competência de todas as disciplinas, mas “na música essas qualidades são quase sempre pré-requisitos, engrenagens, encaixes para um movimento conjunto” (MOLINA, 2012, p. 7). Também salientamos que a prática musical propicia o desabrochar de questões ligadas à criatividade, exercitando a liberdade com o compromisso de ensinar e aprender música. A música faz parte do nosso cotidiano, motivo que nos leva a buscar conhecê-la melhor e estudá-la a fim de podermos usufruir de todas as suas possibilidades de experiência e conhecimento em sala de aula, portanto, é possível compreender que a educação musical visa valorizar os significados sociais que lhe são atribuídos, bem como, apostar em uma aprendizagem efetiva de seus conteúdos específicos. Para compreender melhor o que significa propiciar uma educação com música, podemos pensar em quatro formas de realizá-la, oportunizando meios de contato em tipos de inserções diferentes, por meio da Execução, da Apreciação, da Descrição e da Criação. UNIDADE 1 | DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ÁREA DE EDUCAÇÃO MUSICAL 16 Criação: composição e improvisação (TOURINHO, 2003). Atividades de criação são atividades mais complexas e que exigem muita pesquisa e envolvimento de educadores e educandos. O próprio termo “criatividade” tem sido amplamente debatido, merecendo estudos de vários autores. Na maioria das vezes, atividades de criação são fundamentadas por uma expressão muito livre, até mesmo vazia de conteúdo, de reflexão e informação. Execução: cantar ou tocar, incluindo o corpo como instrumento. De acordo com Tourinho (2003, p. 94 -107), dentre atividades de execução, o canto é a mais utilizada, por haver uma tradição histórica do canto nas escolas e por ser uma “ferramenta” muito utilizada por vários outros profissionais da Educação. O corpo pode ser um instrumento musical, o qual pode produzir vários sons percussivos. Sua utilização ainda é pouco observada, pois a maioria dos educadores não se sente segura para atividades que envolvam o ensino de música através do corpo. Na maioria das vezes, limitam-se às atividades como jogos e brinquedos cantados e danças folclóricas. O uso de instrumentos musicais é ainda mais restrito, considerando que, se de fato existem nas escolas, não passam de um conjunto de instrumentos de percussão que não conse gue suprir a demanda de várias turmas. Apreciação: ouvir com foco na identificação dos elementos a contemplar nos processos de escuta e quais são as formas de trabalhá-los. Primeiramente, deve-se observar que seres humanos apresentam reações diferentes em suas relações com a música (GOHN, 2007, p. 5). Descrição: demonstrar, por algum meio, a compreensão de sons presentes ou interiorizados (movimen tos, imagens, palavras, notações). Isto é, as atividades de descrição têm como principal objetivo o aprimora mento da audição, podendo ou não ser combinadas com a execução. Não existe uma maneira “certa” de se apreciar música; desse modo, uma função educativa de atividades descritivas é “a variação de experiências de forma a permitir que os alunos tenham diferentes oportunidades de entender formas distintas de música” (TOURINHO, 2003, p.108). Se hoje já temos a perspectiva favorável de inclusão de conteúdos musicais nos programas de formação escolar, nossa atenção pode se dirigir às características da educação musical que gostaríamos de ver utilizadas. Uma educação musical capaz de oferecer estímulos ricos e significativos aos alunos, despertando atitudes curiosas e aumentando, por consequência, a disponibilidade para a aprendizagem. Uma educação que instaure um espaço de acolhimento pelo “brincar” no sentido original do termo, isto é, “criar vínculos”, uma das necessidades fundamentais da dimensão humana, indo, sem dúvida, muito além do relacionamento exclusivamente técnico- executivo entre aluno x professor x classe, ainda tão frequente na realidade de muitas TÓPICO 2 | FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DO EDUCADOR MUSICAL 17 salas de aula. Uma educação musical na qual o lúdico represente o componente transgressor de expectativas do conhecido, mantendo nos alunos atenção viva ao que se realiza a cada instante e, assim, os atraia, menos para os saberes prontos e constituídos, mais para a matéria sonora em si, para a vivência musical participativa, para a criação de novas e autênticas possibilidades de expressão. 2.1 COMO PENSAR O ESPAÇO DA MÚSICA NA ESCOLA? Pretendemos formar professores para que esses sejam capazes de articular uma educação musical que estimule o prazer (vínculo), para instaurar a presença física e emocional de todos os envolvidos, possibilitar a participação efetiva (relação e implicação) e assim, então, estimular a produção de conhecimentos gratificantes em nível geral e pessoal (formação ampla do aluno e não simples transferência de informações por parte do professor). Isso acontece quando no processo educativo o professor se transforma em educador, inverte-se a preponderância de uma formação para a música por uma formação pela música, tornando possível aos alunos habitarem num espaço de construção do sujeito, no qual sejam articuladas estratégias dinâmicas de aprendizado individual que favoreçam a identidade, mas também observem as estratégias coletivas, com foco no diálogo e nas relações sociais. É esta a natureza de educação musical que merece ser trabalhada hoje nas escolas, nos diversos pontos e regiões do país, capaz também de integrar teoria e prática, análise e síntese, tradição e inovação, conferindo à música seu sentido maior, transcendente e inclusivo. Considerar a educação musical como uma instância de construção e exercício da autonomia pessoal do aluno e de sua participação ativa em sociedade não representa mais uma visão romântica, idealista, utópica, como durante muitos anos foi feita a crítica (KATER, 2012, p. 43). A partir dessas considerações, como pensar o espaço da música na escola? Se literatura, teatro, dança e artes visuais conseguem dimensionar seus espaços, especialmente quanto à importância e modos de exercício na escola, a música talvez exija esforços mais específicos. A presença física do som e das sonoridades é um fato da cultura e gera uma experiência individual da maior importância, “[...] mas a tensa relação entre som e sentido, dada nos processos de enunciação da música, apesar de traduzir pulsos e afetos, não tem sido valorizada educacionalmente como as relações verbais e visuais” (FAVARETTO, 2012, p. 48). A escuta não pode ser assimilada à audição distraída; ao comportamento generalizado de ouvir tomado como natural; “[...] a escuta exige atenção e concentração, é uma força estranha que através de vibrações audíveis e inaudíveis, de vozes e silêncios, convoca o corpo, conecta o inconsciente” (FAVARETO, 2012, p. 48). Partindo desses princípios, a música é componente indispensável da formação que vem da educação dos cinco sentidos, não apenas da razão. UNIDADE 1 | DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ÁREA DE EDUCAÇÃO MUSICAL 18 Essa educação dos cinco sentidos, compreendida como aquela que possibilita experiências por meio da audição, do olhar, do olfato, do paladar e do tato, é extremamente importante na trajetória de acadêmicos de música, e mais necessária ainda na vida de acadêmicos licenciandos em Música, porque esses aprenderão para ensinar. Dessa forma, as palavras de Santos são muito bem-vindas, quando nos posicionam quanto à necessária percepção aguçada que um professor deve ter, ou desenvolver, que o aluno é alguém que aprende a partir das relações que consegue estabelecer com as diferentes teorias e práticas a que é exposto, e cabe ao professor aumentar cada vez mais esse repertório de diferentes experiências. FIGURA 6 – SOBRE A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MÚSICA FONTE: Santos (2012, p. 91) E é neste deslocamento, de pensar no ser humano (professores e alunos) como pessoas plenas de desejos de conhecer e aprender coisas novas, que está a contribuição efetiva da arte/música, que visa aos processos de constituição do sujeito pensado como um todo, usando os seus sentidos, sua cognição, sua experiência e sua curiosidade. E sobre esses processos, Deleuze os considera como “devires, e estes não se julgam pelo resultado que os findaria, mas pela qualidade dos seus cursos e pela potência de sua comunicação” (DELEUZE, 2013, p. 183). O devir implica valorização do processo, e em tudo que esse processo nos ensina. Assim deve ser pensada a formação inicial e continuada de professores, nesse caso, de professores de música, que trabalham com um objeto que nos passa, nos escapa, que não podemos aprisionar (a não ser pelas gravações), que é o som. Para que a arte/música seja significativa é preciso que o seu foco esteja especialmente voltado para a criação (que conhecemos também por composição) e na fruição (também chamada de percepção ou audição), e nisto está a sua resistência, que pode ser percebida na cultura, no saber e na experiência. Esta resistência da criação deve-se ao fato de que ela é sempre diferente, isso porque o aprendizado surge pela investigação, pela curiosidade, interpretação e experiência. TÓPICO 2 | FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DO EDUCADOR MUSICAL 19 A experiência com a arte/música, e a sua função na educação, não está apenas “na compreensão e nem no adestramento artístico, formal, perceptivo, embora possa conter tudo isto” (FAVARETTO, 2012, p. 47). A música na educação tem como função promover o desenvolvimento da sensibilidade em articulação com o conhecimento inteligível, o que significa que tanto a cognição como a sensibilidade devem ser acionadas, para que os processos de aprendizagem e também a experiência com música aconteçam de forma mais ampliada e consistente. Nestas condições, como inscrever este entendimento da arte, pragmaticamente, aqui e agora, nas instituições educativas, particularmente na sala de aula? Como fazer com que os acontecimentos de linguagem, sensações, percepções e afetos, que se fazem nas palavras, nas cores, nos sons, nas coisas, nos lugares e eventos sejam articulados como dispositivos, como agenciamentos de sentido irredutíveis ao conceitual, como outro modo de experiência e do saber? Particularmente, como considerar nestas condições a música, em que o não conceitual é tão mais característico? (FAVARETTO, 2012, p. 47). Tentando responder à questão que nos coloca Favaretto, sobre o que fazer na sala de aula, trazendo todas as dicas dos textos apresentados nesse tópico 2: a escuta exige uma audição atenta e concentrada; a valorização do processo e não apenas do resultado nas atividades musicais desenvolvidas, percepção da audição como um processo de escuta ativa, a manutenção de uma relação de diálogo da cognição com a sensibilidade e, organização de aulas com foco na criação e fruição, trazemos uma experiência interessante da profa. Maria Cecilia Torres publicada na Revista MEB, que pode ser testada, reaproveitada, modificada, ou servir somente como inspiração para outros trabalhos musicais na sala de aula. No texto Que música escolher para um CD? Seleção e organização de repertório para a aula de música na escola, Torres(2017) apresenta e analisa uma experiência realizada com alunos de graduação em disciplinas de Práticas Pedagógicas e Didática do Ensino de Música, ambas com foco na apreciação musical e escolha de repertório para proposições didático-musicais para a sala de aula. Os alunos, divididos em duplas, selecionaram dez músicas para serem levadas aos espaços escolares (como atividade de Estágio Supervisionado, ou ainda como práticas do programa PIBID). Depois de selecionados os áudios, foram organizadas atividades musicais e, também, os acadêmicos deveriam justificar sua escolha pelo repertório. Como tarefa final, foram gravados CDs com os áudios e as atividades didáticas realizadas, transformando-se em materiais pedagógico-musicais. Para a proposição da atividade de apreciação musical, foram escolhidos repertórios como O trenzinho do caipira, de Heitor Villa-Lobos, Primavera Porteña, de Astor Piazzolla, e Dança do Sabre, de Aram Khachaturian, e os alunos destacaram que se tratavam de materiais sonoros novos para eles. UNIDADE 1 | DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ÁREA DE EDUCAÇÃO MUSICAL 20 FIGURA 7 – SOBRE APRECIAÇÃO FONTE: Torres (2017, p. 25) Na preparação da atividade de apreciação musical, foi sugerido que os acadêmicos escolhessem melodias de diversos estilos, e sempre que possível, acrescentassem uma canção nova e desconhecida, tais como CDs lançados recentemente ou de grupos que utilizam instrumentos pouco conhecidos para a turma. Esse exercício de busca por repertório interfere significativamente para a constante ampliação da escuta e de novos repertórios para os educadores musicais. A seguir mostramos os próximos passos da pesquisa (TORRES, 2017, p. 25). Antes de propor a organização do CD: foram realizadas atividades de escuta musical, como o exercício da “salada musical”, a partir da proposta de Krieger (2012), na qual foram selecionadas de cinco a seis músicas de diferentes estilos e compositores, tais como músicas instrumentais, canções infantis e músicas brasileiras. Para cada uma das músicas foi proposta uma questão diferente, por exemplo, a de conhecer os timbres dos instrumentos desconhecidos, identificar os instrumentos musicais e suas famílias, ou, no exemplo o Baião, da Suíte Popular Brasileira para Conjunto de Percussão, de autoria de Ney Rosauro com gravação do Grupo de Percussão da UFSM, ou a música Yerakina, melodia tradicional da Grécia e apresentada no CD do grupo Terra Sonora (1997). Trabalhamos também com a dinâmica das músicas e, ao final, os licenciandos comentavam se escolheriam ou não e se selecionariam aquela peça para levar para os seus alunos na sala de aula. TÓPICO 2 | FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DO EDUCADOR MUSICAL 21 Na aula seguinte, os alunos se reuniram em duplas ou trios e selecionaram dez músicas que levariam para trabalhar na sala de aula em algum momento dos estágios supervisionados, pensando em justificar cada uma das escolhas de acordo com a faixa etária dos alunos e os objetivos que pretendiam alcançar com aquele material. Cada grupo escolheu uma turma e faixa etária do Ensino Fundamental. Torres (2017) ressalta que um dos objetivos dessa proposta de organização de repertório de CDs foi a oportunidade dada aos futuros educadores musicais de selecionarem música de diferentes estilos, articulando-as, sempre que possível, com músicas que compõem as trilhas sonoras dos alunos. Esse exercício de pesquisar e escutar músicas para a organização das aulas de música é um desafio constante na vida de professores de música. Nesse trabalho, além do CD, também foi organizado um encarte, para o qual os alunos traziam atividades musicais que levariam para trabalhar em sala de aula a partir da apreciação musical, com base nas discussões realizadas nas aulas das disciplinas e também nas leituras que foram realizadas ao longo do semestre. No encarte ou capa desse CD, os autores colocaram um parágrafo inicial com a explicação das atividades propostas para o repertório e ressaltaram que foram organizadas para as turmas das séries iniciais do Ensino Fundamental, com alunos entre o 1º e 5º anos, que teriam aulas de música, com destaque para canções populares e folclóricas, por exemplo, a música Nesta rua, e que no material organizado pelos licenciandos, há o comentário de que essas canções têm o caráter de poder despertar nos alunos a vontade de improvisar. 2.2 SUGESTÕES DE ATIVIDADES Esse CD teve algumas músicas gravadas ao vivo com voz, guitarra, percussão e flauta doce pelos próprios autores do material, visto que um dos alunos toca guitarra e o outro é percussionista com formação em percussão sinfônica, tendo como convidada uma cantora para a gravação. Eles sugerem que Samba Lelê, que é uma clássica cantiga de roda, seja cantada pelos alunos de mãos dadas, girando e, ao terminarem, parem o movimento e todos batam palmas no ritmo do estribilho, podendo ter um aluno dentro da roda. Para a música Passa, passa, gavião, os organizadores do CD ressaltam que “será apresentada aos alunos a flauta doce (soprano) e será executada com duas vozes, uma na melodia e outra voz no acompanhamento”. Eles descrevem a atividade com um primeiro momento em que vão escutar e bater palmas, entendendo o ritmo da música e marcando o andamento e, em seguida, baterão palmas e cantarão a letra da música, trazendo a sugestão de fazerem a marcação do pulso com pés e mãos e voltarem ao canto. UNIDADE 1 | DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ÁREA DE EDUCAÇÃO MUSICAL 22 Como último exemplo deste CD, trazemos a música Asa Branca (Luiz Gonzaga), com a proposta de que é um “clássico do Nordeste brasileiro” e que seria bem trabalhada em sala de aula pelo seu ritmo de baião, de dança e com um sentimento de alegria. Eles trazem a atividade para que cantem a música e, posteriormente, insiram alguns instrumentos de percussão, a flauta doce e o violão, além de pedir que façam a apreciação da gravação, identificando os instrumentos: sanfona ou acordeão, triângulo, zabumba e blocos de madeira. Na busca de fundamentação teórica para essa relação entre música folclórica brasileira e improvisação para alunos que cursam a licenciatura, são apresentados exemplos de obras como a organizada por Souza (2012), intitulada Arranjos de músicas folclóricas, ou o livro Prática de instrumento na formação da docência em Música, organizado por Silva (2012), que apresentam exemplos de arranjos para canções do folclore brasileiro e que podem trazer ideias para esse trabalho. DICAS Para saber mais sobre CDs para apreciação em sala de aula para o Ensino Fundamental, sugerimos a leitura de: BRITO, T. A. de. Quantas músicas tem a Música? Ou algo estranho no museu! São Paulo: Peirópolis, 2009. PATO FU. Música de brinquedo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Xfp- zsSqWWy0 FRANÇA, C. C. Trilha da Música, v. 3. Belo Horizonte: Fino Traço, 2016. TERRA SONORA – Álbum Distâncias, 2012. Disponível em: https://www.discogs.com/Terra- -Sonora-Dist%C3%A2ncias/release/5557571 HENTSCKE, L. A orquestra tintim por tintim. São Paulo: Moderna, 2009. KOSSATZ, S. Deu bicho na casa. Disponível em: https://www.ouvirmusica.com.br/album/ sula-kossatz/deu-bicho-na-casa-2017/ 2.2.1 Repertórios ecléticos para o ensino médio Na disciplina de Prática Pedagógica: Educação Musical no Ensino Médio foi selecionado um CD, organizado na disciplina que acontece no 5º semestre do curso e que teve essa atividade como uma das propostas de avaliação da mesma. Ao longo do semestre, foram realizadas leituras sobre culturas juvenis, juventudes diversas e sobre os papéis das músicas na vida de adolescentes, com suas “tribos” e gostos musicais. Outros materiais teóricos foram utilizados, entre eles textos de Santos (2012) sobre concepções de alunos do Ensino Médio sobre a aula de TÓPICO 2 | FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DO EDUCADOR MUSICAL 23 música e realizadas práticas musicais em sala de aula que poderiam compor as práticas de estágio com diferentes metodologias,como o uso de percussão corporal e tablatura (BARBA et al., 2013). Ao final do semestre, como campo de estágio supervisionado obrigatório, cada grupo selecionou e gravou um CD com atividades musicais para esse espaço. Um subtópico que mereceu destaque refere-se à produção das capas e dos encartes com figuras, fotos, cores e textos, e os títulos dos CDs: Atividades musicais para o ensino médio, Juntô, deu nisso, Músicas do Brasil e trilhas de filmes, Musicalizando – Música no ensino médio e Ser Jovem. Torres (2017, p. 29) apresenta uma das propostas organizadas pelo grupo do CD Atividades musicais para o ensino médio, que juntou as músicas Trem das Onze (Adoniran Barbosa), Deixa a vida me levar (Zeca Pagodinho) e É hoje (União da Ilha do Governador), com a seguinte proposta: Os alunos deverão ouvir as músicas para perceber o andamento. Para isso, o professor deverá destacar o ritmo binário com a marcação do surdo no 2º tempo. Em seguida, deverão tocar e cantar as músicas com algum tipo de marcação (pode ser algum instrumento de percussão ou só com palmas), sendo Trem das Onze (andamento lento – bpm 70), Deixa a vida me levar (andamento médio – bpm 90), É hoje (andamento rápido – bpm 120). Na sequência, deverão tocar e cantar as músicas novamente, mas trocando de andamentos. Essa atividade pode ser trabalhada com uma turma do Ensino Médio que não teve aulas de música no currículo da escola. Ao encerrar essas reflexões sobre a temática da organização de repertórios musicais e a gravação de CDs como materiais didáticos, com músicas de diferentes estilos, no trabalho que envolve a análise de CDs, a autora ainda pontua que: Considerando o processo de formação de professores de música e o processo constante de ensinar e aprender música com os alunos, considero que a atividade de gravar CDs com cunho didático, justificando e pensando nas escolhas, seja uma das propostas de ampliar os repertórios e escutas de professores e alunos nas escolas, independentemente da faixa etária e do contexto sociocultural no qual trabalhamos ou estudamos (TORRES, 2017, p. 29). Que Encerrando nossa passagem pelo texto de Torres (2017), que esperamos tenha estimulado e possa gerar muitos outros produtos musicais de qualidade como os que tivemos a oportunidade de conhecer, retomamos o tema deste tópico, que é propiciar uma educação com música. Deve sempre ficar claro para os futuros educadores musicais que a nossa função primeira é nos aproximarmos da música de diferentes formas, como ler sobre música, ouvir música, tocar, criar música, pensar em formas de expressão com música, para então, mais conscientes da grande área que temos que conhecer para depois ensinar, pensar nesses processos de planejar, executar e avaliar atividades musicais. UNIDADE 1 | DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ÁREA DE EDUCAÇÃO MUSICAL 24 Souza (2000, p. 17) nos diz que “a tarefa básica da música na educação é fazer contato, promover experiências com possibilidades de expressão musical e introduzir os conteúdos e as diversas funções da música na sociedade” [...]. A autora afirma que compreender como nos relacionamos com música em diferentes espaços, em quais situações, de que forma, com que objetivo, expectativas e interesses é de fundamental importância no fazer musical. Nessa perspectiva, será possível construir práticas pedagógico-musicais significativas que possam ser ampliadas e aprofundadas. Para Hentschke e Del Ben, a finalidade do ensino de música na escola e fora dela não é a de transmitir uma técnica particular, mas sim de desenvolver o gosto pela música e a aptidão para captar a linguagem musical e expressar-se através dela, além de possibilitar o acesso do educando ao patrimônio musical que a humanidade vem construindo. “A educação musical escolar não visa à formação do músico profissional. Objetiva, entre ou tras coisas, auxiliar crianças, adolescentes e jovens no processo de apropriação, transmissão e criação de práticas músico-culturais como partes da construção da cidadania” (HENTSCHKE; DEL BEN, 2003, p. 181). Partindo desse pensamento, os convidamos para inicialmente exercitar, compreender como esse processo acontece conosco, e então poderemos promover experiências de apropriação, transmissão e criação de práticas musicais. Nosso objeto de conhecimento é o som, então precisamos ouvir cuidadosamente, a fim de identificar os seus elementos formadores, as suas variações e as maneiras como são distribuídos e organizados numa composição musical. Wisnik (1989, p. 12) comenta que: Os sons preenchem cada minuto do dia e as pessoas vivem imersas num mundo de vibrações sonoras, cujos apelos produzem nelas efeitos diferenciados dos outros estímulos sensoriais. Isso se deve ao fato de que a música fala ao mesmo tempo ao horizonte da sociedade e ao vértice subjetivo de cada um, sem se deixar reduzir às outras linguagens. Para melhor entender e experimentar práticas musicais com elementos diversificados, ampliar a capacidade perceptiva, expressiva e reflexiva com relação ao uso da linguagem musical, além de poder expressar-se por meio do próprio corpo, ouvir com atenção, produzir ideias e ações próprias e desenvolver a percepção dos diferentes modos de fazer música, precisamos estar sempre atentos às nossas práticas, mas também à teoria que cerca nosso fazer musical, e especialmente, compreender o processo cultural em que a música está inserida. 3 A ESCOLA COMO PRODUTORA E REPRODUTORA DE CULTURA As diferentes maneiras como a música é usada na sociedade e na escola fazem parte do processo educativo. É preciso auxiliar pessoas de todas as idades a compreenderem as muitas influências da música no comportamento humano e as várias funções da música na sociedade, de forma que possam usufruir da música nas suas vidas diárias. Essas influências são suscitadas pela cultura, que é um “conceito que tangencia por muitos setores da vida humana, entre eles, relaciona-se com as questões sociais e políticas, voltados para o mercado e a níveis de interação com a comunidade” (URIARTE, 2017, p. 98). TÓPICO 2 | FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DO EDUCADOR MUSICAL 25 Para tanto, faz-se indispensável “promover um ensino que respeite a natureza social da música, contribuindo para um fazer musical com práticas musicais autênticas, sendo esse processo analisado criticamente em relação aos significados musicais construídos em diferentes contextos culturais” (BEINECKE, 2011, p. 11). FIGURA 8 – O QUE É CULTURA? FONTE: O autor A diversidade cultural se configura como as variadas formas que esse conhecimento assume nas diversas sociedades do planeta. Um produto do ser humano, envolvendo todo o seu conhecimento, passível de ser aprendido, ouvido e experimentado. “O homem é o único ser vivo que tem cultura” (LARAIA,1996, p. 29). No atual contexto social, vemos colocados como temas urgentes a busca por um desenvolvimento sustentável e mais solidariedade nas relações, e essa transformação passa pela formação individual, mas também no fortalecimento da educação, onde se aprende também a conviver coletivamente. Nesse sentido, a educação musical mostra-se como um dos caminhos para essa realização, pois, “[....] dependendo de como é vivenciada, a prática musical apresenta-se como laboratório privilegiado para o exercício de determinadas qualidades transversais a toda educação, como a cooperação, a paciência, a gentileza, a relativização da competição, a escuta de si e do outro” (MOLINA, 2012, p. 7). O desenvolvimento dessas qualidades citadas por Molina é de responsabilidade de todas as disciplinas da escola, pois pertencem a um comportamento social necessário para a convivência em grupo, para a aprendizagem e para a troca de saberes. Mesmo sabendo que podem ser trabalhadas em todos os campos, na música essas qualidades são quase sempre pré-requisitos, engrenagens, encaixes para um movimento conjunto. Além disso, a prática musical é também especialmente propíciapara o fluir da criatividade, e pode trabalhar, sem grandes obstáculos, o exercício da liberdade com responsabilidade (MOLINA, 2012, p. 8). UNIDADE 1 | DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ÁREA DE EDUCAÇÃO MUSICAL 26 O ensino de música voltou a ser obrigatório no Brasil e sua efetiva implementação definida para agosto de 2011, por meio da Lei nº 11.769/2008. Atualmente, somos regidos pela Lei nº 13.278/2016, que novamente concede cinco anos a partir da data de publicação para que as instituições implementem a música no currículo escolar. A partir dessa legislação, muitas vezes somos perguntados: por que a música deveria estar na escola? Alguns autores se desafiaram a responder essa e outras perguntas sobre o tema, reunindo profissionais da área de Música e da Educação que de forma generosa, decidiram compartilhar seus pensamentos e fazeres sobre música na escola, a partir da publicação A música na escola (JORDÃO; ALLUCCI; MOLINA; TERAHATA, 2012). A experiência de ouvir estes diferentes educadores, músicos, de perguntar, pensar juntos sobre a obrigatoriedade do ensino de música nas escolas brasileiras, remeteu-me ao trabalho das fiandeiras. Ao fiar e desfiar fios constituindo um tecido... Nossa vivência também foi de fiar, de (com) fiar! (TEHARATA, 2012, p.11). FIGURA 9 – EDUCAÇÃO É UMA EXPERIÊNCIA DE CONFIAR FONTE: Teharata (2012, p. 11) O tecido é produto de uma tensão – a urdidura e a trama – na educação, a referência e o movimento, respectivamente. Tecemos a educação nesta tensão de uma relação assimétrica entre adulto e jovem. Tecer os fios da educação musical requer paciência... A educação passa pela questão de ser, de se tornar humano. Educar, portanto, não se restringe a determinados assuntos, muito menos em abordar temas específicos ou em ser estabelecido como um processo realizado de modo fixo, tampouco a ser realizado, apenas, por instituições específicas. A EDUCAÇÃO É UMA EXPERIÊNCIA DE CONFIAR! Teca Alencar de Brito, educadora musical, ao ser perguntada sobre por que a música deveria estar na escola, responde afirmando que “Somos seres musicais e o exercício com essa forma de arte vai nos tornar indivíduos mais inteiros. [...] a música deve estar presente na escola como uma potência de criação, abrindo um espaço para o sensível” (BRITO, 2012, p. 27). A autora também nos diz que devemos olhar para a educação musical com consciência das condições de tempo e espaço, para tanto, ela deve ser contemporânea, mas de forma a conseguir articular as características do passado e do presente, bem como acolhedora e respeitosa com as particularidades culturais dos seus grupos. TÓPICO 2 | FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DO EDUCADOR MUSICAL 27 É nesta perspectiva que buscamos saber o que foi dito e escrito sobre a música na escola ao longo deste tempo, apontando algumas possibilidades e desafios que foram surgindo. Para Hannah Arendt (2001, p. 247), o papel do professor é ensinar: “[...] Iniciação deliberada e sistemática nas linguagens, procedimentos e valores referentes tanto à sua área de conhecimento quanto à cultura e aos valores da escola”. E nesse caso, quem é o professor de música? Qual deve ser a sua formação? O professor de música é um licenciado em música, porque nesse percurso de formação ele irá compreender os desafios de ensinar música de forma coletiva, tratando com pessoas de diferentes idades que trazem consigo repertórios que fazem parte da história musical da sua vida, que devem ser aproveitados, mas também ampliados, renovados e compreendidos não apenas por meio do gosto pessoal, mas de seus elementos constitutivos, da forma, da instrumentação e das possíveis variações que possam ser realizadas. Isso significa dar aos alunos a oportunidade de alargar conhecimentos para que eles também possam lidar com a música com autonomia. O professor de música também é alguém corajoso, criativo e agregador, que acredita no poder socializador da música, porque a formação do licenciando é para atuação na Escola Básica, então estamos falando de processos coletivos de ensino e aprendizagem, atividades que envolvem 20, 30 alunos, e para tanto o professor precisará de materiais didáticos que tenham foco no ensino de música para grupos e buscar metodologias para trabalhar de forma colaborativa. E ainda nos cabe refletir se ensinar na Escola de Música é diferente de ensinar na Escola de Educação Básica? FIGURA 10 – ESCOLA DE MÚSICA E ESCOLA BÁSICA FONTE: O autor É diferente na metodologia, mas é igual no compromisso! Na Escola de Música o número de alunos na turma é sempre menor, pensando em aulas coletivas de Teoria Musical, Harmonia, História da Música, entre outras. As aulas de instrumento são individuais, com a possibilidade de alguma prática em conjunto com outros alunos da escola. O convívio com o professor acaba sendo maior e a atenção do mesmo não está dividida com outros alunos. Lembrando que para ser professor de uma escola de música, o licenciado precisará de uma formação musical sólida em determinado instrumento ou disciplina teórica (quase sempre construída também em escolas específicas de ensino de música ou com professores particulares), porque estará trabalhando com alunos que desejam se profissionalizar na área instrumental ou vocal. UNIDADE 1 | DELIMITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ÁREA DE EDUCAÇÃO MUSICAL 28 Na Escola de Educação Básica o professor tem turmas com maior número de alunos, em geral as escolas não possuem equipamentos e instrumentos para todos, o que significa que o professor estará sempre buscando outras alternativas, como construção de instrumentos com materiais recicláveis, uso do corpo como instrumento, utilização de jogos musicais e muita música cantada. Por outro lado, a música na escola tem muitas aliadas, que são as demais áreas do conhecimento, com as quais a música poderá manter diálogo. O ideal é que essa convivência fosse a melhor possível, que a escola oportunizasse esse diálogo por meio de projetos interdisciplinares, porque assim o conhecimento do mundo e com o mundo seria efetivado, e a música faria parte desse universo que é sonoro, mas ao mesmo tempo é linguístico, matemático, físico, histórico, atlético, poético, e tantas outras possibilidades que esses encontros poderão oportunizar. Carlos Kater (2012, p. 44, grifo nosso) nos provoca a pensar em outra questão: [....] no lugar de uma Música na Escola, as Músicas das Escolas. Uma abordagem de campo ampliado, integrando ao processo educativo procedimentos criativos a fim de trazer à tona e dar voz à expressão pessoal dos alunos, engajando-os em seus próprios aprendizados e formação. Ou seja, fazer emergir no “espaço físico” de cada instituição seu “espaço expressivo” e seu “espaço relacional”, no âmbito dos quais serão promovidas novas modalidades de diálogo. Kater (2012) nos mostra outra face da música na escola básica que deve nos encantar, porque no conjunto, as expressões “espaço físico”, “espaço expressivo” e “espaço relacional” se harmonizam na interação com o educador, que assume aqui também o papel de orientador, problematizador, instigador, facilitador do conhecimento, quando traz para a sala as falas de outras culturas, abre espaço para a voz aos alunos, da comunidade escolar e familiar, permitindo uma valorização dos mesmos no sentido de melhorar a autoestima, mas também no exercício da sociabilidade. Música “musical“, criada e “criativa“, resultado de concepções e práticas musicais lúdicas fundamentadas em processos ampliados que – em vez de o exercício da repetição e dos fazeres miméticos, preponderantemente reprodutivos – compreendem o arranjo, a adaptação, paráfrase, variação, improvisação, reconstrução e a criação musical propriamente dita, concebida pelos próprios alunos (KATER, 2012, p. 44). O autor ainda nos diz que devemos oportunizar novas percepções de nós mesmos e do outro, e que a música pode ser esse espaço de potência, o que significa que temos que intensificar a dimensão
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