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License-475373-59347-0-3 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Aula conceitual – Filosofia A contribuição clássica dos gregos e do mundo moderno: existência, reflexão e racionalidade no mundo Ocidental, da metafísica ao utilitarismo. Introdução Para falarmos sobre os pilares da filosofia precisamos caminhar também pela história. Voltamos a Grécia. Antes mesmo de ser conhecida como Grécia, ainda a cerca de 2000 a.C., povos indo-europeus, chamados helenos, chegavam a região, localizada ao sul da península balcânica, as costas da Ásia Menor e ilhas do mar Egeu. A civilização grega foi composta por diversos desses povos. É o caso dos aqueus, aproximadamente em 1950 a.C., povo pacífico que junto aos cretenses formaram a civilização micênica. Após os micênicos chegaram os jônios e eólios, aproximadamente 1500 a.C., que se posicionaram na Ática e Ásia Menor, e para concretizar a formação, as invasões dórias, cerca de 1200 a.C., instaladas na região do Peloponeso, que acabaram por atacar parte da civilização micênica e concluiu o grupo do que viria ser a origem da sociedade grega. Em síntese a história grega pode ser posicionada em quatro períodos: O período homérico, marcado pelas obras atribuídas a Homero, da Ilíada e Odisseia, e Hesíodo, com Os trabalhos e o os dias e Teogonia, entre os anos de 1100 a 800 a.C.; Período arcaico, entre os séculos VIII e V a.C., marcado pelo estabelecimento das pólis como organização política características das cidades, ainda sem um Estado grego unificado; Já entre os séculos V e IV a.C., com a consolidação da pólis e apogeu cultural e intelectual do povo, firma-se o período clássico; E por fim, com a decadência da cultura grega o período helênico tem início, entre 336 e 146 a.C., quando começam as grandes invasões macedônicas e romanas. Nosso objetivo é trazer questões pontuais que permitam a reflexão e provoquem o desejo de conhecer mais as diferentes formas e modelos de pensamentos que ilustram a busca do homem acerca de sua existência, sua história e visões de mundo ao longo dos tempos, da Antiguidade à sociedade contemporânea. License-475373-59347-0-3 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE A questão do mito e da ciência Depois de apresentada a origem da Grécia, precisamos também refletir sobre a origem da Filosofia. Primeiro, vamos entender por que a filosofia acaba surgindo e o que a torna peculiar frente a outros conhecimentos. Durante todo o período de formação da sociedade grega – o que também pode ser aplicado a outras sociedades – os fenômenos naturais costumavam ser explicados por meio do mito. O mito era então a fonte da explicação sobre a origem de todas as coisas, e vinha por meio das histórias (entendidas como narrativas), contadas e passadas pelas veias da própria sociedade. E na sociedade grega, politeísta, a religião costumava apresentar os deuses como “super-humanos”, ou seja, dotados principalmente de características quantitativamente superiores aos mortais, enquanto eram qualitativamente semelhantes aos homens. Também eram dotados de grande parte dos sentimentos pertencentes aos humanos, como é o caso da ira, vaidade e coragem. A religião grega poderia então ser dividida em duas: a pública – baseada numa hierofania, naturalização e humanização das divindades – e o orfismo – caracterizado pela dicotomia corpo-alma, que colocava o homem num ciclo de reencarnações para promoção da purificação de um princípio divino que encontrava-se tocado por uma “culpa original”. License-475373-59347-0-3 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Como são contados nos grandes poemas gregos, era comum que os deuses se relacionassem com mortais. A construção dessas figuras que são chamadas de “heróis” – filhos de deuses e mortais – estão presentes nos contos que transpassam a cultura grega, aproximam os homens dos deuses, ainda que deixem claro que os heróis não são deuses, mas estão longe dos homens comuns. Fomentam a mitologia, os valores, e os sensos comuns. Com toda uma estrutura fortemente mitológica alimentando o ideário coletivo, a filosofia surgiu como um conhecimento que busca compreender a própria existência e realidade, questionando e buscando pela racionalidade uma explicação para compreensão do universo. Do mito para o saber, a filosofia por meio de seus princípios, metódicos e objetivos, busca empreender no senso comum o sentido do próprio conhecimento. O conhecimento pelo conhecimento, por meio da lógica, da razão e racionalidade. A filosofia surge pela necessidade do homem de explicar a si e o mundo ao redor. É uma área do conhecimento própria, que não se deve confundir com a ciência, ainda que por muitas vezes isso seja difícil. A ciência e a filosofia são conhecimentos baseados nos pilares do método – racional, lógico – e do objetivo – relativo a um objeto – mas a maneira como ambos princípios são aplicados é que permitem diferenciar ambos. As diferenças são principalmente quanto a maneira como empregam seus métodos e estabelecem seus objetivos. License-475373-59347-0-3 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Com toda uma estrutura fortemente mitológica alimentando o ideário coletivo, a filosofia surgiu como um conhecimento que busca compreender a própria existência e realidade, questionando e buscando pela racionalidade uma explicação para compreensão do universo. Do mito para o saber, a filosofia por meio de seus princípios, metódicos e objetivos, busca empreender no senso comum o sentido do próprio conhecimento. O conhecimento pelo conhecimento, por meio da lógica, da razão e racionalidade. A filosofia, racionalmente, aplica diferentes métodos para analisar e decompor a realidade em busca de explicá-la, simplesmente para explicá-la. “Filosofia”, na origem da palavra, significa “amizade com a sabedoria”. A pólis, portanto, é o que busca ser amigo do conhecimento, o que busca conhecer pelo prazer de conhecer. Já a ciência busca empreender, por meio de métodos racionais formas de comprovar, com base em seus axiomas – proposições que são tomadas como verdadeiras, independente de comprovações – a compreensão do objeto de maneira a trazer resultados práticos para aquele conhecimento. Ou seja, conhecer uma realidade que seja tácita ao cotidiano e que de alguma maneira retorne para as pessoas da forma mais prática e sensível possível. Enquanto a ciência busca ser funcional para a vida das pessoas, a filosofia tende a construir um conhecimento que seja funcional para o próprio conhecimento. Dessa relação complexa, retornamos a maneira como a Grécia iniciou seu caminho pela filosofia. Os personagens são da região Jônia, da pólis de Mileto – região que hoje pertence a costa da Turquia. License-475373-59348-0-4 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Aula conceitual – Filosofia A contribuição clássica dos gregos e do mundo moderno: existência, reflexão e racionalidade no mundo Ocidental, da metafísica ao utilitarismo. Mileto e a origem da filosofia Localizados numa região de forte influência mercantil, os jônicos viviam longe do centro grego, na costa da Ásia Menor. Uma região, que não possuía o terreno fértil, estabelecida principalmente no mercado e nas produções industriais, ainda via valor no trabalho manual, que não era deslocado ao desprezo por influência do escravagismo. Dentre os homens que nasceram na cidade alguns dedicaram-se a filosofia, entre eles destacamos Anaximandro (610-547 a.C.), Anaxímenes (585-528 a.C.) e Tales de Mileto (625-548 a.C.), o fundador da escola que carregou o nome da cidade, ainda no período arcaico. O principal feito desses póliss foi a busca por um elemento que explicasse a composição de todas as coisas do universo. (ANDERY, 2012). Tales defendeu sua teoria de que o elemento primordial do universo seria a água, dada a natureza úmida dos alimentos e as diferentes maneiras como conseguiu observar a presença de água na natureza , o fazendoacreditar que a água estava presente em tudo, conforme narrou Aristóteles em sua obra Metafísica. License-475373-59348-0-4 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Anaximandro, também nascido em Mileto, aprendiz e sucessor de Tales, pólis, astrônomo e matemático, por sua vez, via o elemento primordial de maneira diferente do seu mestre. Denominando-o de ápeiron (ilimitado), Anaximandro via esse “princípio” como algo além dos próprios elementos, infinito, indeterminado e ilimitado, que transformava-se naquilo que viria a ser a matéria. Já Anaxímenes, filho de Eurístrato, também de Mileto, amigo de Anaximandro, via o primeiro elemento de maneira diferente, acreditava que se tratava do ar, o que carregava um significado implícito para época, onde acreditava-se que a alma das pessoas não passava de ar quente. Assim, para Anaximandro, as diferentes substâncias diziam respeito a maneira como o ar dilatava-se ou contraia-se para compô-las. O relato sobre o pensamento de todos esses póliss não dá-se de maneira direta, mas sim em relatos de outros, em especial Simplício e Aristóteles, que ao construírem seus pensamentos acabavam por trazer uma retrospectiva dos pensamentos construídos e tratados como importantes até então. É o caso do livro Metafísica, escrito por Aristóteles e que é o primeiro a trazer uma “história da filosofia”. A filosofia é um conhecimento que, ao tratar do caso grego, está diretamente ligada a relação mestre-aprendiz, o que garante, inclusive, a transferência dos saberes que eram desenvolvidos e a preservação da memória dos pensadores. Quando buscavam estudar a realidade a principal fonte de questionamentos era a própria natureza. Assim, a escola de Mileto torna-se percussora da cosmologia, graças a suas proposições sobre os elementos que compunham o universo, suas incitações buscavam compreender qual a origem do próprio cosmo, ramo que atualmente pertence a astronomia, e abalavam as concepções tidas até então graças a maneira como lidavam com essas informações. Retirando a explicação da origem das coisas do mito e apresentando uma resposta na própria natureza, eles rompiam com a construção que toda a sociedade vinha tendo. Disseram que a origem do universo encontra-se ao redor, ou até mesmo dentro, do próprio homem, e não nas manifestações míticas que eram comumente utilizadas como resposta. Além disso, as proposições de Anaxímenes são importantes para o conceito da mobilidade da alma, já que os antigos acreditavam que a alma era composta de ar, sua ideia de que toda substância vinha primordialmente do próprio ar colocava o homem e sua essência numa posição diferente daquela que a religião o propunha, acompanhando sua posição em relação a cosmologia. Com os conceitos sobre a dilatação e contração do ar, permitiu uma construção real da ideia de princípio, License-475373-59348-0-4 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE que ainda que fosse insinuada, não era esclarecida pelos outros póliss. O ar como semente e o movimento – dilatação e contração – como processo pelo qual se construíam as outras matérias. Vale destacar que ambos os pensadores não possuíam como único interesse o campo da filosofia, mas também a astronomia e a matemática, o que permitiu a eles empreender contribuições também para a ciência. A escola de Mileto foi fundamental para a construção de questionamentos que impulsionam a filosofia até o momento presente, na contemporaneidade. Ainda hoje nos perguntamos sobre a nossa origem, e mesmo que sejam apresentados e descobertos modelos para explicá-la – atomicamente ou em medidas ainda menores – ainda nos perguntamos sobre a substância que nos origina, além da própria matéria. Além da escola de Mileto outras escolas surgiram, todas com o intuito de explicar questões fundamentais acerca da existência humana e de sua realidade, o que por sua vez acabava vindo por meio da própria filosofia, independente das outras formas de saber que esses pensadores desenvolviam. Explicações sobre a composição da natureza e da própria essência do homem continuaram sendo o centro do pensamento científico-filosófico grego, o que garantiu o desenvolvimento de pensamentos e conceitos importantes para o conhecimento de forma geral. Antes de Sócrates O período arcaico da história grega, foi substituído período clássico, que é marcado pela sensação de estabilidade e bem-estar que acompanhava algumas pólis gregas. Ainda que outras regiões passassem por dificuldades, algumas cidades- Estado encontravam seu apogeu, caso de Atenas, berço de grande contribuição para o saber ocidental, principalmente no que diz respeito a filosofia. A sociedade grega passava por um período de tensão, dividida graças aos conflitos de duas grandes pólis – Atenas e Esparta – as disputas internas causavam grande impacto na sociedade e nas suas produções (artes, ciência, filosofia e até mesmo economia). O império persa se desenvolvia na fronteira grega e os ataques começam em 490 a.C., liderados por Dário. Para compreender um pouco os conflitos apresentados é importante apresentar alguns conceitos. Com a invasão dória, ainda no período homérico, a sociedade grega organizou-se em clãs, ou génos, que permitiu a organização da aristocracia grega, já que o acúmulo de propriedade se tornou ainda mais fácil. As génos, License-475373-59348-0-4 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE criavam os basileus, patriarcas responsáveis pelos clãs que exerciam o poder sobre o grupo. Em face da necessidade, surgiam as fátrias, coletivo de génos, liderada pelo filo-basileu – escolhido por aptidão bélica. Assim, os basileus moravam sempre em locais altos, e o acumulo de casas e templos faziam surgir as pólis, cidade- estado grega e fonte das múltiplas organizações políticas da Grécia, na parte alta a acrópole – templos e fortificações militares (junto a casa do basileu) – e na parte inferior o mercado – junto dos comerciantes e artesões. A pólis espartana vivia sob o regime denominado timocracia (“governo da honra”), onde os guerreiros desempenhavam papel primordial na pirâmide social. A partir do século VII a.C. o governo era realizado por dois reis que desempenhavam papel tanto militar quanto religioso, a Gerúsia (conselho de aristocratas anciãos) criava as leis, e o Eforato (formado por cinco aristocratas) era o principal poder executivo, eleito pelo homoloi – todos os cidadãos-guerreiros, denominados “os iguais” – espartanos. Alguns pólis se organizaram de forma a apresentar a filosofia como um caminho para a verdade, o que vinha por meio inclusive da educação, já que esses pensadores costumavam praticar sempre uma construção coletiva desse saber, buscando alcançar um conhecimento verdadeiro. A base da pirâmide social espartana era composta pelos hilotas – escravos que faziam parte da propriedade do Estado – e os periecos – trabalhadores livres, mas sem direitos políticos. Em contrapartida, a sociedade espartana era dividida principalmente pelo quesito bélico, e não fazia distinção em relação ao gênero, já que a sociedade espartana dava mais direitos a suas mulheres do que as outras pólis gregas costumavam oferecer. Em Atenas, por outro lado, a sociedade vivia sob o regime da democracia, grande exportadora de azeite, vinho e cerâmica, a sociedade era basicamente separada entre eupátridas – donos de terra – e hectemoro – camponeses – e com as reformas políticas instauradas por Sólon e Drácon, que levaram a uma reforma social baseada no critério de renda – as duas primeiras, participantes dos grandes cargos governamentais, depois os guerreiros e a classe dos thétas, camponeses. Estabeleceu também a Eclésia e a Bulé, assembleia e conselho populares formadas por números de todas as classes. O Areópago era dominado pelas duas classes mais ricas. Esse sistema permaneceu até que Clístenes assumisse o governo. Separou o povo ático em dez tribos, conforme seus locais de morada, e a menor medidaera chamada de “demo”, daí a democracia, que era a base da nova Bulé, formada de 50 participantes de cada tribo. A Eclésia foi fortalecida, também. License-475373-59348-0-4 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE O governo era então baseado na isonomia, o que garantia que todos os cidadãos fossem considerados iguais perante a lei. Ainda assim, a concepção de cidadão era – como em grande parte da Grécia – restrita aos proprietários de terra e aos comerciantes enriquecidos. Os estrangeiros (metécos), escravos e mulheres não possuíam nenhum tipo de poder na democracia ateniense. Procuramos compreender a maneira como as cidades se organizavam para entender em qual contexto estão inseridas essas personagens da filosofia clássica. Isso nos auxilia a entender a forma como alguns pensamentos podem ter sido encarados na época em que foram formulados, seja no caso de naturalidade sobre alguns que nos pareçam estranhos, ou de estranheza para alguns que nos pareçam normais. Outros pensadores continuaram por apresentar diferentes explicações para a origem do universo – mesmo após a escola de Mileto – o que acabou tornando o assunto desgastado, outras explicações foram oferecidas, mas todas ainda eram inconclusivas. Conforme o tempo passava, alguns pólis organizaram de forma a apresentar a filosofia como um caminho para a verdade, o que vinha por meio inclusive da educação, já que esses pensadores costumavam praticar sempre uma construção coletiva desse saber, buscando alcançar um conhecimento verdadeiro. Um grupo chamado de Sofistas, caracterizados principalmente pela prática do ensino de habilidades importantes para o sucesso e participação aos filhos dos cidadãos, viajam pelas pólis recebendo pelo serviço prestado. A maneira como os sofistas encaravam o conhecimento e seus principais temas faziam com que suas posições fossem contrapostas aos póliss, em especial Sócrates, Platão e Aristóteles, apresentavam posições contrárias a prática sofista, afirmando que a valorização da retórica como forma de vencer os debates políticos e não como instrumento de alcance da verdade era um desfavor para o conhecimento, por exemplo. Ainda assim os sofistas apresentavam posições interessantes sobre os deuses, as leis e o comportamento. Considerados os primeiros pedagogos, acreditavam que as leis e as instituições eram criações humanas, e que eram, portanto, capazes de mudar conforme a vontade dos homens. Essa posição relativista, encarando a subjetividade e focada no indivíduo, era um contraponto ao pensamento pregado no seu período. Ainda assim, parece ter encontrado no desgaste dos debates metafísicos – acerca da origem do universo – a oportunidade, junto a outras formas de conhecimento, de colocar o sujeito como objeto central do pensamento e dos questionamentos. License-475373-59349-0-3 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Aula conceitual – Filosofia A contribuição clássica dos gregos e do mundo moderno: existência, reflexão e racionalidade no mundo Ocidental, da metafísica ao utilitarismo. Sócrates Sócrates faz parte dos grandes nomes da filosofia clássica. Não possui nenhuma obra escrita, ainda assim, é o personagem principal dos pensamentos de seu principal discípulo, Platão, e é apresentado também por Xenofonte e Aristófanes, além de outros. Filho de uma parteira e um escultor, nasceu durante o apogeu cultural e intelectual ateniense, no ano de 469 a.C., foi um homem forte e robusto, o que lhe permitiu participar de várias batalhas em nome de Atenas. License-475373-59349-0-3 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Costumava levar as suas discussões principalmente nas praças e mercados, costumava também ser inclusive agredido por suas posições. Existe forte divergência sobre quais as fontes de sua educação e quais os póliss que os introduziram na busca pelo conhecimento. Sócrates era um homem que buscava a crítica principalmente de sua própria cidade, indagando e questionando principalmente as ações do dia a dia. O cotidiano era presente nas reflexões filosóficas de Sócrates, indiferente às complexidades que porventura viessem a tomar. Preocupava-se principalmente com o homem e sua relação com as virtudes, estabelecidas pelas ligações entre a alma e o corpo humano, de tal maneira que os valores buscados e defendidos como universais pelo pensador, levaram sua filosofia para uma questão central sobre a moral e a existências desses valores absolutos. Ele também preocupava-se muito com os fundamentos do próprio conhecimento. Trabalhando de forma a refutar as práticas sofistas. Não se colocava como um “professor” que dava aos alunos o necessário para o sucesso, mas sim como alguém disposto a ajudar todos a encontrar esse caminho, o que deveria ser feito por cada um. Esta posição em relação ao autoconhecimento é contraponto da promoção do sucesso pela carreira, empregada pelos sofistas. Entre outros pontos, a busca pela verdade em oposição a conquista do sucesso são as fontes das divergências empregadas entre Sócrates e os sofistas. Ambos são movimentos importantes para pedagogia e tratavam de demonstrar e explorar os resultados da educação frente aos indivíduos. Parte importante da filosofia socrática é o seu método. Sócrates costumava indagar as pessoas em busca de que as informações fossem surgindo conforme os diálogos corressem, daí a importância da oralidade na construção de sua obra e pensamento. Seu método pode ser divido portanto em duas fases, a primeira chamada de ironia e a segunda de maiêutica. A ironia era uma atitude que os gregos não acreditavam ser positiva, já que se tratava basicamente de um disfarce do conhecimento de quem a usava, no caso de Sócrates, ele utilizava da ironia para retirar o outro de um estado de conforto e vaidade, estimulando o questionamento e a reflexão sobre as posições que antes eram tidas como absolutas. License-475373-59349-0-3 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE A partir do desconforto causado pela ironia, ele partia então – em analogia ao trabalho exercido por sua mãe – para o parto das ideias, a maiêutica. Esse parto das ideias é uma marca inerente a prática filosófica socrática, que ao propor os problemas não dava uma resposta absoluta, pondo o interrogado numa posição na qual a reflexão era uma obrigação. Esse processo didático apresentado pelo pólis era uma maneira dele aplicar um dos seus princípios sobre o conhecimento verdadeiro, o de que ele é fruto de uma busca introspectiva, e que é de responsabilidade de cada um daqueles que o buscam. Sócrates via então, o Bem e a Virtude como valores universais a nortear todo o comportamento moral, basilar o conhecimento e objetivo principal da maiêutica. Seriam portanto valores maiores que, fazendo parte do homem, fariam parte da cidade. A política socrática é marcada então pela construção de que o homem político é também o homem pólis. E de onde vinha esse conceito de valor universal de Sócrates? Vinha da extração do conhecimento sensível uma definição, um conceito que fosse geral e que se aplicasse da maneira mais ampla e irrefutável possível. Um processo próximo ao indutivo, assim, que caminhava de uma aplicação para um conceito geral sobre o objeto. Isso é feito quando ele indaga os interlocutores sobre um conceito e ao julgar insuficiente, vai promovendo novas definições e indagações, até encontrar um conceito satisfatório. Assim, a maiêutica indutiva de Sócrates buscou encontrar respostas para os conceitos éticos com os quais mais preocupava-se. Ao bem, por exemplo, afirma que ainda que as pessoas possam dar aplicações diferentes, todas possuem um conceito do “Bem”, que sempre as fará diferenciar o bem do mal, ainda que o objeto no qual apliquem esses conceitos sejam sempre diferentes. Dessa forma, também, ele identificava a moral e o conhecimento, esclarecendo sua filosofia moral, propondo que a moralidade e o conhecimento estãopróximos, como a sabedoria está próxima da virtude. Todas identificam-se. Logo, todo tipo de erro é fruto da ignorância, já que Sócrates defende que não é possível escolher o mal conhecendo-se o bem. De tal forma que toda injustiça seja também fruto da ignorância dada ao que realmente é justo, e assim por diante. A contribuição de Sócrates surge então ao posicionar o homem e seus dilemas éticos no centro de seu pensamento. Usando sua própria vida como forma de expressar seus pensamentos, agia conforme o que defendia ser correto e verdadeiro. License-475373-59349-0-3 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Sua busca por um conhecimento que aproximasse o homem da verdade o fez confrontar outros em seu tempo, causando inclusive sua morte, pela acusação de corrupção da juventude, ao defender uma posição diferente daquela que costumava ser defendida sobre os deuses na pólis ateniense. Pondo a sabedoria como origem de todo bem, via na ignorância a fonte de tudo o que era incorreto e mal. De seus ensinamentos surgiram algumas escolas, entre elas a dos cínicos, cirenaico e a megárica. A dos cínicos, fundada por Antístenes, funcionava no ginásio de Cinosarge, e concentrava-se nos debates éticos apresentados por Sócrates, colocando o prazer e orgulho como dois elementos que impedem a pólis de alcançar a plena sabedoria e “bastar a si mesmo” que objetiva a escola. Já os cirenaicos, escola fundada por Aristipo, mais aproximavam-se dos sofistas que dos pólis, baseada nos ensinamentos de Sócrates sobre a felicidade como bem supremo, defendia uma ligação entre o prazer e essa felicidade, com base no relativismo aprendido por seu fundador ainda enquanto sofista. A escola megárica, fundada por Euclides, amigo de Sócrates, buscava explicar a existência de tudo conforme sua ligação com o “Bem”, colocando tudo que não houvesse ligação com o bem como inexistente. Essa posição é muito mais próxima ao pensamento de uma escola pré-socrática chamada de escola eleática, que preocupava-se principalmente com o conhecimento e sua validade, obtida por meio da razão. Fora das pequenas escolas que surgiram frente ao pensamento de Sócrates, alguns pensadores permaneceram seu legado como grandes pólis, entre eles o principal aluno, Platão, que narrou a vida do mestre. License-475373-59351-0-7 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Aula conceitual – filosofia A contribuição clássica dos gregos e do mundo moderno: existência, reflexão e racionalidade no mundo Ocidental, da metafísica ao utilitarismo. Platão Platão, filho de Perictione e Aríston, nasceu em Atenas por volta de 426 a.C. Descendente de família aristocrata, foi educado com cuidado e praticou pintura e arte, antes de dedicar-se a filosofia, frequentado a Academia e depois estudando no jardim em Colonôs. Aos vinte anos Platão partiu e passou a ser discípulo de Crátilos e Hermogenes, adeptos da filosofia de Heráclito e Parmenides. Já nessa época frequentava as aulas de Sócrates. O amor à sabedoria praticado por Platão tem grande influência de seu contato com Sócrates. Narra-se que Sócrates viu em seus joelhos num sonho um filhote de cisne, cuja plumagem cresceu num instante, e que levantou vôo para emitir um doce canto. No dia seguinte, Platão lhe foi apresentado como discípulo, e imediatamente Sócrates disse que ele era a ave de seu sonho. (LAERTIOS, 2008, p.86). Com a morte de Sócrates, partiu para Mêgara, juntou-se a Euclides, visitou também Cirene, Itália e o Egito. Ao voltar para Atenas fundou a Academia, em 387 a.C. Uma instituição educacional, baseada principalmente na matemática e geometria, diferenciando de outras escolas, mais antigas, que possuíam um currículo puramente humanistas. Platão foi então o responsável pelo centro, participando fortemente no ensino dos cursos de filosofia. Platão tinha muito de seu pensamento voltado para o eterno, para aquilo que era imutável. É possível, então, separar as obras dele conforme quatro fases, mas estruturado principalmente em forma de diálogos, importante na sustentação da maneira como defendia a construção do conhecimento – por meio da argumentação e do debate, que permitiam uma reflexão eficiente. License-475373-59351-0-7 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE De tal maneira que essa reflexão levasse os homens ao conhecimento que Platão julgava verdadeiro, aquele que estava fora dos sentidos e encontrava-se diretamente ligado a alma. Comungava das mesmas ideias de Sócrates quanto ao caminho do conhecimento e o alcance do Bem verdadeiro, de tal forma que o alcance do Bem, do Belo, da própria Verdade e Realidade só poderiam ser alcançados por meio do saber e da prática filosófica voltada para a verdade. As obras platônicas podem então ser colocadas em algumas fases, primeiro com os diálogos socráticos, onde faz a apresentação dos diálogos protagonizados por seu mestre. Os diálogos polêmicos, combatendo as práticas sofistas e apresentando posições sobre valores éticos, como o conhecimento, a virtude, beleza e retórica. Nos diálogos da maturidade tratou sobre o amor, a alma e o Estado ideal, enfatizando aqui uma de suas obras clássicas, A República, onde traça um Estado ideal e diferencia os homens e suas almas conforme as virtudes que as acompanham. Já nos diálogos da velhice, onde faz uma revisão das posições adotadas durante a vida, criticando e reforçando a maioria, tratando também da cosmologia, o prazer, a teoria das ideias e o conhecimento. Parte importante da contribuição platônica para o saber foi concluir uma divisão da própria realidade, separando o mundo em inteligível, ou ideal, – portanto invisível – e sensível – a parte visível. Essa separação colocava no mundo inteligível, ou mundo das luzes, tudo aquilo que era verdadeiro e absoluto, enquanto tudo contido no mundo sensível era como uma sombra daquilo que existia no mundo ideal. O mundo ideal continha todo conhecimento uno, imutável, que só era alcançado por meio do pensamento e da construção do conhecimento, e não por mera opinião. Nessa construção voltada à metafísica, Platão busca então retornar a uma “causa original” que explicasse as condições humanas e norteasse a construção dos pensamentos éticos e epistemológicos que também faziam parte das suas preocupações. Para validar a existência do Mundo das Ideias, Platão utiliza principalmente do argumento da reminiscência, onde todo conhecimento é oriundo de um contato inicial com o conhecimento, numa vida antepassada e que é reencontrado, por meio do pensamento, na vida atual. E do argumento da contingência, que determina que existe uma Ideia – única e estática – da qual todas as suas cópias derivam, e que todas as coisas possuem seu atributo não pelas próprias características, mas por fazerem parte dessa Ideia que não se altera. License-475373-59351-0-7 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE De tal forma que o pensamento de Platão parece evoluir conforme suas obras são desenvolvidas, apresentando inicialmente ideias puramente éticas – bondade, justiça, piedade, beleza – para as ideias metafísicas – movimento, unidade, ser, não- ser – até alcançar a perspectiva de que as ideias são matemáticas, colocando-as no patamar de números em seus últimos diálogos (caso de Filebo e Timeu). Essa posição quanto as próprias ideias não devem ser encaradas como se uma invalidasse a posição assumida anteriormente, mas como se fossem o alcance, a evolução, uma da outra. Isso é expresso ainda quando verifica-se que mesmo que as classificações das ideias mudem, suas propriedades permanecem as mesmas – intocáveis, não sensíveis, imateriais, divinas, eternas e transcendentes – independente de qual seja ideia em questão. A questão epistemológica em Platão apresenta-se na relação entre a opinião (dóxa) e o verdadeiro conhecimento (episteme), onde a razão e a sensação postam seus resultados. A doxa é fruto do conhecimento oriundo dos sentidos, domundo sensível, enquanto a episteme é o fruto dado pelo conhecimento intelectual, oriundo do mundo inteligível, e que alcança valor maior. O que leva Platão ao retorno de seu argumento sobre a reminiscência. Já que os conhecimentos encontram-se em dimensões diferentes, não interagem um com o outro, portanto, o que ocorre por meio da doxa é uma lembrança da episteme, que é retomada de maneira a encontrar novamente aquele saber que só existe no mundo das ideias. Esses mesmos conhecimentos possuem graus diferentes. A doxa pode ser apresentada como eikasia, a imagem dos objetos reais, e a pístis, a coisa real que costuma gerar essas imagens. E a episteme aparece como diánoia e nóesis, a primeira, trata dos conceitos matemáticos alcançados racionalmente, enquanto a segunda trata daquilo derivado da Ideia, no caso os conceitos éticos e metafísicos. Apresentou então, todas essas ideias no Mito da Caverna, apresentando o caminho pelo qual o homem chega ao conhecimento. License-475373-59351-0-7 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE MITO DA CAVERNA SÓCRATES – Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência e à ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá entrada livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as pernas presos de modo que permanecem imóveis e só vêem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas cadeias, não podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre o fogo e os cativos imagina um caminho escarpado, ao longo do qual um pequeno muro parecido com os tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e os espectadores para ocultar-lhes as molas dos bonecos maravilhosos que lhes exibem. GLAUCO – Imagino tudo isso. SÓCRATES – Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima dele, figuras de homens e animais de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam em silêncio. GLAUCO – Similar quadro e não menos singulares cativos! SÓCRATES – Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me: assim colocados, poderão ver de si mesmos e de seus companheiros algo mais que as sombras projetadas, à claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira? GLAUCO – Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante toda a vida. SÓCRATES – E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver outra coisa que não as sombras? GLAUCO – Não. SÓCRATES – Ora, supondo-se que pudessem conversar, não te parece que, ao falar das sombras que veem, lhes dariam os nomes que elas representam? GLAUCO – Sem dúvida. SÓCRATES – E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras dos que passam, não julgariam certo que os sons fossem articulados pelas sombras dos objetos? License-475373-59351-0-7 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE GLAUCO – Claro que sim. SÓCRATES – Em suma, não queriam que houvesse nada de real e verdadeiro fora das figuras que desfilaram. GLAUCO – Necessariamente. SÓCRATES – Vejamos agora o que aconteceria, se se livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo- lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via. Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando- lhe alguém as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados? GLAUCO – Sem dúvida nenhuma. SÓCRATES – Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem dor? Não as consideraria realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados? GLAUCO – Certamente. SÓCRATES – Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente, ser-lhe ia possível discernir os objetos que o comum dos homens tem por serem reais? GLAUCO – A princípio nada veria. SÓCRATES – Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região superior. Primeiramente, só discerniria bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor do dia. License-475373-59351-0-7 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE GLAUCO – Não há dúvida. SÓCRATES – Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é. GLAUCO – Fora de dúvida. SÓCRATES – Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as estações e o ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna. GLAUCO – É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões. SÓCRATES – Recordando-se então de sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e da idéia que lá se tinha da sabedoria, não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo tempo a sorte dos que lá ficaram? GLAUCO – Evidentemente. SÓCRATES – Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem melhor e mais prontamente distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse com mais precisão dos que precediam, seguiam ou marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não preferiria mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes vivia? GLAUCO – Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de preferência a viver da maneira antiga. SÓCRATES – Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda para a caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos em trevas? GLAUCO – Certamente. License-475373-59351-0-7 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE SÓCRATES – Se, enquanto tivesse a vista confusa – porque bastante tempo se passaria antes que os olhos se afizessem de novo à obscuridade – tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em cadeias, não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à região superior, cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto? GLAUCO – Por certo que o fariam. SÓCRATES – Pois agora, meu caro. GLAUCO – É só aplicar com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo o que antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do sol. O cativo que sobe à região superior e a contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro. Quanto à mim, a coisa é como passo a dizer- te. Nos extremos limites do mundo inteligível está a ideia do bem, a qual só com muito esforçose pode conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível, autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos negócios particulares e públicos. Platão baseou a ética de seus ensinamentos conforme sua posição metafísica, o que indica que para alcançar a plenitude os indivíduos deveriam desprezar tudo aquilo que é meramente sensível, dedicando suas práticas e objetivos ao perfeito e imaterial. Devendo o homem buscar sempre as virtudes, que acabam por moldar-se conforme as almas as quais pertenciam. As virtudes são, portanto, a sabedoria (sophia), a temperança (sophrosyne) e a coragem (andréia), aplicadas consecutivamente as almas racionais, concupiscíveis e as irascíveis. A relação estabelecida entre as almas é a justiça. Da separação das almas, parte então a classificar os homens, conforme suas almas, em homens de bronze, prata e ouro. Os homens de ouro eram os racionais, que também estão postos na filosofia platônica como os governantes ideais, já que ministram a organização da cidade conforme a vontade e por meio da sabedoria, a levando ao encontro da virtude maior, o próprio conhecimento. License-475373-59351-0-7 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Os de prata são os guerreiros e os de bronze os trabalhadores manuais. A própria temperança é então a virtude que garante a submissão dos governados aos governantes e a coragem a virtude que impulsiona os homens a proteger sua cidade. O governo ideal apresentado é então o do Filósofo-rei, que por ter a virtude mais próxima da sabedoria é o mais indicado entre os homens para que os governe e impeça a corrupção de suas virtudes, permitindo o pleno desenvolvimento da cidade e alcançando sempre a prosperidade. Platão tinha muito de seu pensamento voltado para o eterno, para aquilo que era imutável. É possível, então, separar as obras dele conforme quatro fases, mas estruturado principalmente em forma de diálogos, a citar: 1. O Eterno (Gérmen da metafísica) a. Eternamente Bom, belo e verdadeiro. 2. Mundo das Ideias (Metafísica) a. Realidades: Inteligíveis e sensíveis. I. Inteligíveis (invisíveis) II. Sensíveis b. Verdadeiro Conhecimento I. Razão. (Mito das cavernas) c. Teoria da Reminiscência1 3. Ética e Política (A República2) a. Estado composto por I. Regentes Pólis II. Guerreiros Guardiões III. Classe de Trabalhadores. b. Cidade Justa (Siracusa) 4. O Homem (Concepções) a. Alma Imortal I. Irascível: Coragem II. Racional: Sabedoria III. Concupiscente: libido 5. Considerações a. Síntese da teoria das ideias Síntese do “homem platônico” 1 Há dúvidas se a autoria de Platão pode ser atribuída a esta produção. 2 Idem. License-523065-59345-0-3 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Aula conceitual – Filosofia A contribuição clássica dos gregos e do mundo moderno: existência, reflexão e racionalidade no mundo Ocidental, da metafísica ao utilitarismo. Aristóteles Aristóteles nasceu em Stágeira, em 384 a.C, filho de Faistis e Nicômacos, seu pai era médico e amigo do rei da Macedônia, Filipe. Foi discípulo de Platão na Academia, e depois que partiu, foi ser professor de Alexandre, filho de Filipe, rei da Macedônia, na sua fase de preceptor de soberanos, retornando a Atenas e nos jardins do Liceu fundou a escola peripatética, dedicada ao estudo das ciências naturais. License-523065-59345-0-3 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Aristóteles escreveu sobre todos os temas que o interessavam, deixando um extenso conjunto de obras que vão desde a classificação botânica até a lógica e a filosofia. Muitos de seus conhecimentos perduraram inquestionáveis até pouco tempo, e a maioria serviu como fundamento para que os conhecimentos sobre os objetos tratados conseguissem um desenvolvimento maior. Aplicou a forma de tratado a maioria de seus escritos, dotando os mesmos de extremo método e rigor, aplicando uma concepção filosófica ímpar e extremamente reconhecida. Estudou sistematicamente as ideias, o que gerou, graças a estudiosos bizantinos, a obra Organon, que signifa “instrumento”, onde os estudos sobre lógica de Aristóteles estavam reunidos, demonstrando a ferramenta principal do alcance ao conhecimento e do pensamento. Organizando uma estrutura que classificasse e encerrasse as ideias em determinadas propriedades, diferenciadas inicialmente em categorias, depois em compreensão, extensão e os predicáveis. Elaborou também uma técnica para extrair novos conceitos de conceitos já existentes: o silogismo. O silogismo consiste em três proposições seguidas de tal forma que as duas primeiras resultam obrigatoriamente na terceira, o que significa partir do universal para o caso específico. Falou também sobre uma técnica que retirasse dos casos específicos conceitos universais, o caso da indução, e mesmo que de forma embrionária, seu posicionamento foi importante para o desenvolvimento do assunto. Os escritos aristotélicos propriamente ditos foram passados como herança por um determinado número de pessoas, até que, depois de séculos escondida, foi descoberta e transferida para Atenas, de onde foi levada para Roma, em 86 a.C., depois que Silas conquistou a cidade. Ao chegar em Roma foi encomendada sua edição completa a Andrônico de Rodes, que separou as obras em lógicas, físicas¸ metafísicas, morais e poéticas. Apegando-se um pouco as características do que Aristóteles define como metafísica, podemos perceber que ele propõe que existem causas elementares às quais a metafísica se apega: a material, formal, eficiente e final. Por sua vez, determina que a metafísica é o próprio conhecimento extremado, posto fora do puro empirismo científico – que faz com que se conheça os objetos –, e colocado em um ponto onde compreenda as razões primordiais das coisas – compreendo o porquê. License-523065-59345-0-3 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Assim, Aristóteles constrói um pensamento sobre a metafísica que é distinto em sua própria obra. Existem duas definições para o mesmo elemento. Uma no livro primeiro (A) e outra no livro sexto (E). A primeira já foi apresentada acima. A segunda diz respeito a metafísica “teológica” a qual Aristóteles apresenta. Propõe que a metafísica é o estudo do imóvel imaterial, contraposta a física – que estuda o móvel e material – e a matemática – que estuda o imóvel, mas material. De tal forma que esse objeto, imóvel e imaterial, diz respeito ao divino, já que tudo emana da figura una denominada de “Deus”, de tal maneira que torna-se divina por vir dele, em parte ou no todo, o que faz a metafísica em algum modo pertencer também a essa figura. Ou seja, ao mesmo tempo que estuda a própria imaterialidade, estuda também aquilo que é divino. Aristóteles discorda da Teoria das Ideias de Platão, acreditando que as ideias defendidas pelo mestre não passam de representações do mundo sensível, e não o contrário, questionando principalmente como podem as Ideias ser origem das coisas se as mesmas existem fora das coisas às quais dão origem. Propõe que essa prática de afastar o objeto de sua essência é uma atitude logicamente inviável que leva a explicação a um caminho que choca-se com o infinito, já que sempre será necessário encontrar a essência da essência, e assim por diante, transformando o que antes era essência em substância e nunca alcançando uma relação válida. Como não concorda com a divisão da realidade em dois mundos (inteligível e sensível), Aristóteles acredita que a mesma constitui-se apenas da parte sensível, mas que essa substância é permeada de acidentes – uma relação causal não original – que faz a substância apresentar-se de quatro modos: lógico, epistemológico, histórico e ontológico. De tal forma que a substância é anterior aos seres, que após sofreremesses acidentes, essa causa-efeito, tornam-se outra coisa, e essa é a qual busca-se conhecer sobre sua substância. Essa ideia de que a matéria que forma as coisas deve preexistir a elas é consoante com a teoria teológica aristotélica. De tal forma que ele propõe que as coisas devem ser conhecidas seguindo os critérios do conceito (lógica), conhecimento (epistemologia), tempo (historicidade) e do próprio ser (ontologia). Apreendido o conhecimento dessas propriedades, Aristóteles separa as substâncias em três tipos: substâncias materiais corruptíveis, substâncias materiais incorruptíveis e substâncias imateriais. License-523065-59345-0-3 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE O conceito de matéria dado por Aristóteles é encontrado quando analisamos a própria transformação das substâncias proposta por ele. A substancia material é, portanto, fruto dessa matéria e da forma. O que apresenta-se é que sempre nas alterações de substâncias, algo altera sua forma de uma para outra, mas permanece sendo a mesma coisa. Ocorre uma mudança quantitativa de algo, qualitativa de algo, na grandeza de algo. Esse algo é a matéria, enquanto a mudança diz respeito a forma. Aristóteles propõe então que a forma é o primeiro ato de um corpo. Quanto à ética, Aristóteles partilha das ideias de Sócrates e Platão quanto a necessidade de riquezas, determinando que elas são desnecessárias para a felicidade, indicando que o homem deve viver sempre com o mínimo necessário para garantir sua sobrevivência. Propõe ainda que a felicidade seja a plena realização das potencialidades do homem, uma mistura dosada e ponderada de prazer e razão, próximo a Platão e um pouco distante de Sócrates, nesse sentido. Propõe que a realização das potencialidades é alcançada por meio da virtude, e as divide conforme as virtudes morais e as virtudes do intelecto. As primeiras dizem respeito as formas de alcance do conhecimento e as formas de conhecimento as quais podem o homem feliz dedicar-se. Já as virtudes morais fazem parte daquilo que ele expõe como “escolha do justo”, propondo que essas são alcançadas por meio do equilíbrio nas escolhas. Em Aristóteles o Estado é natural, e todo homem deve fazer parte dele. Aquele que não está inserido no Estado é aquele que é suficiente a si mesmo, alcançando a alcunha de louco ou de deus. Os homens reúnem-se no estado para garantir a satisfação de suas necessidades intelectuais e físicas, para que possam então desenvolver suas virtudes, propondo que é da própria natureza humana a política. Que o próprio homem é naturalmente um animal político. Aristóteles, mente fértil da filosofia grega, e que tem os pensamentos repercutidos ainda com respeito e crença até os dias atuais, fez contribuições inegáveis para o conhecimento da humanidade. Entre elas o desenvolvimento do método de pesquisa, analisando pontos importantes do conhecimento e propondo conceitos concisos e preciosos. License-475373-59350-0-4 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Aula conceitual – filosofia A contribuição clássica dos gregos e do mundo moderno: existência, reflexão e racionalidade no mundo Ocidental, da metafísica ao utilitarismo. O mundo moderno e os utilitaristas: entre o prazer e a ética do individualismo A ética utilitarista é uma das filosofias morais mais importantes do século XIX. Antes de explicá-la, é válido lembrar que tal filosofia faz parte da Idade Moderna (dos séculos XV ao XVIII) e permanece em relativa medida na Idade Contemporânea (século XIX até os dias atuais). License-475373-59350-0-4 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE O utilitarismo é herdeiro direto da ética de Hume e dos filósofos empiristas e é classificada como uma das “éticas da consciência”. Já vimos como Hume já usou o termo “utilidade”. Os utilitaristas, como seu próprio nome indica, falam da “utilidade” daquilo que dá “prazer”. Todos os seres humanos procuram “prazer” em suas atividades de um modo ou de outro. Os utilitaristas consideram que uma ação será tanto mais benigna moralmente quanto mais prazer gerar à maior quantidade possível de gente. Os utilitaristas consideram que uma ação será tanto mais benigna moralmente quanto mais prazer gerar à maior quantidade possível de gente. Assim, é preciso considerarmos o contexto histórico que contextualiza o utilitarismo e a pertinência social do mesmo. A Europa está mudando do Antigo Regime de poderes absolutos e sociedades hierarquizadas a regimes mais ou menos democráticos nos que se defende o liberalismo político e econômico. O utilitarismo é uma corrente ética muito unida a este liberalismo. As sociedades querem mais liberdade, desejam romper as barreiras sociais do Antigo Regime, contemplam maior mobilidade social e bem-estar para toda a população. Este liberalismo criará novas barreiras sociais unidas a uma economia ultracapitalista e precisará da reação de movimentos reivindicativos dos trabalhadores, como é o caso do socialismo. Em todo caso, o utilitarismo em sua raiz está inspirado por um ideal de bem-estar social: através de condições de vida dignas para todos os cidadãos e do fomento das liberdades. O utilitarismo contou com dois grandes pensadores que são considerados seus representantes: Jeremy Bentham e John Stuart Mill. Jeremy Bentham (1748-1832) foi um afamado filósofo, jurista e político inglês. Em suas ideias sobre a utilidade do prazer destacou a importância da imparcialidade para considerar todo ser humano como aquele que está em constante busca pelo prazer. Isto é algo que rompia com o tradicionalismo classista das sociedades antigas. Significava que uma sociedade não tem de valorizar como superior o prazer de uma pessoa por ser aristocrata, ou por ser mais abastado do que outra pessoa não aristocrata ou com pouco dinheiro. Entre suas obras destacamos “Introdução aos princípios da moral e da legislação”. License-475373-59350-0-4 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE O bom moralmente seria procurar aquilo que desse maior prazer à maior quantidade de gente sem importar sua extração social. Para isso Bentham criou uma série de regras de cálculo de prazeres. Estas regras são à primeira vista fáceis de compreensão pois se aproximam das noções da mentalidade democrática atual. No entanto, surgiram questionamentos que colocaram em dúvida este cálculo: primeiro, como calcular o grau de prazer de cada indivíduo de modo definitivo/ exato, sendo a vivência do prazer algo tão pessoal, tão subjetivo, e como “somar” experiências que, ao ser tão pessoais, são dificilmente equiparáveis? Outro problema importante era o relacionado com a possível qualidade dos tipos de prazeres; ainda que Bentham não tenha se pronunciado sobre isso parecia claro que ainda considerava valioso da mesma forma o prazer de todas as pessoas, sem diferenças de classes, já que os seres humanos culturalmente dão mais valor social e/ou moral a uns prazeres que a outros, e, portanto talvez deveria fazer-se uma classificação o mais objetiva possível de qualidades morais dos diferentes tipos de prazeres. Na solução deste problema das qualidades dos prazeres destacou-se o utilitarista John Stuart Mill (1806-1873), filósofo, político e economista inglês. Stuart Mill recolheu a teoria de Bentham, estudou-a e a complementou com contribuições originais. Uma de suas obras mais importantes se intitula precisamente “Utilitarismo”. Há uma frase de Stuart Mill que se tornou famosa: “Prefiro antes ser um Sócrates insatisfeito que um porco satisfeito”, o que, de modo muito expressivo, quer dizer que nem todo prazer é desejável, nem pessoal nem coletivamente. No cálculo de prazeres além considerar a sociedade em sua totalidade há que ter em conta a pertinência moral da qualidade do prazer. Claro que para isso, como disse Stuart Mill, os membros da sociedade têm de estar bem informados, bem instruídos e educados, e sem imposições, desde a liberdade como valor importante,têm de poder descobrir e eleger aqueles prazeres que são mais valiosos, que lhes realizarão mais como pessoas tanto a nível individual, procurando-os individualmente, como a nível coletivo, fomentando-os solidariamente. O utilitarismo é uma doutrina filosófica pautada na utilidade como mencionado acima. Conforme a doutrina foi evoluindo os critérios básicos dessa utilidade também foram se adaptando, mas sempre voltado a relação do homem com a felicidade. Com seu fundador, Jeremy Bentham, a ideia principal era a de que o homem deveria evitar a dor e buscar sempre o prazer. License-475373-59350-0-4 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Para Bentham a vontade da maioria é superior a vontade do indivíduo, fundamentando assim a moral utilitarista que defendeu. A moral tinha então a função principal na prolongação da felicidade, e determinava que toda ação deveria levar em conta o cálculo entre benefícios e malefícios que iria trazer para a sociedade. Caso o resultado indicasse mais benefícios para a felicidade da maioria, então a ação estava de acordo com a moral. Em resumo, quanto mais benefício trouxesse para todos, melhor era aquela ação. E a moralidade significava justamente a preocupação em relação a superioridade do benefício frente aquilo que pudesse prejudicar – definido basicamente como tudo que pudesse causar dor – na maioria das pessoas. A moral buscava então melhorar o mundo o quanto fosse possível, baseada principalmente na noção de que as coisas que causassem felicidade fossem sempre superiores as que causassem dor. Para isso ponderava as seguintes variáveis: intensidade, duração, certeza, proximidade, fecundidade e pureza. Essa moral é baseada principalmente nas consequências, e não nas intenções ou meios, o que a faz preferir sempre aos resultados e encara os outros elementos da forma mais prática possível, lembrando sempre de colocar o bem coletivo frente ao individual. Essa construção ética calculista põe em cheque as concepções de direitos individuais que também começava a ganhar evidencia no período. De maneira que as posições de Bentham são fortemente criticadas nesse sentido. Ainda assim a principal função dessa redução das diferentes concepções morais a um denominador comum buscavam dar uma classificação científica e objetiva a ética. Foi forte a preocupação dos utilitaristas em reduzir determinadas subjetividades afim de conseguir, objetivamente, medir as perdas e ganhos de maneira precisa. Essa preocupação extremamente calculista ganha uma mudança após a morte de Bentham, quando John Stuart Mill começa a se posicionar frente ao utilitarismo, alterando a centralidade do pensamento da maioria para o indivíduo. Passa então a defender o princípio da liberdade individual como norte para construção moral. Todos teriam liberdade para fazer o que quisessem, buscando promover a própria felicidade, enquanto isso não infligisse mal ao outro. A liberdade e os direitos individuais superam a certo modo até mesmo a estrutura utilitarista em John Stuart Mill, que ao fundamentar um utilitarismo que respeite tamanha individualidade, constrói uma concepção moral diferente da que Bentham defendia. License-475373-59350-0-4 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Ainda havia entre ambos a ligação com a tese hedonista – é da natureza do homem procurar o prazer e evitar a dor – o que os diferenciavam eram os sujeitos nos quais situavam suas teses utilitaristas. Enquanto Bentham enxergava um utilitarismo baseado no indivíduo mecânico e calculista, que deveria sacrificar os desejos que fossem divergentes da vontade majoritária, Stuart Mill construía um utilitarismo baseado num indivíduo com maiores subjetividades, cujo limite da liberdade era a liberdade do outro. Esse utilitarismo apresentado por Bentham e Mill é basicamente um utilitarismo de ações. Ou seja, cada ação deve ser confrontada quanto a sua natureza utilitarista. O que vem a ser um modelo, parte do utilitarismo moderno, que com o passar do tempo construiu o que se denomina utilitarismo de regras. No último, cada regra deve ser confrontada quanto a sua utilidade para o todo, verificando qual o resultado de todos seguirem aquela regra e com base nessa resposta verificar se a mesma é útil ou não de ser obedecida. De tal maneira que para distinguir os “utilitarismos” basta verificar qual o objeto, mas deixando evidente que o que faz parte do centro do pensamento é sua inspiração basilar no hedonismo. É possível então apresentar alguns elementos principais do pensamento utilitarista. Os prazeres e sofrimentos possuem um resultado universal e imparcial, independente de quem os sofra. A consequência é sempre o resultado mais importante na ética utilitarista. O geral sempre é o que deve ser levado em consideração em qualquer ponderação, já que o mais importante é que o resultado em prazeres compense os prejuízos. E a satisfação deve ser sempre presente em qualquer que seja o ato, da maneira mais prolongada e otimizada que for possível. Resumindo em imparcialidade, consequencialismo, universalidade, otimização e o princípio da felicidade. Os princípios utilitaristas são influentes em outras áreas do conhecimento, principalmente em relação à política e economia, ainda que suas aplicações não sejam tão radicais quanto as instituídas teoricamente é possível perceber que diversas ações, principalmente estatais, são posicionadas conforme os seus pilares. No século atual o utilitarismo está muito presente, através de correntes éticas e filosóficas estreitamente relacionadas, como são o neoutilitarismo, ou o pragmatismo (cujo origem filosófica está no século XIX, particularmente nos Estados Unidos). License-535606-59359-0-5 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE A contribuição de Hegel: o reino patriarcal, o estado livre e a monarquia moderna As idéias hegelianas (termo empregado para designar o pensamento de Hegel) foram marcadas após um intervalo temporal que ficou conhecido por despotismo (lembremos que se trata de uma forma de governo em que o poder é centralizado nas mãos de somente um governante), classificação lembrada por Bobbio (1988). A obra hegeliana foi marcada pela convergência de duas concepções fundamentais já vivenciadas anteriormente em Vico e Montesquieu, respectivamente: a predominância de uma ideia histórica das formas de governo e o conhecimento geográfico espacial. Hegel adotou ambas as percepções que atuaram de forma decisiva para a formação de um sistema abrangente e complexo, herdeiro de quase dois milênios de reflexão filosófica. Em uma de suas principais obras, “Lições de Filosofia da História” de 1821 apresenta o momento final da evolução de suas idéias, de sua teoria política quando dedica um capítulo introdutório às reflexões sobre “a base geográfica da história mundial” que teve como foco central a explicação de que a história mundial pode ser dividida em três fases, que logicamente serão caracterizadas por tipologias diversas de caráter geográfico: 1. O altiplano, caracterizado por suas extensas estepes e planuras, uma paisagem comum à Ásia central e que tipifica a origem das comunidades nômades, com destaque para as pastoris; 2. A planície fluvial, elemento típico das terras do Indus, do Ganges, do Tigre e do Eufrates que se estende até o Rio Nilo, região em que a terra cuja fertilidade apresenta altos índices favoráveis à prática da agricultura; 3. Finalmente, toda a zona costeira cujo maior aspecto é a tendência para o desenvolvimento do comércio e para a formação de novas riquezas e circunstâncias para o progresso civil. Esses elementos ficam mais ilustrativos nas próprias palavras do Hegel: De modo geral, o mar dá origem a um tipo especial de existência. O elemento indeterminado nos dá a ideia do ilimitado e infinito; sentindo-se nessa infinitude, o homem adquire coragem para superar o limitado. O próprio mar é infinito, e não aceita demarcações pacíficas deEstados, como a terra firme. A terra, a planície fluvial, fixa o homem ao solo; sua liberdade é restringida assim por imenso complexo de vínculos. O mar, porém, o leva à conquista, mas também ao ganho e à aquisição. (HEGEL apud BOBBIO, 1988, p.146). License-535606-59359-0-5 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Neste sentido, os historiadores Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas defendem a ideia de que [...] a pressuposição essencial das metodologias propostas para a análise de textos em investigação histórica é que um documento é sempre portador de um discurso que, assim considerado, não pode ser visto como algo transparente. (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p.37). Ao relacionar as características ambientais do pensamento de Hegel com uma perspectiva econômica, ou como diria Montesquieu, a partir do ponto de vista do “modo de subsistência”, podemos considerar que sua teoria fundamenta-se na analogia (entendida como relação de semelhanças entre objetos diferentes) entre as atividades pastoril, agrícola e comercial, representantes das “três fases do desenvolvimento da sociedade humana” que por sua vez, correspondem às regiões de maior dimensão da Terra: a natureza do solo irá determinar assim a diferença social entre os grupos de homens. Em outras palavras, Hegel se utiliza da comparação para identificar as três fases da civilização às três distintas zonas terrenas por meio da demonstração de que a evolução das sociedades não ocorre apenas em momentos sucessivos do tempo, como se acreditava, e no mesmo espaço (como se viu com o espaço de Vico que, salvo o ocupado por povos selvagens, é essencialmente a Europa), mas sim mediante um deslocamento de área em área. (BOBBIO, 1988, p.146). Tais afirmações nos levam a compreender que Hegel acreditava que uma variação temporal equivale também a uma variação de tempo no espaço, com direção própria: do Oriente para o Ocidente, ou seja, tais variações acompanham o sentido do sol. Mas o que esse pensamento traz de relevante para o pensamento político? Em outras palavras, a perspectiva de que a civilização ao alcançar seu estágio maior de maturidade no continente europeu deverá iniciar sua próxima fase de desenvolvimento na América que, no século XIX, passava por processos de independência colonial, ganhando dessa forma, uma previsão hegeliana de que esse espaço seria o seguinte destinatário do rápido “progresso econômico e demográfico”, em quase uma ação de profetizar, como afirma Bobbio, de que a América “é o continente do futuro” e “para o qual se inclinará o interesse da história universal, nos tempos futuros...”. (BOBBIO, 1988, p.146). Não podemos esquecer-nos da influência do pensamento de Montesquieu que, sobretudo, transpõe a idealização geográfica do desenvolvimento histórico e que License-535606-59359-0-5 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE se estabelece principalmente na definição da teoria hegeliana sobre as formas de governo, elemento central da história do pensamento político. Para Hegel, a tipologia das formas de governo e sua sucessão são marcadas ao longo da história por três modelos: o despotismo (oriental – era infantil da história), a república (antiga) e a monarquia (moderna). Ademais, Hegel trabalhou com o conceito de Constituição entendido como “a porta pela qual o momento abstrato do Estado penetra na vida e na realidade”, ou seja, o que irá definir a transição da “ideia abstrata de Estado à sua forma concreta e histórica” é a “diferença entre quem governa e quem é governado”. (BOBBIO, 1998, p.147). Tal prerrogativa fica mais clara por meio do trecho a seguir: Com razão, portanto, as constituições têm sido classificadas universalmente nas categorias de monarquia, aristocracia e democracia. É preciso, porém observar, em primeiro lugar, que a própria monarquia pode ser distinguida em despotismo e em monarquia como tal... (HEGEL apud BOBBIO, 19988, p.147). Logo após defender a divisão entre os conceitos de monarquia e de despotismo que derivam do mesmo gênero, Hegel analisa a luz da concepção de liberdade e de como ela é estendida à sociedade, o lugar de tais constituições na história universal. A história universal é o processo mediante o qual se dá a educação do homem, que passa da fase desenfreada da vontade natural à universal, e à liberdade subjetiva. O Oriente sabia e sabe que um só é livre; o mundo grego e romano, que alguns são livres; o mundo germânico, que todos são livres. Por isso, a primeira forma que encontramos na história universal é o despotismo, a segunda é a democracia e a aristocracia, a terceira é a monarquia. (HEGEL apud BOBBIO, 1988, p.147). Ao interpretar o comentário hegeliano, percebemos que o autor se remete às distinções das constituições por meio de como a forma de governo irá se apresentar na totalidade da vida do Estado. Na primeira forma, encontramos as seguintes características: primeiro, a totalidade do Estado não sofreu evolução e suas representações peculiares não atingiram o status de autonomia; na segunda, tais representações e com elas os sujeitos, se transformam em seres livres e finalmente, na terceira, o espaço em que os indivíduos são livres efetivamente e adotam um modo de produção voltado à universalização. Ao estabelecer analogias com as considerações elaboradas anteriormente neste capítulo quando da comparação hegeliana acerca das três fases da Terra e de sua License-535606-59359-0-5 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE evolução civilizatória, podemos afirmar que visualizamos em cada Estado, os tipos de reino, quais sejam: patriarcal, pacífico e guerreiro, como justifica Bobbio. Esta primeira manifestação (patriarcal) do Estado é despótica e instintiva. Mas, mesmo na obediência e na violência, no medo de um dominador, ela é já um complexo da vontade. Mas tarde se manifesta a particularidade: são aristocratas, esferas singulares, órgãos democráticos, indivíduos que dominam. Nesses indivíduos se cristaliza uma aristocracia acidental, e ela se transforma em novo reino, em monarquia. O fim, portanto, é a sujeição dessas particularidades a um poder tal que fora dele necessariamente as diversas esferas tenham sua autonomia – é o monárquico. É preciso distinguir, assim, entre um primeiro e um segundo tipo de poder real. (BOBBIO, 1988, p.148). O quadro 1 a seguir ilustra de forma resumida a explicação das formas históricas de constituição hegeliana: Formas históricas de Constituição Categorias Políticas Contexto Formas de Sociedade Reino Patriarcal Despotismo Violência, Medo e Dominação. Indiferenciada e inarticulada. As esferas privadas próprias a uma sociedade evoluída (ordens, classes ou grupos) ainda não elevaram-se a partir da unidade inicial (como acontece na família, um todo que ainda não se compõe de partes relativamente autônomas). Estado Livre República Aristocrática e Democrática Liberdade com características particulares e não genéricas. Surgimento das esferas particulares, mas que ainda não alcançaram a dimensão total de autonomia, caracterizando-se pela unidade desagregada e não recomposta. Definida pela negação das condições patriarcal e despótica Monarquia O rei governa uma sociedade articulada em representações relativamente autônomas. Pode ser definida como Monarquia Moderna ou Constitucional. Recomposição da unidade por meio da articulação das diferentes partes: identificamos nesse quadro a unidade e diferenciação em que a primeira é compatível com a liberdade das partes. A autonomia é elemento condicionante para sua funcionalidade. License-535606-59359-0-5 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE “O sistema Hegeliano” será retomado por Bobbio ao debater a categoria de sociedade civil contida na última fase de seu pensamento nos “Lições de Filosofia da História”, de 1821. Neste sentido, Hegel propõe, no momento intermediário da eticidade (conceitodo Direito aplicado à ética) posto entre a família e o Estado, o esquema triádico que se contrapõe aos dois modelos diádicos: o Aristotélico – família/Estado (societas domestica/societas civilis, civilis de civitas correspondente a politikós de polis); e o jusnaturalista – estado da natureza/estado civil. Bobbio ainda ressalta que alguns estudiosos chegaram a considerar que na construção da seção dedicada à sociedade civil, esta foi concebida como uma espécie de categoria residual. Tentando esclarecer a concepção da sociedade civil em Hegel, Bobbio propõe que a “sociedade civil hegeliana representa o primeiro momento de formação do Estado, o Estado jurídico-administrativo que tinha como tarefa regular relações externas, enquanto o Estado propriamente dito representa o momento ético-político, cuja tarefa é realizar a adesão íntima do cidadão à totalidade de que faz parte, tanto que poderia ser chamado de Estado interno ou interior.” Em outras palavras, Mais que uma sucessão entre fase pré-estatal e fase estatal de eticidade, a distinção hegeliana entre sociedade civil e Estado representa a distinção entre um Estado inferior e um superior. Enquanto o último é caracterizado pelos poderes constitucionais, o primeiro opera através de dois poderes jurídicos subordinados – o poder judiciário e o poder administrativo. [...] as categorias hegelianas têm sempre, além de uma função sistemática, também uma dimensão histórica: são ao mesmo tempo partes interligadas de uma concepção global da realidade e figuras históricas. (BOBBIO, 2005, p.32). No entanto, para Hegel a sociedade civil não compreende mais o Estado na sua globalidade, mas apenas um momento no processo de formação do Estado. Hegel restabelece plenamente a distinção entre Estado e sociedade civil, mas põe o Estado como fundamento da sociedade civil e da família, é o Estado que funda o povo em oposição à concepção democrática. É o Estado que triunfa sobre a sociedade civil, absorvendo-a, em clara oposição a Rousseau. Para ele o Estado é personificado pelo monarca, havendo uma continuidade com o velho absolutismo, amenizado pela visão da monarquia constitucional. Finalmente, Hegel propõe o Estado neutro e racional – uma entidade racional em si mesma à qual a sociedade civil estaria subordinada. Contrário a Rousseau, que propõe o Estado liberal e o contrato social, Hegel não acredita que o Estado License-535606-59359-0-5 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE nasça de um simples contrato social, mas de um longo processo histórico em que os interesses de classe são fundamentais. License-535606-59358-0-2 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE O estado como instituição: uma leitura das “obras históricas” de Karl Marx e Friedrich Engels Contemporâneos do Hegel, Marx e Engels, ao contrário das idéias hegelianas que se preocuparam em teorizar sobre a tipologia das formas de governo por meio de revisão de clássicos, Marx, mais do que Engels, nunca se preocupou em debater tal tipologia, mas sim construir o que ele denominou de “crítica da política” em medida que se apropriou da derivação da expressão sociedade civil hegeliana como tema inexoravelmente ligado ao Estado ou ao sistema político. Assim, Marx, redefinindo Hegel, faz da sociedade civil o lugar das relações econômicas, ou seja, das relações que constituem “a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política” e, por isso, sua anatomia deveria ser buscada na economia política. A sociedade civil seria o conjunto de relações interindividuais (entre indivíduos) que estão fora, ou antes, do Estado e desta forma pré-estatal, assim como os escritores do direito natural. Entretanto, Bobbio ressalta que na tradição jusnaturalista a sociedade civil se identifica com o próprio Estado, ou seja, a entidade antitética ao estado de natureza. Para o autor, a transposição do significado da expressão “estado da natureza” para a tradicionalmente a ela contraposta “sociedade civil” se configura quando o significado desta se refere à sociedade burguesa, tendo por sujeito histórico a burguesia, classe que se emancipou do Estado absolutista e colocou em oposição ao Estado tradicional os direitos do homem e do cidadão. Esquematicamente pode-se representar, de um lado, a tradição jusnaturalista - um estado de natureza hipotético - sociedade natural versus sociedade civil; do outro lado, Marx - estado da realidade histórica da sociedade burguesa - sociedade civil versus Estado. Em comum, identificamos a figura do homem egoísta como sujeito. Marx e Engels fizeram opção em analisar o conceito de Estado por meio do desenvolvimento da concepção liberal e democrática-burguesa de tal elemento. Marx e Engels consideravam o Estado moderno, a maior organização política que a humanidade conhece unitário dotado de um poder próprio independente de quaisquer outros poderes, poder esse que é exercido sobre um território e um conjunto demográfico. Três características diferem esse Estado dos Estados do passado: License-535606-59358-0-2 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE 1. Plena soberania, que não permite que sua autoridade dependa de nenhuma outra autoridade; 2. Distinção entre Estado e sociedade civil; e 3.Identificação absoluta entre o Estado e o monarca. A essência do pensamento de Marx reside no fato de que O Estado compreende dois aspectos distintos analiticamente e situados em níveis diferentes de abstração: ele é, de um ponto de vista mais geral e abstrato, uma estrutura de poder que concentra, resume e põe em movimento a força política da classe dominante. A teoria marxista da política implica, portanto, numa rejeição categórica de uma determinada concepção segundo a qual o Estado seria o agente da “sociedade como um todo” e do “interesse nacional”. Bobbio traz alguns elementos centrais para o debate acerca da “teoria marxista do Estado”: 1. Bobbio chamou a atenção para a ausência, no interior do pensamento político de Marx, de um tratamento mais aprofundado do "problema das instituições“; 2. Ao insistir na natureza de classe do poder de Estado, os clássicos do marxismo não tematizaram os diversos "modos" pelos quais esse poder pode ser exercido; 3. Essa forma de abordagem teve repercussões negativas sobre sua "teoria das formas de governo", já que eles sempre estiveram preocupados com o "quem" da dominação política e não com o "como": numa sociedade dividida e estratificada em classes, o governo, qualquer governo, sob qualquer "forma" (seja "democrática", seja "ditatorial"), estaria sempre voltado a cumprir os interesses gerais da classe dominante. Segundo Bobbio (1988), os atrasos, lacunas e contradições da ciência política marxista, nesse particular, tornaram mesmo difícil o desenvolvimento de uma reflexão mais articulada a respeito da forma de organização do Estado socialista — a “ditadura do proletariado” — e de suas instituições específicas. Ao contrário, o que se pode encontrar nas suas obras principais são: 1. Ou conceitos no "estado prático", isto é, presentes em toda argumentação mas não teoricamente elaborados (pois foram pensados para dirigir a atividade política revolucionária numa conjuntura concreta); 2. Ou elementos de conhecimento teórico da práxis política e da superestrutura do Estado não inseridos, entretanto, num discurso ordenado; 3. Ou, ainda, uma concepção implícita do lugar e da função da estrutura política na problemática marxista — mas não um tratamento "orgânico" do problema do Estado. License-535606-59358-0-2 ESTUDO DE CASO EM HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE Isso, contudo, não impediu que a partir do conjunto dos trabalhos de Marx — sejam os textos sobre a economia capitalista, os textos de luta ideológica ou os textos políticos propriamente ditos (de análise ou de combate) — se pudesse elaborar e construir uma “teoria do Estado capitalista”. Bobbio discorre sobre a concepção negativa do Estado em Marx fundamentada
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