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Clínica das Neuroses Histórico -A palavra histeria está em circulação há mais de dois mil anos. Desde a antiguidade e em particular com Hipócrates a histeria já era usada para designar transtornos nervosos em mulheres que não haviam tido gravidez. -Em manuscritos egípcios muitos séculos mais antigos que a acepção de Hipócrates, aparece uma doença identificável correspondente ao termo. -A palavra histeria – histeros, que em grego, quer dizer útero- ao longo da história estava, por definição ligada de forma indissociável ao feminino e com o sexual. Na Idade Média a Histeria passou a ser definida como possessão pelo demônio. -Charcot no século XIX soube distinguir a histeria de epilepsia, ainda classificava a Histeria como transtorno fisiopático do sistema nervoso. Charcot investigava a Histeria através da hipnose. -Foi durante as aulas de Charcot que Freud ficou intrigado com o fato de que a Histeria, embora não demonstrasse nenhuma perturbação neurológica orgânica, não se caracterizava como fingimento e ainda o fato da Histeria não se apresentar somente em mulher - Na Europa do século XIX a Histeria viria a ser a doença do momento, coincidindo com as profundas mudanças que afetaram a estrutura familiar sob a pressão da industrialização, quando os papéis de homens e mulheres se polarizaram como nunca. - Entre os sintomas clássicos das manifestações histéricas encontravam-se: sensação de sufocação, tosse, acessos dramáticos, paralisia dos membros, desmaios, incapacidades repentinas de falar, perda de audição, esquecimento de língua materna, vômitos persistentes e incapacidade de ingerir alimentos. • O encontro de Freud com a Histeria e com a histérica está na origem da Psicanálise. Freud, em um mundo patriarcal, ousou ouvir a histérica, e ele via na histeria uma manifestação psíquica, como uma forma de significar o corpo e o mundo. • Ele pôde perceber o “valor do sintoma” e estudá-los sob uma nova ópticaes -Em Estudos sobre Histeria (1905), Freud e Breuer apresentaram três pontos fundamentais da Histeria: 1. os sintomas histéricos faziam sentido; 2. existia um trauma que causara a doença, que tinha ligação com impulsos libidinais que haviam sido reprimidos; 3. a lembrança desse trauma e sua catarse era o caminho para a cura. - Com a lembrança das histórias que estavam por trás dos sintomas estes seriam eliminados através da sugestão. -No final do livro Estudos sobre Histeria, no caso de Elizabeth Von R. Freud chega a noção de um conflito entre dois impulsos contrários: • O que acarreta os sintomas histéricos e traz junto a ideia de recalque já que aquelas ideias não são lembradas. • Vem depois a ideia de uma sexualidade problemática, onde o desejo entra em contradição com a incapacidade de realização. “Os sintomas da Histeria eram manifestações físicas de queixas que não tinham expressão” (Borossa, 2005 Freud: • “...a causação das enfermidades histéricas se encontra nas intimidades da vida psicossexual dos pacientes... os sintomas histéricos são a expressão de seus mais secretos desejos recalcados, a elucidação completa de um caso de histeria estará fadada a revelar essas intimidades e denunciar esses segredos...” Como fuga... • -A Histeria ao mesmo tempo em que era um sofrimento e uma passividade era uma forma de fugir da realidade, ou de pelo menos se abster das obrigações que essa realidade impunha. • A histérica, de acordo com Freud é aquela cujas fantasias não lhe permitiram entre ser menino ou ser menina. Elas querem, mas não conseguiram assumir as responsabilidades desse querer. Visão contemporânea -Alguns autores acreditam que a histeria se modifica conforme o contexto socioculturalvigente em cada época. -A histeria é tão plástica que de alguma forma, ela está presente em todas as psicopatologias, sendo que a compreensão dos psicanalistas deixou de ser unicamente da psicodinâmica dos conflitos sexuais reprimidos, mas também como uma expressão de problemas relacionados e comunicacionais -Bergeret (2005) fala da estreita relação da histeria com o corpo. (Zimerman,1999). Tipos de Histerias ➢ A histeria é tão plástica que, a rigor, pode-se dizer que, de alguma forma, ela está presente em todas as psicopatologias. A própria classificação nosológica das doenças mentais (DSM) não fica restrita a um único eixo: - Eixo I (sintomas, psicopatologia) as histerias mantêm a velha divisão nos dois tipos, denominados como conversivas e dissociativas, -eixo II (caracterologia, transtornos da personalidade), o conceito é mais abrangente e inclui as denominações de transtornos de personalidade histérica; personalidade infantil dependente; personalidade fálico-narcisista... Tipos de Histerias ➢ Histerias Conversivas Diz respeito ao fato de que os conflitos sofrem uma “conversão” nos órgãos dos sentidos (cegueira, surdez, perda do tacto, alucinoses etc.), e no sistema nervoso voluntário (contraturas musculares, paralisias motoras etc.). ➢ Transposição de um conflito psíquico em sintomas somáticos, presentes basicamente nos sistemas neuromusculares voluntários (paralisias) ou sensório perceptivo (anestesias) ➢ Possuem um significado simbólico e denunciam falhas do mecanismo de defesa psíquica -RECALQUE ➢ Histerias Dissociativas -Refere-se a uma quebra da unidade psíquica de forma parcial ou completa que se manifesta pela desintegração das seguintes funções: memória, consciência, identidade, e das sensações e controle dos movimentos Corporais. ➢ consistem em desmaios, desligamentos, ataques do tipo epiléptico, estados de “belle indiference”, sensações de despersonalização e estranheza, estados crepusculares e, mais tipicamente, os conhecidos casos de “personalidade múltipla” “Personalidade histérica” e “Personalidade histriônica” ➢ A forma “histérica” é a mais sadia delas, porquanto os seus pontos de fixação estão radicados na fase fálico-edipiana, enquanto a forma “histriônica” está mais fixada nos primórdios orais. ➢ Existe uma confusão que podemos observar no cotidiano da prática clínica, quando ouvimos certas rotulações de pacientes como “histriônicos” ou “histéricos”. ➢ Muitas vezes estes termos são utilizados de forma intercambiável, ou seja, com o mesmo significado. ➢ Vale dizer que Histérico é derivado da palavra grega “histeros”, que se referia a uma suposta condição médica peculiar a mulheres, causada por perturbações no útero. Estes pacientes da antiguidade apresentavam sintomas físicos aos quais se atribuíam a circulação pelo corpo de humores provenientes do útero. ➢ Já o termo Histriônico deriva do latim “histrionicus”, relativo a ator, palhaço ou comediante. Curiosamente, estes termos permaneceram direta ou indiretamente na nosologia médica e possuem um longo trajeto através da medicina, psicanálise e psicologia. “Somente a palavra Histeria foi removida das classificações psiquiátricas, sendo que o mesmo não ocorreu com a palavra Histriônica.” A Histeria no DSM-V ➢ A Histeria foi “dissolvida” ao longo dos anos nas publicações psiquiátricas e hoje podemos encontrar seus vestígios nos seguintes transtornos mentais do DSM-V: 1)Transtornos Dissociativos: 1a)Transtorno Dissociativo de Identidade 1b)Amnésia Dissociativa 1c)Transtorno de Despersonalização/Desrealização 2)Transtorno de Sintomas Somáticos e Transtornos Relacionados: 2a)Transtorno de Sintomas Somáticos 2b)Transtorno de Ansiedade de Doença 2c)Transtorno Conversivo (Transtorno de Sintomas Neurológicos Funcionais) 2d)Fatores Psicológicos que Afetam Outras Condições Médicas 3)Transtorno da Personalidade Histriônica (TPH O TPH caracteriza-se por: ➢ Um padrão difuso de emocionalidade e busca de atenção em excesso que surge no início da vida adulta e está presente em vários contextos, conforme indicado por cinco (oumais) dos seguintes: ➢ 1.Desconforto em situações em que não é o centro das atenções. ➢ 2.A interação com os outros é frequentemente caracterizada por comportamento sexualmente sedutor inadequado ou provocativo. ➢ 3.Exibe mudanças rápidas e expressão superficial das emoções. ➢ 4.Usa reiteradamente a aparências física para atrair a atenção para si. ➢ 5.Tem um estilo de discurso que é excessivamente impressionista e carente de detalhes. ➢ 6.Mostra autodramatização, teatralidade e expressão exagerada das emoções. ➢ 7.É sugestionável (i.e., facilmente influenciado pelos outros ou pelas circunstâncias). ➢ 8.Considera as relações pessoais mais íntimas do que na realidade são. Voltemos ao encontro de Freud com o sujeito histérico ... CASO DORA Sigmund Freud FRAGMENTO DA ANÁLISE DE UM CASO DE HISTERIA (1905[1901]) Temos aqui Dora (Ida Bauer), uma jovem que quando chega a Freud, estava em vias de completar 18 anos de idade. O pai de Dora (Philipp Bauer) a conduz a Freud e, de início, apresenta a filha como uma enferma, mas já indicando que suas crises afetam a toda a família, ou seja, o próprio pai, a mãe eclipsada e o irmão. A harmonia havia sido quebrada dois anos antes e desde então a família (e, em especial, Dora e seu pai) vivia em um incerto equilíbrio em função de uma situação que o pai de Dora, na sua exposição da situação, ocultou de Freud: O pai tinha como amante uma mulher casada chamada Senhora K (Peppinz Zellenka) e, além disto, havia uma espécie de quarteto entre o Sr. e a Sra. K, de um lado e o pai de Dora e ela própria, de outro. A mãe de Dora, como em tudo mais, permanecia a parte dessa situação. ALEXANDRE SIMÕES ® Todos os direitos de autor reservados. Em suas primeiras sessões, Dora expõe para Freud uma reivindicação bem nítida quanto ao amor de seu pai em relação a ela. Ela afirma que toda a situação entre seu pai e a Sra. K havia interferido na grande atenção que, até então, seu pai lhe concedia. Junto a isto, Dora tem seguido muito de perto todos os acontecimentos do quarteto até o ponto deles se mostrarem insuportáveis para esta jovem. A resposta que Freud dá a Dora é finamente demarcadora do lugar desde onde o psicanalista intervém: ‘tudo o que acaba de me contar, toda esta situação na qual você se vê envolvida: por acaso não é algo do qual você também tem participado?’ Diante da Histeria sabemos que Freud se depara com uma nova maneira de se fazer a clínica – DIFERENTE da natureza anatômica, fisiológica, neurológica ou similar: QUE SINTOMA É ESSE CUJA DOR É TÃO CARA AO SUJEITO? Ocorre em Dora a inversão do afeto bem próprio do comportamento histérico, no qual qualquer menção à excitação sexual acaba por despertar sensações desagradáveis. Freud localiza nisto um deslocamento de sensação, ou seja, onde deveria aparecer uma excitação sexual nos órgãos genitais surge uma sensação de nojo na zona oral. O ENIGMA DO FEMININO Dora e a Paixão pela senhora K Para Dora, suas indagações sobre o que é ser uma mulher eram de tal forma importantes, e nesse sentido, queria saber tão avidamente como uma mulher pode ser amada por um homem, como é comum no quarteto que constituía com seu pai e o casal e Sra. K considerava essa última como aquela que deteria a chave do enigma da feminilidade e, com isso, lhe conferia uma condição de suam importância.” (p. 94). “A suposta homossexualidade de Dora não configurava propriamente uma escolha de um objeto amoroso do mesmo sexo, mas sim indicava o que pode ser chamado de homossexualidade de base, referida à relação da menina com a mãe, antes que essa se volte para o pai, como terceiro na dinâmica edípica Assim, a paixão de Dora pela Sra. K era a configuração de sua paixão não propriamente pela pessoa dela, mas pelo feminino que representava, facultando-lhe o acesso que sua mãe não lhe possibilitou. Dado que o que Dora queria aprender por meio da Sra. K., era como é possível se fazer desejar pelos homens, ela atribuía esse saber à Sra. K., na medida em que ela, além de ter o marido tinha o amor de seu pai.” (MAURANO, 2010, p. 95). A histérica responde: O CORPO NA HISTERIA DEVE SER TRATADO COMO UM SONHO = EXIGE DECIFRAÇÃO EU SOU O CORPO! “O corpo de que aqui se trata é aquele no qual sua função orgânica foi invadida pela função sexual, função conferida pela Fantasia.” “O sexual é a marca da passagem da coisa real, puramente orgânica do corpo, para sua apreensão no universo da significação, campo do processamento humano. É pela via do sexual, da sexualidade, que o real do corpo se transforma em corpo significante” “NINGUÉM NASCE MULHER, TORNA-SE.” (BEAUVOIR apud MAURANO, 2010, p. 96
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