Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ODETE MEDAUAR processualidade no direito administrativo N.Cham. 341.3 M488p 1993 Titulo: A processualidade no direito administrei Autor: Medauar, Odete In 111 1 1111 111 11 00145096 Ex.2 PUCPR — BC ODETE MEDAUAR A PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Medauar, Odete A processualidade no direito administrativo / Odete Medauar. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993. Bibliografia. ISBN 85-203-1144-X 1. Direito administrativo 2. Processo administrativo I. Título. 93-2141 CDU-35 índices para catálogo sistemático: 1. Direito administrativo 35 EDITORA [IV REVISTA DOS TRIBUNAIS A PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO ODETE MEDAUAR RONTiFíCIA UNIVERSIDADE CATÕLICA DO PARANÁ — P1JC/PR BIBLIOTECA Reg. N9 J r_ v ,u • Origem: er 2 Data2P..?.1.11- Direção Editorial: Afro Marconde3 dos Santos Direção Gráfica: Enyl Xavier de Mendonça Capa: Márcia © desta edição: 1993 EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA. Rua Conde do Pinhal, 78 — Caixa Postal 678 Tel. (011) 37-2433 — Fax (011) 37-5802 CEP 01501-060 — São Paulo, SP, Brasil TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográ- ficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recupe- ração total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às caracterís- ticas gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal, cf. Leis 6.895, de 17.12.80 e 8.635, de 16.3.93) com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indeni- zações diversas (arts. 122, 123, 124, 126, da Lei 5.988, de 14.12.73, Lei dos Direitos Autorais). Impresso no Brasil ( 09 - 1993) ISBN 85-203-1144-X INTRODUÇÃO 9 1 A PROCESSUALIDADE AMPLA 1 - O monopólio jurisdicional do processo 11 2 - A idéia da processualidade nos poderes estatais 14 3 - A processualidade ampla na doutrina processual 17 4 - A processualidade ampla na doutrina administrativista 18 4.1 - Doutrina estrangeira 18 4.2 - Doutrina brasileira 21 2 O NÚCLEO COMUM DA PROCESSUALIDADE 5 - Considerações preliminares 23 6 - "Fieri" e "factum" 24 7 - Sucessão encadeada 24 8 - Sucessão necessária 25 9 - Figura jurídica diversa do ato 25 10 - Correlação com o ato 26 11 - Obtenção de resultado unitário 26 12 - Pluripessoalidade necessária 27 13 - Interligação dos sujeitos 27 14 - Pertinência ao exercício do poder 28 3 PROCESSO OU PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 15 - Controvérsia terminológica e substancial 29 16 - O critério da amplitude 30 O QUADRO CONSTITUCIONAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO NO BRASIL 31 - Direito administrativo e Constituição 32 - Processo administrativo e Constituição 33 - O processo administrativo no rol dos direitos e garantias fundamentais 33.1 - Litigantes em processo administrativo 33.2 - Acusados no âmbito administrativo 34 - O devido processo legal no âmbito administrativo 35 - Processo administrativo e Estado democrático 36 - Processo administrativo e Estado de Direito 37 - Processo administrativo e princípios constitucionais da Administração 37.1 - Processo administrativo e legalidade 37.2 - Processo administrativo e impessoalidade 37.3 - Processo administrativo e moralidade 37.4 - Processo administrativo e publicidade 6 PRINCÍPIOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO 38 Considerações preliminares 39 - O princípio do contraditório 39.1 - A idéia de contraditório na esfera administra- tiva 39.2 - Os sujeitos no processo administrativo 39.3 - Contraditório e ampla defesa 39.4 - Finalidades do contraditório 39.5 - Desdobramentos do contraditório 40 - O princípio da ampla defesa 40.1 - Evolução da ampla defesa 40.2 - Desdobramentos da ampla defesa 71 73 74 77 78 79 83 86 87 87 88 90 93 95 96 97 99 101 102 103 111 112 115 6 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO 17 - O critério da complexidade 31 18 - O critério do interesse 31 19 - O critério do concreto e do abstrato 33 20 - O critério da lide 33 21 - O critério da controvérsia 34 22 - O critério do teleológico e do formal 34 23 - O critério do ato e da função 35 24 - Procedimento como gênero e processo como espécie 35 24.1 - O critério da colaboração dos interessados 37 24.2 - O critério do contraditório 39 25 - O critério adotado 40 26 - A processualidade administrativa qualificada como pro- cesso 41 4 CARACTERIZAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO 27 - Processo administrativo e contencioso administrativo 43 28 - Processo administrativo e processo jurisdicional 46 28.1 - A idéia da identidade entre jurisdição e admi- nistração 46 28.2 - Critérios de distinção 48 28.3 - A função jurisdicional 51 28.4 - A função administrativa 52 29 - Linhas evolutivas da concepção de processo administra- tivo 55 30 - Finalidades do processo administrativo 61 30.1 - Finalidades de garantia 62 30.2 - Melhor conteúdo das decisões 64 30.3 - Eficácia das decisões 64 30.4 - Legitimação do poder 65 30.5 - Correto desempenho da função 66 30.6 - Justiça na Administração 66 30.7 - Aproximação entre Administração e cidadãos . 67 30.8 - Sistematização de atuações administrativas 68 30.9 - Facilitar o controle da Administração 68 SUMÁRIO 7 30.10 - Aplicação dos princípios e regras comuns da atividade administrativa 69 8 PROCESSUALIDADE NO DIREITO' ADMINISTRATIVO 41 - O princípio da oficialidade 120 42 - O princípio da verdade material 121 43 - O princípio do formalismo moderado 121 7 ASPECTOS TIPOLÓGICOS E ESTRUTURAIS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO 44 - Considerações preliminares 125 45 - Tipologia do processo administrativo 125 46 - Fases do processo administrativo 132 8 CODIFICAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO 47 - Codificação do direito administrativo e codificação do pro- cesso administrativo 137 48 - As leis de processo administrativo, de 1889 a 1990 139 48.1 - A lei espanhola de 1889 139 48.2 - A lei austríaca de 1925 140 48.3 - A lei norte-americana de 1946 141 48.4 - A codificação nas democracias populares 142 48.5 - A lei espanhola de 1958 143 48.6 - A lei argentina de 1972 145 48.7 - A lei alemã de 1976 145 48.8 - A corrente de codificações latino-americanas 147 48.9 - A lei italiana de 1990 148 48.10 - O código do procedimento administrativo de Portugal 150 49 - Significado atual da codificação do processo administra- tivo 151 50 - Codificação do processo administrativo no Brasil 155 CONCLUSÕES 159 BIBLIOGRAFIA 161 INTRODUÇÃO Com a promulgação da Constituição de 1988 adquire nova dimensão, no ordenamento pátrio, o tema da proces- sualidade administrativa. O inciso LV do art. 5Q, inserido no título dedicado aos direitos e garantias fundamentais, a esta se refere de modo direto, o que impulsiona ao estudo mais aprofundado de sua teoria e seus desdobramentos nas atua- ções administrativas. O objetivo deste trabalho consiste no exame das ques- tões fundamentais relativas à processualidade no âmbito da Administração Pública. Embora centrado no inciso LV, do art. 5Q, da Constituição Federal, ocupou-se também do trata- mento que a matéria recebe em ordenamentos estrangeiros. O estudo da processualidade administrativa leva, obrigato- riamente, a escrutinar aspectos da teoria geral do processo que infletem no tema, o que foi efetuado, em especial, nos três primeiros capítulos e, de modo mais difuso, em outros pon- tos, semperder-se de vista o objetivo precípuo do trabalho. Depois, vai-se caracterizar o processo administrativo, distinguindo-o de figuras a que vem habitualmente associado, e arrolando suas finalidades. Nos passos seguintes, desenha-se o quadro constitucio- nal do processo administrativo no Brasil e o perfil de seus princípios informativos, traçando-se, após, um esboço geral dos aspectos tipológicos e estruturais. Em seguida, discute-se a questão da codificação do pro- cesso administrativo, levando-se em conta, inclusive a ten- dência, nas últimas décadas, de aumento de leis gerais da matéria, editadas em ordenamentos estrangeiros. Por fim, vêm as conclusões onde se expõem, em síntese, os resultados essenciais do trabalho. L 1 A PROCESSUALIDADE AMPLA 1. O monopólio jurisdicional do processo — 2. A idéia da processualidade nos poderes estatais — 3. A processualidade ampla na doutrina processual — 4. A processualidade ampla na doutrina administrativista: 4.1 Doutrina estrangeira — 4.2 Dou- trina brasileira. 1. O monopólio jurisdicional do processo O termo processo, na área do direito, vem habitualmente vinculado à função jurisdicional e, portanto, relacionado ao Direito processual civil e penal, sobretudo. Tornaram-se clássicas as considerações em torno da auto- composição, da autodefesa e do processo, como perspectivas de solução de conflitos juridicamente relevantes, numa cole- tividade. Ocorrendo conflito entre duas esferas contrapostas de interesses, a solução advém por obra dos próprios litigan- tes ou mediante decisão de um terceiro. O primeiro aspecto, correspondente à solução parcial (por oposição à imparcial), por sua vez, oferece duas possibilidades: ou uma das partes consente no sacrifício do seu próprio interesse, havendo, assim, autocomposição; ou impõe o sacrifício do interesse alheio, havendo, então, autodefesa ou autotutela. O segundo aspecto equivale à solução imparcial, obtida mediante o processo.' Segundo Alcalá-Zamora, a autodefesa apresenta-se como a mais primitiva das três formas e a de menor complexidade em seu desenvolvimento jurídico, propiciando solução defi- 1. Cf. Alc,alá-Zamora, Proceso, autocomposicio'n y autodefensa, México, 2' ed., 1970, p. 12 e Cintra, Grinover e Dinamarca, Teoria geral do processo, 8' ed., 1991, p. 24. 12 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO ciente e perigosa; a autocomposição revela-se forma satisfatória quanto à economia de custos, mas, com freqüência, a esponta- neidade do sacrifício é aparente, pois significa capitulação da parte mais frágil e menos resistente; o processo, de seu lado, é a forma mais evoluída e se configura, em princípio, como o meio que oferece maiores probabilidades de solução justa e pacífica do conflito, mas é preciso que esse terceiro imparcial que decide seja mais forte que as partes para que, se for o caso, possa impor sua vontade coativamente.2 O mesmo autor menciona, como característica essencial da autodefesa, a solução proveniente de uma das partes em litígio, que a impõe a outra, e geralmente a imposição acarreta o sacrifício do interesse contrário, que pode ser individual, co- letivo, corporativo, administrativo. Parece relevante notar que dentre os exemplos de autodefesa nos vários ramos do direito, o citado autor inclui o poder disciplinar sobre funcionários pú- blicos e a revisão de atos administrativos na via hierárquica; afirma, ainda, que certas manifestações autodefensivas se acham externamente processualizadas, citando, como exemplo, tam- bém, o poder disciplinar na Administração Pública.3 Portanto, nessa ótica, tais atuações administrativas estariam inseridas na fórmula mais primitiva de solução de conflitos, fora, então, de esquemas processuais verdadeiros. Sob tal enfoque, o processo apresenta-se como meio ju- rídico para a solução jurisdicional de uma pretensão litigiosa; caracteriza-se, então, por sua finalidade jurisdicional compo- sitiva do conflito.4 Nessa linha, a idéia de processo vincula-se à função ju- risdicional do Estado, exclusivamente. Dentre os processualistas, o entendimento de uma pro- cessualidade restrita à função jurisdicional encontra algumas justificativas. De início, a própria antecedência histórica dos estudos, pesquisas e aplicação das noções fundamentais do 2. Proceso, autocomposición y autodefensa, pp. 29 e 32. 3. Op. cit., pp. 41, 52 e 59. 4. Alcalá Zamora, op. cit., pp. 112 e 115. Foge às finalidades deste trabalho a discussão aprofundada sobre noções fundamentais do Direito A PROCESSUALIDADE AMPLA 13 processo, no âmbito do processo jurisdicional, que é, então, seu arquétipo.5 Essa precedência levou ao enraizamento da idéia de processo monopolizada na função jurisdicional. Em segundo lugar, o predomínio, até meados do século XIX, da concepção privatista do processo, em que este e a jurisdição destinam-se somente à tutela dos direitos subjetivos; o víncu- lo ao direito privado, o atrelamento aos direitos subjetivos não propiciavam visão extensiva da processualidade. Em terceiro lugar, a preocupação com a afirmação científica do direito processual, marcada pela construção das grandes teorias, acar- retava, como é lógico, ótica precipuamente interna, com pre- valência de tratamento técnico dos temas principais; tal está- gio dificultava a indagação a respeito de pontos comuns do processo jurisdicional com esquemas de atuação de outros poderes estatais. Na doutrina administrativista também há entendimentos no sentido da exclusividade do processo à prestação jurisdi- cional. A título de exemplo, pode-se indicar Gordillo, que de- fende o conceito restrito de processo, "para que não lhe seja retirado esse caráter fundamental e tradicional de meio ou téc- nica para a administração da justiça".6 Dentre os administrativistas a idéia de processo como exclusividade da função jurisdicional pode significar negação de uma processualidade administrativa; ou pode expressar preo- cupação terminológica, com o fim de evitar confusão entre o modo de atuar da Administração e o modo de atuar do Judi- ciário, reservando-se para o âmbito administrativo o vocábulo "procedimento"; ou, então traduz a inexistência de conscienti- zação para um novo modo de atuação administrativa. Processual Civil ou Penal, tais como processo, jurisdição, ação. Todos os temas que se incluem no âmbito desses ramos são aqui referenciados como pontos de partida ou pontos de confronto em matéria de proces- sualidade no Direito Administrativo. 5. Como nota Cândido Dinamarco, A instrumentalidade do proces- so, 1986, p. 51. 6. Tratado de derecho administrativo, parte geral, tomo II, 1991, p. XVII-2 e XVII-3. Gordillo observa que "a tese ampla a respeito da noção de processo é perigosa, pois sendo "processo" sinônimo usual de "juízo" Qualquer que seja o significado dessa postura, algumas justificativas podem ser aventadas. Em primeiro lugar, a precedência histórica e a força da construção processual ligada à jurisdição também condiciona- ram o pensamento dos administrativistas, criando dificuldade de visualização de um processo no âmbito da atividade admi- nistrativa. Em segundo lugar, a idéia, veiculada durante muito tem- po, da atividade administrativa como atividade quase total- mente livre, revela-se incompatível com atuações parametra- das processualmente. Por outro lado, predominou por longo período a preocu- pação com o termo final da decisão, o ato administrativo, sem que a atenção se voltasse para os momentos que precedem o resultado final. Ligado a esse aspecto está o zelo doutrinário e jurisprudencial com a garantia a posteriori dos direitos dos administrados, representada pelo controle jurisdicional. Além do mais, o direito administrativo permeou-se de concepções subjetivistas, do que fornece exemplo a conceitu- ação do ato administrativo como manifestação de vontade da autoridade. Tais concepções dificultam a percepção do esque- ma processual na atividade administrativa.2. A idéia da processualidade nos poderes estatais Neste século, a partir do final dos anos 20, entre os administrativistas, e dos anos 40, entre os processualistas, co- poderia entender-se, como alguma vez já se sugeriu, que não há violação da defesa em juízo se os direitos de um indivíduo são definitivamente resolvidos pela administração sempre que esta tenha ouvido o interessa- do. Mas, defesa em juízo é algo mais que ouvir o interessado; é, também, a existência de um julgador imparcial e independente, qualidades estas que em nenhum caso pode reunir plenamente a administração". E escla- rece: "rechaçar a qualificação de "processo" não implica afastar a aplica- ção analógica, na medida do compatível, de todos os princípios proces- suais" (op. cit., p. XVII-5 e XVII-4). meça a despontar o entendimento no sentido da aceitação de uma processualidade ligada ao exercício dos três principais poderes estatais. Às manifestações episódicas deste período seguiu-se, nas décadas de 50 e 60, um aumento expressivo dos estudos a respeito, culminando, nos anos 70 e 80, numa convergên- cia de processualistas e administrativistas em torno da afirma- ção do esquema processual relativo aos poderes estatais, so- bretudo? Essa postura denota evolução nas concepções de proces- sualistas e administrativistas, tendo como ponto referencial comum os dados do contexto sócio-político das últimas dé- cadas deste século e a busca de novas chaves metodológicas, adequadas a esse contexto e ao melhor exercício dos poderes estatais que o Direito processual e o Direito administrativo disciplinam. Na doutrina processual alguns enfoques propiciaram essa postura. Assim, pode-se notar que a concepção publi- cista do processo levou à idéia de ação como direito inde- pendente do direito subjetivo material; levou ao deslocamen- to da preocupação científica para o tema da jurisdição e pos- sibilitou ressaltar a idéia desta como poder estatal; por sua vez, a teoria do processo como relação jurídica permitiu vi- sualizá-lo como um conjunto de posições jurídicas ativas e passivas, de cada um dos seus sujeitos (poderes, faculdades, deveres, sujeições e ônus) e não somente como simples su- cessão de atos.8 7. Aventa-se também a processualidade fora do ordenamento esta- tal, citando-se como exemplo as atuações das associações esportivas, ordens profissionais e a processualidade de âmbito internacional, como nas Comunidades Européias (cfr. Fazzalari, Istituzioni di diritto processuale, 1975, p. 9 e Cândido Dinamarco, A instrumentalidade do processo, 1936, p. 46); foge, no entanto, aos objetivos deste trabalho a questão da processualidade não estatal. 8. Cintra, Grinover e Dinamarca Teoria geral do processo, 1991, p. 252. A PROCESSUALIDADE AMPLA 15 14 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO 16 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO A PROCESSUALIDADE AMPLA 17 Tais enfoques, aqui ventilados de modo muito sucinto, desembocaram na concepção metodológica de uma teoria geral do processo, que vê o "direito processual como um conjunto de princípios, institutos e normas estruturados para o exercício do poder segundo determinados objetivos".9 Por conseguinte, emerge perfeitamente clara a idéia de uma processualidade atinente, também, ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo. Por seu lado, a doutrina administrativista passou a se preo- cupar com a processualidade, movida certamente por alguns dados nucleares. A progressiva aproximação entre Administra- ção e administrado, reflexo do menor distanciamento entre Estado e sociedade, levou à necessidade de tornar conhecidos os modos de atuação administrativa e de propiciar ocasiões para que o cidadão se faça ouvir. Por outro lado, o aumento da ingerência estatal teve como contrapartida o cuidado na fixação de parâmetros para a atividade administrativa, em especial a discricionária. Além do mais, despertou-se a atenção para o aspecto das garantias prévias a serem propiciadas aos cidadãos nas atuações administrativas, daí a tônica sobre os momentos que antecedem a edição dos atos administrativos.° Tanto processualistas como administrativistas fornece- ram subsídios para se cogitar de uma processualidade que transcende à função jurisdicional e, portanto, de uma proces- sualidade administrativa." 9. Dinamarca A instrumentalidade do processo, 1986, p. 42. 10. Na verdade, os dados nucleares acima elencados como propul- sores da atenção hoje dirigida à processualidade na atuação administra- tiva, não esgotam os elementos do quadro sócio-político-institucional da segunda metade do século XX que incidem sobre as matrizes conceituais clássicas do Direito Administrativo, acarretando seu redimensionamento e a emersão de novos institutos. Uma visão abrangente desse quadro integra o trabalho de nossa autoria O direito administrativo em evolução, escrito em 1990 e editado em 1992. 11. Para o boom da processualidade nos anos 70 e 80 contribuiu, certamente, a obra de Niklas Luhmann, Legitimação pelo procedimento, publicada em 1969, na qual dá um tratamento unitário, sob o enfoque da sociologia do direito, aos procedimentos juridicamente regulados, com base em formas de procedimento que adquiriram importância especial, inclusive os processos de decisão administrativa. 3. A processualidade ampla na doutrina processual Dentre os processualistas precursores da idéia de um núcleo processual, o mais citado é Carnelutti.12 No seu clássico Sistema del diritto processuale civile (década de 30) afirma que se pode falar de um processo legislativo e de um processo administrativo, como uma série de atos para a formação de uma lei ou de um decreto. Nas Istituzioni (1956) diz que o termo "processo" serve para indicar um método para a formação ou para a aplicação do direito que tende a garantir um resultado bom, isto é, uma tal regulação do conflito de interesses que consiga realmente a paz e, portanto, seja justa e certa; em outro trecho afirma que existe um ato processual e um procedimento processual, assim como existe um ato e um procedimento civil, comercial, administrativo, constitucional e assim por diante. Couture, em palestras proferidas em 1949 e reunidas sob o título de Introdução ao estudo do processo civil (traduzido, em 1951, por Mozart Victor Russomano), aventa a unidade processual na atuação dos três poderes estatais, no texto seguinte: "Vistos do ponto de vista de sua estrutura, existe unidade entre o processo parlamentar, o processo administra- tivo e o processo judicial. Todos eles se apóiam, dentro desse ponto de vista, na necessidade do debate e na conveniência derivada da exposição das idéias opostas, para que se chegue à verdade". O processual ista austríaco Hans Schima, por sua vez, na década de 50, refere-se ao caráter unitário das normas proces- suais e à generalização do problema processual acima de todas as ramificações do direito. Dentre os processualistas recentes desponta Fazzalari, cujas considerações mais significativas a respeito da proces- sualidade ampla encontram-se nos textos seguintes: "se o processo é o modelo eletivo das atividades jurisdicionais, estas 12. Schima arrola também os alemães Sauer (obra de 1951) e Niese (obra de 1950) (cf. "Compiti e limiti de una teoria generale dei proceclimenti", in Rivista trimestrale de diritto e procedura civile, 1953, pp. 759 e 760). A PROCESSUALIDADE AMPLA 19 18 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO últimas não detêm sua exclusividade; esse modelo... vem utilizado também na realização de outras atividades fundamen- tais do Estado distintas da jurisdição: assim a atividade admi- nistrativa"? "O processo é uma estrutura na qual se desenvol- vem numerosas atividades de direito público (em especial, mas não somente, funções fundamentais do Estado)... O direito público não se limita a disciplinar o ato, por assim dizer, final. Também exige uma série de atividades preparatórias quanto ao ato; há processos nos quaisse desenvolve a atividade dos órgãos estatais que formam a Administração Pública".14 Na doutrina processual pátria, Ada Pellegrini Grinover, Araujo Cintra e Cândido Dinamarco ensinam que "processo é conceito que transcende ao direito processual. Sendo instrumen- to para o legítimo exercício do poder, ele está presente em todas as atividades estatais (processo administrativo, legislativo)"...15 4. A processualidade ampla na doutrina administrativista A doutrina administrativista vem oferecendo contribui- ção de relevo à percepção de uma processualidade ampla, embora, paradoxalmente, os estudos aprofundados sobre pro- cesso administrativo sejam mais recentes que os de processo civil.15 Tanto na doutrina estrangeira como na brasileira algu- mas obras marcaram passos significativos no tema. 4.1 Doutrina estrangeira Com freqüência vem atribuída a Adolfo Merkl, autor austríaco, integrante da Escola de Viena, a qualificação de 13. "Processo (teoria generale)" in Novissimo Digesto Italiano, v. 13, 1966, pp. 1.068 e 1069. 14. Istituzioni di diritto processuale, 1975, pp. 3, 4 e 7. 15. Teoria geral do processo, 8' ed., 1991, p. 247. 16. O mérito dos administrativistas na identificação do aspecto unitário do processo é ressaltado por Fazzalari ("Processo", in Novissimo Digesto Italiano, 1966, p. 1.069) e por Cândido Dinarnarco (A instrumen- talidade do processo, 1986, p. 52). pioneiro das pesquisas sobre a essência do processo, o iniciador da ruptura da separação rígida entre os setores processuais. Merkl, na sua Teoria geral do direito administrativo, datada de 1927, afirma que, "em sentido rigoroso e técnico, se fala de processo jurídico somente quando o caminho que leva a um ato estatal não está na livre escolha do órgão competente para o ato, mas está previsto juridicamente... O direito proces- sual administrativo é um caso particular do direito processual... e o processo administrativo é um caso particular do processo jurídico em geral. A teoria processual tradicional considerava o "processo" como propriedade da justiça, identificando-o com o processo judicial. Constituía uma dessas restrições habituais de conceitos jurídicos de validez geral. Explica-se historicamente a limitação do conceito de processo à justiça, porque dentro desta função estatal se acham as raízes do "processo" e no seu âmbito foi elaborado tecnicamente, mas, do ponto de vista jurídico-teórico não é sustentável essa redu- ção, porque o "processo", por sua própria natureza, pode ocorrer em todas as funções estatais, possibilidade que se vai atualizando cada vez mais... Mas esta ampliação da prática processual não se satisfaz com uma simples acumulação de disciplinas processuais, mas requer uma generalização no tratamento do problema processual... Não existe ainda seme- lhante teoria geral do direito processual que nos ofereça o comum e válido para todo tipo de processo e, assim, cada disciplina processual particular tem de substituí-la nesta tarefa, tendo sido a teoria processual civil a que tomou a frente." A leitura dos textos selecionados enseja inferir a visão nítida do autor em termos de uma processualidade ampla, a ser trabalhada num enfoque de teoria geral do processo. Outro momento doutrinário expressivo ocorreu com a obra de Sandulli, Il procedimento amministrativo, editada pela primeira vez em 1940 em que, usando o termo "procedimen- to", afirma tratar-se de fenômeno comum a todas as funções do 17. Teoria general del derecho administrativo, México, Editora Nacional, 1975, pp. 279 e 280. 20 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO A PROCESSUALIDADE AMPLA 21 Estado; refere-se à fruttuosità de um eventual estudo unitário do fenômeno procedimental em todo o Direito público." Também na década de 40 foi publicado o trabalho do espanhol Villar y Romero, Derecho procesal administrativo, no qual o autor admite a processualidade fora do âmbito da jurisdição, mencionando a visão parcial da noção de processo, própria dos processualistas; afirma que o processo administra- tivo é espécie do processo em geral, bem como o processo legislativo.19 Profunda repercussão no enfoque de uma processualida- de ampla, sobretudo administrativa, e nos conceitos de proces- so e procedimento acarretou o artigo de Feliciano Benvenuti, intitulado, "Funzione amministrativa, procedimento, proces- so", publicado em 1952; nesse trabalho o publicista italiano vincula a processualidade à função, como sua manifestação sensível; há processualidade em todo exercício de uma função; a extensão das formas processuais ao exercício da função ad- ministrativa está de acordo com a mais alta concepção de Administração: o agir a serviço da comunidade (passim, pp. 121 a 145). Em 1968 surge na França o livro de Guy Isaac, La procedure administrative non-contentieuse, no qual é defendi- da a visão global do fenômeno do processo jurídico, admitin- do-se a processualidade administrativa. O publicista português, Alberto Xavier, na obra Do pro- cedimento administrativo, editada no Brasil em 1976, refere-se à noção ampla de processo como expressão de uma vontade funcional; a seu ver, o fenômeno processual se revela em vários setores da ordem jurídica, apresentando-se com maior pujança e nitidez no Direito público; a cada função do Estado corres- ponde um tipo de processo através do qual ela se desenvolve (pp. 15, 18, 23 e 26). Mais recentemente o argentino Hector Jorge Escola tra- tou do tema referente à ampliação do conteúdo da concepção 18. Il procedimento amministrativo, reedição de 1964, p. 14. 19, Derecho procesal administrativo, 24 ed., 1948, pp. 7 e 8, de processo e mencionou a existência de um conceito geral de processo (Tratado general de procedimiento administrativo, 2' ed., 1981, pp. 8 e 10). Na doutrina italiana, Mario Nigro, que desde 1953 vinha se dedicando ao processo administrativo, nos anos 80 acentua e aprimora seu tratamento, sobretudo ao observar que a ação dos poderes públicos sempre assumiu forma processual, só que hoje a processualização se estendeu a campos nos quais parecia desconhecida; foi reforçada onde já ocorria; adquiriu-se cons- ciência de sua importância e se percebeu que mediante ela emergem e têm plena atuação princípios e modos de ser fundamentais à nossa vida coletiva." Por sua vez, Giorgio Berti realizou estudo alentado sobre a estrutura processual, vinculando processo a função e ressal- tando que processo não é necessariamente ligado à jurisdição, no sentido de que a atividade jurisdicional não tem a exclusi- vidade do processo.21 4.2 Doutrina brasileira Na doutrina pátria, contribuição significativa à visão ampla da processualidade foi dada por Themistocles Brandão Cavalcanti que desde 1938 dedicou estudos ao processo admi- nistrativo, despertando atenção para o tema; no seu Tratado de direito administrativo, v. IV, lança a idéia de uma certa identidade entre o processo administrativo e o processo judi- cial, que seria sua finalidade pública de boa aplicação dos princípios de justiça e da conservação do equilíbrio jurídico (na 3' ed., pp. 536 e 537). Cretella Júnior vê no processo uma categoria jurídica ou o gênero, havendo os processos-espécies, como tipos di- versificados com atributos particulares; desse modo, a seu ver, 20. "L'azione dei pubblici poteri. Lineamenti generali", in Manuale di diritto pubblico, org. Giuliano Amato e Augusto Barbera, 1986, pp. 726 e 727 21. Diritto e Stato, 1986, pp. 330 e 331. 22 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO o processo administrativo é, antes de tudo, processo em sua lata acepção.22 Na linha da processualidade ampla situa-se também Manoel de Oliveira Franco Sobrinho que se expressa, a respei- to, nos seguintes termos: "Não há como negar, o fenômeno procedimento como processo é comum a todas as funções esta- tais, não se limitando apenas às implicações jurisdicionais- judiciárias; o processo administrativo é espécie de processo em geral"."Em sentido semelhante manifesta-se Lafayette Pondé: "A noção de processo não é privativa da administração, mas urna forma de exercício da atividade do Estado"» Na doutrina mais recente, Carlos Ari Sundfeld afirma textualmente: "O fenômeno processual não é exclusivo da jurisdição, antes é característico das várias funções do Estado e do tipo de vontade que elas expressam"; o mesmo autor re- fere-se, ainda, a um núcleo comum da teoria do processo esta- tal, independentemente da função de que se trate." 22. Tratado de direito administrativo, v. VI (processo administrati- vo) pp. 13 e 14. 23. Introdução ao direito processual administrativo, 1971, pp. 97 e 107. 24. Considerações sobre o processo administrativo, in RDA 130, out.-dez./77, 2. 25. A importância do procedimento administrativo, in RDP 84, out.-dez./87, 66 e 68. Dentre os doutrinadores pátrios, deve-se mencionar o publicista José Afonso da Silva, que, em 1964, na importante obra Princípios do processo de formação das leis no direito constitucional, já afirmava o paralelismo entre o processo parlamentar e os processos administrativo e judicial (p. 29). 2 O NÚCLEO COMUM DA PROCESSUALIDADE 5. Considerações preliminares — 6. "Fieri" e "factum" — 7. Sucessão encadeada — 8. Sucessão necessária — 9. Figura jurí- dica diversa do ato — 10. Correlação com o ato — 11. Obtenção de resultado unitário — 12. Pluri-pessoalidade necessária — 13. Interligação dos sujeitos — 14. Pertinência ao exercício do poder. 5. Considerações preliminares A acolhida da concepção de uma processualidade ampla possibilita cogitar a respeito da existência de aspec- tos comuns às atuações realizadas segundo o esquema processual. Haveria, assim, notas predominantes da processual idade jurídica, presentes nos vários âmbitos em que se expressa. A partir desse núcleo de identidade mínima, irradiam- se pontos de diversidade, em grande parte decorrentes das características da função que a processualidade traduz e do ato final a que tende. Assim, p. ex., há peculiaridades na pro- cessualidade administrativa que a distinguem da processuali- dade jurisdicional e da legislativa. Compete ao direito administrativo o estudo das pecu- liaridades da processualidade administrativa, porque esta diz respeito ao exercício da função administrativa. O direito constitucional cuida da processualidade legislativa, porque se refere à função de elaboração da lei. Por sua vez, o direito processual trata da processualidade jurisdicional, porque expressa o exercício da função jurisdicional. Os dados constantes cabem à teoria geral do processo ou à teoria geral do direito (em grau mais forte de abstração);nada 24 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO O NÚCLEO COMUM DA PROCESSUALIDADE 25 obstando que as disciplinas particulares se ocupem dos mes- mos, como referenciais básicos e até mesmo com o fim de fun- damentar a idéia da processualidade fora do âmbito jurisdicional. Já se ressaltou o mérito da doutrina administrativista na elaboração e aprimoramento da idéia de uma processualidade como categoria conceitual que transcende o campo da discipli- na administrativa e jurisdicional e emerge na condição de uma constante da experiência jurídica. Essa constante, esse núcleo comum se revela por um rol de elementos fundamentais. 6. Fieri e factum Já em 1927, Merkl' advertia que em toda atuação se dis- tingue um fieri e um factum, quer dizer, algo que está se realizando e algo realizado; o fazer e o feito, o operar e o resul- tado da operação. Nesse sentido coloca-se a lição de José Afonso da Silva, para quem "a noção de processo envolve, em sentido geral, um momento dinâmico de certo fenômeno no seu vir a ser. Um pro- cesso representa sempre o momento da evolução de alguma coisa".2 A processualidade exprime o "vir a ser" de um fenômeno, o momento em que algo está se realizando. No âmbito do Direito, quando existe esse período de dinâmica, em que atuações evoluem, sobressai uma situação dinâmica e, portan- to, uma situação de vínculos processuais. A processualidade denota, assim, o aspecto dinâmico de um fenômeno que vai se concretizando em muitos pontos no tempo. 7. Sucessão encadeada Os vários pontos no tempo não significam uma adição de fases; mas atos ou atuações que se sucedem um ao outro, num 1. Teoria general del derecho administrativo, p. 287. 2. Princípios do processo de formação das leis no direito constitu- dona!, 1964, p. 26. encadeamento em que o precedente propulsiona o subse- qüente, até a meta final. Na série da processualidade, cada ato provoca a realização do ato posterior. Para que o enca- deamento se efetue, o direito prevê obrigações e ônus para quem está legitimado a atuar no momento posterior. Desse modo, nem toda sucessão de atos para se obter um resultado final configura-se como processualidade; esta é figura mais específica e qualificada que a soma de atos. 8. Sucessão necessária O encadeamento sucessivo dos atos ocorre não como algo eventual ou meramente lícito, mas como algo juridi- camente necessário e obrigatório. Nesse sentido, a obser- vação de Merkl para a atuação estatal exprime um dos ele- mentos do núcleo comum da processualidade: "Fala-se de procedimento jurídico somente quando o caminho que con- duz a um ato estatal não se apresenta como livre escolha do órgão competente para o ato, mas está previsto juridica- mente" ...3 9. Figura jurídica diversa do ato Se a processualidade diz respeito ao "vir a ser" de um ato e o ato é o "feito", o processo constitui noção jurídica diferente da noção de ato. Por isso, a teoria do ato o considera como algo em si já especificado, consistente e imobilizado, como resul- tado de uma atuação. De seu lado, a teoria da processualidade 3. Teoria general del derecho administrativo, p. 279. Esse elemento fundamental guarda vínculo com a cláusula do devido processo legal ou do justo procedimento, como se infere das seguintes ponderações de Cândido Dinamarco: "A lei traça o modelo dos atos do processo, sua seqüência, seu encadeamento, disciplinando com isso o exercício do poder e oferecendo a todos a garantia de que cada procedimento a ser realizado em concreto terá conformidade com o modelo preestabelecido: desvios ou omissões quanto a esse plano de trabalho e participação constituem violações à garantia constitucional do devido processo legal" (A instrumentalidade do processo, 1986, pp. 111 e 112). 4#0 26 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO ocupa-se da concatenação juridicamente preestabelecida dos atos, que se coordenam à vista de um fim. O "vir a ser", o "fazer-se", característico da processuali- dade, significa que existe subjacente uma dimensão do tempo, ausente na categoria "ato"; a projeção no tempo possibilita apreender o dinamismo da série processual, em contraposição à imobilidade do ato. 10. Correlação com o ato A diversidade conceitual entre processualidade e ato não implica separação metodológica absoluta, entre as duas figuras. Nítida se apresenta a correlação entre processualidade e ato, como inerência e instrumentalidade da primeira em relação ao segundo. A figura do processo é distinta da figura do ato, mas não pode dele separar-se totalmente. 11. Obtenção de resultado unitário A correlação com o ato sobressai clara ao se considerar que a sucessão de atos, encadeada e juridicamente necessária, direciona-se a um resultado unitário, o ato final de decisão. O fio referencial da sucessão situa-se justamente na formação desse ato final. O esquema processual abrange, na sua série, todos os atos que, de modo mediato ou imediato, são teleologicamente vincu- lados à elaboração do ato final. Portanto, todo ato do procedi- mento mantém vínculo teleológico com a decisão, para a qual se direciona. Nessa linha, Mortati observa que os atos parciais da série "são ligados entre si pelo fim comum de tornar possível a formação do ato finar.' Embora dotados de vida jurídicaprópria, os atos da série processual encontram sua razão de ser na decisão final. No entanto, esse vínculo teleológico a um resultado unitário não elide a relevância dos atos parcial , sobretudo no tocante à 4. Istituzioni di diritto pubblico, v. I, 1975, p. 263. O NÚCLEO COMUM DA PROCESSUALIDADE 27 garantia de direitos e ao seu papel de oferecer condições para uma decisão correta. 12. Pluripessoalidade necessária O esquema processual compõe-se de atividades provin- das de muitas pessoas físicas, quer sejam ou não sejam repre- sentantes de órgãos da entidade a que se deve imputar o ato final. Mortati, no tocante a esse elemento, utiliza a expressão seguinte: "atos parciais emanados de uma pluralidade de sujei- tos ou órgãos".5 Assim, a processualidade se coaduna ao âmbito de atua- ção das pessoas jurídicas ou entes coletivos. Tais entidades são dotadas de organização articulada, o que requer a cooperação das várias pessoas ou órgãos que os integram ou de pessoas que lhes são exteriores para o adequado desempenho de suas funções. Ao determinar a atuação mediante o mecanismo proces- sual, o ordenamento exige a coadjuvação de muitas pessoas ou órgãos, de acordo com pautas preordenadas juridicamente. No tocante às atividades dos entes estatais, o esquema processual aí encontra campo propício em virtude da complexi- dade organizacional que lhes é característica e sobretudo por- que o ordenamento condiciona o exercício de muitas funções públicas à cooperação mais ou menos intensa dos sujeitos des- tinatários do ato estatal. O ato resultante da cooperação de várias pessoas ou órgãos é imputado ao ente estatal e, por vezes, expressa a figura típica pela qual este exerce suas funções. 13. Interligação dos sujeitos Os vários sujeitos que exercem atividades no esquema processual estão interligados por direitos, deveres, ônus, pode- res, faculdades; essa complexa ligação entre os sujeitos com- 5. Op. cit., p. 263. 28 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO põe-se, então, de posições jurídicas ativas e passivas de cada um deles.6 Assim, no mecanismo processual, a partir de um ponto inicial ocorre uma sucessão de posições jurídicas que se subs- tituem gradativamente, em virtude da realização de atos prati- cados com observância de requisitos fixados em lei.' 14. Pertinência ao exercício do poder A plurissubjetividade necessária, o vínculo à atuação de entes com organização articulada e a interligação entre sujeitos possibilitam, em sua somatória, extrair outro elemento do nú- cleo comum da processualidade: a pertinência ao exercício do poder. O poder, em essência, consiste, dada uma relação entre pessoas, no predomínio da vontade de uma sobre as demais; numa relação entre órgãos, no predomínio de um sobre outros. O exercício do poder, num Estado de direito que reconhece e garante direitos fundamentais, não é absoluto; canaliza-se a um fim, implica deveres, ônus, sujeições, transmuta-se em função, o que leva o ordenamento a determinar o filtro da processuali- dade em várias atuações revestidas de poder. A processualidade, então, vincula-se à disciplina do exer- cício do poder estatal. A seiva do tronco comum da processuali- dade é o poder, que permeia todos os ramos; onde inexiste poder, inexiste utilidade metodológica de uma concepção de processualidade ampla.8 6. Cintra, Grinover e Dinamarco, Teoria geral do processo, 8" ed., 1991, p. 252. 7. Cintra, Grinover e Dinamarca, Teoria geral do processo, 8' ed., 1991, p. 253. 8. Dinamarco, A instrumentalidade do processo, 1986, pp. 56 e 58. 3 PROCESSO OU PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 15. Controvérsia terminológica e substancial — 16. O critério da amplitude — 17. O critério da complexidade — 18. O critério do interesse — 19. O critério do concreto e do abstrato — 20. O critério da lide — 21. O critério da controvérsia — 22. O critério do teleológico e do formal — 23. O critério do ato e da função — 24. Procedimento como gênero e processo como espécie — 24.1 O critério da colaboração dos interessados — 24.2 O critério do contraditório — 25. O critério adotado — 26. A processualida- de administrativa qualificada como processo. 15. Controvérsia terminológica e substancial A idéia da processualidade extensiva a todos os poderes estatais e a identificação de seu núcleo comum possibilitam afirmar a existência de uma processualidade nas atividades da Administração Pública, quando aí se detectam aqueles elemen- tos que integram esse núcleo. Surge, por conseguinte, a ques- tão de qualificar a processualidade administrativa como pro- cesso ou como procedimento. As controvérsias em torno do processo e do procedimento ocorrem há muito tempo no âmbito do direito processual e do direito administrativo e dizem respeito tanto a aspectos termino- lógicos quanto a aspectos substanciais. Como exemplo, pode-se apontar o direito administrativo dos países com jurisdição dupla, nos quais a doutrina, a legislação e a jurisprudência valem-se do termo "procedimento" para designar a processualidade admi- nistrativa, reservando a expressão processo administrativo para o âmbito da jurisdição administrativa como intuito, certamen- 30 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO PROCESSO OU PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 31 te, de separar campos e evitar que a identidade de denominação gere confusões nos estudos, pesquisas e decisões referentes a tais temas. É o que acontece na Itália, onde expressiva parte da doutrina administrativista vem dedicando estudos à proces- sualidade administrativa, sob a rubrica de "procedimento admi- nistrativo".1 Também se encontra a preferência pelo vocábulo "procedimento" em ordenamentos dotados de lei geral de pro- cessualidade administrativa, embora de jurisdição una, como é o caso da Argentina. No Brasil, além da oscilação doutrinária entre processo e procedimento, registra-se a conexidade de processo administrativo a processo disciplinar, o que implica em visão reducionista da processualidade administrativa. No campo do direito processual, no período em que pre- dominou a chamada tendência "procedimentalista", reinava uma quase assimilação de processo e procedimento, pois o processo significava simples sucessão de atos. As divergências emergem, sobretudo, na busca de diferen- ciação das duas figuras com o uso de vários critérios. 16. O critério da amplitude Por esse critério tentou-se distinguir as duas figuras, afir- mando-se que o processo é algo mais que o procedimento. Com freqüência as obras doutrinárias de processo civil ou processo administrativo reproduzem a seguinte frase, expressiva desse critério: se todo o processo implica, para o seu desenvolvimento, um procedimento, nem todo procedimento é um processo. 1. Na França, berço do sistema de jurisdição dupla, a doutrina administrativista vem adotando, em geral, a expressão "processo admi- nistrativo não contencioso" para denominar a processualidade adminis- trativa, diferenciando-a da processualidade existente nas jurisdições admi- nistrativas, a que se dá o nome de "processo administrativo". A pri- meira expressão é criticada por Brewer-Carias sob dois ângulos: primeiro, porque não tem sentido fora do ordenamento francês, onde para iden- tificar a processualidade administrativa se utilizou a expressão "não contencioso" por oposição ao contencioso administrativo; em segundo lugar, porque não é certo que essa processualidade seja sempre de caráter "não contencioso" (Princípios del procedimiento administrati- vo, 1990, pp. 21, 22 e 23). Em linha semelhante diz-se também que, no aspecto quantitativo, processo é o conjunto de todos os atos; procedi- mento é só um ato ou grupo desses atos; processo é o todo, procedimento consiste em partes do todo.2 Tal critério não propicia percepção da substância das duas figuras, por deixar de apontar sob qual aspecto o processo é algo mais que o procedimento. 17. O critério da complexidade Por meio desse critério contrapõe-seprocesso e proce- dimento com base no simples e complexo. O procedimento implicaria "manifestações simples de vontade, o meio imediato de dar forma a um ato ou a uma decisão"; trata-se de operação simples, podendo haver procedimento de um ato só. "O proces- so seria o conjunto de atos ou procedimentos, a soma de di- ferentes operações que integram, na unidade, um todo", confi- gurando-se como operação complexa? Há um outro modo de enquadrar a distinção entre processo e procedimento no critério da complexidade. Esse modo revela- se como produto da evolução da teoria processual e assenta a diversidade em elementos dotados de mais significação. Sob tal ótica, o procedimento significa simples sucessão de atos proces- suais, simbolizado por uma cadeia de anéis; o processo é uma entidade complexa, que sintetiza os atos que lhe dão corpo e as relações entre as posições jurídicas ativas e passivas dos seus sujeitos; característico do processo é o funcionamento conju- gado dos componentes dessa entidade complexa.4 18. O critério do interesse O critério do interesse, utilizado por administrativistas e processualistas, diferencia procedimento de processo com base 2. Cretella Júnior, Tratado de direito administrativo, v. VI, p. 16. 3. Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, Curso de direito adminis- trativo, 1979, pp. 278 e 279. 4. Nesse sentido as lições de Cintra, Grinover e Dinamarca, Teoria geral do processo, 1991, pp. 247 e 253. 32 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO numa concepção clássica, por muito tempo predominante. Assim, os atos do procedimento realizam-se com o objetivo de satisfazer somente o interesse do autor do ato, que é o único interesse para cuja satisfação é conferido o poder. Essa é uma das explicações do emprego do termo "procedimento" no âmbito de atuação administrativa, pois esta se destina principalmente à satisfação do sujeito, Administração Pública. Quanto ao pro- cesso, os atos realizados pelos sujeitos visariam a um interesse que não é o do autor do ato final, mas ao interesse dos destina- tários do ato. Daí a tradicional associação entre exercício da função jurisdicional e processo. Realmente, o entendimento exposto traz subjacente uma visão tradicional tanto administrativista quanto processualista. No campo administrativo prevaleceu, por longo período, a idéia de contraposição irredutível entre interesse público e interesse particular. Como a Administração apresentava-se na condição de detentora absoluta das escolhas referentes ao inte- resse público, este acabou por identificar-se como interesse da Administração, O contraste entre interesse público e interesse privado ou interesse social refletia a separação entre Estado e sociedade, predominante como realidade e concepção no sécu- lo XIX e na primeira metade do século XX. No contexto do fim do século XX, em que a separação entre Estado e sociedade perde nitidez, em que ocorre progressiva aproximação entre Ad- ministração e cidadãos da sociedade civil, em que os inúmeros grupos sociais colaboram na identificação do interesse públi- co, dificilmente se poderia aceitar a idéia de que os atos do esquema processual administrativo visam a satisfazer o interes- se da Administração, autora do ato final. Por sua vez, no âmbito processualista dominou por muito tempo o enfoque privatista ou subjetivista do processo, do que decorria a assertiva de que os sujeitos atuam no processo di- recionados ao interesse dos destinatários do ato final. A evo- lução do direito processual levou à visão publicista do processo, ao reconhecimento dos escopos sociais e políticos da juris- dição, ao acolhimento dos direitos difusos na proteção juris- dicional, concepções essas que dificultam sustentar in totum a PROCESSO OU PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 33 idéia do ato final do processo destinado somente ao interesse de seus destinatários. 19. O critério do concreto e do abstrato Nos esforços para distinguir as duas figuras surgiu a idéia de que o processo corresponde ao conjunto de todos os atos realizados, a cada vez, para a composição da lide ou do assunto; quer dizer, o processo consiste na soma dos atos que se rea- lizam em cada caso; o processo, nessa concepção, diz respeito, ao mundo do ser, ao mundo dos fatos, embora qualificáveis do ponto de vista jurídico, mas realizados concretamente na realida- de extrajurídica; o processo exprime, assim, o fenômeno em concreto. O procedimento consistiria no módulo legal do fenômeno em abstrato, o esquema formal do processo; diz respeito, por- tanto, à hipótese abstrata ou normativa, a um dado da realidade normativa; a realização concreta dessa hipótese abstrata é o processo. Esse contrasteamento também parece de difícil acolhida, pois cria dificuldades metodológicas no tratamento do processo: como cuidar cientificamente de algo que é único em si, insus- cetível de repetição. Por outro lado, não oferece fundamentos consistentes para identificação das duas figuras. E, por fim, "seria possível inverter as conotações de abstrato e concreto, sem que daí decorressem conseqüências aplicativas".5 20. O critério da lide Tentou-se distinguir processo de procedimento com base na lide; o processo seria identificado pela existência da lide; no procedimento não haveria lide. Lide vem habitualmente con- ceituada no direito processual como o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos sujeitos e pela resistência do outro. 5. Giannini, Diritto amministrativo, v. II, 1988, p. 540. 34 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO O critério da lide, na verdade, fica prejudicado, ao se cogitar de processo sem lide. A respeito revelam-se apropria- das as seguintes ponderações de Cândido Dinamarco: "E de questionar se realmente existe lide em todo processo, mesmo em todo processo propriamente jurisdicional ou contencioso. Em processo penal, não é exato que o Ministério Público, ou seja, a sociedade, tenha algum interesse à punição de inocentes, em conflito como interesse do acusado à manutenção de seu status libertatis. Em processo civil mesmo, há certas causas onde a existência de conflito entre atitudes das partes (o elemento for- mal da lide, resistência à pretensão) mostra-se de total indife- rença, como sucede nas ações de anulação de casamento: com ou sem a resistência, o processo é indispensável à consecução do objetivo do autor, sendo inclusive indispensável a nomeação de curador que defenda a permanência do vínculo matrimonial (CC, art. 222)".6 21. O critério da controvérsia Outra chave para distinguir as duas figuras situa-se na controvérsia; assim, o processo encerra uma controvérsia ou litígio, quer no âmbito jurisdicional quer no âmbito administra- tivo; no processo administrativo o litígio envolveria a Admi- nistração e o administrado ou o servidor; o procedimento, por sua vez, seria o modo de realização do processo, seu rito.' 22. O critério do teleológico e do formal De acordo com esse critério, a noção de processo é essencial- mente teleológica, pois se caracteriza por sua finalidade de exercício do poder; a noção de procedimento é de índole formal, porque significa mera coordenação de atos que se sucedem.8 6. Fundamentos do processo civil moderno, 1987, p. 148. 7. É o entendimento de Hely Lopes Meirelles (cf. Direito adminis- trativo brasileiro, 1990, pp. 578 e 579). 8. Nesse sentido, Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco (Teoria geral do processo, 1991, p. 247) e Alcalá-Zamora (Proceso, autocomposición y autodefensa, 1970, p. 115). PROCESSO OU PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 35 "O procedimento é, nesse quadro, apenas o meio extrínseco pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo; é a manifestação extrínseca deste, a sua realidade fenomenológica perceptível... Conclui-se, portanto, que o procedimento (aspecto formal do processo) é o meio pelo qual a lei estampa os atos e fórmulas da ordem legal do processo".9 23. O critério do ato e da funçãoExiste uma orientação doutrinária que, acolhendo a tese de Benvenuti de que a função significa passagem do poder abstrato ao ato, daí extrai conseqüências diferentes daquelas menciona- das pelo referido autor. De acordo com essa orientação, há um circuito que se inicia sobre uma figura dinâmica, que é a função e se fecha sobre uma figura estática, que é o ato; o procedimen- to representa a reunião de ambas, atraído, no entanto, mais para o ato, do qual prepara os pressupostos e os elementos; o proce- dimento torna-se tributário do ato e representa sua descrição. Assim, o procedimento entra na área do ato; o processo vin- cula-se à função. Quando se fala de processo se dá realce a um conjunto de garantias que não se referem ao ato final ou à decisão, mas ao exercício da função; a função adquire evidên- cia enquanto seja evidente um processo e este, por sua vez, é evidente por si próprio e não pelo ato final em que culmina.'" 24. Procedimento como gênero e processo como espécie Nos confrontos entre processo e procedimento, realiza- dos com o intuito de distingui-los, o procedimento aparecia em posição desprestigiada; tornou-se até habitual o uso da expres- são "mero procedimento", sobretudo quando se pretendia de- signar a sucessão de atos do processo, a jurisdição voluntária e o processo administrativo. 9. Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco (Teoria geral do processo, 1991, p. 247). 10. É a orientação exposta por Berti (Diritto e stato, 1986, pp. 330, 331, no capítulo denominado "A estrutura procedimental"). 36 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO PROCESSO OU PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 37 No entanto, em época mais recente, a partir do estudo de Benvenuti, intitulado Funzione amministrativa,procedimento, processo (publicado em 1952) passou a se delinear, de modo mais nítido, a noção de procedimento e de processo e assistiu- se a uma reversão do menosprezo pelo procedimento; das idéias de Benvenuti resultou, dentre outras conseqüências, uma "rea- quisição" de prestígio científico do procedimento. Os pontos fundamentais do pensamento de Benvenuti são os seguintes: os atos emanados do poder estatal, tais como leis e sentenças, consistem na concretização da entidade abstrata que é o poder; concretizar significa assumir efetividade real; quer dizer, o poder se adapta a uma realidade, transfundindo-se em ato, o qual representa aplicação puntual de um poder a uma realidade. Esta concretização do poder em ato nem sempre é instantânea. Quando falta essa instantaneidade entre poder e ato, há qualquer coisa que enquanto se concretiza não é poder, mas ainda não é ato; este fazer-se ato denomina-se função. A manifestação sensível da função, o modo de fazer-se ato é o procedimento; procedimento é a história da transformação do poder em ato, história essa marcada por toda a série de atos necessários para a transformação do poder em realização concreta. Procedimento é fenômeno que se produz em todo exercício de uma função; constitui elemento basilar do sistema e da lógica do direito." 11. As idéias de Benvenuti tiveram ampla acolhida na doutrina publicista e processual ista italiana, principalmente. Nos trabalhos referen- tes à processualidade nas atuações dos poderes públicos tornou-se freqüen- te a vinculação entre poder, função e procedimento, tal corno exposto por Benvenuti. Contudo, críticas lhe foram dirigidas por Virga, segundo o qual o uso do procedimento não pode ser considerado necessário para os fins de exercício da função administrativa; há casos em que atos são editados inde- pendentemente de procedimento (11 provvedimento amministrativo, 1972, p. 224, nota 5). Em sentido semelhante a crítica formulada por Alberto Xavier: "Efetivamente, é ir longe demais dizer-se que toda concretização de um poder é uma função" (Do procedimento administrativo, 1976, p. 28). A ressalva de Virga merece acolhida, pois, no âmbito da atuação adminis- trativa, nem todo ato resulta de um processo; há atos editados com instantaneidade. Esse aspecto tem relevo justamente no tocante à caracte- rização da processualidade administrativa e das razões que levam à imposição de processo antes da edição de certos atos administrativos. Com base principalmente na idéia do procedimento como expressão da passagem não instantânea entre poder e ato, como história do conjunto de atos que marcam a transforma- ção do poder em ato final, passou-se a raciocinar em termos de procedimento como gênero e processo como espécie. Sobre- tudo no âmbito da atuação dos poderes públicos, a respectiva função realiza-se por procedimento, adotado, de modo gene- ralizado, para as manifestações das atividades dos sujeitos públicos." Contudo, o procedimento pode traduzir-se como processo. Partindo-se de tais premissas, buscou-se caracterizar pro- cesso e procedimento, surgindo duas orientações principais. 24.1 O critério da colaboração dos interessados Segundo Benvenuti," em virtude da sua própria essencialidade, como elemento basilar do sistema e da lógica do direito, o procedimento pode diferenciar-se em tipos con- cretos. E a diferenciação se obtém somente se o procedimento for encarado sob ótica subjetiva, isto é sob o aspecto do vínculo existente entre os sujeitos que dele participam. Do ponto de vista subjetivo, distinguem-se dois tipos de procedimento: o procedimento em sentido estrito e o processo. Os dois tipos ligam-se à figura do procedimento que, no seu aspecto objeti- vo, representa a manifestação sensível da função. O procedimento em sentido estrito tem como elemento característico a sucessão de atos, realizados todos pelo mesmo sujeito a quem compete editar o ato final; mesmo sujeito sig- nifica um só órgão ou mais órgãos do mesmo sujeito; ainda que os atos do procedimento provenham de órgãos diversos, todos são imputados ao mesmo sujeito. O referido autor atrela, a esse critério, a atuação dos vários órgãos norteada numa única di- 12. Nessa linha, Mortati, Istituzioni di diritto pubblico, v. I, 1975 p. 263. 13. "Funzione amministrativa, procedimento, processo", in Rivista trimestrale di diritto publico, 1952, pp. 118-145. PROCESSO OU PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 39 38 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO reção, que é o interesse do próprio sujeito que edita o ato. Ressalta, depois, que não é sem razão que se usa, de hábito o nome "procedimento" para designar o modo de exercício da função administrativa, pois esta é a transformação de poderes preordenados à satisfação do sujeito, Administração Pública; só de forma reflexa os poderes preordenados podem redundar na satisfação de um sujeito que não é a Administração, em particular o cidadão» Outro tipo de procedimento tem o nome de processo, cujo elemento característico se encontra na atuação de sujeitos diversos daquele a quem compete editar o ato; no processo, os próprios destinatários do ato têm a possibilidade de participar da concretização do poder no ato determinativo de sua posição. Processo é, assim, colaboração do interessado. Ao critério da colaboração dos interessados, o mencionado autor acrescenta que estes visam, com seus atos processuais, a um interesse substancial que não é o interesse do autor do ato, mas de seus próprios destinatários. Um dado a mais, segundo Benvenuti, caracteriza o pro- cesso; nele um ou vários atos dos sujeitos encontram sua razão de ser ou seu limite em atos de outro sujeito; quando esta ra- zão de ser e este limite surge e é fixado no interesse sobretudo do destinatário do ato, está presente um processo. Esta concep- ção do processo como modo de exercício de uma função pú- blica, limitada, no seu exercício, por atos realizados no inte- resse do destinatário do ato final, revela o elemento essencial do instituto. No tocante à função administrativa, o mesmo autor, em- bora tenha afirmado que o procedimento é a sua expressão típi- 14. As considerações tecidas no item 18, referentes à concepção da Administração como detentoraexclusiva e absoluta do interesse público, concepção essa hoje contestada, podem ser transpostas, como ressalva crítica a essa idéia de função administrativa exercida somente no interes- se da própria Administração Pública. Essa idéia era predominante na época em que Benvenuti publicou o seu trabalho, ora comentado (1952) e não invalida a grande contribuição que ofereceu ao tratamento da processual idade. ca, admite que também no direito administrativo ocorram hipó- teses em que, além do autor do ato, outros sujeitos colaborem no exercício da função, com atos determinativos do ato final, realizados no seu próprio interesse. E exemplifica com o recurso hierárquico e com o processo disciplinar, qualificando- os como processo. 24.2 O critério do contraditório De acordo com essa orientação,15 não basta para distin- guir o processo a colaboração de muitos sujeitos destinatários do ato; o que o diferencia é a estrutura dialética do procedimen- to; quer dizer, no processo, os poderes, as faculdades, os de- veres mediante os quais se realiza a colaboração, são distribu- ídos entre os participantes de maneira a haver uma efetiva cor- respondência entre as várias posições. Isso implica simetria de posições subjetivas, em interrelação, possibilidade de interlo- cução não episódica, daí decorrendo o exercício de um conjun- to de controles, de reações e de escolhas e a sujeição a controles e reações de outrem. As atividades dos interessados, praticadas nesse esquema, devem ser levadas em consideração pelo autor do ato, que não pode impedi-las, nem ignorá-las.'6 No dizer de Cândido Dinamarco "procedimento e contra- ditório fundem-se numa unidade empírica e somente mediante 15. O entendimento do contraditório como parâmetro da diferença entre processo e procedimento é encabeçado por Fazzalari ("Processo" in Novissimo Digesto Italiano, v. 13, 1966 e Istituzioni di diritto processuale, 1975) e adotado pelos processualistas pátrios Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Dinamarco (Teoria geral do processo, 1991, p. 254). O publicista José Afonso da Silva ressalta a presença de contraditório e divergências no processo: "Toda transformação fenomenológica se realiza através de um processo, cujo conteúdo com- preende aspectos contraditórios, oposição de interesses divergentes" (Princípios do processo de formação das leis no direito constitucional, 1964, p. 26). 16. Fazzalari, "Processo (teoria generale)" in Novissimo Digesto Italiano, v. 13, 1966, p: 1.072. 40 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO algum exercício do poder de abstração pode-se perceber que no fenômeno "processo" existem dois elementos conceitua lmente distintos: à base das exigências de cumprimento dos ritos insti- tuídos em lei está a garantia de participação dos sujeitos inte- ressados, pressupondo-se que cada um dos ritos seja desenha- do de modo hábil a propiciar e assegurar essa participação".'7 Assim, no aspecto conceituai o mesmo autor afirma a distinção: "Nem todo procedimento é processo, mesmo tratando-se de procedimento estatal e ainda que de algum modo possa envol- ver interesses de pessoas. O critério para a conceituação é a presença do contraditório"." 25. Critério adotado O rol dos critérios comumente invocados para distinguir procedimento e processo revela, não só o empenho científico de administrativistas e processualistas na caracterização de cada uma das figuras, mas também a própria evolução da matéria, no rumo da valorização procedimental, da mais precisa noção de processo e da idéia da existência de processualidade no exercício de todos os poderes estatais. Essa evolução culmina, principalmente, na concepção do procedimento-gênero, como representação da passagem do po- der em ato. Nesse enfoque, o procedimento consiste na suces- são necessária de atos encadeados entre si que antecede e pre- para um ato final. O procedimento se expressa como processo se for prevista também a cooperação de sujeitos, sob prisma contraditório. Tais conceitos resultam da combinação do critério da co- laboração das partes e do critério do contraditório, já expostos, que melhor extraíram a essência das duas figuras. É perfeita- mente admissível, a título de complementaridade, o uso do cri- tério da complexidade, na medida em que o processo, por significar colaboração dos interessados em contraditório, tra- 17. A instrumentalidade do processo, 1986, p. 116. 18. Op. cit., p. 116. PROCESSO OU PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 41 duz malha mais rica de vínculos do que o procedimento. E também o da controvérsia e o teleológico. 26. A processualidade administrativa qualificada como processo A despeito do difundido uso do termo "procedimento" no âmbito da atividade administrativa, mais adequada se mostra a expressão "processo administrativo". A resistência ao uso do vocábulo "processo" no campo da Administração Pública, explicada pelo receio de confusão com o processo jurisdicional, deixa de ter consistência no momento em que se acolhe a processualidade ampla, isto é a processu- alidade associada ao exercício de qualquer poder estatal. Em decorrência, há processo jurisdicional, processo legislativo, processo administrativo; ou seja, o processo recebe a adjetivação provinda do poder ou função de que é instrumento. A adje- tivação, dessa forma, permite especificar a que âmbito de ativi- dade estatal se refere determinado processo." Nos ordenamentos dotados de jurisdição dupla, nos quais se empregaria o vocábulo "procedimento" para evitar confusão com o processo da jurisdição administrativa, para este poderia ser usada a locução "processo jurisdicional administrativo", reservando-se "processo administrativo" para a esfera da Ad- ministração. Utilizar a expressão "processo administrativo" significa, portanto, afirmar que o procedimento com participação dos interessados em contraditório, ou seja, o verdadeiro processo, ocorre também no âmbito da Administração Pública. E todos os elementos do núcleo comum da processualidade podem ser detectados no processo administrativo, assim: a) os elementos 19. Em trabalho anterior, O direito administrativo em evolução, empregamos o termo procedimento; naquele trabalho, de natureza precipuamente metodológica, a matéria foi tratada de modo pouco aprofundado, pois o objetivo era assinalar tendência contemporânea do direito administrativo e atenção atual para um tema ausente da dogmática clássica desse ramo. O exame mais aprofundado do assunto levou a qualificá-lo como processo administrativo. 42 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO in fieri e pertinência ao exercício do poder estão presentes, pois o processo administrativo representa a transformação de pode- res administrativos em ato; b) o processo administrativo impli- ca sucessão encadeada e necessária de atos; c) é figura jurídica diversa do ato; quer dizer, o estudo do processo administrati- vo não se confunde com o estudo do ato administrativo; d) o processo administrativo mantém correlação com o ato final em que desemboca; e) há um resultado unitário a que se direcionam as atuações interligadas dos sujeitos em simetria de poderes, faculdades, deveres e ônus, portanto em esquema de contra- ditório. Além do mais, no ordenamento pátrio, a Constituição Fe- deral de 1988 adotou a expressão "processo administrativo" ou utilizou o termo "processo", o que significa não só escolha terminológica, mas sobretudo reconhecimento do processo nas atividades da Administração Pública, como demonstram, de forma clara, quatro dispositivos, principalmente: o inc. LV do art. 9: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes"; o inc. LXXII do art. 9: "Conceder-se-á habeas data... b) para retificação de dados quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso judicial ou administrativo"; o inc. XXI do art. 37: "Ressalvadosos casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública..."; o § 14 do art. 41: "O servidor público estável só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou mediante processo adminis- trativo em que lhe seja assegurada ampla defesa". 4 CARACTERIZAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO 27. Processo administrativo e contencioso administrativo — 28. Processo administrativo e processo jurisdicional — 28.1 A idéia da identidade entre jurisdição e administração 28.2 Critérios de distinção — 28.3 A função jurisdicional — 28.4 A função adminis- trativa — 29. Linhas evolutivas da concepção de processo admi- nistrativo — 30. Finalidades do processo administrativo — 30.1 Finalidades de garantia — 30.2 Melhor conteúdo das decisões — 30.3 Eficácia das decisões — 30.4 Legitimação do poder — 30.5 Correto desempenho da função — 30.6 Justiça na Administração — 30.7 Aproximação entre Administração e cidadãos — 30.8 Sistematização de atuações administrativas — 30.9 Facilitar o controle da Administração — 30.10 Aplicação dos princípios e regras comuns da atividade administrativa. 27. Processo administrativo e contencioso administrativo Um dos focos de resistência ao uso do termo "processo" para identificar a processualidade administrativa encontra-se na doutrina e legislação dos ordenamentos dotados de jurisdi- ção dupla, visto que a expressão "processo administrativo" vem aí reservada para o âmbito do chamado "contencioso adminis- trativo". Já se ponderou que nos ordenamentos com jurisdição una não se justifica o receio de confusão terminológica com o contencioso administrativo; e que nos ordenamentos dotados de jurisdição dupla a expressão "processo jurisdicional-adminis- trativo" poderia perfeitamente especificar a processual idade no âmbito da jurisdição administrativa. Na verdade, não se confundem processo administrativo e contencioso administrativo. 44 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO À locução "contencioso administrativo" vêm se atribuin- do conteúdos variados. Por vezes aparece com o sentido de controvérsia entre a Administração e particulares ou entre a Administração e seus servidores, ou seja, de controvérsia que envolve a Administração Pública. É o sentido menos preciso e menos técnico, que mais se presta a confusões, devendo ser evitado. Outras vezes, a expressão vem usada para designar o sis- tema em que se atribui à própria Administração o julgamento definitivo dos litígios que tem com administrados ou servido- res. Essa acepção representa a memória prolongada de um tempo em que na França, em muitos países europeus e até no Brasil, cabia ao Poder Executivo a solução de tais litígios. Originou-se na França a idéia de vedar ao Judiciário o julgamento de controvérsias que envolvessem a Administra- ção, em virtude, principalmente, de uma interpretação pecu- liar do princípio da separação de poderes, combinada a fatos históricos aí ocorridos antes da Revolução Francesa; de fato, no chamado Ancien Regime os Parlamentos, dotados de algu- mas funções jurisdicionais, passaram a imiscuir-se na Admi- nistração, editando preceitos que lhes pareciam aptos a acabar com abusos (mescla de justiça e ação administrativa) e tam- bém proferindo censuras a medidas editadas pelo monarca. Assim, após 14 de julho de 1789 procurou-se evitar interfe- rência de órgãos jurisdicionais na Administração Pública. Um decreto de 22 de dezembro de 1789 previa o seguinte: "As administrações de departamentos e distritos não poderão ser perturbadas no exercício de suas funções administrativas por nenhum ato do poder judiciário". Em 1790 editou-se a conhe- cida lei de 16-24 de agosto, que no seu art. 13 assim dispu- nha: "As funções jurisdicionais são distintas e permanece- ião sempre separadas das funções administrativas; os juízes não poderão, sob pena de prevaricação, perturbar, por qual- quer forma, as operações dos corpos administrativos". Tais preceitos foram reiterados na lei do 16 fructidor, ano III (1796), nos seguintes termos: "Proibições iterativas são feitas aos tribunais de conhecer atos da administração de qualquer CARACTERIZAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO 45 tipo que sejam, sob as penas da lei". Posteriormente, lei de 1800, editada por Napoleão, estabeleceu o modo de solução de litígios referentes à atividade da Administração: a decisão final cabia ao Primeiro Cônsul (na época o próprio Napoleão), com manifestação prévia do Conselho de Estado, órgão então cria- do. Esse foi o período da "justiça retida", em que ao soberano se reservava o exercício da justiça administrativa, competindo ao Conselho de Estado manifestações por meio de pareceres não vinculantes. Tal modo de solução das controvérsias suscitadas pela atuação administrativa difundiu-se em muitos países europeus no século XIX e até no Brasil a Constituição de 1824 criou um Conselho de Estado, depois extinto pelo Ato Adicional de 1834, reinstaurado em 1841 e abolido tacitamente pelo Dec. 1, de 15 de novembro de 1889. Em virtude desse período em que o Poder Executivo de- cidia, em definitivo, os litígios relativos à Administração, em que os Conselhos de Estado dos vários países não detinham in- dependência funcional, permaneceu na memória a idéia de contencioso administrativo como sinônimo de julgamento realiza- do pela própria Administração, que atuaria, então, como juiz e parte. A partir de 1872 na França, e depois em outros países, reconheceu-se ao Conselho de Estado e órgãos assemelhados independência para decidir, com o que se formou verdadeira jurisdição administrativa, quer dizer, jurisdição específica para litígios em que a Administração é parte (embora as regras de competência não tenham essa clareza), com as mesmas garan- tias de independência da jurisdição comum. Na acepção atual, contencioso administrativo designa um sistema em que existe uma jurisdição autônoma, independente da Administração e da jurisdição comum, para decidir os lití- gios referentes à Administração Pública em geral. Adotam o contencioso administrativo numa versão completa, a França, Alemanha, Portugal e Suécia; numa versão incompleta, a Itália e a Bélgica. CARACTERIZAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO 47 46 PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO Contencioso administrativo, em sentido contemporâneo, significa atividade jurisdicional, dotada das mesmas conotações da atividade jurisdicional comum. Não se confunde portanto, com processo administrativo, que se refere à atividade admi- nistrativa relacionada a funções próprias da Administração Pú- blica e realizadas em seu âmbito. 28. Processo administrativo e processo jurisdicional A não acolhida do termo "processo" para denominar a processualidade administrativa também se explica pelo receio de confusão com o processo realizado no âmbito da jurisdição.' Buscam-se, então, as diferenças entre os dois processos, para demonstrar a possibilidade do uso do mesmo termo, sem o risco de indiscrim inação. Subjacente à comparação entre processo administrativo e processo jurisdicional encontra-se o tradicional confronto en- tre administração e jurisdição. Com efeito, afirmada a concep- ção de processualidade extensiva a todos os poderes estatais, ressaltada a existência de um núcleo comum dessa processuali- dade, as peculiaridades afloram das características funcionais de cada poder. Portanto, a idéia de um núcleo comum de proces- sualidade não é incompatível com a existência de particulari- dades em cada tipo de processo, decorrentes sobretudo da modalidade de função a que se vincula. No tocante à jurisdição e administração, há longo tempo publicistas, administrativistas e processualistas vêm se ocu- pando do confronto das duas funções. 28.1 A idéia de identidade entre jurisdição e administração Nesse confronto surgiu o entendimento no sentido da iden- tidade das duas funções, desdobrado em duas vertentes.
Compartilhar