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INTERPRETAÇÃO PRÉ-VESTIBULAR 135PROENEM.COM.BR FIGURAS DE LINGUAGEM I: FIGURAS DE PALAVRA E DE PENSAMENTO08 ESTILÍSTICA Quando falamos em Estilística estamos realmente falando da parte da gramática que estuda o estilo, entendendo por estilo um conjunto de características e de usos de linguagem representativos da intencionalidade do enunciador e capazes de estabelecer distinção entre dois textos. Quando diretamente relacionada à Semântica, a Estilística ocupa-se significação contextual e expressiva das palavras e expressões, baseando-se nas suas possibilidades de plurissignificação. Pode, também, dar conta de modelos de construção gramatical, desde que sirvam à expressividade. Contudo, sua principal área de atuação reside no par conotação/ denotação e no estabelecimento da linguagem figurada. Normalmente encontraremos a base para a análise da Estilística nos textos literários, já que “a linguagem literária desvia-se, sistematicamente, da norma padrão com o objetivo de colocar em primeiro plano as propriedades linguísticas do texto e de desfamiliarizar as percepções automatizadas do leitor”. Outro campo de análise será a linguagem publicitária que utiliza diversos jogos de palavras e sentidos em sua tarefa de persuadir os consumidores. LINGUAGEM FIGURADA Procura da Poesia (...) Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra (Carlos Drummond de Andrade) O poeta Drummond ensina que as palavras podem apresentar múltiplos significados, dependendo do contexto em que as utilizemos. A essa possibilidade de uma palavra apresentar diversos sentidos chamamos polissemia. Alguns desses sentidos nos remetem à ideia original da palavra, isto é, seu sentido primordial, denotativo. Outros ganham um sentido dentro do contexto em que são usados, o chamado sentido figurado ou conotativo. No mesmo poema, Drummond fala que as palavras, antes da poesia, ficam em “estado de dicionário”, isto é, apresentando apenas sua significação objetiva, ligada diretamente à necessidade em se nomear determinado ser ou processo. Contudo, podem-se usar as palavras atribuindo-lhes novos sentidos de acordo com a intenção, com o estilo a que se propõe. Alguns desses sentidos são absolutamente comuns (ainda que se distanciem do significado original) formados por associações ou aceitos culturalmente como tais. É o que ocorre com a palavra coração que, por extensão e associação, pode significar amor, paixão ou até mesmo ser usada como adjetivo. Desta maneira, pode-se entender que as figuras de linguagem são manifestações do indivíduo na intenção estilística de explorar usos da língua em determinados contextos, buscando a superação da linguagem em prol de maior expressividade para o texto. É sempre útil alertar que as figuras dependem da intenção e, normalmente, do contexto em que são empregadas para que se as possa realmente considerar. Entre as várias maneiras de obterem-se tais efeitos, faz-se uma divisão entre as figuras. Duas delas apresentaremos aqui: aquelas que manifestam suas relações através de expressões que se revelam possuidoras de outros sentidos, as figuras de pensamento; e aqueles chamamos tropos linguísticos – por alguns considerados figuras de palavra – em que os termos são usados em sentido conotativo para sua realização. FIGURAS DE PENSAMENTO Antítese - Consiste na oposição entre duas ou mais ideias, onde os conceitos se contrapõem, mas não se excluem. “Os jardins têm vida e morte” No caso de os conceitos tornarem-se irrealizáveis, teremos um paradoxo: “Rio de neve em fogo convertido” L. Camões Apóstrofe – é uma invocação ou interpelação direta às pessoas ou seres personificados. “Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?!” Castro Alves Comparação ou símile – é o estabelecimento de uma comparação entre duas ideias, através do uso explícito de um conectivo ou de uma construção marcantemente comparativa. “Seus olhos brilhavam mais do que as estrelas” “A saudade bateu foi que nem maré” J. Vercillo Eufemismo – é uma forma suave de expressar alguma mensagem desagradável, forte ou socialmente desvalorizada. Com o aparecimento do comportamento “politicamente correto”, o eufemismo ganha uso corrente, seja nas empresas – como forma de prestigiar funções subalternas com nomes imponentes – seja no cotidiano, em que o uso de algumas expressões passou a soar preconceituoso ou grosseiro. “Ela deu o último suspiro” “Meu avô trabalhava como um humilde chefe de recepção de edifícios” Quando se utilizam expressões para satirizar ou mesmo fazer um uso popular diante determinada situação, temos o disfemismo. “O bandido vestiu o paletó de madeira” Gradação – configura-se como uma sequência de palavras, sejam sinônimas ou não, promovendo a intensificação de uma ideia. “O trigo nasceu, cresceu, espigou, amadureceu, colheu-se, mediu-se” Pe. Antônio Vieira Hipérbole - consiste no exagero deliberado de uma afirmação. “Ela chorou rios de lágrimas” Ironia – consiste em dizer justamente o oposto do que se pretende. “Este goleiro é excelente: dez falhas numa única partida...” R ep ro du çã o pr oi bi da A rt . 1 84 d o CP . PRÉ-VESTIBULARPROENEM.COM.BR136 INTERPRETAÇÃO 08 FIGURAS DE LINGUAGEM I: FIGURAS DE PALAVRA E DE PENSAMENTO Perífrase – é o emprego de vários vocábulos para expressar um único nome. “O Poeta dos Escravos” (Em lugar de Castro Alves) Prosopopéia (ou Personificação) – é a atribuição de vida e vontade própria a seres inanimados. “Os penhascos gemiam” Sinestesia – consiste em mesclar numa mesma expressão sensações percebidas por diferentes órgãos do sentido. “Um grito áspero revelava todo o seu medo.” ‘TROPOS’ LINGUÍSTICOS - AS FIGURAS DE PALAVRA Consideram-se tropos as palavras tomadas fora de seu sentido original, explorando claramente as possibilidades de significação contextual, sendo utilizadas em sentido conotativo. É comum também a designação desse processo como figuras de palavra. Metáfora – figura que realça os aspectos conotativos de um vocábulo, ensejando uma comparação imediata. “Seus olhos eram estrelas” “Alessandra é uma flor” Metonímia – Existe quando o significado sugerido pelo termo resulta de uma aproximação de ideias, empregando um termo no lugar de outro, com o qual mantém uma relação de contiguidade (autor pela obra, todo pela parte, lugar pelo produto, efeito pela causa etc.). Note que, quando se fala em metonímia, sempre haverá uma substituição de uma ideia pela outra. “Vivem sem teto” (sem casa) “Pegar um níquel” (uma moeda) “Ele comeu dois pratos” (a comida contida nos pratos) “Pedir a mão da moça em casamento” (a própria moça, não só a mão) “Coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do rosto.” Machado de Assis Catacrese – é a figura que confere novo emprego a um vocábulo, por falta de termos apropriados. “O pé da mesa quebrou” “Apoiou-se, então, nos braços da cadeira” Antonomásia – é um caso especial de metonímia, através do qual um nome próprio é substituído por uma circunstância ou qualidade a ele intrinsecamente relacionada. “O Genovês salta os mares...” (Castro Alves) (o termo “Genovês” se refere a Cristóvão Colombo) PROTREINO EXERCÍCIOS 01. Explique o que significa estilística. 02. Cite e defina duas figuras do pensamento. 03. Justifique por que o texto publicitário usa diversos recursos linguísticos, como jogos de palavras. 04. Explique o sentido de linguagem figurada. 05. Defina o que significa ‘estado de dicionário’. PROPOSTOS EXERCÍCIOS 01. (ENEM) Metáfora Gilberto Gil Uma lata existe para conter algo Mas quando o poeta diz: "Lata" Pode estar querendo dizer o incontível Uma meta existe para ser um alvo Mas quando o poeta diz: "Meta" Pode estar querendo dizer o inatingível Por isso, não se meta a exigir do poeta Que determine o conteúdo em sua lata Na lata do poeta tudo-nada cabe Pois ao poeta cabe fazer Com que na lata venha caber O incabível Deixe a meta do poeta, não discutaDeixe a sua meta fora da disputa Meta dentro e fora, lata absoluta Deixe-a simplesmente metáfora. Disponível em: http://www.letras.terra.com.br. Acesso em: 5 fev. 2009. A metáfora é a figura de linguagem identificada pela comparação subjetiva, pela semelhança ou analogia entre elementos. O texto de Gilberto Gil brinca com a linguagem remetendo-nos a essa conhecida figura. O trecho em que se identifica a metáfora é: a) “Uma lata existe para conter algo”. b) “Mas quando o poeta diz: ’Lata’”. c) “Uma meta existe para ser um alvo”. d) “Por isso não se meta a exigir do poeta”. e) “Que determine o conteúdo em sua lata”. 02. (ENEM) TEXTO I Onde está a honestidade? Você tem palacete reluzente Tem joias e criados à vontade Sem ter nenhuma herança ou parente Só anda de automóvel na cidade… E o povo pergunta com maldade: Onde está a honestidade? Onde está a honestidade? O seu dinheiro nasce de repente E embora não se saiba se é verdade Você acha nas ruas diariamente Anéis, dinheiro e felicidade… Vassoura dos salões da sociedade Que varre o que encontrar em sua frente Promove festivais de caridade Em nome de qualquer defunto ausente… ROSA, N. Disponível em: http://www.mpbnet.com.br. Acesso em: abr. 2010. TEXTO II Um vulto da história da música popular brasileira, reconhecido nacionalmente, é Noel Rosa. Ele nasceu em 1910, no Rio de Janeiro; portanto, se estivesse vivo, estaria completando 100 anos. Mas faleceu aos 26 anos de idade, vítima de tuberculose, deixando um acervo de grande valor para o patrimônio cultural brasileiro. Muitas de suas letras representam a sociedade contemporânea, como se tivessem sido escritas no século XXI. Disponível em: http://www.mpbnet.com.br. Acesso em: abr. 2010. R ep ro du çã o pr oi bi da A rt . 1 84 d o CP . PRÉ-VESTIBULAR PROENEM.COM.BR 08 F IGURAS DE LINGUAGEM I: FIGURAS DE PALAVRA E DE PENSAMENTO 137 INTERPRETAÇÃO Um texto pertencente ao patrimônio literário-cultural brasileiro é atualizável, na medida em que ele se refere a valores e situações de um povo. A atualidade da canção Onde está a honestidade?, de Noel Rosa, evidencia-se por meio a) da ironia, ao se referir ao enriquecimento de origem duvidosa de alguns. b) da crítica aos ricos que possuem joias, mas não têm herança. c) da maldade do povo a perguntar sobre a honestidade. d) do privilégio de alguns em clamar pela honestidade. e) da insistência em promover eventos benefi centes. 03. I - DENTRO DA NOITE (Manuel Bandeira) Dentro da noite a vida canta E esgarça névoas ao luar... Fosco minguante o vale encanta. Morreu pecando alguma santa... A água não para de chorar. [...] II - SONHO BRANCO (Cruz e Sousa) De linho e rosas brancas vais vestido, Sonho virgem que cantas no meu peito!... És do Luar o claro deus eleito, Das estrelas puríssimas nascido. [...] Após atenciosa leitura dos textos acima (textos de séculos diferentes: o primeiro, do início do século XX; o segundo, do fi nal do século XIX), considerando a falta de semelhança entre eles, identifi que uma fi gura de linguagem comum. a) Paradoxo b) Catacrese c) Sinestesia d) Hipérbole e) prosopopéia 04. 1 Triste Bahia! Oh quão dessemelhante 2 Estás, e estou do nosso antigo estado! 3 Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado, 4 Rica te vejo eu já, tu a mi abundante. 5 A ti trocou-te a máquina mercante, 6 Que em tua larga barra tem entrado, 7 A mim foi-me trocando, e tem trocado 8 Tanto negócio, e tanto negociante. 9 Deste em dar tanto açúcar excelente 10 Pelas drogas inúteis, que abelhuda 11 Simples aceitas do sagaz Brichote. 12 Oh se quisera Deus, que de repente 13 Um dia amanheceras tão sisuda 14 Que fora de algodão o teu capote! (MATOS, Gregório de. Poesias selecionadas. 3. ed. São Paulo: FTD, 1998. p. 141.) Sobre fi guras de linguagem no poema, considere as afi rmativas a seguir. I. A descrição do eu lírico e da Bahia confi gura uma antítese entre o estado antigo e o atual de ambos. II. A antítese é verifi cada na oposição entre as expressões “máquina mercante” e “drogas inúteis”, embora ambas se refi ram à Bahia. III. Os versos 3 e 4 são exemplos do papel relevante da gradação no conjunto do poema, pois enumeram estados de espírito do eu lírico. IV. Os versos “Um dia amanheceras tão sisuda / Que fora de algodão o teu capote!” confi guram exemplos de personifi cação e metáfora, respectivamente. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afi rmativas I e IV são corretas. b) Somente as afi rmativas II e III são corretas. c) Somente as afi rmativas III e IV são corretas. d) Somente as afi rmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afi rmativas I, II e IV são corretas 05. (ENEM) Aquarela O corpo no cavalete é um pássaro que agoniza exausto do próprio grito. As vísceras vasculhadas principiam a contagem regressiva. No assoalho o sangue se decompõe em matizes que a brisa beija e balança: o verde - de nossas matas o amarelo - de nosso ouro o azul - de nosso céu o branco o negro o negro CACASO. In: HOLLANDA, H. B (Org.). 26 poetas hoje. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007. Situado na vigência do Regime Militar que governou o Brasil, na década de 1970, o poema de Cacaso edifi ca uma forma de resistência e protesto a esse período, metaforizando a) as artes plásticas, deturpadas pela repressão e censura. b) a natureza brasileira, agonizante como um pássaro enjaulado. c) o nacionalismo romântico, silenciado pela perplexidade com a Ditadura. d) o emblema nacional, transfi gurado pelas marcas do medo e da violência. e) as riquezas da terra, espoliadas durante o aparelhamento do poder armado. 06. (ENEM) Disponível em: www.portaldapropaganda.com.br. Acesso em: 29. out. 2013 (adaptado). Os meios de comunicação podem contribuir para a resolução de problemas sociais, entre os quais o da violência sexual infantil. Nesse sentido, a propaganda usa a metáfora do pesadelo para a) informar crianças vítimas de abuso sexual sobre os perigos dessa prática, contribuindo para erradicá-la. b) denunciar ocorrências de abuso sexual contra meninas, com o objetivo de colocar criminosos na cadeia. c) dar a devida dimensão do que é o abuso sexual para uma criança, enfatizando a importância da denúncia. d) destacar que a violência sexual infantil predomina durante a noite, o que requer maior cuidado dos responsáveis nesse período. e) chamar a atenção para o fato de o abuso infantil ocorrer durante o sono, sendo confundido por algumas crianças com um pesadelo. R ep ro du çã o pr oi bi da A rt . 1 84 d o CP . PRÉ-VESTIBULARPROENEM.COM.BR138 INTERPRETAÇÃO 08 FIGURAS DE LINGUAGEM I: FIGURAS DE PALAVRA E DE PENSAMENTO 07. (ENEM) Aquele bêbado — Juro nunca mais beber — e fez o sinal da cruz com os indicadores. Acrescentou: — Álcool. O mais ele achou que podia beber. Bebia paisagens, músicas de Tom Jobim, versos de Mário Quintana. Tomou um pileque de Segall. Nos fins de semana, embebedava-se de Índia Reclinada, de Celso Antônio. — Curou-se 100% do vício — comentavam os amigos. Só ele sabia que andava mais bêbado que um gambá. Morreu de etilismo abstrato, no meio de uma carraspana de pôr do sol no Leblon, e seu féretro ostentava inúmeras coroas de ex-alcoólatras anônimos. ANDRADE, C. D. Contos plausíveis. Rio de Janeiro: Record, 1991. A causa mortis do personagem, expressa no último parágrafo, adquire um efeito irônico no texto porque, ao longo da narrativa, ocorre uma a) metaforização do sentido literal do verbo “beber”. b) aproximação exagerada da estética abstracionista. c) apresentação gradativa da coloquialidade da linguagem. d) exploração hiperbólica da expressão “inúmeras coroas”. e) citação aleatória de nomes de diferentes artistas. 08. (ENEM) O açúcar O branco açúcar que adoçará meu café nesta manhã de Ipanema não foi produzido por mim nem surgiu dentro do açucareiro por milagre. Vejo-o puro e afável ao paladar como beijo de moça, água na pele, flor que se dissolve na boca. Mas este açúcar não foi feito por mim. Este açúcar veio da mercearia da esquina etampouco o fez o Oliveira, [dono da mercearia. Este açúcar veio de uma usina de açúcar em Pernambuco ou no Estado do Rio e tampouco o fez o dono da usina. Este açúcar era cana e veio dos canaviais extensos que não nascem por acaso no regaço do vale. (...) Em usinas escuras, homens de vida amarga e dura produziram este açúcar branco e puro com que adoço meu café esta manhã em Ipanema. Ferreira Gullar. Toda Poesia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, p. 227-8. A antítese que configura uma imagem da divisão social do trabalho na sociedade brasileira é expressa poeticamente na oposição entre a doçura do branco açúcar e a) o trabalho do dono da mercearia de onde veio o açúcar. b) o beijo de moça, a água na pele e a flor que se dissolve na boca. c) o trabalho do dono do engenho em Pernambuco, onde se produz o açúcar. d) a beleza dos extensos canaviais que nascem no regaço do vale. e) o trabalho dos homens de vida amarga em usinas escuras. 09. (ENEM) TEXTO I Onde está a honestidade? Você tem palacete reluzente Tem joias e criados à vontade Sem ter nenhuma herança ou parente Só anda de automóvel na cidade... E o povo pergunta com maldade: Onde está a honestidade? Onde está a honestidade? O seu dinheiro nasce de repente E embora não se saiba se é verdade Você acha nas ruas diariamente Anéis, dinheiro e felicidade... Vassoura dos salões da sociedade Que varre o que encontrar em sua frente Promove festivais de caridade Em nome de qualquer defunto ausente... ROSA, N. Disponível em: http://www.mpbnet.com.br. Acesso em: abr. 2010 TEXTO II Um vulto da história da música popular brasileira, reconhecido nacionalmente, é Noel Rosa. Ele nasceu em 1910, no Rio de Janeiro; portanto, se estivesse vivo, estaria completando 100 anos. Mas faleceu aos 26 anos de idade, vítima de tuberculose, deixando um acervo de grande valor para o patrimônio cultural brasileiro. Muitas de suas letras representam a sociedade contemporânea, como se tivessem sido escritas no século XXI. Disponível em: http://www.mpbnet.com.br. Acesso em: abr. 2010. Um texto pertencente ao patrimônio literário-cultural brasileiro é atualizável, na medida em que ele se refere a valores e situações de um povo. A atualidade da canção Onde está a honestidade?, de Noel Rosa, evidencia-se por meio a) da ironia, ao se referir ao enriquecimento de origem duvidosa de alguns. b) da crítica aos ricos que possuem joias, mas não têm herança. c) da maldade do povo a perguntar sobre a honestidade. d) do privilégio de alguns em clamar pela honestidade. e) da insistência em promover eventos beneficentes. 10. (ENEM) Oximoro, ou paradoxismo, é uma figura de retórica em que se combinam palavras de sentido oposto que parecem excluir- se mutuamente, mas que, no contexto, reforçam a expressão. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Considerando a definição apresentada, o fragmento poético da obra Cantares, de Hilda Hilst, publicada em 2004, em que pode ser encontrada a referida figura de retórica é: a) “Dos dois contemplo rigor e fixidez. Passado e sentimento me contemplam”. b) “De sol e lua De fogo e vento Te enlaço”. c) “Areia, vou sorvendo A água do teu rio”. d) “Ritualiza a matança de quem só te deu vida. E me deixa viver nessa que morre”. e) “O bisturi e o verso. Dois instrumentos entre as minhas mãos”. 11. (IFSP 2016) Tintim Durante alguns anos, o tintim me intrigou. Tintim por tintim: o que queria dizer aquilo? Imaginei que fosse alguma misteriosa medida de outros tempos que sobrevivera ao sistema métrico, como a braça, a légua, etc. Outro mistério era o triz. Qual a exata definição de um triz? É uma subdivisão de tempo ou de espaço. As coisas deixam de acontecer por um triz, por uma fração de segundo R ep ro du çã o pr oi bi da A rt . 1 84 d o CP . PRÉ-VESTIBULAR PROENEM.COM.BR 08 FIGURAS DE LINGUAGEM I: FIGURAS DE PALAVRA E DE PENSAMENTO 139 INTERPRETAÇÃO ou de milímetro. Mas que fração? O triz talvez correspondesse a meio tintim, ou o tintim a um décimo de triz. Tanto o tintim quanto o triz pertenceriam ao obscuro mundo das microcoisas. Há quem diga que não existe uma fração mínima de matéria, que tudo pode ser dividido e subdividido. Assim como existe o infinito para fora – isto é, o espaço sem fim, depois que o Universo acaba – existiria o infinito para dentro. A menor fração da menor partícula do último átomo ainda seria formada por dois trizes, e cada triz por dois tintins, e cada tintim por dois trizes, e assim por diante, até a loucura. Descobri, finalmente, o que significa tintim. É verdade que, se tivesse me dado o trabalho de olhar no dicionário mais cedo, minha ignorância não teria durado tanto. Mas o óbvio, às vezes, é a última coisa que nos ocorre. Está no Aurelião. Tintim, vocábulo onomatopaico que evoca o tinido das moedas. Originalmente, portanto, "tintim por tintim" indicava um pagamento feito minuciosamente, moeda por moeda. Isso no tempo em que as moedas, no Brasil, tiniam, ao contrário de hoje, quando são feitas de papelão e se chocam sem ruído. Numa investigação feita hoje da corrupção no país tintim por tintim ficaríamos tinindo sem parar e chegaríamos a uma nova concepção de infinito. Tintim por tintim. A menina muito dada namoraria sim-sim por sim-sim. O gordo incontrolável progrediria pela vida quindim por quindim. O telespectador habitual viveria plim-plim por plim-plim. E você e eu vamos ganhando nosso salário tin por tin (olha aí, a inflação já levou dois tins). Resolvido o mistério do tintim, que não é uma subdivisão nem de tempo nem de espaço nem de matéria, resta o triz. O Aurelião não nos ajuda. "Triz", diz ele, significa por pouco. Sim, mas que pouco? Queremos algarismos, vírgulas, zeros, definições para "triz". Substantivo feminino. Popular. "Icterícia." Triz quer dizer icterícia. Ou teremos que mudar todas as nossas teorias sobre o Universo ou teremos que mudar de assunto. Acho melhor mudar de assunto. O Universo já tem problemas demais. (VERÍSSIMO, Luis Fernando. Comédias para ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.) Considere o trecho: “O Aurelião não nos ajuda. "Triz", diz ele, significa por pouco”. A figura de linguagem presente no trecho é: f) metáfora. g) antítese. h) hipérbole. i) eufemismo. j) personificação. 12. (UNICAMP) Morro da Babilônia À noite, do morro descem vozes que criam o terror (terror urbano, cinquenta por cento de cinema, e o resto que veio de Luanda ou se perdeu na língua Geral). Quando houve revolução, os soldados espalharam no morro, o quartel pegou fogo, eles não voltaram. Alguns, chumbados, morreram. O morro ficou mais encantado. Mas as vozes do morro não são propriamente lúgubres. Há mesmo um cavaquinho bem afinado que domina os ruídos da pedra e da folhagem e desce até nós, modesto e recreativo, como uma gentileza do morro. (Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p.19.) No poema “Morro da Babilônia”, de Carlos Drummond de Andrade, k) a menção à cidade do Rio de Janeiro é feita de modo indireto, metonimicamente, pela referência ao Morro da Babilônia. l) o sentimento do mundo é representado pela percepção particular sobre a cidade do Rio de Janeiro, aludida pela metáfora do Morro da Babilônia. m) o tratamento dado ao Morro da Babilônia assemelha-se ao que é dado a uma pessoa, o que caracteriza a figura de estilo denominada paronomásia. n) a referência ao Morro da Babilônia produz, no percurso figurativo do poema, um oximoro: a relação entre terror e gentileza no espaço urbano. 13. A tirinha denota a postura assumida por seu produtor frente ao uso social da tecnologia para fins de interação e de informação. Tal posicionamento é expresso, de forma argumentativa, por meio de uma atitude a) crítica, expressa pelas ironias. b) resignada, expressa pelas enumerações. c) indignada, expressa pelos discursos diretos. d) agressiva, expressa pela contra-argumentação. e) alienada,expressa pela negação da realidade. 14. (IFAL 2018) Antítese é a figura de linguagem que ocorre quando há uma aproximação de palavras ou expressões de sentidos opostos. Assinale a opção em que há uma antítese. a) "O homem é uma substância vivente, sensitiva, racional. O pó vive? Não. Pois como é pó o vivente? O pó sente? Não. Pois como é pó o sensitivo? O pó entende e discorre? Não. Pois como é pó o racional?" (VIEIRA, Antônio Pe. Sermões, Erechim: Edelbra, 1998, p. 56) b) "Vou-me embora pra Pasárgada / Lá sou amigo do rei / Lá tenho a mulher que eu quero / Na cama que escolherei / Vou- me embora pra Pasárgada." (Texto extraído do livro Bandeira a Vida Inteira, Rio de Janeiro: Editora Alumbramento, 1986, p. 90) c) "O Trivium explica que a lógica é a arte da dedução. Na qualidade de seres pensantes, sabemos alguma coisa e desse saber podemos deduzir um novo saber, um novo conhecimento." (MIRIAM, Joseph. O Trivium: as artes liberais da lógica, gramática e retórica: entendendo a natureza e a função da linguagem. Trad.: Henrique Paul Dimyterko. São Paulo: É Realizações, 2008, p. 24) d) "Mas que o homem, pela necessidade de sua natureza, busque não existir, ou mudar de forma, isso é tão impossível quanto criar algo a partir de nada, como todos podem concluir meditando um pouco." (MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 75) e) "Deve-se reconhecer que muitas proposições mencionam a “quantidade” mais especificamente do que as proposições de forma típica." (COPI, Irving. Introdução à Lógica. Trad.: Álvaro Cabral. 2.ª ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 200) R ep ro du çã o pr oi bi da A rt . 1 84 d o CP . PRÉ-VESTIBULARPROENEM.COM.BR140 INTERPRETAÇÃO 08 FIGURAS DE LINGUAGEM I: FIGURAS DE PALAVRA E DE PENSAMENTO 15. (UNIFESP) Maria Bofetão A surra que Maria Clara aplicou na vilã Laura levantou a audiência da novela Celebridade. Na segunda-feira passada, 28 tabefes bem aplicados pela heroína Maria Clara (Malu Mader) derrubaram a ignóbil Laura (Cláudia Abreu) e levantaram a audiência de Celebridade, a novela das 8 da Globo. (…) Tanto a mocinha quanto a vilã ganharam nova dimensão nos últimos tempos. Maria Clara, depois de perder sua fortuna, deixou de ser apenas uma patricinha magnânima e insossa, a aborrecida Maria Chata. Ela ganhou fibra e mostrou que não tem sangue de barata. Quanto à Laura, ficou claro que sua maldade tem proporções oceânicas: continuou com suas perfídias mesmo depois de conquistar a fama e o dinheiro que almejava. Por tripudiar tanto assim sobre a inimiga, atraiu o ódio dos noveleiros. (Veja, 05.05.2004.) Em “Quanto à Laura, ficou claro que sua maldade tem proporções oceânicas”, a figura de linguagem presente é a) uma metáfora, já que compara a maldade com o oceano. b) uma hipérbole, pois expressa a ideia de uma maldade exagerada. c) um eufemismo, já que não afirma diretamente o quanto há de maldade. d) uma ironia, pois se reconhece a maldade, mas ficam pressupostos outros sentidos. e) um pleonasmo, já que entre maldade e oceânicas há uma repetição de sentido. 16. (EEAR 2019) Leia: I. O Rio Doce entrou em agonia, após o desastre que poluiu suas águas com lama. II. Suas águas, claras, estão agora escuras, de mãos irresponsáveis que a sujaram. Nas frases há, respectivamente, as seguintes figuras de linguagem: a) Eufemismo – Prosopopeia. b) Prosopopeia – Antítese. c) Antítese – Prosopopeia. d) Eufemismo – Antítese. 17. (CP2 2019) Do Velho ao Jovem Na face do velho as rugas são letras, palavras escritas na carne, abecedário do viver. Na face do jovem o frescor da pele e o brilho dos olhos são dúvidas. Nas mãos entrelaçadas de ambos, o velho tempo funde-se ao novo, e as falas silenciadas explodem. O que os livros escondem, as palavras ditas libertam. E não há quem ponha um ponto final na história Infinitas são as personagens… Vovó Kalinda, Tia Mambene, Primo Sendó, Ya Tapuli, Menina Meká, Menino Kambi, Neide do Brás, Cíntia da Lapa, Piter do Estácio, Cris de Acari, Mabel do Pelô, Sil de Manaíra E também de Santana e de Belô e mais e mais, outras e outros… Nos olhos do jovem também o brilho de muitas histórias. E não há quem ponha um ponto final no rap É preciso eternizar as palavras da liberdade ainda e agora… Texto de Conceição Evaristo publicado no livro Poemas da recordação e outros movimentos (Belo Horizonte: Nandyala, 2008). Em “as rugas são letras” (linha 2), foi empregada como recurso estilístico a figura de linguagem a) antítese. b) hipérbole. c) metáfora. d) metonímia. 18. (CP2 2019) Coleção Colecionamos objetos mas não o espaço entre os objetos fotos mas não o tempo entre as fotos selos mas não viagens lepidópteros mas não seu voo garrafas mas não a memória da sede discos mas nunca o pequeno intervalo de silêncio entre duas canções MARQUES, Ana Martins. O livro das semelhanças. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. Quanto aos termos relacionados no poema, pode-se identificar uma antítese entre a) “fotos” e “tempo”. b) “selos” e “viagens”. c) “silêncio” e “canções”. d) “lepidópteros” e “voo”. R ep ro du çã o pr oi bi da A rt . 1 84 d o CP . PRÉ-VESTIBULAR PROENEM.COM.BR 08 FIGURAS DE LINGUAGEM I: FIGURAS DE PALAVRA E DE PENSAMENTO 141 INTERPRETAÇÃO 19. (IME 2019) O elefante Fabrico um elefante de meus poucos recursos. Um tanto de madeira tirado a velhos móveis talvez lhe dê apoio. E o encho de algodão, de paina, de doçura. A cola vai fixar suas orelhas pensas. A tromba se enovela, é a parte mais feliz de sua arquitetura. Mas há também as presas, dessa matéria pura que não sei figurar. Tão alva essa riqueza a espojar-se nos circos sem perda ou corrupção. E há por fim os olhos, onde se deposita a parte do elefante mais fluida e permanente, alheia a toda fraude. Eis o meu pobre elefante pronto para sair à procura de amigos num mundo enfastiado que já não crê em bichos e duvida das coisas. Ei-lo, massa imponente e frágil, que se abana e move lentamente a pele costurada onde há flores de pano e nuvens, alusões a um mundo mais poético onde o amor reagrupa as formas naturais. Vai o meu elefante pela rua povoada, mas não o querem ver nem mesmo para rir da cauda que ameaça deixá-lo ir sozinho. É todo graça, embora as pernas não ajudem e seu ventre balofo se arrisque a desabar ao mais leve empurrão. Mostra com elegância sua mínima vida, e não há cidade alma que se disponha a recolher em si desse corpo sensível a fugitiva imagem, o passo desastrado mas faminto e tocante. Mas faminto de seres e situações patéticas, de encontros ao luar no mais profundo oceano, sob a raiz das árvores ou no seio das conchas, de luzes que não cegam e brilham através dos troncos mais espessos. Esse passo que vai sem esmagar as plantas no campo de batalha, à procura de sítios, segredos, episódios não contados em livro, de que apenas o vento, as folhas, a formiga reconhecem o talhe, mas que os homens ignoram, pois só ousam mostrar-se sob a paz das cortinas à pálpebra cerrada. E já tarde da noite volta meu elefante, mas volta fatigado, as patas vacilantes se desmancham no pó. Ele não encontrou o de que carecia, o de que carecemos, eu e meu elefante, em que amo disfarçar-me. Exausto de pesquisa, caiu-lhe o vasto engenho como simples papel. A cola se dissolve e todo o seu conteúdo de perdão, de carícia, de pluma, de algodão, jorra sobre o tapete, qual mito desmontado. Amanhã recomeço. ANDRADE, Carlos Drummond de. O Elefante. 9ª ed. - São Paulo: Editora Record, 1983. Considere os versos 95 a 98 do poema, transcritos abaixo: “e todo o seu conteúdo de perdão, de carícia, de pluma, de algodão, jorra sobre o tapete,” A figura de linguagem construída a partir de uma relação entre os campos semânticos evocados pelo título do poema e de seus versos acima destacados é a (o) a) ambiguidade. b) apóstrofe. c) antítese. d) eufemismo. e) metonímia.20. (CFTMG 2018) A alegria O sofrimento não tem nenhum valor não acende um halo em volta de tua cabeça, não ilumina trecho algum de tua carne escura (nem mesmo o que iluminaria a lembrança ou a ilusão de uma alegria). Sofres tu, sofre um cachorro ferido, um inseto que o inseticida envenena. Será maior a tua dor que a daquele gato que viste a espinha quebrada a pau arrastando-se a berrar pela sarjeta sem ao menos poder morrer? A justiça é moral, a injustiça não. A dor te iguala a ratos e baratas que também de dentro dos esgotos espiam o sol e no seu corpo nojento de entre fezes querem estar contentes. GULLAR, Ferreira. Na vertigem do dia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. Na segunda estrofe, o questionamento do eu lírico é expresso por meio de uma a) metáfora da impotência diante da morte iminente. b) antítese entre as ideias de sofrimento e de alegria. c) comparação entre a dor humana e a dor do gato. d) hipérbole da violência cometida contra o animal. R ep ro du çã o pr oi bi da A rt . 1 84 d o CP . PRÉ-VESTIBULARPROENEM.COM.BR142 INTERPRETAÇÃO 08 FIGURAS DE LINGUAGEM I: FIGURAS DE PALAVRA E DE PENSAMENTO APROFUNDAMENTO EXERCÍCIOS DE 01. (CP2 2014) Uma música que seja... ...como os mais belos harmônicos da natureza. Uma música que seja como o som do vento na cordoalha dos navios, aumentando gradativamente de tom até atingir aquele em que se cria uma reta ascendente para o infinito. Uma música que seja como o som do vento numa enorme harpa plantada no deserto. Uma música que seja como a nota lancinante deixada no ar por um pássaro que morre. Uma música que seja como o som dos altos ramos das grandes árvores vergadas pelos temporais. Uma música que seja como o ponto de reunião de muitas vozes em busca de uma harmonia nova. Uma música que seja como o voo de uma gaivota numa aurora de novos sons. (Moraes, Vinícius de. Poesia completa e prosa: volume único/ Organização Eucanaã Ferraz._ Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004. Pág. 623) Vocabulário: Cordoalha – conjunto de cordas de várias espécies, geralmente usado em navios. Lancinante – pungente; que aflige, que atormenta. No texto, o eu lírico relaciona a música à natureza por meio de qual figura de linguagem? 02. Texto 1 A primeira vez que vim ao Rio de Janeiro foi em 1855. Poucos dias depois da minha chegada, um amigo e companheiro de infância, o Dr. Sá, levou-me à festa da Glória; uma das poucas festas populares da corte. Conforme o costume, a grande romaria desfilando pela Rua da Lapa e ao longo do cais, serpejava nas faldas do outeiro e apinhava-se em torno da poética ermida, cujo âmbito regurgitava com a multidão do povo. Era ave-maria quando chegamos ao adro; perdida a esperança de romper a mole de gente que murava cada uma das portas da igreja, nos resignamos a gozar da fresca viração que vinha do mar, contemplando o delicioso panorama da baía e admirando ou criticando as devotas que também tinham chegado tarde e pareciam satisfeitas com a exibição de seus adornos. Enquanto Sá era disputado pelos numerosos amigos e conhecidos, gozava eu da minha tranquila e independente obscuridade, sentado comodamente sobre a pequena muralha e resolvido a estabelecer ali o meu observatório. Para um provinciano recém-chegado à corte, que melhor festa do que ver passar-lhe pelos olhos, à doce luz da tarde, uma parte da população desta grande cidade, com os seus vários matizes e infinitas gradações? Todas as raças, desde o caucasiano sem mescla até o africano puro; todas as posições, desde as ilustrações da política, da fortuna ou do talento, até o proletário humilde e desconhecido; todas as profissões, desde o banqueiro até o mendigo; finalmente, todos os tipos grotescos da sociedade brasileira, desde a arrogante nulidade até a vil lisonja, desfilaram em face de mim, roçando a seda e a casimira pela baeta ou pelo algodão, misturando os perfumes delicados às impuras exalações, o fumo aromático do havana às acres baforadas do cigarro de palha. (ALENCAR, José de. Lucíola. São Paulo: Editora Ática, 1988, p.12.) Texto 2 Quando a manhã chuvosa nasceu, as pessoas que passavam para o trabalho se aproximavam dos corpos para ver se eram conhecidos, seguiam em frente. Lá pelas nove horas, Cabeça de Nós Todo, que entrara de serviço às sete e trinta, foi ver o corpo do ladrão. Ao retirar o lençol de cima do cadáver, concluiu: “É bandido”. O defunto tinha duas tatuagens, a do braço esquerdo era uma mulher de pernas abertas e olhos fechados, a do direito, são Jorge guerreiro. E, ainda, calçava chinelo Charlote, vestia calça boquinha, camiseta de linha colorida confeccionada por presidiários. Porém, quando apontou na extremidade direita da praça da Quadra Quinze, em seu coração de policial, nos passos que lhe apresentavam a imagem do corpo de Francisco, um nervosismo brando foi num crescente ininterrupto até virar desespero absoluto. O presunto era de um trabalhador. (LINS, Paulo. Cidade de Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p 55-56.) a) No último parágrafo do Texto 1, Alencar contrasta a seda e o algodão, o havana e o cigarro de palha. Explique a natureza desse contraste explicitando conotações associáveis a tais expressões substantivas. b) Reproduzimos a seguir um outro fragmento do livro Lucíola, de José de Alencar (um diálogo entre os personagens Paulo e Sá). - Quem é esta senhora? perguntei a Sá. [...] - NÃO É UMA SENHORA, PAULO! É UMA MULHER BONITA. QUERES CONHECÊ-LA? Transforme em discurso indireto a frase destacada nesse diálogo, dando continuidade à seguinte estrutura: Paulo perguntou a Sá quem era aquela senhora. Este respondeu-lhe que ... 03. (UERJ 2016) VAGABUNDO Eu durmo e vivo ao sol como um cigano, Fumando meu cigarro vaporoso; Nas noites de verão namoro estrelas; Sou pobre, sou mendigo e sou 1ditoso! Ando roto, sem bolsos nem dinheiro Mas tenho na viola uma riqueza: Canto à lua de noite serenatas, E quem vive de amor não tem pobreza. (...) Oito dias lá vão que ando cismado Na donzela que ali defronte mora. Ela ao ver-me sorri tão docemente! Desconfio que a moça me namora!... Tenho por meu palácio as longas ruas; Passeio a gosto e durmo sem temores; Quando bebo, sou rei como um poeta, E o vinho faz sonhar com os amores. O degrau das igrejas é meu trono, Minha pátria é o vento que respiro, Minha mãe é a lua macilenta, E a preguiça a mulher por quem suspiro. Escrevo na parede as minhas rimas, De painéis a carvão adorno a rua; Como as aves do céu e as flores puras Abro meu peito ao sol e durmo à lua. (...) Ora, se por aí alguma bela Bem doirada e amante da preguiça Quiser a 2nívea mão unir à minha, Há de achar-me na Sé, domingo, à Missa. Álvares de Azevedo Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000. R ep ro du çã o pr oi bi da A rt . 1 84 d o CP . PRÉ-VESTIBULAR PROENEM.COM.BR 08 FIGURAS DE LINGUAGEM I: FIGURAS DE PALAVRA E DE PENSAMENTO 143 INTERPRETAÇÃO 1ditoso − feliz 2nívea − branca Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso! (v. 4) O verso acima reúne dois traços que podem ser considerados inconciliáveis. Explicite esses traços e nomeie duas figuras de linguagem que reforçam o significado do verso. 04. (UNESP 2018) Para responder à(s) questão(ões), leia o soneto de Raimundo Correia (1859-1911). Esbraseia o Ocidente na agonia O sol... Aves em bandos destacados, Por céus de ouro e de púrpura raiados, Fogem... Fecha-se a pálpebra do dia... Delineiam-se, além, da serrania Os vértices de chama aureolados, E em tudo, em torno, esbatem derramados Uns tons suaves de melancolia... Um mundo de vapores no ar flutua... Como uma informe nódoa, avulta e cresce A sombra à proporção que a luz recua... A natureza apática esmaece... Pouco a pouco, entre as árvores, a lua Surge trêmula, trêmula... Anoitece. (Poesia completa e prosa, 1961.) a) Há no soneto menção a um sentimento que permeia e circunda a natureza retratada. Que sentimento é esse? Do que decorre tal sentimento? b) Verifica-se na terceira estrofea ocorrência de uma antítese. Que termos configuram essa antítese? 05. (UNESP 2017) Leia o soneto “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” do poeta português Luís Vaz de Camões (1525?-1580) para responder à questãoa seguir. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança; todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, diferentes em tudo da 1esperança; do mal ficam as mágoas na lembrança, e do bem – se algum houve –, as saudades. O tempo cobre o chão de verde manto, que já coberto foi de neve fria, e enfim converte em choro o doce canto. E, afora este mudar-se cada dia, outra mudança faz de 2mor espanto: que não se muda já como 3soía. Sonetos, 2001. 1esperança: esperado. 2mor: maior. 3soer: costumar (soía: costumava). A sinestesia (do grego syn, que significa “reunião”, “junção”, “ao mesmo tempo”, e aisthesis, “sensação”, “percepção”) designa a transferência de percepção de um sentido para outro, isto é, a fusão, num só ato perceptivo, de dois sentidos ou mais. (Massaud Moisés. Dicionário de termos literários, 2004. Adaptado.) Transcreva o verso em que se verifica a ocorrência de sinestesia. Justifique sua resposta. Reescreva o verso da terceira estrofe “que já coberto foi de neve fria”, adaptando-o para a ordem direta e substituindo o pronome “que” pelo seu referente. GABARITO EXERCÍCIOS PROPOSTOS 01. E 02. A 03. E 04. A 05. D 06. C 07. A 08. E 09. A 10. D 11. E 12. A 13. A 14. A 15. B 16. B 17. C 18. D 19. C 20. C EXERCÍCIOS DE APROFUNDAMENTO 01. A palavra “como” é típica da figura de linguagem da comparação. No texto, observa-se que o eu lírico está, a todo momento, comparando a música à natureza a partir dessa palavra, como visto, por exemplo, no trecho “Uma música que seja como o som do vento numa enorme harpa plantada no deserto.” 02. a) Na referida passagem, José de Alencar explora as diferenças socioeconômicas entre os personagens da cena urbana que descreve. Utilizando-se de metonímia, a seda e o havana conotam a riqueza e o status das classes socialmente privilegiadas, enquanto o algodão e o cigarro de palha evocam a condição desfavorecida das classes populares. b) Paulo perguntou a Sá quem era aquela senhora. Este respondeu-lhe que não se tratava de uma senhora, mas sim de uma mulher bonita. Em seguida, perguntou a ele se desejava conhecê-la. 03. Traços que caracterizam o verso: pobreza/mendicância × felicidade. Tem-se aí algumas figuras de linguagem e de pensamento como a antítese, ou seja, há contradição entre ser muito pobre e ser feliz (ditoso). Há uma gradação quando a ordem de apresentação é pobre, mendigo e ditoso, que quer dizer feliz. A anáfora fica por conta do verbo sou repetido em cada período por coordenação. 04. a) No soneto “Anoitecer”, o poeta descreve o final do dia incorporando à paisagem uma profunda melancolia. Embora vinculada à estética parnasiana, a obra de Raimundo Correia evolui, iniciando sua carreira como romântico, para depois adotar o parnasianismo até se aproximar, em alguns poemas, com a escola simbolista. Assim, o final do dia sugere também o declínio da vida, o que gera reflexões e sentimentos de tristeza e melancolia sobre a passagem do tempo, a transitoriedade e efemeridade das coisas. a) Na terceira estrofe, os termos “sombra” e “luz” configuram uma antítese, figura de estilo que recorre a termos, palavras ou orações que se opõem quanto ao sentido para conferir mais expressividade ao texto. 05. No verso “e enfim converte em choro o doce canto”, ocorre a sinestesia, transferência de percepção do sentido gustativo (doce) para o auditivo (canto). Se o verso “que já coberto foi de neve fria” fosse reescrito na ordem direta e o pronome “que” substituído pelo seu referente, teríamos a seguinte redação: “o chão de verde manto já foi coberto de neve fria”. R ep ro du çã o pr oi bi da A rt . 1 84 d o CP . PRÉ-VESTIBULARPROENEM.COM.BR144 INTERPRETAÇÃO 08 FIGURAS DE LINGUAGEM I: FIGURAS DE PALAVRA E DE PENSAMENTO ANOTAÇÕES R ep ro du çã o pr oi bi da A rt . 1 84 d o CP .