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A RESSOCIALIZAÇÃO DOS APENADOS COMO FORMA DE INCLUSÃO SOCIAL

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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO - UPF 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FACULDADE DE DIREITO 
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO 
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: RELAÇÕES SOCIAIS E DIMENSÕES DO 
PODER 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A RESSOCIALIZAÇÃO DOS APENADOS COMO FORMA 
DE INCLUSÃO SOCIAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LETÍCIA COSTA PIZOLOTTO 
 
Passo Fundo – RS, maio de 2017. 
UNIVERSIDADE DO DE PASSO FUNDO -UPF 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO – PPGD 
 
 
 
 
 
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CURSO DE MESTRADO EM DIREITO 
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: RELAÇÕES SOCIAIS E DIMENSÕES DO 
PODER 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A RESSOCIALIZAÇÃO DOS APENADOS COMO FORMA 
DE INCLUSÃO SOCIAL 
 
 
 
 
 
 
 
Letícia Costa Pizolotto 
 
Dissertação submetida ao Curso de Mestrado 
em Direito, como requisito parcial à obtenção 
do título de Mestre em Direito. 
 
 
Orientadora: Profª Drª. Karen Beltrame Becker Fritz 
 
 
 
 
 
 
Passo Fundo – RS, maio de 2017. 
 
 
 
 
 
 
3 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Cada etapa de nossas vidas é uma experiência nova que traz consigo 
a dor do crescimento, pois a evolução, seja ela intelectual, espiritual, emocional 
ou física, traz necessariamente a dor de sair da zona de conforto e buscar o 
além daquilo que já está consagrado no dia-a-dia. Entretanto, quando a 
superação é alcançada, a dor é substituída por sentimentos nobres de gratidão 
e alegria. 
Ingressar no Programa de Mestrado foi não só uma superação 
intelectual, mas uma superação pessoal apoiada ao confronto de muitos ideais. 
A convivência com pessoas especiais, que, porém, pensavam de forma muito 
contrastante foi um convite à reflexão interior e aceitação. Ninguém conhece o 
interior do outro tão profundamente ao ponto de saber os seus motivos e 
intenções; pensamos que sabemos, julgamos muito, mas o ser humano é tão 
complexo que jamais poderia ser explicado por qualquer teoria. É uma mutação 
constante. 
Indubitavelmente saio um ser humano diferente, a evolução intelectual 
propiciada pela pesquisa e estudo junto a grandes Mestres e colegas me 
possibilitou agregar conhecimento, mas certamente, a maior mudança foi 
conceitual, ou talvez, a desconstrução de conceitos prontos e definitivos acerca 
das pessoas e das coisas que envolvem este mundo. 
De tudo, o que fica é a gratidão por momentos tão marcantes e a 
alegria de levar comigo o aprendizado. Brilha a convicção de que todos os 
esforços foram válidos, de que a nossa alma, sabe aonde quer ir, e exatamente 
o que precisa enfrentar, basta que nos deixemos guiar pela completude do 
universo, pois ao final, teremos tido a completa entrega de uma força superior 
que nos brinda com a lucidez de um momento inexplicavelmente evolutivo. 
Gratidão a todos que se fizeram presentes nesta construção de um 
novo ser que me tornei. Interiormente, cada um sabe a sua importância na vida 
do outro! Gratidão! 
 
 
 
 
4 
 
À equipe de professores e funcionários do PPG de Direito da UPF, que 
contribuíram para a minha trajetória até a conclusão deste trabalho, em 
especial à minha Orientadora Professora Drª. Karen Beltrame Becker Fritz, 
muito obrigada pelo apoio, incentivo e paciência! Os levo em meu coração! 
À minha família, por serem minha base, meu suporte mais firme nos 
momentos de maior precisão. O amor se revela na certeza de estarmos 
sempre uns ao lado dos outros, formando um elo, não perfeito, mas completo. 
“Quão bom e suave é quando vivemos em união”. Amo-os infinitamente! 
A Deus, simplesmente, por tudo! 
 
 
 
 
 
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Dizem que o que procuramos é um sentido para a vida. 
Penso que o que procuramos são experiências 
que nos façam sentir que estamos vivos. 
J. Campbell 
 
 
 
 
6 
 
RESUMO 
A presente pesquisa busca examinar a estrutura penal brasileira, 
especialmente do sistema de execução penal. Para tanto, faz-se uma reflexão 
acerca da função do Direito e dos seus mecanismos assecuratórios, tanto à 
sociedade (segurança pública), como ao indivíduo (direitos humanos), 
apoiados no exercício da função estatal. Discute-se a ineficiência da política 
criminal brasileira, que, apesar dos altos índices de encarceramento, não tem 
conseguido dar uma resposta satisfatória à violência. Analisa-se a opressão 
que muitos sofrem e a sua vinculação com a exclusão social e com a 
criminalidade, trazendo a proposta de uma nova perspectiva ao cárcere, 
apoiada na capacitação (capability) dos apenados, objetivando a sua 
ressocialização. A cultura punitivista, que tende a tratar o delinquente como 
estorvo social, tem refletido o descaso com a figura do apenado e com a 
garantia dos seus direitos, ao mesmo tempo em que, demonstra-se como uma 
forma ineficiente de combate à criminalidade. De forma que, objetiva-se expor 
as deficiências da política criminal brasileira diante do seu fim ressocializador, 
propondo, em contrapartida, um entendimento fraterno do mundo e das 
limitações do outro, por meio de ações que atendam aos anseios da sociedade 
e do indivíduo. 
Palavras-chave: Política criminal. Exclusão social. Ressocialização. 
Capacitação (capability). 
 
 
 
 
 
 
7 
 
ABSTRACT 
This research seeks to examine the Brazilian criminal structure, especially the 
criminal enforcement system. In order to do so, a reflection is made on the role 
of law and its mechanisms of law, both to society (public security) and to the 
individual (human rights), supported in the exercise of state function. It 
discusses the inefficiency of the Brazilian criminal policy, which, despite high 
levels of incarceration, has not been able to respond satisfactorily to violence. It 
analyzes the oppression that many suffer and its connection with social 
exclusion and crime, bringing the proposal of a new perspective to the jail, 
supported in the capacitation of the prisoners, aiming at their resocialization. 
The punitive culture, which tends to treat the delinquent as a social obstacle, 
has reflected the disregard for the figure of the grieving and the guarantee of 
their rights, at the same time that, in order to expose the deficiencies of criminal 
policy Brazilian society in the face of its resocializing purpose, proposing, on the 
other hand, a fraternal understanding of the world and the limitations of the 
other, through actions that meet the longings of society and the individual. 
Keywords: Criminal policy. Social exclusion. Ressocialização. Capability. 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
SUMÁRIO 
 
RESUMO............................................................................................................ 6 
ABSTRACT ........................................................................................................ 7 
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9 
 
1 POLÍTICA CRIMINAL E OS DIREITOS INDIVIDUAIS ................................. 13 
 1.1 Dos direitos do indivíduo e da sociedade ................................... 30 
 1.2 Prisões: um mal necessário à garantia da paz social ................ 41 
 
2 A INEFICIENTE MAXIMIZAÇÃO DO DIREITO PENAL ............................... 54 
2.1 Inconsistência e desordem do sistema prisional brasileiro ...... 66 
2.2 A opressão sistêmica e a libertação dos oprimidos ................... 78 
 
3 A AMPLIAÇÃO DAS CAPACIDADES COMO FORMA DE 
RESSOCIALIZAÇÃO ....................................................................................... 97 
3.1 A ressocialização por meio do autorreconhecimento dos 
apenados como integrantes da estrutura social ....................................... 107 
3.2 O empoderamento dos apenados .............................................. 110 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 120 
REFERÊNCIAS ..............................................................................................125 
 
 
 
 
 
 
9 
 
INTRODUÇÃO 
 
Liberdade, provavelmente o maior anseio humano seja a liberdade 
transcendental, que não se limita ao que é tido como livre por uma determinada 
sociedade, mas que é expressa pela liberdade interior de cada ser humano, 
revelando a plenitude e os desejos de cada indivíduo. A totalidade do sistema 
tende a inibir as ações humanas, tolhendo o ser humano natural para impor 
uma sistemática de condutas que devem ser observadas. 
 As limitações não necessariamente devem ser entendidas como 
prejudiciais ao indivíduo, já que servem para preservar os direitos dos demais 
integrantes e assim também garantem os seus direitos na mesma medida. O 
conjunto de regramentos é importante para a convivência no grupo, tanto para 
o asseguramento dos direitos individuais como coletivos. 
As normas passam a ter uma conotação negativa na medida em que 
há um desequilíbrio legislativo tendencioso a favorecer determinados 
interesses pessoais, prejudicando um grupo populacional que vive à margem 
das oportunidades e escolhas políticas. A exclusão social é produto da 
minimização ou eliminação de direitos, sendo incumbência do Estado dirimir as 
desigualdades através de políticas públicas que criem condições equânimes a 
todos os indivíduos. 
A criação e aplicação normativa são os mecanismos que possibilitam a 
manutenção da estrutura estatal, o conjunto de regramentos que compõe a 
sociedade é a essência da ordem social, de forma que o Estado se utiliza das 
normas para assegurar os direitos da população. Nesse campo, o direito penal 
é o poder de ultima ratio ao dispor do Estado, que se estabelece como uma 
ferramenta auxiliadora na construção da ordem harmônica necessária ao 
convívio em sociedade, atuando como um mecanismo polifuncional que busca 
prevenir, retribuir e ressocializar os criminalizados frente à inobservância das 
normas pactuadas. 
Em que pese a essencialidade do direito penal como mecanismo 
coercitivo, observa-se uma metodologia crescente na criminalização de 
 
 
 
 
10 
 
condutas, o que, todavia, não tem refletido na minimização da violência 
enfrentada pela sociedade, restando prejudicada a finalidade do direito penal, 
que tem por objetivo a efetiva proteção dos bens socialmente considerados 
essenciais. A ineficiência penal se torna ainda mais evidente diante do elevado 
índice de agentes que, após o cumprimento da sanção penal, reincidem no 
cometimento de delitos. 
Busca-se com a pesquisa estabelecer um dialógo entre a política 
criminal brasileira que vem sendo desenvolvida e os direitos que devem ser 
preservados aos indivíduos sujeitos ao enfrentamento da execução penal. 
Demonstra-se a necessidade da aplicação penal como uma forma de controle 
social ao enfrentamento dos crimes graves que expõem a coletividade ao risco 
e, ao mesmo tempo, evidencia-se o dever estatal de preservar os direitos 
legalmente assegurados aos indivíduos, ainda que na condição de apenados. 
Evidenciada a necessidade da estrutura penal mínima, analisa-se a 
maximização da criminalização das condutas e os efeitos negativos que o 
enrijecimento penal tem trazido para a sociedade. O crescimento da população 
carcerária conjuntamente com o aumento da insegurança causada pela 
multiplicação da criminalidade, evidenciam os prejuízos que a opressão 
sistêmica, amparada por políticas que alargam a exclusão social, como a 
privação de liberdade sem o incentivo estatal na construção de políticas 
púbicas inclusivas, projeta na sociedade. 
Por meio da teoria de Enrique Dussel1, filosofia da libertação, 
estabelece-se um diálogo entre a opressão sentida por determinada parcela 
populacional e a criminalidade, interligando-se os efeitos que a imposição do 
pensamento central lança nos indivíduos que não compartilham deste mesmo 
grupo de poder, por estarem compreendidos nas periferias sociais, e a 
 
 
 
1 DUSSEL, Enrique D. Filosofia da Libertação na América Latina. São Paulo: Edições 
Loyola, 1977. 
 
 
 
 
 
11 
 
manifestação da criminalidade. Analisam-se os reflexos da exclusão social 
frente ao sentimento de não vinculação com as ideais centrais, e o desejo de 
contrapor os objetivos impostos pela ideologia de centro que não defende as 
necessidades dos que sofrem os efeitos da opressão. 
No mesmo sentido, discutem-se os efeitos da nova projeção 
econômica difundida pelo ideal capitalista através do consumo extremo, que 
segundo Bauman2, é a nova forma de medir o quão bem-sucedida é uma vida, 
o que, associado com a diminuição do Estado de bem-estar social, faz com que 
uma parcela da população sinta os efeitos da exclusão social e encontre na 
criminalidade uma forma de se inserir na sociedade, usando dos meios que 
dispõem, ainda que sejam ilegais. 
Para a caracterização das dificuldades de inclusão social que o atual 
modelo de execução penal brasileiro apresenta, aborda-se a estrutura das 
entidades prisionais do país e a sua inadequação enquanto ferramenta 
auxiliadora para a ressocialização dos apenados, tendo em vista que o sistema 
prisional é tido como “estado de coisas inconstitucionais”, frente às condições 
desumanas a que são submetidos os apenados. 
Pretende-se demonstrar que os efeitos da exclusão social são sentidos 
não só pelo indivíduo excluído, mas pela sociedade também, que passa a 
conviver com a violência, um dos reflexos da exclusão social. Com a finalidade 
de apresentar possíveis soluções à criminalidade, objetivando projetar a 
ressocialização dos apenados e, assim, superar os efeitos negativos sentidos 
pelo cárcere, aborda-se a teoria de Amartya Sen3, desenvolvimento como 
liberdade, como uma nova postura a ser adotada pela política criminal 
brasileira, por meio da capacitação (capability) dos apenados. 
 
 
 
2 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 
3 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015. 
 
 
 
 
 
12 
 
Salienta-se a importância da criação de políticas públicas que 
propiciem aos apenados condições de ampliarem as suas capacidades, por 
meio de incentivos educacionais e profissionalizantes. Vislumbra-se a 
possibilidade de ressocialização dos apenados, diante do cumprimento da 
pena, por meio do empoderamento destes indivíduos ao desenvovlimento de 
atividades lícitas que lhes possibilitem o sustento e a valorização de suas 
vidas. 
Ainda, através da Teoria da Nova Defesa Social, difundida por Marc 
Ancel4, defende-se a prática de um direito penal humanitário, que não preze 
pela aplicação penal como forma de vingança, mas que se preocupe 
essencialmente em criar no agente delituoso o instinto de coletividade e 
respeito aos direitos alheios, o que é possível mediante a garantia dos direitos 
dos seus direitos, estabelecendo-se um círculo de valores e respeito mútuo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 ANCEL, Marc. A nova defesa social: um movimento de política criminal humanista. Rio de 
Janeiro: Forense, 1979. 
 
 
 
 
 
13 
 
1 POLÍTICA CRIMINAL E OS DIREITOS INDIVIDUAIS 
 
A política criminal enquanto conjunto de opções administrativas 
adotadas pelo Estado acerca do posicionamento frente à criminalidade precisa 
estabelecer um consenso entre a aplicação penal para a proteção da 
coletividade e a preservação dos direitos individuais dos apenados. 
As normas são a expressão da cultura e da época na qual está inserida 
a população que as observará, são criadas pelo homem com a finalidade de 
organizar os comportamentos na sociedade e reafirmar os valores que 
precisam ser respeitados. A finalidade essencial do direito é garantir a 
convivência pacífica entre os distintos seres que compõem a coletividade, 
estabelecendo assim, direitos e deveres aos membrosdo conjunto social5. 
A vida em sociedade necessita da existência de normas que regulem 
esta convivência, pois cada indivíduo é livre para exercer suas ações, conforme 
entende mais adequado, de forma que se não existissem normas 
provavelmente se estabeleceria o caos social. As normas elencam os limites da 
atuação humana, com a finalidade de resguardar direitos socialmente 
importantes. 
Aristóteles6 afirma que a formação da sociedade é um acontecimento 
natural, pois o homem sempre busca a convivência com os demais, ao passo 
que não o precisando, ou resolvendo diferentemente, significa se tratar de um 
deus ou de um bruto. A regra é o convívio social, porém, a interação entre as 
pessoas nem sempre resulta em ações positivas. 
 
 
 
5 MACIEL, José Rodrigues. Formação humanística em direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 
2015, p. 24-25. 
6 ARISTÓTELES. A política. Disponível em: <http://baixar-
download.jegueajato.com/Aristoteles/A%20Politica%20(170)/A%20Politica%20-%20-
Aristoteles.pdf>. Acesso em: 20/06/2016, p.12. 
 
 
 
 
 
14 
 
Nos primórdios da humanidade havia a predominância dos usos e 
costumes, sem a existência de regras expressas, vivia-se sob um estado de 
anomia (ausência de normas). Com o passar do tempo e a evolução social se 
tornou impossível a permanência do estado primitivo, surgindo a necessidade 
de uma transformação social que conseguisse captar as condições peculiares 
dos indivíduos e assim criar um ambiente no qual fosse possível a convivência 
de todos, sob uma ordem social na qual prevalecesse o comum acordo7. 
 
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda 
força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, 
cada um, unindo-se a todos, não obedeça portanto senão a si 
mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente. Tal é o problema 
fundamental cuja solução é dada pelo contrato social.8 
 
De acordo com ROUSSEAU, a sociedade evoluída já não comportava 
uma ausência total de normas, mas exigia um mecanismo regulatório no qual 
todos os integrantes da comunidade regida pelo pacto social estivessem 
vinculados. A renúncia de parcela da liberdade refletiria uma condição na qual 
também haveria a previsão de benefícios ao associado, ao ponto que, todos os 
indivíduos estariam sujeitos a entregar a mesma parcela de direitos, e ter a 
mesma parcela de direitos assegurados. Originando, assim, um interesse 
mútuo na preservação do pacto. 
Portanto, para o Estado poder exercer o seu poder coator, ele deve, 
em contrapartida, assegurar os direitos individuais dos seus administrados. O 
constrangimento à liberdade de um infrator somente estará legitimado diante 
do asseguramento anterior ao cometimento do delito dos seus direitos sociais 
legalmente previstos, na mesma proporção que também necessitam estar de 
 
 
 
7 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. E-book. Disponível em: <www.jahr.org>. 
Acesso em: 15/08/2016, p. 23. 
8 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. E-book. Disponível em: <www.jahr.org>. 
Acesso em: 15/08/2016, p. 24. 
 
 
 
 
 
15 
 
acordo durante o cumprimento penal, e, após o cumprimento na condição de 
egresso. 
É importante a presença de um poder regulador para que as vontades 
distintas dos integrantes do conjunto social se harmonizem, na mesma medida 
que também são importantes instrumentos que façam com que os preceitos 
estabelecidos pelo grupo sejam observados. O pacto social entre os homens 
representa as convenções criadas para a construção da igualdade moral e 
legítima frente às desigualdades físicas que a natureza impõe aos indivíduos, 
transformando as desigualdades quanto à força ou ao talento, iguais por meio 
das convenções e do direito9. 
Os pactos tidos entre os homens acabam por restringir a liberdade no 
seu sentido lato. Diante da limitação externa o indivíduo passa a observar 
determinações estabelecidas pela razão. Renunciar a algum direito é, de certa 
forma, privar-se da liberdade íntegra, no entanto, imperioso destacar que se 
todos os homens fossem usufruir da sua liberdade total, sem que houvesse 
limitações, esta mesma liberdade não seria segura, ao ponto que se tornaria 
impossível viver com segurança por todo o tempo que a natureza física 
permite10. 
As Leis, portanto, são criações que buscam estabelecer a linha pela 
qual o indivíduo deve se guiar de forma imperativa, no entanto, sabe-se que as 
palavras por si só não possuem o poder de doutrinar. Há duas maneiras de 
fazer com que os homens respeitem às regras pactuadas coletivamente: pelo 
orgulho de demonstrar socialmente que se é um seguidor das normas (cunho 
moral) ou então pelo receio da punição que a inobservância pode gerar. Eis o 
 
 
 
9 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. E-book. Disponível em: <www.jahr.org>. 
Acesso em: 15/08/2016, p. 35. 
10 HOBBES, Thomas de Malmesbury. Leviatã: matéria, forma e poder de um estado 
eclesiástico e civil. E-book disponível em: 
<https://saudeglobaldotorg1.files.wordpress.com/2013/08/te1-hobbes-leviathan.pdf>. Acesso 
em:10/04/2016, p. 48. 
 
 
 
 
 
16 
 
princípio basilar do direito penal, assegurar o cumprimento das normas por 
meio da imposição de sanções penais para os transgressores11. 
As normas estabelecidas pelo poder regulador procuram projetar a 
organização da sociedade e a proteção dos bens essenciais. Como apregoa 
BECCARIA12, o homem, cansado de uma falsa liberdade, na qual convivia com 
a insegurança e o temor, preferiu sacrificar uma parte desta liberdade para 
poder usufruir com maior tranquilidade de sua vida diante da segurança 
advinda do poder Estatal, formando-se assim, perante a entrega parcial da 
liberdade individual, a soberania da nação, sendo aquele responsável pela 
criação e administração das leis. No entanto, de acordo com o autor13, as 
penas previstas como medidas de coação devem salvaguardar efeito dúplice: 
causar no espírito público a impressão de justiça aplicada ao caso concreto 
diante do mal causado pelo transgressor, bem como, atingir da maneira menos 
cruel o corpo deste culpado. 
O direito penal estabeleceu seus alicerces legitimadores na 
preservação da humanidade, visto que o tratamento diferenciado aos inimigos 
ou estranhos é autorizado com a finalidade de assegurar que os perigos sejam 
neutralizados. A infração às normas estabelecidas é uma agressão real, 
portanto o poder punitivo é utilizado como resposta14. 
O poder-dever de punir do Estado se insurge como consequência da 
supressão da autotutela – vingança privada, sendo, portanto, as instituições 
 
 
 
11 HOBBES, Thomas de Malmesbury. Leviatã: matéria, forma e poder de um estado 
eclesiástico e civil. E-book disponível em: 
<https://saudeglobaldotorg1.files.wordpress.com/2013/08/te1-hobbes-leviathan.pdf>. Acesso 
em:10/04/2016, p. 51. 
12 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Disponível em: 
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/eb000015.pdf>. Acesso em: 18/07/2016, p. 
9-10. 
13 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Disponível em: 
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/eb000015.pdf>. Acesso em: 18/07/2016, p. 
30. 
14 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007, 
p.83-84. 
 
 
 
 
17 
 
estatais as legitimadas para desempenhar a função persecutória e 
condenatória em relação aos crimes cometidos. Diante do conflito social se faz 
necessária a prestação de uma resposta, no entanto, o poder estatal não é 
puro arbítrio, mas um poder condicionado, sendo o devido processo penal a 
forma de limitar a atuação arbitrária15. 
Se por um lado há um direito penal material que visa assegurar as 
condutas proibidas e assim imputar sanções penais frente ao cometimentoda 
ação tida como criminosa, por outro lado, o direito processual penal serve ao 
acusado, para que a atuação do Estado seja limitada pelas garantias do devido 
processo legal. 
De acordo com Franz v. LISZT, o direito penal ao mesmo tempo em 
que prevê punição à conduta que se deseja reprimir, também protege o 
indivíduo que “só poderá ser punido sob os pressupostos e dentro dos limites 
legais”16. É importante para a estruturação da sociedade a delimitação das 
condutas penalmente puníveis, representando segurança jurídica para a 
convivência social. A fixação das normas penais evita a penalização de 
condutas através de critérios sociais e políticos, dando efetivamente ao direito 
penal a posição de ciência jurídica, diante “da análise conceitual das 
regulamentações jurídico-positivas e da sua ordenação no sistema”17. 
A estrutura penal tem como medida a proteção dos valores ético-
sociais extremos defendidos pela sociedade, diferenciando-se das demais 
instituições que também atuam no fortalecimento dos princípios defendidos 
pela coletividade (como escola, família, igreja) justamente pela caracterização 
do comportamento desviante (conduta tipificada). O direito penal enquanto 
 
 
 
15 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 26. 
16 ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, 
p. 2-3. 
17 ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, 
p. 12. 
 
 
 
 
 
18 
 
ciência jurídica possibilita a constatação da infração e legitima a aplicação da 
pena mediante o devido processo penal, o encadeamento dos três elementos 
(norma, processo e sanção) constitui a base da administração da justiça penal 
e da sua missão ao controle social18. 
É função do Estado atuar diante dos conflitos sociais para garantir a 
segurança dos indivíduos que compõem a sociedade, enquanto titular do 
poder-dever de punição o Estado está não só autorizado, mas obrigado a agir 
diante do descumprimento das normas, especialmente as normas penais, que 
integram as normas de Direito Público19. Entretanto, a interferência estatal deve 
estar pautada pela observância dos direitos inerentes aos indivíduos, 
independentemente da conduta praticada, pois os direitos individuais são 
indisponíveis. 
Na medida em que o direito material possui o condão de reprimir 
atuações incondizentes com as pactuadas pela normatividade, representando 
um direito dos interesses da coletividade e da pacificação social. O direito 
processual penal é a limitação expressa à imposição das sanções sem antes 
haver o devido processo legal, sendo este basilar à condenação. É a forma de 
impor condutas pautadas pelo respeito técnico, ético e personalíssimo, 
limitando o exercício arbitrário do poder punitivo por parte do Estado. 
Constitucionalmente há a previsão de garantias tidas como mínimas 
que visam proteger a dignidade da pessoa humana. Nesta seara, a leitura 
constitucional estabelece o direcionamento político do processo, que impõe 
restrições – caráter negativo – por meio de princípios e regras que expressam 
 
 
 
18 HASSEMER, Winfried; CONDE, Francisco Muñoz. Introducción a la criminología y al 
derecho penal. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1989, p. 115. 
19 CAMPOS, Pedro de. Direito penal aplicado: parte especial do código penal (arts. 121 a 
361). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.104. 
 
 
 
 
 
19 
 
aquilo que está vedado ao processo penal, como limitação do poder punitivo 
estatal, frente ao Estado Democrático de Direitos20. 
De acordo com HASSEMER e CONDE21, a materialidade penal tem 
sua fixação como sendo de incumbência estatal, a qual deve se dar em 
conformidade com o aculturamento da população a que as leis irão servir, ou 
seja, o direito penal é a esfera material na qual o Estado estabelece as 
condutas típicas que serão passíveis de sanção frente ao cometimento do 
ilícito, em conformidade com os interesses das pessoas as quais as normas 
servem. 
Já o processo penal se estabelece “como um conjunto de atos 
necessários ao exercício da atividade jurisdicional”22. O processo penal é a 
ferramenta necessária à aplicação do direito penal material, é a única forma 
pela qual o Estado pode estabelecer a imposição de uma sanção penal. Por 
meio do processo penal se evita a imposição arbitrária da pena e ao mesmo 
tempo se proporciona ao réu o direito de se defender na presença de um juiz 
imparcial à lide. 
E por fim, superado o direito penal (matéria penal tipificada) e a 
estrutura do direito processual penal (mecanismo jurisdicional que atende ao 
devido processo legal penal), há a estrutura pela qual as normas penais são 
efetivamente aplicadas nos casos em que há condenação diante do processo 
penal, que compreende a execução penal23. 
 
 
 
20 DIVAN, Gabriel Antinolfi. Processo penal e política criminal: Uma reconfiguração da justa 
causa para a ação penal. Elegantia Juris: Porto Alegre, 2015, p. 119-120. 
21 HASSEMER, Winfried; CONDE, Francisco Muñoz. Introducción a la criminología y al 
derecho penal. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1989, p. 122. 
22 SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Curso de Direito processual penal: teoria 
(constitucional) do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 253. 
23 HASSEMER, Winfried; CONDE, Francisco Muñoz. Introducción a la criminología y al 
derecho penal. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1989. P. 122. 
 
 
 
 
 
20 
 
A execução penal é a imposição da pena propriamente dita, é a 
aplicação da sanção prevista na esfera material penal após a confirmação da 
culpabilidade do agente pelo devido processo penal. O sistema carcerário 
integra o conjunto de execuções penais frente às penas privativas de liberdade. 
É importante estabelecer ainda uma diferenciação entre o direito penal, 
criminologia e a política criminal. Como já mencionado o direito penal é a 
tradução das regras definidas socialmente, enquanto que a criminologia 
investiga o próprio fenômeno da delinquência e o infrator. A política criminal, 
por fim, tem como objetivo o estudo dos mecanismos de controle da 
criminalidade, transitando entre os campos jurídico e sociológico da pena e de 
todas as ferramentas que venham a possibilitar a eliminação do crime24. 
A política criminal busca direcionar a atuação do Estado tanto na 
prevenção ao crime como na repressão25. Entende-se como o conjunto de 
estruturas que busca prevenir e reprimir a criminalidade. Ou seja, são as 
ferramentas que se propõem a combater a criminalidade, mas que não 
necessariamente estejam vinculadas ao campo jurídico. A política criminal se 
trata de uma escolha política ao enfrentamento da criminalidade, é a postura 
adotada tanto no campo jurídico, como na seara sociológica para criar soluções 
à violência e à atuação criminosa26. 
Na execução da pena, o Estado direciona a maneira como irá impor o 
cumprimento da sanção, que, em regra, para crimes graves, é a privação de 
liberdade. O sistema carcerário brasileiro trabalha a execução penal através da 
exclusão e do isolamento, o que repercute negativamente na vida dos 
apenados. “O isolamento da pessoa, excluindo-a da vida social normal” 
 
 
 
24 MENDES, Nelson Pizzotti. A nova defesa social: verificação da obra de Marc Ancel. 
Revista Justitia. Disponível em: <http://www.revistajustitia.com.br/revistas/6b6wzc.pdf>. Acesso 
em: 07/06/2016, p. 11. 
25 HAUSER, Ester Eliana. Política criminal. Ijuí: UNIJUI, 2010, p. 10. 
26 HAUSER, Ester Eliana. Política criminal. Ijuí: UNIJUI, 2010. p. 8. 
 
 
 
 
 
21 
 
provoca danos irreparáveis no “ciclo normal de desenvolvimento de uma 
pessoa”27. 
O convívio social é importante para a assimilação das regrasentre os 
indivíduos através da necessidade de respeitar os direitos dos demais 
integrantes do conjunto, além do mais, é através da convivência que os seres 
adquirem habilidades e se desenvolvem, sendo o isolamento uma forma de 
punição que não projeta o desenvolvimento na personalidade do agente. 
A prisão por si só dificilmente possibilita a ressocialização dos 
apenados, tanto que a pena de prisão tem se demonstrado falível frente ao 
elevado índice de reincidência criminal no Brasil, projetando a necessidade de 
uma reconstrução da atual política criminal. O direito penal é importante ao 
controle social, no entanto, a sua atuação excessiva e sem o apoio de outras 
políticas que efetivamente apresentem oportunidades para a recondução das 
atitudes dos apenados, acaba sendo um mero simbolismo de proteção, mas 
que efetivamente não consegue resguardar os bens essenciais28. 
O direcionamento adequado da política criminal é importante para o 
desenvolvimento da Nação. Quando os planos e estratégias estatais 
conseguem refletir ações que levam em consideração as peculiaridades da 
população e as necessidades dos apenados, criam-se condições ao 
desenvolvimento pessoal de cada indivíduo, o que acaba por agregar valor à 
comunidade como um todo. 
Na mesma medida em que a manifestação punitiva por parte do Estado 
é necessária para o controle das ações humanas, como forma de limitar as 
condutas delituosas e coibir maiores prejuízos por parte dos infratores, ao 
 
 
 
27 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 
167. 
28 MARTINELLI, João Orsini; BEM, Leonardo de. Lições fundamentais de direito penal: 
parte geral. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 51. 
 
 
 
 
 
22 
 
restringir a liberdade através da imposição da pena privativa de liberdade, os 
direitos fundamentais necessariamente precisam ser assegurados pelo Estado. 
É obrigação estatal assegurar um tratamento digno a todos os 
integrantes da comunidade, preocupando-se com o indivíduo, que 
independentemente de suas falhas e defeitos precisa ter assegurados seus 
direitos individuais diante da estrutura do Estado democrático de direitos, 
devendo haver equilíbrio entre os direitos da coletividade e dos indivíduos, não 
sendo tolerável a mitigação dos direitos mínimos do indivíduo em nome da 
sociedade. 
O Estado precisa buscar uma resposta eficaz à sua dupla função: 
prevenir o crime por meio de uma estrutura sólida de segurança pública; e 
resguardar os direitos dos infratores, concomitantemente à aplicação da 
sanção penal com fins ressocializadores, repercutindo assim, na segregação 
da reincidência criminal. 
A sanção penal é um meio coercitivo que o Estado detém para impelir 
o cumprimento das regras, porém, de acordo com o princípio da ultima ratio, 
vigente no direito penal brasileiro, a atuação do legislador precisa ser limitada à 
real necessidade de proteção jurídica, sendo passíveis da tutela do direito 
penal somente os bens jurídicos que necessitam maior proteção, em 
decorrência de ser o poder mais agressivo em face do indivíduo. De forma que 
“a intervenção do Direito Penal somente pode se dar em último caso”29. 
A aplicação penal, por refletir características nocivas diante dos efeitos 
que o isolamento traz para o apenado, além de estar revestida por um caráter 
de essencialidade, sendo aplicada somente em casos que a sanção penal é 
imprescindível, deve também repercutir efeitos positivos nos receptores, de 
forma a agregar valor tanto para o indivíduo como para a coletividade, que 
 
 
 
29 LIMA, Alberto Jorge C. Barros. Direito penal constitucional: a imposição dos princípios 
constitucionais penais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 75. 
 
 
 
 
 
23 
 
mediante a progressão de regime do apenado poderá conviver com um agente 
ressocializado e que não irá reincidir no cometimento delituoso. 
De forma que, a incumbência do Estado de penalizar os infratores deve 
cumprir com a sua tríplice função, o que inclusive é sustentado pelo Supremo 
Tribunal Federal30. A imputação penal deve inicialmente servir à prevenção da 
prática delituosa, com a qual o objetivo é evitar que os indivíduos pratiquem 
determinada conduta mediante a tipificação penal diante do cometimento do 
delito previsto, impondo no agente o receio pela prática, é uma função anterior 
ao próprio delito, agindo na mente dos indivíduos, trabalhando com o elemento 
medo da sanção. 
Em segundo lugar, a aplicação penal deve responder à função 
retributiva, diante do descumprimento da limitação imposta pela lei penal, o 
agente incorre no tipo penal previsto, e assim, o Estado está autorizado (diante 
do devido processo legal) a impor o cumprimento da sanção penal, ou seja, 
retribuir o mal perpetrado pelo indivíduo. 
E por fim, completando a característica polifuncional das normas 
penais, a função ressocializadora possui o condão de, posteriormente ao 
cumprimento da pena, entregar à sociedade um indivíduo apto ao convívio 
harmonioso, função que representa a maior defasagem no desempenho da 
atual política criminal, consideradas “as instâncias retributivas e as da 
reinserção social”31. 
A prisão como se encontra hoje acaba não propiciando o 
desenvolvimento pessoal dos integrantes, pelo contrário, muitas vezes reforça 
valores negativos do que se espera de um cidadão, tendo em vista que a 
 
 
 
30 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Informativo 604. Disponível em 
<http://www.stf.jus.br/arquivo/’informativo/documento/informativo604.htm>. Acesso em: 
11/05/2016. 
31 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Informativo 604. Disponível em 
<http://www.stf.jus.br/arquivo/’informativo/documento/informativo604.htm>. Acesso em: 
11/05/2016. 
 
 
 
 
24 
 
convivência e a troca de experiências entre os apenados, que possuem 
códigos de valores distintos dos que a sociedade valoriza, reafirmam a 
inserção na criminalidade32. 
De forma que, contrariamente do que prevê a legislação e os órgãos 
judiciários, a política criminal atual não tem conseguido perfectibilizar a 
ressocialização dos integrantes do sistema penitenciário. A estrutura penal 
reforça a estigmatização social, na qual os apenados sentem e convivem com 
o peso da exclusão sem que lhes sejam possibilitadas condições dignas de 
conviver com a realidade do cárcere. 
 Não há uma aplicação humanitária da pena, tão somente se busca a 
retribuição do mal cometido, sem, contudo, avaliar que a ênfase na exclusão 
somente acaba por reforçar o sentimento de que o delinquente não pertence à 
estrutura social, o que acaba promovendo a reincidência delitiva. Ou seja, a 
ausência de mecanismos, que ofereçam a capacitação para que quando o 
indivíduo retorne ao convívio social esteja apto a desenvolver alguma atividade 
a fim de lhe prover o sustento e proporcionar uma condição de vida digna, 
reflete na perpetuação da criminalidade. 
Não só as prisões deixam uma vasta população à margem social, mas 
o sistema estatal, enquanto gerenciador dos processos internos que visam à 
capacitação da população, é falho. O papel exercido pelo Direito precisa ser 
abordado criticamente em face da cultura globalizante que vem circundando a 
sociedade que, abarcada por uma lógica competitiva prioriza as fusões entre os 
poderosos e a exclusão das grandes massas, sendo que estes jamais 
conseguem se inserir entre a alta classe capitalista, e consequentemente 
 
 
 
32 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 
26. 
 
 
 
 
 
25 
 
sofrem com a desigualdade social, a precarização do trabalho e o 
desemprego33. 
O sistema de execução penal, enquanto ferramenta de aplicação do 
Direito, precisa estar em sintonia com os direitosdos indivíduos e com a 
melhoria da sociedade. A escolha da política criminal a ser implementada na 
sociedade deve trabalhar com a percepção de que os criminosos são 
integrantes do conjunto social, e que o desenvolvimento pessoal destes 
indivíduos não é uma opção estatal, mas sim um dever. O Estado não deve 
priorizar um determinado grupo da população, mas deve reforçar a aplicação 
dos direitos a todos os indivíduos. 
Percebe-se uma utilização indevida do exercício do poder por parte de 
alguns entes políticos, que governam em favor de interesses particulares, 
desvirtuando completamente a finalidade da máquina pública, que deveria 
garantir a efetividade dos direitos de todos, indistintamente. Forma-se um 
“capitalismo de laços” entre os poderosos e governantes, concentrando-se a 
riqueza nas mãos de alguns, e por outro lado, existe uma camada populacional 
que está sempre a depender do auxílio governamental para que consigam 
minimamente se alimentar 34. 
O Estado, portanto, tem se mantido como um dos instrumentos da luta 
de classes, perante o qual a classe dominante tem acesso privilegiado à sua 
estrutura burocrática com a finalidade de preservar o seu poder de dominação 
econômica. O Estado do bem-estar social se originou como uma forma de 
conter as insatisfações do operariado, já que diante das condições de vida sem 
 
 
 
33 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do 
Advogado, 2011, p. 23-26. 
34 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do 
Advogado, 2011, p. 30-31. 
 
 
 
 
 
26 
 
perspectivas de um futuro promissor, a insatisfação deu origem às revoluções 
socialistas, que passaram a ser contidas com o welfare state35. 
A minimização do Estado Providência tem consequências 
completamente diferentes em países que já passaram por toda uma construção 
estrutural mediante a intervenção estatal, para aqueles países, que assim 
como o Brasil, não oportunizaram o Estado de Bem-estar social de forma a 
atingir todo o contingente populacional, propiciando a provisão somente para 
uma camada da sociedade. A divisão do país em duas espécies de pessoas: o 
sobrecidadão que dispõe do sistema a seu favor, mas a ele não se subordina; 
e o subcidadão, que depende do sistema para a sua sobrevivência, mas a ele 
não tem acesso, acabam por reafirmar a segregação social36. 
O tratamento seletivo prolifera a desigualdade social e acentua a 
criminalidade. De forma que a atuação estatal, assim como a política criminal 
adotada, para desempenhar efetivamente um papel preventivo, repressivo e 
ressocializador, precisa abordar a criminalidade no seu contexto mais amplo, 
ou seja, através de uma política que não busque somente proteger os 
indivíduos alheios à criminalidade (sociedade), mas que também se preocupe 
com a forma como a sanção irá atuar na vida do receptor (criminoso). 
Não é suficiente uma política criminal voltada para a repressão 
massiva, que venha a tratar o criminoso como inimigo. O Direito Penal do 
inimigo compreende o infrator da norma como inimigo do Estado, de forma que 
assim o sendo, “não é tratado como pessoa, mas como inimigo a ser eliminado 
e privado do convívio social”37. Tal postura tem se demonstrado ineficiente, 
enfatizando o contexto de exclusão social em que determinada parcela 
 
 
 
35 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 20. 
36 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do 
Advogado, 2011, p. 27-29. 
37 CAMPOS, Pedro de. Direito penal aplicado: parte especial do código penal (arts. 121 a 
361). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 104. 
 
 
 
 
 
27 
 
populacional já se inseria mesmo antes da privação da liberdade, 
caracterizando, portanto, um mecanismo prejudicial ao indivíduo e à 
coletividade que também sente os efeitos da proliferação criminal. 
 Além do que, trabalhar com o enfoque de eliminação dos criminosos é 
também inconstitucional. A Constituição enquanto norma fundamental dá o 
norte a todas as demais normas infraconstitucionais, fazendo do sistema 
normativo uma unidade. O sistema constitucional de direitos fundamentais é o 
guia hermenêutico de todo o ordenamento jurídico38. 
Tem-se, na Constituição, a estrutura do Estado democrático de Direito, 
sendo que as demais normas, bem como os poderes que representam a 
estrutura estatal – executivo, legislativo e judiciário – devem respeitar os 
preceitos constitucionais e basear as suas condutas para a execução e 
aprimoramento dos direitos assegurados pela Carta Magna. 
As normas constitucionais preveem a igualdade de todos perante a lei, 
referindo-se à paridade de armas na seara jurídica, de forma que as condições 
econômicas privilegiadas não podem eximir o agente do cumprimento legal, da 
mesma forma que os menos favorecidos economicamente não podem ser 
prejudicados em virtude da sua renda. Nesse sentido, o princípio da igualdade 
autoriza, ao aplicador da norma jurídica, a instrumentalização da igualdade na 
aplicação da norma aos casos concretos por meio da reprodução de 
desigualdades materiais, a fim de que se origine uma situação equânime. 
Neste aspecto, para além do cumprimento da legislação penal 
(aplicação da norma), o papel da política criminal é compreender que os casos 
levados ao judiciário estão circundados por fatores do mundo real, muitas 
vezes, circunstâncias adversas que conduziram o agente delituoso ao 
cometimento do ilícito, as quais devem ser sopesadas na aplicação penal, a fim 
 
 
 
38 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Perspectivas e tendências atuais do estado 
constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 20-21. 
 
 
 
 
 
28 
 
de que sejam projetados resultados que possam ser sentidos pelo receptor da 
sanção, e também pela sociedade, que passa a presenciar os efeitos de uma 
política criminal ressocializadora mediante a redução da violência. 
As injustiças enfrentadas pela parcela social excluída das 
oportunidades de crescimento pessoal influenciam o direcionamento que estes 
indivíduos dão às suas vidas. Existem claramente injustiças que circundam a 
sociedade, pois fundadas em iniquidades e sujeições pelas quais os indivíduos 
passam, sendo que o diagnóstico da injustiça parece ser o ponto de partida ao 
questionamento, com o propósito de serem corrigidas. Contudo, o senso de 
justiça deve sempre estar amparado por um exame crítico acerca dos fatos 
analisados, desenvolvendo a racionalidade e a razoabilidade um importante 
papel na compreensão do que seria justo ou injusto39. 
Para que a justiça realmente se efetive, o modo de julgar deve prever a 
redução das injustiças e a promoção da justiça. De fato, o conceito de justiça 
não é algo que deságua em uma única resposta, já que as ciências humanas 
não se cercam de certezas absolutas como as ciências exatas, é possível que 
se tenham diferentes concepções acerca do que representa a justiça, estando 
o conceito amplamente relacionado com o modo como as pessoas vivem40. 
A ideia de que criminosos são inumanos ou inferiores, não projeta um 
sistema de justiça, pelo contrário, desconsidera o sofrimento do outro e os 
fatores reais ocultos que conduziram ao cenário criminoso, fruto de relações 
assimétricas e opressivas de um poder dominante. O modelo ideal de justiça é 
aquele que visa dissipar essas desigualdades e não fazer da condição mais um 
motivo para a exceção. 
A aplicação da justiça deve levar em consideração as desigualdades 
sociais e ao mesmo tempo deve operar no sentido de eliminá-las tanto pelo 
 
 
 
39 SEN, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: LeLivros, 2009, p. 7-8. 
40 SEN, Amartya. Aideia de justiça. São Paulo: LeLivros, 2009, p. 8-9. 
 
 
 
 
 
29 
 
emparelhamento judicial (equidade), como também pela eliminação primária 
das injustiças, ou seja, nas bases em que se desenvolvem, propiciando aos 
criminalmente condenados oportunidades de desenvolvimento individual. As 
liberdades políticas têm um papel fundamental no fornecimento de incentivos e 
informações acerca das necessidades que assolam determinados conjuntos 
sociais e que privam os indivíduos de usufruir de uma vida pela qual tenham 
apreço 41. 
Os direitos políticos civis (a manifestação política de todos os 
integrantes do conjunto social, e não somente daqueles que controlam a 
máquina pública por meio dos três poderes) possuem uma importância direta 
na ampliação das capacidades básicas dos indivíduos, diante da participação 
política e social, assim como também possuem um papel instrumental na 
repercussão da opinião dos demais integrantes da sociedade no meio político, 
fazendo com que seja atingido por fim, o papel construtivo na conceituação das 
necessidades que imperam a sociedade e que precisam ser tratadas pelo 
poder público42. 
A política criminal brasileira, enquanto escolha política de prevenção e 
repressão à criminalidade, necessita estabelecer as suas bases em 
mecanismos que efetivamente reproduzam a ressocialização dos apenados. 
Uma política voltada para a inclusão dos apenados no sistema social através 
do desenvolvimento individual propicia a evolução do indivíduo encarcerado, e 
ao mesmo tempo, ao ser reinserido no convívio social, este egresso do sistema 
penitenciário terá ferramentas para que possa desenvolver a sua vida que não 
seja através da criminalidade. 
A garantia dos direitos individuais de cada apenado, além de ser 
previsão constitucional, é o meio pelo qual a diminuição da criminalidade é 
 
 
 
41 SEN, Amartya. Identidade e violência. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2015, p. 195. 
42 SEN, Amartya. Identidade e violência. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2015, p. 195. 
 
 
 
 
30 
 
possível. A política de repressão baseada na exclusão social tem repercutido 
negativamente, na medida em que os apenados convivem com a realidade da 
exclusão. Tendenciosamente, o sentimento de não pertencimento ao grupo faz 
com que, ao saírem do contexto de apenados, coloquem-se novamente contra 
a sociedade, já que não se sentem incluídos, incorrendo na reincidência 
criminal. 
A execução penal assentada na garantia dos direitos individuais dos 
apenados, acrescida de meios que possibilitem o seu desenvolvimento, 
garante a efetividade dos preceitos normativos e dá forma a uma sociedade 
harmônica e produtiva. Uma política criminal voltada para a observância dos 
direitos individuais dos integrantes do sistema penitenciário gera efeitos 
positivos para os reeducandos e para a sociedade. 
 
1.1 Dos direitos do indivíduo e da sociedade 
 
A construção dos direitos dos indivíduos, assim como dos direitos da 
sociedade, foi evoluindo com o passar do tempo mediante a identificação de 
direitos que deveriam ser protegidos. A fixação pelo legislador de direitos que 
devem ser assegurados é uma forma de controle social e, também, de atingir a 
harmonia da convivência no grupo. 
A convivência em grupo necessita estar pautada pelo respeito mútuo, 
de forma a assegurar direitos mínimos às partes integrantes da sociedade. Os 
direitos humanos, vinculados ao princípio da dignidade humana, são os ditos 
direitos essenciais. Já que todos os seres humanos, ainda que com inúmeras 
diferenças físicas, culturais e étnicas, merecem igualmente o respeito por parte 
dos integrantes do conjunto social43. 
 
 
 
43 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: 
Saraiva, 2010, p. 13. 
 
 
 
 
31 
 
A construção histórica dos direitos humanos não é um acontecimento 
uníssono e linear, mas é algo que foi e continua se moldando com o passar dos 
anos e se adequando ao perfil dos indivíduos para os quais as normas se 
originam. Nem mesmo no relato bíblico da Criação o mundo surgiu de forma 
pronta e acabada, mas na medida em que o tempo vai se passando as 
criaturas passam a interagir e formar o conjunto social, definindo a vida como 
uma constante evolução44. 
Nesse caminho evolutivo, a Declaração Universal dos Direitos 
Humanos é o grande marco, a título internacional, com relação ao que se deve 
buscar na convivência em grupo, afirmando a necessidade de respeito e 
garantia a direitos considerados mínimos ao indivíduo. 
A grande importância deste documento, com caráter universal, consiste 
no fato de que a lei escrita como regra geral se aplica a todos os indivíduos 
integrantes da sociedade organizada, tornando possível não só a validade, mas 
a eficácia do sentido de igualdade em essência para todos os indivíduos. 
Registra-se de forma expressa o ensinamento de que "todos os homens 
nascem livres e iguais em dignidade e direitos"45. 
Os direitos humanos têm ampliado suas vertentes, porém, ainda não 
são unanimidades sociais, existindo inúmeros fatores a serem enfrentados para 
a sua efetividade na estrutura social, especialmente nos presídios brasileiros, 
que concentram problemas estruturais e sociais. Conforme o princípio basilar 
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os direitos ali previstos são 
destinados a todos os seres humanos sem qualquer discriminação. 
 
 
 
 
44 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: 
Saraiva, 2010, p. 17. 
45 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: 
Saraiva, 2010, p. 24. 
 
 
 
 
 
32 
 
Artigo II – Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e 
as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de 
qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião 
política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, 
nascimento, ou qualquer outra condição46. 
 
Os direitos humanos são, portanto, previsões mínimas asseguradas em 
âmbito universal, que buscam assegurar condições de uma vida digna aos 
indivíduos. Caracterizam-se por elementos comuns a todos os seres humanos, 
por serem direitos inerentes à vida, independentemente de classe social, 
religião, opção política, raça, etnia. 
 
(...) o traço básico que marca a origem dos direitos humanos na 
modernidade é precisamente seu caráter universal; o de serem 
faculdades que deve reconhecer-se a todos os homens sem 
exclusão. Convém insistir neste aspecto, porque direitos, em sua 
acepção de status ou situações jurídicas ativas de liberdade, poder, 
pretensão ou imunidade existiram desde as culturas mais remotas, 
porém como atributo de apenas alguns membros da comunidade (...). 
Pois bem, resulta evidente que a partir do momento no qual podem-
se postular direitos de todas as pessoas é possível falar em direitos 
humanos. Nas fases anteriores poder-se-ia falar de direitos de 
príncipes, de etnias, de estamentos, ou de grupos, mas não de 
direitos humanos como faculdades jurídicas de titularidade universal. 
O grande invento jurídico-político da modernidade reside, 
precisamente, em haver ampliado a titularidade das posições jurídicas 
ativas, ou seja, dos direitos a todos os homens, e em conseqüência, 
ter formulado o conceito de direitos humanos47. 
 
De tal forma, os direitos humanos traduzem posições jurídicas que 
reconhecem direitos a todos os indivíduos em nível internacional e 
independentemente de estarem vinculados a uma determinada ordem 
constitucional, visto que expressam direitos essenciais. A Constituição Federal 
 
 
 
46 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração universal dos direitos humanos:adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da assembleia geral das Nações Unidas em 
10 de dezembro de 1948. Brasília: UNESCO no Brasil, 1998, p. 2. 
47 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Perspectivas e tendências atuais do estado 
constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 24-25. 
 
 
 
 
 
33 
 
brasileira também tutela os direitos dos indivíduos, que são denominados 
direitos fundamentais, ainda que em alguns momentos sejam divulgados como 
sinônimos, didaticamente carregam conotações distintas dos direitos humanos, 
visto que a terminologia “direitos fundamentais” se refere aos direitos 
reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de cada 
Nação48. 
Os direitos fundamentais compreendem as normas que visam à 
“proteção da estrutura física, psíquica e moral da pessoa”. Há ainda 
posicionamentos divergentes no tocante à necessidade de previsão no texto 
constitucional. A teoria positiva afirma que os direitos fundamentais existentes 
estão “escritos ou positivados no sistema legal”; enquanto que a teoria 
naturalista defende que “os direitos fundamentais são direitos ínsitos à 
condição humana”, e, portanto, “existem independentemente de previsão 
normativa”, fundamentando o seu entendimento com base na primeira parte do 
§ 2º do artigo 5º da Constituição Federal, que prevê que “Os direitos e 
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do 
regime e dos princípios por ela adotados...”49. De qualquer forma, ambas as 
teorias trazem a normatividade dos direitos fundamentais ligadas à 
Constituição de um país. 
Os direitos humanos, enquanto espécie de moral jurídica universal, 
quando reconhecidos e positivados nas Constituições passam a compor o rol 
de direitos fundamentais assegurados aos membros deste ente público 
concreto. Salienta-se, porém, que os direitos humanos não integram 
automaticamente a ordem jurídica interna de um país, e, portanto, precisam da 
cooperação dos Estados individualmente. No entanto, existem mecanismos 
 
 
 
48 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 12. ed. Porto Alegre: 
Livraria do Advogado, 2015, p. 29-33. 
49 SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Curso de Direito processual penal: teoria 
(constitucional) do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 234-235. 
 
 
 
 
 
34 
 
internacionais de controle que, de alguma forma, acabam impelindo ao 
cumprimento das normas de garantia internacional. Há, ainda, a distinção entre 
os “direitos do homem”, que são os direitos naturais não positivados, que 
quando passam a serem positivados internacionalmente, adquirem a 
denominação de direitos humanos50. 
Os direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição 
Federal de 1988, no seu título II, preveem que todos os indivíduos, 
independentemente de quaisquer distinções, têm direitos considerados 
mínimos e que precisam ser observados. De acordo com SARLET51, a história 
dos direitos fundamentais culmina no moderno Estado constitucional, que 
possui por fim precípuo o reconhecimento e proteção da dignidade da pessoa 
humana e dos direitos fundamentais, sendo, de certa forma, a história dos 
direitos fundamentais a história da limitação do poder. 
Com o surgimento do Estado moderno, em resposta aos abusos 
sofridos por uma parcela populacional excluída e marginalizada (pessoas que 
vivem à margem dos direitos assegurados internacional e constitucionalmente, 
sem acesso a oportunidades e condições sociais dignas), o Estado 
constitucional adveio abarcado por um amplo instinto defensivo dos direitos 
mínimos ao ser humano, tendo estabelecido os direitos fundamentais a nível 
constitucional diante da importância da personalidade de cada integrante do 
conjunto frente à definição de humanidade, que passou a ser revelada 
internacionalmente. 
Os direitos fundamentais tutelados pela Constituição Federal brasileira 
de 1988, que regem a estrutura jurídica e social do país, residem sua razão de 
ser no reconhecimento e na defesa da dignidade da pessoa humana, 
 
 
 
50 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 12. ed. Porto Alegre: 
Livraria do Advogado, 2015, p. 30-34. 
51 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 12. ed. Porto Alegre: 
Livraria do Advogado, 2015, p. 36. 
 
 
 
 
35 
 
corroborando o grau de zelo do legislador diante da previsão legislativa no 
artigo 1º da Carta Magna, no seu inciso III, como sendo um dos fundamentos 
da República52. 
A Constituição Federal, enquanto norma máxima de um Estado, 
direciona as demais normas infraconstitucionais que devem estar em 
consonância com os seus regramentos. Assim como a Constituição prevê o 
respeito à dignidade da pessoa humana de forma indistinta, todas as demais 
normas, inclusive as normas penais (material, processual e de execução), 
devem respeito à dignidade humana. 
A vinculação ao sistema constitucional é característica dos 
ordenamentos jurídicos modernos, o que garante segurança jurídica na 
aplicação do direito tanto para os aplicadores, como para os destinatários, 
permitindo, por meio da sistematicidade, a aplicação do direito – inclusive dos 
direitos fundamentais – com conhecimento e interpretação fundados em 
critérios precisos e rigorosos, e não em uma aplicação jurídica ao mero 
acaso53. 
A ideia de regularidade que circunda o sistema jurídico permite 
conceber os direitos e liberdades como uma unidade, sendo que cada direito 
fundamental integrante da Constituição deve ser observado por todo o sistema 
normativo. De tal forma, a Constituição necessita ser interpretada 
sistematicamente, trazendo valor e sentido a cada preceito de forma harmônica 
com as demais leis infraconstitucionais 54. 
Diante da previsão constitucional da dignidade da pessoa humana, 
como sendo o fundamento do Estado Democrático de Direitos, associada ao 
 
 
 
52 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 12. ed. Porto Alegre: 
Livraria do Advogado, 2015, p. 36. 
53 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Perspectivas e tendências atuais do estado 
constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 18. 
54 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Perspectivas e tendências atuais do estado 
constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 18-19. 
 
 
 
 
36 
 
objetivo de promover o bem de todos, sem qualquer discriminação, previsto no 
artigo 3º da Constituição Federal, entende-se que a promoção e a garantia à 
dignidade dos apenados são medidas impositivas que devem ter o 
cumprimento assegurado pelas normas vinculadas à execução penal. Os 
direitos fundamentais possuem caráter de essencialidade justamente por 
representarem o conjunto mínimo de direitos que qualquer indivíduo necessita 
para a sua sobrevivência enquanto ser humano, nesse sentido, a relativização 
dos direitos dos apenados é inconstitucional. 
Os direitos fundamentais surgem juntamente com o nascimento dos 
indivíduos, e desde então passam a ter como características “a 
intransmissibilidade, a indisponibilidade, a irrenunciabilidade, a 
inexpropriabilidade, a imprescindibilidade e a vitaliciedade, além de sua 
natureza absoluta”. São direitos que são criados frente aos interesses e 
necessidades da população a que servem, mas que continuam em constante 
variação, acompanhando a história da humanidade55. 
De fato, nem mesmo a condição da privação da liberdade pode 
extinguir ou diminuir o acesso aos direitos essenciais. A pena privativa de 
liberdade tão somente repercute na sanção de restringir a liberdade do 
indivíduo, sendo que o tolhimento de qualquer outro direito representa uma 
mitigação dos direitos mínimos, e consequentemente, uma ofensa à Lei. 
De acordo com CANOTILHO56, os direitos individuaismarcam a era 
moderna do constitucionalismo como os “direitos do homem” e, assim, são 
considerados direitos inerentes à própria natureza humana, logo, inalienáveis e 
intransigíveis. Projeta-se, a partir deles, a evolução progressiva da sociedade 
 
 
 
55 SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Curso de Direito processual penal: teoria 
(constitucional) do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 240-243. 
56 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Revista 
Livraria Almedina, 1993, p. 41. 
 
 
 
 
37 
 
em busca de valores universais que repercutem em uma condição de vida 
melhor e condizente com o novo estado. 
Os direitos do indivíduo representam os direitos de segunda dimensão. 
A construção dos direitos da sociedade (coletivos e individuais) pode ser 
dividida em três momentos. Inicialmente frente ao clamor público pela liberdade 
da vida individual, a população não queria mais a intervenção excessiva do 
poder público nas suas relações privadas, instituindo-se a primeira dimensão 
dos direitos do indivíduo, na qual o Estado passa a respeitar a esfera dos 
interesses individuais. É o eixo primordial do surgimento dos direitos da 
população, que inicialmente teve reconhecidos os seus direitos de liberdade 
frente à atuação do poder estatal57. 
Os direitos fundamentais de primeira dimensão passaram a demarcar 
uma limitação à atuação do Estado, selando os direitos de caráter “negativo”, o 
dever de abstenção dos poderes públicos58. Como refere BONAVIDES59, são 
os direitos civis e políticos. 
Já em um segundo momento, viu-se que era insuficiente um Estado 
que somente se abstivesse, havendo claramente a necessidade de 
participação estatal na manutenção dos indivíduos, de forma que se originaram 
os direitos de segunda dimensão, que prezam pela atuação estatal no sentido 
de promover o bem-estar social dos seus administrados. Passa a ser dever do 
Estado assegurar os direitos que se reportam à individualidade – assistência 
social, saúde, alimentação, educação, trabalho, entre outros, como a finalidade 
de realização do princípio da igualdade, visto que as liberdades (direitos de 
 
 
 
57 CASTILHO, Ricardo. Direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 175. 
58 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 12. ed. Porto Alegre: 
Livraria do Advogado, 2015, p. 45-46. 
59 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 517 apud 
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 12. ed. Porto Alegre: Livraria 
do Advogado, 2015, p. 47. 
 
 
 
 
38 
 
primeira dimensão) se mostram inócuas frente ao indivíduo que não dispõe de 
condições para aproveitá-las60. 
E por fim, há a institucionalização dos direitos de terceira dimensão, 
que projetam interesses para além do indivíduo – transindividuais –, são 
interesses que demandam o coletivo, o bem social e, nesse ponto, destaca-se 
a importância das políticas que visem ao engajamento dos grupos relegados 
que sentem o peso da exclusão. O Estado passa a agir em prol de uma postura 
solidária/ fraterna, os direitos de terceira dimensão compreendem os direitos 
difusos ou coletivos, portanto, direitos que se dirigem à humanidade, como a 
preservação do meio ambiente, o direto à paz, ao desenvolvimento, à 
qualidade de vida. São elementos transnacionais61. 
A definição legal dos direitos, tanto da sociedade como do indivíduo, 
representa uma importante evolução no contexto humanitário. Historicamente, 
o poder estatal em muitos momentos esteve sob o domínio de pessoas 
desconectadas do senso de coletividade, o que culminou na eliminação de 
muitos direitos da população. A construção histórica dos direitos humanos e 
dos direitos fundamentais representa um marco importantíssimo, sendo o meio 
pelo qual as minorias e os desfavorecidos têm os seus direitos mínimos 
preservados. 
Ao mesmo tempo em que as normas jurídicas são importantes para a 
efetivação prática dos direitos da população, é necessário que estejam imersas 
em um conjunto agregador, com um sentido fundamentado na sociedade 
prática. A normatização, por si só, é prejudicial ao conjunto social. A crítica é 
fundamental para que se possa acompanhar a evolução social e compreender 
 
 
 
60 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 
2016, p. 355. 
61 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 12. ed. Porto Alegre: 
Livraria do Advogado, 2015, p. 48-49. 
 
 
 
 
39 
 
quais são os direitos que efetivamente a sociedade precisa que sejam 
protegidos. 
O senso crítico evita a manipulação de normas com fins voltados aos 
criadores das normas, ou seja, protege a sociedade da abusividade normativa, 
que se destina a servir determinados interesses da parcela social detentora do 
poder, comprometendo direitos básicos de outros cidadãos. Muitas vezes, as 
leis, as quais os indivíduos são compelidos a respeitar, não passam de opções 
políticas de determinados representantes do poder e, que antes de qualquer 
intenção, refletem os fatores reais do poder, formando uma convenção de 
interesses determinados pelas influências de cada cidadão na composição 
legislativa62. 
Em resumo, as normas são convenções entre as partes que compõem 
a comunidade. As regras que orientam a construção do direito são alternativas 
escolhidas e assim positivadas em determinada época e local, podendo ser 
substituídas de acordo com as novas exigências sociais63. O que se deve 
evitar, portanto, é a legiferação desconectada dos interesses da sociedade e 
voltada aos interesses pessoais de quem cria as normas. 
A elaboração de leis impositivas e abusivas acaba gerando no 
indivíduo a não aceitação do contexto que lhe é imposto, a dominação então se 
converte em repressão, repercutindo nos efeitos da violência diante da 
intenção de se libertar. O discurso dominador apresenta à sociedade inúmeros 
motivos para que as regras sejam aceitas como o correto. Cria-se no 
imaginário da criança, desde o início de sua educação, bem como no homem 
adulto, que passa a respeitar as leis impostas pelo Estado, que o cidadão de 
 
 
 
62 LASSALE, Ferdinand. A essência da constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 
10-11. 
63 HASSEMER, Winfried. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito 
contemporâneas: sistema jurídico e codificação: a vinculação do juiz à lei. Lisboa: Fundação 
Calouste Gulbenkian, 2002, p. 289-290. 
 
 
 
 
 
40 
 
bem é aquele que se reprime ao ponto de aceitar as normas definidas por uma 
parte da sociedade que diz defender os direitos de todos64. 
Tanto os direitos como os deveres impostos pelas normas precisam 
estar em conexão com o que a sociedade de forma geral busca, sem que 
sejam garantidos direitos somente a uma determinada parcela da sociedade, 
dando-se assim embasamento para a solidificação de normas fortes, pois 
vinculadas ao instinto de toda a população que as seguem. 
No mesmo sentido, as normas penais devem pautar os interesses da 
sociedade quanto aos bens que se busca proteção, e por outro lado, as normas 
processuais penais e de execução penal visam assegurar a manutenção de 
direitos mesmo àqueles que tenham cometido práticas delituosas. O direito 
penal exerce função limitadora às atuações nocivas aos direitos essenciais, 
enquanto que o processo penal atua como ferramenta proibitiva da punição 
arbitrária. 
As normas de imputação penal significam aquilo que a comunidade 
decidiu convencionar como atentador ao que julgam bens a serem protegidos, 
repercutindo assim um determinado grau de segurança jurídica para as ações 
humanas que forem consideradas incompatíveis com os princípiosque regem 
o Estado, que também representa uma construção humana, com o objetivo de 
gerir a população 65. 
Conforme BECCARIA66, os princípios aceitos nas sociedades derivam 
em geral de três fontes: da revelação, da lei natural e das convenções sociais, 
sendo que este tripé busca um único fim, que é o estabelecimento de uma 
 
 
 
64 DUSSEL, Enrique D. Filosofia da Libertação na América Latina. São Paulo: Edições 
Loyola, 1977, p. 60-61. 
65 BUSATO, Paulo César. Direito penal: parte geral. São Paulo: Atlas, 2013, p.208. 
66 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Disponível em: 
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/eb000015.pdf>. Acesso em: 18/07/2016, p. 
5-7. 
 
 
 
 
 
41 
 
condição de felicidade aos homens na terra. No entanto, o autor revela que a 
tendência humana é acumular entre poucos a felicidade e o poder e, 
contrariamente, deixar à maioria miséria e fraqueza. 
O princípio universal da dignidade da pessoa humana reprime 
atuações degradantes e ofensivas a questões mínimas que precisam ser 
observadas pelos administradores da máquina estatal. A dosagem na 
tipificação penal e a observância dos direitos dos detentos são ações que se 
esperam do Estado, sendo afastadas arbitrariedades incondizentes com 
democracia estabelecida. 
É de suma importância que os direitos do homem, que passaram por 
uma construção melindrosa, sejam preservados, aclamados e respeitados por 
todos os indivíduos e, principalmente, pelos representantes do povo que 
constituem a estrutura do poder estatal. Os direitos do homem, os direitos 
humanos e os direitos fundamentais, são conjuntos que expressam, cada um 
com suas especificidades quanto à sua definição, direitos mínimos a serem 
garantidos aos indivíduos. 
Ainda que o indivíduo ao qual se requeira o direito seja um apenado, 
não se aplica a discriminação dos direitos, haja vista serem direitos que 
acompanham os indivíduos desde o seu nascimento e, portanto, não podem 
ser suprimidos ou relativizados. A aplicação da pena de prisão somente 
justifica a limitação à liberdade, sendo que todos os demais direitos continuam 
válidos. 
 
1.2 Prisões: um mal necessário à garantia da paz social 
 
O princípio da “utilidade penal” justifica a imputação de sanções a 
determinadas condutas diante do dever estatal de resguardar os bens que 
representam os direitos mais expressivos a serem protegidos individual e 
socialmente, tendo a pena a função de prevenir a ofensa destes bens 
essenciais. Ou seja, o direito penal não se legitima frente à proibição de 
 
 
 
 
42 
 
condutas meramente imorais, mas tão somente para acautelar bens de 
extrema relevância67. 
O poder se entrelaça com a força e a competência. O poder é 
representado pela força, e é exercido na sociedade, podendo ser bifurcado em 
suas formas de atuação: a dominação impositiva por meio da força caracteriza 
o poder de fato que se vale dos meios de dominação material; já a dominação 
estruturada na competência e no consentimento caracteriza o poder de direito, 
o qual resume basicamente as estruturas modernas, que tendem a buscar a 
aprovação da coletividade, fazendo do poder a representação da vontade do 
povo – democracia68. 
A atuação do poder punitivo estatal encontra dois alicerces limitadores. 
O primeiro é o princípio de necessidade ou de economia das proibições penais, 
que define que por ser a intervenção punitiva a que mais afeta a liberdade e a 
dignidade dos cidadãos, somente é justificável ao controle de ações que 
objetivem lesionar os demais integrantes do conjunto social de forma extrema, 
servindo a imposição penal para tutelar os indivíduos e minimizar a violência 
entre ambos69. 
O segundo limite à imposição penal se verifica justamente pela 
bifurcação entre os campos da moral e do direito, persistindo a necessidade 
penal somente à tutela de bens fundamentais que não poderiam ser garantidos 
de outra forma se não por meio do direito penal70. 
 
 
 
67 FERRAJOILI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora 
Revista dos Tribunais, 2002, p. 372. 
68 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 133. 
69 FERRAJOILI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora 
Revista dos Tribunais, 2002, p. 373. 
70 FERRAJOILI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora 
Revista dos Tribunais, 2002, p. 373. 
 
 
 
 
43 
 
O direito penal é, portanto, “uma técnica de definição, de 
individualização e repressão da desviação”71. A definição ou também proibição 
consiste na classificação dos comportamentos ditos desviantes, limitando a 
liberdade de ação das pessoas. À medida que pratiquem condutas tipificadas, 
sofrerão a imposição do direito penal, visto que a individualização corresponde 
à sujeição coercitiva do agente infrator aos efeitos do poder penal. E por fim, a 
efetiva repressão ou punição: no caso de serem julgados culpados deverão 
enfrentar os efeitos da sanção penal prevista 72. 
A legitimidade estatal conferida pelo direito penal para o exercício do 
poder de punir é a manifestação mais violenta, e que ataca mais 
profundamente os direitos do cidadão, de forma que a justificação da aplicação 
penal se confunde com o garantismo penal73. 
A justificação do direito penal perpassa por três estruturas: a pena em 
si, a classificação dos delitos e o procedimento processual penal. Considera-se 
que tais estruturas necessitam corresponder de forma satisfatória às 
necessidades da sociedade frente aos questionamentos: “se, como, quando e 
por que punir, se, como, quando e por que proibir, se, como, quando e por que 
julgar” 74, ou seja, as respostas estão intimamente vinculadas com a relevância 
e a necessidade da formação do sistema penal. 
Necessário que sejam claras essas respostas de justificação da 
aplicação penal, afinal, a imposição de uma penalidade não deve servir a um 
mero simbolismo de ordem, mas é imperiosa a compreensão de que a pena de 
prisão é uma medida extrema que somente se justifica frente a uma conduta 
 
 
 
71 FERRAJOILI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora 
Revista dos Tribunais, 2002, p. 167. 
72 FERRAJOILI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora 
Revista dos Tribunais, 2002, p. 167. 
73 FERRAJOILI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora 
Revista dos Tribunais, 2002, p. 169. 
74 FERRAJOILI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora 
Revista dos Tribunais, 2002, p. 169. 
 
 
 
 
44 
 
grave, quando a reparação do dano não seja possível por meio de outra 
imposição menos severa do que a restrição à liberdade. 
Não só a aplicação da sanção penal em si é extremamente prejudicial 
ao acusado, como o próprio processo penal é deturpador da imagem e da 
integridade do indivíduo, somente se justificando em face de indivíduos que 
realmente apresentem perigo social, caso não o seja assim, há que se prever 
outras medidas mais eficientes e menos deturpadoras da individualidade. 
O que traz a conclusão de que processo penal, bem como a aplicação 
penal, somente se justificam em uma perspectiva de mecanismo último, sendo 
uma ferramenta importante a serviço do poder dever de punibilidade estatal. 
O desvio de conduta, dos comportamentos previamente pactuados 
entre sociedade e Estado, obviamente gera insegurança e medo na 
coletividade. De tal forma, é imprescindível que o Estado disponha de 
estruturas que possam assegurar a manutenção dos valores vigentes, 
especialmente nas sociedades complexas contemporâneas, que são marcadas 
pela pluralidade de interesses e entendimentos, o que acaba muitas vezes 
dando vazão aos conflitos

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