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1 ESTELIONATO SENTIMENTAL: COMO O DIREITO PROTEGE O SENTIMENTO ALHEIO. ESTELLIONATE SENTIMENTAL: HOW THE LAW PROTECTS THE FEELING OF OTHERS. Larissa Gabrielly Siqueira Torres1 Thiago da Silva Viana2 Resumo: O presente artigo tem como principal objetivo apresentar uma modalidade de estelionato que vem tendo altos índices de acontecimentos nos últimos anos, na esfera penal. Esta configuração de estelionato sentimental se dá através da violação de princípios constitucionais, como o princípio da boa-fé, princípio da afetividade, entre outros. Este trabalho busca entender o estelionato sentimental, como ele se dá quais suas consequências jurídicas e apresentar casos já em julgamento. A metodologia de pesquisa utilizada foi através de pesquisas bibliográficas, documentais e entrevistas as vítimas deste crime. Palavras- chave: Estelionato; Abuso de confiança; Relacionamentos. Abstract: The main objective of this article is to presente a type of embezzlement that has had high rates of events in recente years, in the criminal sphere. This configuration of sentimental embezzlement occurs through the violation of constituonal principles, such as the principle of good Faith, the principle of affectivity, among otheres. This work seeks to understand sentimental embezzlement, how it occurs and its legal consequences, and to presente cases already under trial. The research methodology used was through bibliographic reserarch, documents and interviews with victims of this crime. Keywords: Embezzlement; Abuse of trust; Relationships. 2 Mestrando em Sociologia e Direito (UFF/RJ). Professor de Direito Penal I (Teoria do Crime), Direito Penal III (Crimes em Espécie), Direito Penal V (Leis Penais Especiais), Direito Civil VII (Responsabilidade Civil), Oficina Jurídica III, do curso de Direito da Faculdade Católica de Rondônia. Advogado. Endereço eletrônico: < thiago.viana@fcr.edu.br >. ) 1 Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Católica de Rondônia. - FCR. Endereço eletrônico: larissa.torres@sou.fcr.edu.br [Digite texto] 2 INTRODUÇÃO O estelionato próprio ocorre quando alguém obtém vantagens ilícitas por meio de fraude. No Código Penal, este delito é redigido em seu art. 171. O conceito de estelionato sentimental não é muito diferente, somente se utiliza de confiança conquistada por meio de relacionamentos. Para conseguir êxito, o estelionatário cria ilusões de um relacionamento perfeito para a vítima e assim conquista a confiança da mesma, para aplicar golpes. Esta modalidade de estelionato não é analisada só pela vista penal, mas também, pela civil, já que existe a obrigação de reparação dos danos. O agente aproveita-se da vítima estar apaixonada ou até mesmo por considera-lo como um grande amigo, confiando estritamente e assim começa a solicitar ajudas financeiras, como empréstimos, prometendo pagar posteriormente. Além desta ajuda em dinheiro, pode ser solicitado pelo estelionatário, que a outra parte deixe o comprar carros, casa, utilizarem cartões de créditos em nome da vítima, garantindo-a que será recompensada. A vítima após descobrir que sofreu um golpe, evita fazer denúncia por inúmeros fatores, como a falta de conhecimento de que tal crime possui possibilidade de reparação na justiça, ou até mesmo por vergonha de ter sua vida pessoal exposta, além de admitir para si mesmo que tudo não passou de farsa. Apesar de a vítima ter conhecimento dos atos do agente, dar consentimento para que o estelionatário utilize seu nome, ainda assim, se trata de um crime. E é possível, sim, buscar a reparação desses danos na esfera civil, como também buscar penalidades para o agente na esfera penal. Está modalidade ainda é muito pouco conhecida, mas acredita-se que é possível usar do emocional e do afetivo para a prática de atos ilegais. Um processo julgado recentemente abordou esta nova denominação. Este tema vem chamando muito a atenção do judiciário, que propôs um projeto de lei, para inserir ao art. 171 do Código Penal, um inciso para tratar a respeito deste delito. [Digite texto] 3 Em 2020, com a pandemia do COVID-19, os casos desta modalidade de estelionato sentimental, aumentaram mais de 50%, é um dos maiores fatores de crescimento deste delito, é o maior uso diário e constante das redes sociais neste período que estamos vivendo em vulnerabilidade e carência das vítimas. A metodologia utilizada para a abordagem do tema foi através de textos bibliográficos, documentários, artigos científicos, livros, revistas e entrevistas com algumas das vítimas deste crime. Buscando demonstrar como o nosso ordenamento jurídico, pode trazer mais segurança e proteção para tais vítimas. 1. ESTELIONATO SENTIMENTAL 1.1 Conceito O termo estelionato por si só já nos demonstra o conceito do estelionato sentimental. Que ocorre quando uma fraude é praticada, induzindo alguém ao erro com a finalidade de adquirir proveitos ilícitos para si próprios ou para outros. O estelionato sentimental ocorre quando uma pessoa se aproveita de uma relação, que há confiança, criando ilusões, demonstrando existir um relacionamento perfeito, para adquirir vantagens ilícitas à custa do outro. Segundo o entendimento do doutrinador Hewdy Lobo , o estelionato sentimental3 é definido através da confiança existente entre um casal, no qual um dos envolvidos no relacionamento usa-se de meios ilícitos para que obtenha vantagens ilícitas para outro ou para si mesmo. Para a consumação do estelionato sentimental é indispensável que seja evidenciado lesões materiais causados através da relação. Este delito está descrito no art. 171 do Código Penal, que diz: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”. 3 LOBO, Hewdy. O que é Estelionato Sentimental e como a Psiquiatria Forense pode contribuir? 2017. Disponível em: https://lobo.jusbrasil.com.br/artigos/417120168/o-que-e-estelionato-sentimental-e-como-a-psiquiatria-for ense-pode-contribuir. Acesso em 27 de setembro de 2021. 2017. p. 01. [Digite texto] 4 O estelionato sentimental se originou por meio de um processo que ocorreu em Brasília, em uma vara cível, onde o réu foi condenado a ressarcir sua ex-namorada pelo pagamento de inúmeras contas que teria pagado em favor do réu. O magistrado deste caso de origem, afirmou que apesar de, em uma relação, a aceitação de ajuda financeira ser aceitável, sem ser considerada como conduta ilícita, mas, a partir do momento em que ocorrer violação da boa-fé, pode vir a decorrer em ilicitude, havendo a obrigação de indenização. A partir deste julgado que situações como tal, passaram a chamar a atenção do judiciário, que passou a discutir a denominação estelionato sentimental, buscando resguardar as relações afetivas que até então não eram protegidas no âmbito do Direito. 1.2 O que configura o estelionato sentimental Através do namoro, presumimos que exista lealdade, fidelidade, parceria, respeito, cumplicidade, afinal, é uma relação configurada como o início da vida em comum, que posteriormente se consolidará por meio de casamento, união estável. No entanto, no momento no qual um dos envolvidos na relação, utiliza-se desta presunção tirada do vínculo sentimental, de forma intencional para tirar vantagens do outro, ocorre a possibilidade de responsabilização civil e penal a depender do caso concreto. O criminalista Greco nos diz que a partir do momento em que apareceram as4 relações sociais, o homem utiliza-se de fralde para simular seus reais sentimentos, escondendo a verdade, para obter benefícios impróprios. Para o doutrinador Nelson Gonçalves , o autor do estelionato afetivo é de fato5 um ator, que se utiliza da relação sentimental para praticar golpes, o autor acrescenta: “Eles são falsários, pilantras, bandidos, criminosos como os demais ao pé da lei, mas a diferença é que praticam a fraude com requinte sentimental. 5 GONÇALVES, Nelson. Como age o estelionatáriosedutor? JCNET: São Paulo, 2014. Disponível em: < https://www.jcnet.com.br/Policia/2014/08/como-age-o-estelionatario-sedutor.html> Acesso em: 27 de setembro de 2021. 2014. p. 01. 4 GRECO, R. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 11 Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. Acesso em: 27 de setembro de 2021. 2014. p.236. [Digite texto] 5 E, para tanto, se valem de uma lábia vigarista que impressiona, por vezes, os mais criativos roteiristas de cinema”. Este delito será configurado, de acordo com o escritor Santo , quando uma das6 partes do casal, tem o objetivo de atingir privilégios indevidos, causando prejuízo de outrem, incentivando ou induzindo alguém ao erro, mediante artifícios. Já o doutrinador Parodi configura, o que para ele chama-se de dano do amor, como uma lesão civil, que não fica marcado apenas pela mágoa, pela decepção do rompimento do relacionamento, pois causa repercussões patrimoniais e jurídicas. Relacionamentos, quando acabam, provocam sentimentos árduos para os envolvidos ou pelo menos a um deles. Quando ocorre o estelionato emocional, não causa somente a dor do término do relacionamento, acarreta em danos morais, psicológicos, além dos danos materiais. 1.3 Como identificar A identificação deste delito é um desafio, afinal, pode- se passar a ideia de uma ajuda econômica no andamento do relacionamento, no entanto, é indispensável diferenciar o que é a ajuda mútua entre ambas as partes em um relacionamento e o que é danos materiais intencionalmente causados por um dos envolvidos na relação. Um dos fatores que esperamos em uma relação é a ajuda mútua, o que podemos chamar de via de mão dupla. Segundo a autora Marcela Oliveira , para termos um7 relacionamento satisfatório, é necessário, respeito, carinho, amor, flexibilidade, diálogo, amizade, paciência, harmonia, confiança, etc. Quando existentes esses fatores, não se trata do delito estelionato sentimental. Para a identificação deste, é necessário prever a ideia de um dos indivíduos que tem 7 OLIVEIRA, Marcela Aline Pereira. Fatores indicados por casais que facilitam ou impedem o relacionamento conjugal satisfatório. Revista Caminhos, 2011. Disponível em:http://siteunidavi.s3.amazonaws.com/revistaCaminhos/humaniadeano2.pdf#page=173. Acesso dia 28 de setembro de 2021. 2011. p. 173. 6 SANTOS, Fábio Celestino dos. Estelionato sentimental – quando o amor paga a conta: a exploração econômica no curso do namoro. Jurisway. 2018. Disponível em: https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=19617. Acesso em 27 de setembro de 2021. 2018. p. 03. [Digite texto] 6 como finalidade gerar frutos por meio da boa-fé, gerando prejuízos ao companheiro, prejuízos estes ilícitos. Há quatro requisitos que são de caráter obrigatório para a caracterização do estelionato sentimental, de acordo com o TJDFT : aquisição de vantagens ilícitas;8 prejuízo à outra parte; uso de meia manipulação; enganar ou induzir alguém ao erro. 1.4 Como Provar Inicialmente, a vítima de estelionato afetivo, deve registrar um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima, com todas as informações que obteve do acusado. Após este registro, deve ser juntado todo o material que possui como prova, mensagens de whatsapp, comprovantes de pagamentos de boletos, comprovantes de transferências bancárias, extratos de cartão de crédito, e-mails, para que possa assim, procurar um advogado para entrar com o processo com a finalidade de ressarcimentos e condenação do acusado. 2. ILÍCITO PENAL OU APENAS ILÍCITO CIVIL? Atos ilícitos ocorrem em todos os ramos do direito, mas se tratando do estelionato sentimental, se encontra prescrito tanto no ilícito civil quanto no penal. Ilícitos civis são todas aquelas atividades antijurídicas ou omissão destas atividades, em regra, culpável e lesiva, cabendo assim à responsabilidade de ressarcir danos. Já o ilícito penal, envolve atividades ou omissão ilegal, típica e culpável, além dos elementos essenciais, tipicidade e culpabilidade. Tanto ilícito civil quanto o penal, podem decorrer na mesma esfera contratual e extracontratual, o que acontece no estelionato emocional, pois é identificada a 8 TJDFT. Estelionato. 2015. Disponivel em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicaosemanal/estelion ato#:~:text=O%20crime%20de%20estelionato%20exige,a%20leva%2Dlo%20a%20erro. Acesso em 28 de setembro de 2021. [Digite texto] 7 responsabilidade de reparação à vítima, e a responsabilidade de punição, por infringir as normas penais. Para caracterizar a responsabilidade civil, deve haver dois pressupostos, a afronta ao abuso do direito e ao princípio da boa-fé objetiva. No que diz respeito à boa- fé, Cavalieri Filho , nos diz, que é uma conduta necessária para vê-la convívio social,9 com o propósito de que possamos confiar e acreditar, nas condutas do outro. Já no que diz respeito ao abuso do direito, o doutrinador Gonçalves trás que esta afronta ao10 direito se aplica em diversas áreas, a fim de impedir o exercício insociável dos direitos subjetivos. Na esfera penal, o estelionato sentimental, se adequa ao tipo penal descrito no art. 171 do Código Penal. Para que este delito ocorra, não é necessário um relacionamento estável, o que é necessário nestes casos, é que haja apenas uma relação de confiança entre as partes. Importante destacar que quando falamos em relação de confiança, estamos abrangendo inclusive, relações de amizades. Outro ponto importante, é que para se enquadrar como vítima desse delito, não há determinação de gênero, de classe social, de experiência de vida, não há ninguém imune a isso. Segundo GENNARINI , as vítimas deste ato ilícito, são pessoas que passaram11 por traumas sentimentais, seja eles por meio de divorcio, viuvez, relacionamentos que não deram certo, etc. Ainda a respeito disso, ela diz que os estelionatários utilizam-se de ferramentas como reciprocidade por disfarce, sedução, excessos de elogios, entre outras, sendo uma das principais munições o sentimento que a vítima tem, aproveitando desta forma da fragilidade da vítima até que atinja o seu propósito. 11 GENNARINI, Juliana Caramigo . O estelionato sentimental, amoroso ou afetivo: ilícito penal ou apenas um ilícito civil? Revista de direito penal e processo penal. 2020. Disponível em: https://revistas.anchieta.br/index.php/DireitoPenalProcessoPenal/article/view/1737/1543. Acesso em 04 de outubro. 2020. p. 06. 10 GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. Volume IV- 12 ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. Acesso em 04 de outubro de 2021. 2017. p. 68. 9 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2014. Acesso em 04 de outubro de 2021. 2014. p. 214. [Digite texto] 8 Em um relacionamento, deve haver confiança, honestidade, companheirismo, lealdade, quando por meio destes elementos, um dos envolvidos na relação prática com má-fé, querendo resultar de vantagens ilícitas, ocorre o delito de estelionato. O estelionato sentimental, portanto, trata-se tanto de um ilícito civil, quanto de um ilícito penal, pois, se caracteriza por danos causados utilizando de relações amorosas, afetivas, para obter vantagens patrimoniais. Quando por meio dessas relações ocorre a aquisição de vantagens sobre a outra pessoa, sem que seja de forma espontânea, utilizando-se da boa-fé para agir de forma ilícita, é cabível o reparo das perdas sobre a responsabilidade civil. 3. ADEQUAÇÃO AO ART. 171 DO CÓDIGO PENAL A própria expressão estelionato, vem do âmbito criminal, se trata de crime ao patrimônio. O estelionato é uma espécie de fraude e se encontra na parte especial do Código Penal, em seu art. 171, “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. Para a conduta criminal, o núcleo do tipo neste caso, é o “obter”, por significar: ter êxito, adquirir, ganhar, vira ter, conseguir, etc. Quando falamos em obter, estamos tratando especificamente, de conseguir por meio de regalia ilícita, causando prejuízo ao outro. O doutrinador Bitencourt , declara que no crime de estelionato, ocorre dupla12 relação causal, pois há o momento em que a vítima é enganada, sendo o causa; e o momento que o estelionatário alcança seus objetivos indevidos, sendo, portanto, o efeito. Para tipificar um ato ilícito penal, é necessário que a atitude apresente algumas características, descritas no próprio art. 171 do Código Penal, sendo, portanto, a obtenção de vantagem ilícita causando prejuízo alheio, o emprego de táticas para induzir ou manter a vítima em falha. 12 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 10ª edição. Editora Saraiva Jur. 2019. Acesso em 04 de outubro de 2021. 2019. p. 1369. [Digite texto] 9 O atingimento dos benefícios ilícitos se trata de qualquer lucro de maneira não tolerada pela lei, sendo lucros ilegais e indevidos. A perda alheia está relacionada ao fato de alguém sofrer danos patrimoniais ou lucrativos. Estes dois elementos devem estar presentes ao mesmo tempo, para configurar o crime de estelionato. Por fim, a última característica para configurar a prática ilícita penal, é o emprego de táticas para manter ou induzir alguém ao erro, neste caso, nos referiu, a conquista da fidelidade e confiança da vítima, levando a acreditar que o envolvimento é verdadeiro, gerando desta maneira, o erro. Quanto a isto, Greco se manifesta dizendo13 que o homem utiliza da fraude, desde o surgimento das relações sociais, para mascarar seus sentimentos verdadeiros, suas intenções, a fim de obter vantagens indevidas. Manifesta Bitencourt¹² trazendo que este delito se concretiza quando a vítima é induzida ou mantida ao erro e quando ela já se encontra no erro, de forma voluntária ou não, sendo limitada atividade do sujeito e mantendo assim, a vítima em uma situação equivocada. O estelionato possui elemento subjetivo, doloso, e é necessária a verificação do dolo específico, ou seja, quando ocorre proveito ilícito de uma parte, causando prejuízo ao outro, para só assim, configurar o crime de estelionato, previsto no art. 171 do Código Penal. 4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE PREVEEM A REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS 4.1 Princípio da boa-fé Sua origem vem do Direito Romano, onde a sua expressão de conceito da boa-fé era “bona fides”, “fides bona”. Porém, a boa-fé veio ganhar destaque, no direito germânico, onde passou a refletir sobre os cumprimentos das obrigações e deveres 13 GRECO, Rógerio. Direito Penal. Parte especial. Vol. 02. 5° edição. Editora Impetus. 2021. Acesso em 04 de outubro de 2021. 2014. p. 236. BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 10ª edição. Editora Saraiva Jur. 2019. Acesso em 04 de outubro de 2021. 2019. p. 1371. [Digite texto] 10 decorrentes de contratos, além de levar em consideração o interesse da outra parte, no exercício do direito. No final do século XIX, junto com a intervenção estatal, surgiram conceitos, para a função social, ordem pública, interesse público e para a boa-fé. No entanto, após a 2° Guerra Mundial estes conceitos foram alterados, e o que passou a ser mais valioso, foi à dignidade da pessoa humana. O que antes se dizia prever tudo com base na lei, onde o juiz era apenas um espectador, passou a ser um sistema aberto, utilizando-se através do juiz, conceitos de determinadas cláusulas, tornando o magistrado um diretor do processo e não um simples ditador. Uma novidade para o direito privado foi a Constituição Federal de 1988, passar a tratar de princípios em conformidade com a Lei Fundamental, que antes eram tratados somente no Código Civil. Outra mudança em nosso ordenamento foi à separação em âmbitos jurídicos autônomos, deixando assim o Código Civil de ser o centro do ordenamento, passando a haver relação entre ele e demais leis especiais. Esta mudança foi denominada de microssistemas jurídicos. Essa denominação diz respeito às leis que possuem necessidades sociais, diretamente ligados ao civil-constitucional, a nova modernização legislativa, onde buscam igualdade e equilíbrio nas relações jurídicas. Um dos papéis essenciais do Direito, é manter o equilíbrio contratual, buscando junto com o Estado a estabilidade às mais diversas relações, e para garantir esta função, utilizam-se da ferramenta boa-fé. Com essas mudanças em nosso ordenamento jurídico, as parcerias entre as partes nos contratos precisam exercer a boa-fé, para que tenham uma relação justa e equilibrada, estando dispostos a enfrentarem dificuldades que possam vir a ocorrer antes, durante ou depois do fim do contrato. A boa-fé é uma forma de proteção nos contratos, resguardando as partes envolvidas em um contrato, de sofrerem pelas más intenções do outro, protegendo assim, o patrimônio das partes. O doutrinador Sílvio de Salvo Venosa define a boa-fé14 14 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil - Vol. 2 - Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos - 10ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010. Acesso em 05 de outubro de 2021. 2010. p. 379. [Digite texto] 11 objetiva como uma regra de conduta, um dever de agir de acordo com os padrões que são estabelecidos e reconhecidos pela sociedade. Segundo os entendimentos de Flávio Tartuce este princípio é caracterizado15 pela honestidade das partes envolvidas no contrato. Ele ainda relata: [...] dever de cuidado em relação à outra parte negocial; dever de respeito; dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio; dever de agir conforme a confiança depositada; dever de agir com honestidade; dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão. Vale enfatizar, que o princípio da boa-fé objetiva não está relacionado apenas a contratos, ele engloba todas as relações que envolvem pessoas, evitando que ocorra atos ilícitos nas relações e acarrete em prejuízo para alguma das partes, proporcionando consequências na esfera civil ou na penal. O ordenamento jurídico brasileiro proíbe um comportamento distinto daquele esperado entre as partes, pois este comportamento acaba acarretando em ato ilegal, gerando danos e causando discordância nas relações. Assim, além das partes se comprometerem a agir da forma estabelecida, ainda devem manter a conduta até o final, para que não ocorra a frustração entre as partes. 4.2 Princípio da afetividade O princípio da afetividade é ligado diretamente aos direitos familiares, onde esperamos existir afeto entre uns e outros. O afeto é algo primordial em um relacionamento, afinal, as relações, sejam elas entre familiares, casais ou nas amizades, são baseadas nos sentimentos entre as pessoas. O doutrinador Caio Mário da Silva , de acordo com seus entendimentos, alega16 que este princípio não está expresso na Carta Magna, mas, através de análise do art. 5°, §2° da Constituição Federal, passou a ser classificado como princípio jurídico, com a 16 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. 26 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense LTDA, 2018. 15 Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 7. ed. São Paulo: Editora Forense LTDA, 2017 TARTUCE. Acesso em 05 de outubro de 2021. 2017. p. 417. [Digite texto] 12 finalidade de proteger no amor e nas obrigações. Para o Estado, é essencial que exista afeto nas relações sociais, para que haja segurança jurídica, diminuindo desta forma, lides processuais. Não é necessário laços sanguíneos para haver afeto, o próprio convívio entre as pessoas proporciona este sentimento. Para Madaleno , este princípio da afetividade é17 crucial para o convívio entre as pessoas, em razão de diferenciar e demonstrar o significado da vida, quando há carinho e emoções. O escritor Dias , a respeito deste princípio acrescenta:18 A afetividade é o princípio que fundamenta o Direito de Família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia em face de considerações de caráter patrimonialou biológico. O termo affectio societatis, muito utilizado no Direito Empresarial, também pode ser utilizado no Direito das Famílias, como forma de expor a ideia da afeição entre duas pessoas para formar urna nova sociedade, a família. O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes ele uma família. Também tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família, compondo, no dizer de Sérgio Resende de Barros, a família humana universal, cujo lar é a aldeia global, cuja base é o globo terrestre, mas cuja origem sempre será, como sempre foi, a família. O sentimento de afeto acaba gerando expectativa com relação a uns e outros, quando este princípio é violado, acaba gerando problemas, por isso, é um instrumento de grande importância para a sociedade, para que tenha relações jurídicas e sociais de maneira benéfica para todos. Nos tribunais brasileiros, este princípio vem sendo muito debatido ao longo dos anos, pois a reciprocidade de sentir afeto, para muitos, não é uma obrigação, não tendo desta forma, de ser tratada a responsabilidade de reparação, por não entenderem como 18 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10. ecl. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. 2015. p. 62. 17MADALENO, Rolf. Direito de Família. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense LTDA, 2018. [Digite texto] 13 ato ilícito. No entanto, está ideia vem sendo discutida e amadurecida no nosso ordenamento. Este princípio está ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, possibilitando que os danos causados sejam reparados, patrimoniais ou morais, em relações que ocorre a frustação de afeto, seja em âmbito familiar ou até mesmo nas relações amorosas. 4.3 Princípio da dignidade da pessoa humana O princípio da dignidade da pessoa humana é uma garantia das necessidades fundamentais de cada pessoa. É um dos princípios fundamentais e se encontra previsto no artigo 1°, inciso III da Constituição Federal. Ana Paula de Barcellos ,conceitua este princípio como um fenômeno19 preliminar à ordem jurídica, baseado em identificar às pessoas um valor intrínseco e a individualidade dos direitos, independente de qualquer ordem pública. Para garantir a ordem e a pacificidade no nosso ordenamento, foram criadas ao longo dos anos, formas de organização, para assegurar confiança à convivência das pessoas como sociedade. Uma destas criações se trata da dignidade da pessoa humana, tendo como objetivo garantir vida digna. Conforme o entendimento dos autores, Pamplona e Stolze , este princípio20 possui um valor simbólico para a vida, por buscar garantir a honestidade nas relações, atribuindo, desta forma, bem estar para todos. A dignidade da pessoa humana não se define somente na constituição brasileira, na Declaração Universal da ONU, em seu art. 1°, abordar este princípio dizendo que todos nascem livres e possuindo dignidade e direitos iguais, providos de consciência e razão, devendo agir em espírito de fraternidade uns com os outros. 20 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Direito de Família. 9. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2019. Acessado em 06 de outubro de 2021. 19 BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro. Forense, 2019. Acesso em 05 de outubro de 2021. [Digite texto] 14 Apesar de já ter sido mencionada a expressão acerca da dignidade da pessoa humana, na Constituição Federal de 1934, como “a todos existência digna”, somente na atual Constituição, que veio a se tornar um fundamento constitucional, fazendo parte do rol de direitos individuais. Acrescenta Sarlet :21 Consagrando expressamente, no título dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado democrático (e social) de Direito (art. 1º, inc. III, da CF), o nosso constituinte de 1988 – a exemplo do que ocorreu em outros países, na Alemanha -, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio estado, reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não ao contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal. Portanto, este princípio retrata a importância das pessoas para a construção de uma sociedade, a partir de limites que possuem como objeto a não causar danos entre os indivíduos. Importante ressaltar, que devem seguir os limites estabelecidos, tanto o Estado quanto à sociedade, com o intuito de não violar este princípio, protegendo as pessoas ainda, através de normas jurídicas e condutas sociais. No que tange à proteção do estado, diz respeito diretamente a preservação da integridade moral e física, havendo uma análise em casos que é possível ocorrer a necessidade de uma reparação de danos materiais e imateriais, em casos de violação deste princípio. 5. RELACIONAMENTOS SEM PROTEÇÃO JURÍDICA Antes de falarmos do relacionamento sem proteção jurídica, é importante sabermos a respeito das relações que são protegidas pelo nosso ordenamento. O Código Civil de 2002 trata de algumas das relações na qual é protegida por ele, de forma patrimonial ou financeira. A união estável, o casamento são grupos que possuem uma ampla proteção, procurando evitar que sejam causados danos entre uns e outros na relação familiar, esta 21 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. Acesso em 06 de outubro de 2021. 2007. p. 66. [Digite texto] 15 proteção vem tanto da Constituição Federal, quanto do Código Civil. No entender do doutrinador, Flávio Tartuce , estas instituições monoparentais são relações afetivas que22 dão suporte para a sociedade de maneira essencial para o direito familiar. Quando tratamos acerca do casamento, o ordenamento jurídico antes da sua concretização, já estabelece uma forma de segurança jurídica, os regimes de bens, que são: comunhão universal de bens, que é engloba todos os bens, mesmo os adquiridos antes do casamento; comunhão parcial de bens, somente os bens adquiridos durante o casamento; separação legal, não há de se falar em bens; e participação final nos aquestos, cada um possui seu próprio patrimônio e somente na dissolução, ocorre à divisão dos bens adquiridos pelo casal durante o casamento. Gonçalves , a respeito da eficácia do casamento ele diz:23 O primeiro e principal efeito do casamento é a constituição da família legítima. Ela é a base da sociedade conforme estatui o art. 226 da Constituição Federal que reconhece também a união estável como entidade familiar. Só o casamento, porém, constitui a família legítima. A união estável está prevista no artigo 1.723 do Código Civil e no artigo 226, § 3° da Constituição Federal, cada vez mais este instituto vem ganhando forma quando nos referimos à entidade familiar, este vínculo é gerado pela convivência contínua, pública e duradoura com o intuito de constituir uma família. Na união estável, o regime de bens é a comunhão parcial de bens, ou seja, abrange somente o patrimônio que foi adquirido durante o casamento, isto é, se não tiver sido estabelecido um contrato escrito anteriormente. Existem relações que não possuem proteção, tendo como exemplo, o namoro. Pois se trata de uma relação que apesar de haver laços afetivos, existe autonomia de vontade entre as partes, não tendo como principal objetivo a construção de uma família. 23 GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito de família. V. 2/ Carlos Roberto Gonçalves. 13. ed. Ver. São Paulo: Saraiva, 2008. Acessado em 06 de outubro de 2021. 2008. p. 57. 22 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família, 14. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense LTDA, 2019. Acessado em 06 de outubro de 2021. [Digite texto] 16 O namoro tem como características a liberdade, sem obrigações legais, patrimoniais e financeiras. Além do namoro, existem outras relaçõesque não possuem proteção alguma em nosso ordenamento, como os casos ou ficantes, pois se tratam de relações passageiras, que não configuram amor ou afeto entre as partes, sendo somente um acordo entre as partes, por um curto prazo de tempo. Os doutrinadores Farias e Rosenvald , a respeito deste assunto, nos diz que o24 namoro passa pela modalidade de relacionamento sentimental entre duas pessoas, que possuem um grau de envolvimento inferior ao do casamento, sendo considerado como um pré-requisito para o noivado e posteriormente ao casamento. O namoro, portanto, até o atual momento, no nosso ordenamento jurídico não possui proteção, por não ser caracterizado pela esfera familiar, sendo configurada apenas como vontade entre as partes de estarem junto, com a presença de amor ou afeto, como uma pré-condição estabelecida para se conhecerem melhor, para que talvez no futuro venham a querer constituir uma família. 6. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS O estelionato afetivo é um crime que merece total atenção jurídica e que pode gerar consequências em uma ação penal, além da obrigação da reparação dos prejuízos na esfera civil. Este delito se trata de uma inovação no nosso ordenamento jurídico, que passou a ocorrer após a sentença do juiz Luciano Mendes, na 7° vara cível de Brasília, em 2014, onde foi fixada a sentença de obrigação de indenização por danos materiais por violação do princípio da boa-fé. É comum que em relacionamentos, ocorra ajuda entre as partes, ajudas estas que podem ser afetivas ou não, sendo também auxílio financeiro. O que diferencia esta simples ajuda do estelionato sentimental, é a violação do princípio da boa-fé, juntamente com a utilização da relação emocional para obter vantagens ilícitas. 24 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direito das famílias. 4. ed. Salvador: Editora JusPODIVM. 2012. Acesso em 06 de outubro de 2021. 2012. p. 27. [Digite texto] 17 Castro correlaciona o relacionamento normal com a relação dos animais, pois25 estas são compostas por igualdade e contribuição igual perante a um casal. Para ele o estelionato emotivo se envolve na relação como um parasita, onde um dos envolvidos na relação utiliza-se da esfera sentimental para tirar vantagens para si. Um exemplo conhecido por todos, seria o golpe do baú, onde possui a finalidade de ganhos ilícitos por meio de herança, onde já se entra no relacionamento, com o objetivo de garantir vantagens. O estelionato é caracterizado também quando o agente inicia o namoro com a ideia de praticar ato ilícito para garantir ganhos financeiros. Os principais requisitos para o estelionato sentimental é a violação do princípio da boa-fé e o propósito de aproveitar-se dos afetos das outras pessoas para garantir êxito no ato ilícito. Porém, o simples fato de haver reparação de danos materiais e indenizações morais e materiais, não caracteriza o estelionato afetivo, como de fato um estelionato. O estelionato sentimental, penalmente punível, ocorre quando por trás da conduta exista um grupo organizado ou indivíduo que possua experiência em aplicar este tipo de golpe mediante a utilização do sentimento. De acordo com o entendimento do doutrinador Oliveira Junior quando existente alguma destas presenças, fica legível26 a caracterização da conduta descrita na norma própria do estelionato, prevista no art. 171 do Código Penal. Este crime tem suas consequências jurídicas principalmente na esfera civil, mas em casos isolados pode acarretar na punição na esfera penal. A prática deste delito gera várias ações jurídicas, a mais comum delas, a indenização, podendo gerar sanções penais pela prática deste. 7. PROJETO DE LEI N. 6.444/2019 26 OLIVEIRA JUNIOR, Egnaldo dos Santos. Estelionato sentimental: a responsabilidade civil pela exploração econômica no curso do namoro: quando o amor paga a conta. 2017. Acesso em 07 de outubro de 2021. 25 CASTRO, Maria Luísa de. Estelionato sentimental: uma nova abordagem de responsabilidade civil frente às relações afetivas não protegidas juridicamente/ Maria Luisa de Castro– Cacoal/RO: UNIR, 2016. Acesso em 07 de outubro de 2021. [Digite texto] 18 Foi publicado um projeto de lei pela Câmara dos Deputados, com a finalidade de alterar o artigo 171 do Código Penal, para incluir sobre o estelionato sentimental. Este projeto de lei é o n° 6.444, de 2019. Neste projeto o artigo 171 do Código Penal passaria a ser: “Art.171-..................................................................................... ...................................................................................................... §2º............................................................................................... ...................................................................................................... Estelionato sentimental VII - induz a vítima, com a promessa de constituição de relação afetiva, a entregar bens ou valores para si ou para outrem. ........................................................................................... Estelionato contra idoso ou pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato. § “4º Aplica-se a pena em dobro se o crime for cometido contra idoso ou pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato.” (NR) Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. A justificativa para a aprovação do mencionado projeto é com base no crescente número de casos em que pessoas se aproximam de outros a fim de tirar vantagens ilícitas, se aproveitando da fragilidade sentimental. Induzir alguém ao erro ou mantê-lo no erro, são característica do estelionato. Já o conceito de sentimental se trata da capacidade de termos sentimentos positivos ao outro, sentimento este que é vinculado a confiança, fidelidade, honestidade, no momento em que esses elementos são violados, ocorre o estelionato sentimental. Vale ressaltar, que esta espécie de estelionato, se trata de prejuízo material, moral e psicológico. [Digite texto] 19 8. ACONTECIMENTOS REAIS: ENTREVISTAS Duas vítimas deste crime disponibilizaram-se para entrevista, realizada via formulário e pelo aplicativo whatsapp. Tatiana Carli Mota e Mariana Thomaz expôs27 28 seus ex-companheiros, no ano de 2020, e desde então estão dispostas a compartilhar suas experiências. Tatiana Carli Mota, 37 anos de idade, Graduada em Administração, atuando como analista de planejamento na empresa Copa Energia. Conheceu o ex-companheiro em 2020, por meio de um aplicativo de relacionamento, na cidade de São José dos Campos, durante a pandemia, enquanto visitava sua avó. O agente trabalhava como motorista de aplicativo. Antes de oficializar o relacionamento, saíram por alguns meses, até novembro de 2020, quando o agente visitava a vítima em São Paulo, onde residia, até que ele o propôs de ir morar com ela, solicitando, no entanto, uma ajuda financeira alegando que em São Paulo voltaria a trabalhar e devolveria a quantia emprestada. O relacionamento durou cerca de quatro meses. A vítima esclareceu que no início do relacionamento, ele fazia de tudo para lhe agradar, dizia que gostaria de passar o resto de suas vidas juntos. Alega também que as “ajudas financeiras” começaram a ocorrer aos poucos e sutilmente, iniciou pedindo para que a vítima pagasse as contas, a fatura do cartão de crédito, com a justificativa de que era para arcar com o conserto do carro, para que ele pudesse voltar ao trabalho, inclusive, passou a pagar a pensão da filha do agente. Tatiana acreditava que por estarem juntos, ela deveria ajudá-lo, o que a advogada da mesma, informa que isso acontece como manipulação. Ela ainda alega que durante o relacionamento, cedeu várias vezes para que o relacionamento prosseguisse, pois estava apaixonada e muito envolvida e ele fazia ela se sentir na obrigação de ajudá-lo já que 28 Vítima de Estelionato Sentimental:Mariana Thomaz. Entrevista concedida a mim no dia 28 de outubro de 2021. 27 Vítima de Estelionato Sentimental: Tatiana Carli Mota. Entrevista concedida a mim no dia 28 de outubro de 2021. [Digite texto] 20 ele tinha se mudado de cidade para ficar com ela. Informa que as brigas no relacionamento começaram a ocorrer após ela passar a negar a dar dinheiro para ele. Ela declara que houve um prejuízo de mais de 30 mil reais e que se separou dele mesmo, ele ainda estando a devendo, pois ele passou a ser agressivo, sempre a ameaçando e querendo mais dinheiro. Tatiana não tem contato com o agente desde março de 2021, apesar dele ainda procurá-la, indo até mesmo à casa dela. A mesma ainda esclarece que já chamou a polícia em uma dessas procuras inesperadas, inclusive, acionando o botão de pânico, que não obteve resposta. Esclarece que passou a desconfiar do ex- companheiro quando começou a notar incoerências nas falas e nas ações, e sempre que era questionado, havia uma explicação. Tatiana ainda diz: “esse é um ponto muito importante, acredito que eu e as mulheres29 devemos nos atentar a esses detalhes, parecem simples mal entendidos, mas são sinais de golpe. Para quem não tem o hábito de mentir e enganar, não identifica isso no outro e essa característica é facilmente identificada pelo criminoso”, Tatiana informa que ao começar a desconfiar, ela não queria acreditar, preferia acreditar que tudo era mal entendido, mas ao cair na real, o pavor tomou conta de si, por se sentir usada e abandonada com muitas dívidas. Após se dar conta da situação, a vítima ficou fisicamente e psicologicamente abalada, chegando a perder mais de dez quilos neste período, precisando de ajuda psiquiátrica e psicológica. Ao procurar pela justiça, a vítima informa que já nas delegacias especializadas, eles a diminuíram, falando coisas como, por exemplo, “ele fez isso para chamar sua atenção”. Tatiana alega: “parecem querer diminuir o problema e dificultar a queixa, e pior, culpar a vítima. Eu só consegui registrar a queixa, por estar acompanhada da minha advogada. Quem vai sem apoio, volta pior e mais desamparada do que foi”, ela ainda diz a respeito: “a justiça e os trabalhadores da justiça são hostis, deixando tudo muito mais doloroso”. Mariana Thomaz, 38 anos de idade, Advogada. Conheceu o criminoso em uma festa em Ilhabela, Sea Club, no final de 2019. Ela informou que no início do 29 Vítima do Estelionato Sentimental: Tatiana Carli Mota. Entrevista concedida a mim no dia 28 de outubro de 2021. [Digite texto] 21 relacionamento, ele era muito prestativo, dizia ser rico, viajado e contava várias histórias interessantes. Até o momento em que ela começou as descobertas, descobrindo que ele utilizava de um sobrenome que não era dele e que até mesmo o carro que ele dizia ser dele, era alugado. Ela esclarece que a partir deste momento a relação deles passou a ser um relacionamento abusivo, que algumas vezes foi necessário ele sair de lugares por excesso de ciúmes da parte dele. Mariana define o agente como uma grande farsa. O relacionamento de Mariana com o criminoso durou cerca de cinco meses e os pedidos, ou melhor, os avisos de que ele iria utilizar das coisas da vítima, já que ele nem sequer pedia, somente avisava. A vítima só percebeu que tal situação se tratava de um crime, no momento em que ele foi embora da casa dela, pois foi neste momento que ela teve a oportunidade de pesquisar sobre o agente. Antes ela não conseguia, pois o criminoso mexia em seu celular e inclusive, a rastreava. A vítima alega que para ela não foi difícil fazer a denúncia, pois ela tinha o apoio de um grupo de vítimas do estelionato amoroso, o que a ajudou. No entanto, ela esclarece que ao saber da situação se sentiu péssima, levando um tempo para se recuperar. Mariana a respeito do auxílio prestado pela justiça, diz: “a justiça não ajudou30 em nada, pois conseguimos chegar à televisão para expor as ameaças e as coisas que ele nos fez, conseguimos o fazer ir preso, porém, o juiz do caso facilitou muito a vida dele”. Ela ainda explica, que: “a justiça jamais foi feita em seu caso, pelo contrário, hoje penso que me atrapalhou bastante. Gostaria de ter deixado para lá, pois foi um caminho complicado passar por tudo isso, correr atrás de fazer o bem e acabar sendo colocada no chão pela justiça. Afinal, agora ele está solto e pode fazer o que quiser com as vítimas”. Tatiana finaliza dizendo que “gostaria de ressaltar que mesmo com toda a31 minha vivência e conhecimentos eu cai na lábia de um golpista, isso pode acontecer com qualquer pessoa e a culpa nunca é da vítima”. Já Mariana, ressalta que: “as 31 Vítima de Estelionato Sentimental: Tatiana Carli Mota. Entrevista concedida a mim no dia 28 de outubro de 2021. 30 Vítima de Estelionato Sentimental: Mariana Thomaz. Entrevista concedida a mim no dia 28 de outubro de 2021. [Digite texto] 22 mulheres precisam se fortalecer e se unir para entender que a justiça infelizmente não vai te dar respaldo nenhum, então, só nos resta nos apoiarmos. Nesse caminho que temos trilhado, recebemos inúmeras críticas como se nós fossemos culpados. Mas vítima é vítima”. CONCLUSÃO Diante do exposto, concluímos que o estelionato afetivo se configura pela prática de atos ilícitos em relações amorosas e emocionais, onde uma das partes tem o intuito de utilizar-se da situação para tirar vantagens ilegais. Foi a partir de um processo que correu no Tribunal de Justiça do Distrito Federal que este crime passou a ser exposto ao mundo jurídico. Buscando atualmente a aprovação de uma lei para configurar o estelionato amoroso como um tipo do art. 171 do Código Penal. O estelionato afetivo não se configura apenas com o auxílio financeiro e a decepção amorosa, e sim com a comprovação dos atos ilícitos, a fim de tirar proveito de uma das partes mediante fraude. Em casos de vítimas trazidos neste artigo, é visível a falta de auxílio da justiça atualmente, nos casos deste crime que acaba sendo “novo”, tanto para nós como sociedade, quanto para o nosso ordenamento jurídico. Uma forma de mudarmos este cenário seria a aprovação do projeto de lei, tornando este delito, um crime de fato e dando informações de como este crime ocorre e como pode ser solucionado, dando suporte às vítimas. REFERÊNCIAS BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro. Forense, 2019. 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Notícia completa no link: https://www.google.com.br/search?q=quem+nasce+em+brasilia+%C3%A9+&ie=utf-8 &oe=utf-8&client=firefox-b&gfe_rd=cr&ei=jTlUWJOSGo_28Afj7auoDA#q=ex-namo rado+ter%C3%A1+que+ressarcir+v%C3%ADtima+de+estelionato+sentimental. Acesso em 27 de setembro de 2021. TJDFT. Estelionato. 2015. Disponivel em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edica o-semanal/estelionato#:~:text=O%20crime%20de%20estelionato%20exige,a%20leva% 2Dlo%20a%20erro. Acesso em 28 de setembro de 2021. TJ-SP - AC: 10120672020188260011 SP 1012067-20.2018.8.26.0011, Relator: Celso Pimentel, Data de Julgamento: 25/06/2020, 28ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/06/2020. Acessado em 08 de outubro de 2021. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil - Vol. 2 - Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos - 10ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010. Acesso em 05 de outubro de 2021. [Digite texto]
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