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DIREITO CONSTITUCIONAL – MARCELO NOVELINO AULA II - DATA: 20.08.2020 Material complementar: Lesen (2020), Ouse Plenus (2020) PODER CONSTITUINTE 1 - Fenômeno Constitucional: Pode ocorrer de duas maneiras. A primeira é através da revolução. A segunda forma (que é menos conhecida, mas não é menos importante) é a chamada transição constitucional. Revolução no sentido jurídico significa surgimento de um novo direito, de uma nova ordem jurídica. Esta revolução pode ocorrer basicamente de duas maneiras: a) Golpe de Estado (quando algum governante toma um poder e faz uma nova constituição). b) Insurreição: Grupos externos aos poderes constituídos que possuem uma força tomam o poder. É a revolução propriamente dita, em sentido estrito. O poder constituinte é o poder de elaborar, modificar e complementar uma Constituição, criando um Estado e delimitando suas instituições. É, assim, o poder de estabelecer a constituição de um Estado (Poder Constituinte Originário), de modificar (Poder Constituinte Derivado Reformador) e complementar (Poder Constituinte Derivado Decorrente) a constituição já existente, inaugurando-se uma nova ordem jurídica. Em outros termos, o poder constituinte revela-se sempre como uma questão de “poder”, de “força” ou de “autoridade” política, que está em condições de, numa determinada situação concreta, criar ou garantir uma Constituição, entendida como lei fundamental da comunidade política, por vezes, eliminando a anterior. É importante ressaltar que o poder constituinte não cria apenas uma Constituição, mas também o próprio Estado e a ordem jurídica que serão por ela regulados. Assim, pela teoria do poder constituinte, cada vez que surge uma Constituição, surge um novo Estado. Além disso, pela entrada em vigor de uma nova Constituição, todo o ordenamento jurídico é modificado. O ponto fundamental da teoria do poder constituinte – que faz com que ela alicerce o princípio da supremacia constitucional – é a distinção entre poder constituinte e poder constituído. • O poder constituinte é o poder que cria a constituição. • Os poderes constituídos são o resultado dessa criação, isto é, são os poderes estabelecidos pela Constituição. Para compreender realmente o que é Poder Constituinte, é necessário fazer uma distinção entre ele e a Teoria do Poder Constituinte. De acordo com Paulo Bonavides: “Poder constituinte sempre houve em toda sociedade política. Uma teorização desse poder para legitimá-lo, numa de suas formas ou variantes, só veio a existir desde o século XVIII...” Neste sentido, ela seria sinônimo de organização política da sociedade, por via de consequência, também se pode afirmar que o poder constituinte também sempre se manifestou de algum modo. A Teoria do Poder Constituinte só teve condições de nascimento propicias no bojo do Constitucionalismo Liberal Moderno, que veio a inaugurar as Constituições escritas. Dito isso, pode-se afirmar que a Teoria do Poder Constituinte é filha do Constitucionalismo Moderno, sendo tecida pelas mãos de Emmanuel Joseph Sieyès. A existência de uma Teoria do Poder Constituinte gera algumas consequências: a) Cria a base que sustenta a ideia das Constituições Rígidas; b) Fundamenta o Constitucionalismo. Está para constitucionalismo como a ideia de soberania está para o Absolutismo; c) Alicerça o desenvolvimento moderno dos conceitos de povo e nação; d) Estabelece a distinção entre força e força legítima. Segundo J.J. Gomes Canotilho, o Poder Constituinte situa-se na fronteira do direito constitucional, em que o direito constitucional e a política se tocam, não se sabendo onde termina um e onde começa o outro (zona de contato entre o direito constitucional e a política, por isso a ideia de “conceito limite do direito constitucional”). O Poder Constituinte é meio pelo qual vamos transformar a decisão política em uma norma jurídica de mais elevada categoria (categoria constitucional). É com o Poder Constituinte que a decisão política transformar-se-á em uma decisão jurídica. Por isso se fala que o Poder Constituinte é o poder de jurisdicizar a política. Constituição Formal é fruto do constitucionalismo. Assim, o Poder Constituinte (que é o Poder capaz de originar essa Constituição) também é fruto do constitucionalismo. Essa teorização do Poder Constituinte surgiu no final do século XVIII, em que há as primeiras Constituições formais. Essa expressão “Poder Constituinte” surge de forma explícita no Constitucionalismo francês em 1788 em um livro chamado O que é o terceiro Estado?, de Emmanuel Joseph Sieyès (que faz a distinção entre Poder Constituinte e Poder Constituído). Embora Syeyès tenha toda essa importância, é certo que, no constitucionalismo inglês, encontramos a colaboração de John Locke. O professor Canotilho lembra que, embora o Poder Constituinte não apareça na obra de Locke, os pressupostos teóricos do Poder Constituinte já se encontravam na obra de Locke. Locke não falava em Poder Constituinte, mas sim em Supreme Power (Poder Supremo) no livro Dois tratados sobre o Governo, de 1689. Quais são os pressupostos do Supreme Power de John Locke identificados com o Poder Constituinte (Canotilho): a) O poder supremo é conferido à sociedade ou comunidade, não a qualquer soberano (Locke). Obs.: Já na obra de Syeyès, o Poder Constituinte pertence à Nação. b) Por meio do contrato social, o povo confere ao legislador poderes limitados e específicos, nunca arbitrários (Locke). Obs.: Já na obra de Syeyès, é a Constituição que vai permitir ao legislador o exercício do Poder Constituinte de forma limitada e nunca arbitrária. c) Só o corpo político reunido no povo pode estabelecer a constituição política da sociedade (Locke). Obs.: Já na obra de Syeyès, a Nação, por meio de uma assembleia nacional constituinte, poderá mudar toda a conformação do Estado Francês e escrever a Constituição. Emmanuel Joseph Sieyès, no bojo do constitucionalismo francês, fez a distinção entre Poder Constituinte e Poderes Constituídos (sistematização teórica do poder constituinte). O Poder Constituinte institui uma nova ordem por meio da Constituição, marcando nitidamente a diferença entre o ato de criação de uma Constituição e os atos jurídicos subsequentes, restando estes subordinados àquela. Nesses termos, detentores e destinatários do poder teriam que respeitar o documento produzido pela nação. Para Sieyès, “os representantes extraordinários [Parlamentares Constituintes] terão um novo poder que a nação lhes dará como lhe aprouver”, ou seja, a nação dará poderes a representantes específicos para que eles criem um novo Estado. Ademais, para o teórico, os representantes não estariam obrigados às formas constitucionais sobre as quais eles têm de decidir. Dessa forma, o Poder Constituinte, segundo o autor, é onipotente/livre, ou seja, não está vinculado a nenhum regime jurídico. A Assembleia Nacional Constituinte estaria livre, inclusive, para definir como ela própria irá trabalhar. Este ponto segue atual. Observe-se, portanto, que, diferentemente dos representes extraordinários, os representantes ordinários (parlamentares normais, ou seja, que não são Constituintes), para Sieyès, estariam submetidos à regras do ordenamento jurídico. Enquanto os representantes extraordinários são convocados para a Assembleia Nacional Constituinte, os representantes ordinários atuariam na vida política comum, possuindo, portanto, poderes limitados. Outro ponto da teoria de Sieyès diz respeito ao fundamento do Poder Constituinte no Direito Natural da Nação, sedo tal direito indisponível, inalienável e permanente. Como se sabe dos estudos sobre Constitucionalismo, o fundamento filosófico do Constitucionalismo Moderno é o direito natural. Desse modo, comprova-se que o direito natural foi o fundamento inicialda Teoria do Poder Constituinte de Sieyès, logo, do próprio constitucionalismo. Outro ponto da teoria de Sieyès diz respeito à conciliação entre Poder Constituinte e Representatividade. O pensador francês tem como pressuposto o conceito rousseauniano de soberania popular, fonte da qual derivariam todos os poderes públicos. Para Rousseau, a sociedade deveria ser compreendida como se se estruturasse mediante um pacto. Esse pacto, segundo Rousseau, resumir-se-ia aos seguintes termos: “cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade sob o supremo comando da vontade geral, e recebemos em conjunto, cada membro, como parte indivisível do todo”. Assim, o contrato social, ao passo em que estrutura a sociedade, cria o governo, comando da vontade geral. Daí porque, para ele, somente seria legítimo o governo da vontade geral, ou seja, manifestada por todas as pessoas. Por essa razão, sustentava-se a necessidade de refazer o pacto social e, assim, substituir as instituições existentes por novas, que assegurassem a participação da vontade geral no governo. É exatamente essa ideia de refazer o contrato social que se atrela a ideia de Constituição, enquanto instrumento escrito através do qual se renovaria o pacto social e se estabeleceria um governo em que a vontade geral tivesse a última palavra. Ao contrário da perspectiva de Rousseau, no entanto, que só conhece a soberania popular como participação direta na democracia, Sieyès oferece uma alternativa política, baseada na representação, para a manifestação da soberania da nação. Nesses termos, Sieyès teoriza sobre o modelo de regime de expressão da vontade social através de representantes eleitos democraticamente. 2 – Natureza Jurídica A doutrina, no geral, afirma que o Poder Constituinte é um poder de fato, político. O poder constituinte, diferentemente, tem uma natureza política soberana. Segundo Paulo Bonavides, o conceito de poder constituinte é político. É o poder de fazer a Constituição, não se prendendo a limites formais, sendo extrajurídico. O exercício do poder constituinte é anterior ao próprio Estado; uma potência revolucionária. Trata-se, assim, de um poder supra legem ou legitibus solutus, um poder ao qual todos os poderes constituídos hão de, necessariamente, guardar sujeição. Por outro lado, para Jorge Miranda, o Poder Constituinte teria natureza híbrida, pois, como ruptura, é um poder de fato, porém, na elaboração de sua obra, ele apresenta-se como poder de direito, na medida em que tem o poder de desconstituir um ordenamento (revogando-o) e elaborar (constituir) outro, daí sua feição jurídica. Resumo: Para parte dos autores, trata-se de poder de fato (Kelsen, corrente juspositivista). O Poder Constituinte é uma força fática (histórico) que não tem como base norma jurídica. O Poder Constituinte é pré-jurídico. Todas as normas jurídicas são frutos do Poder Constituinte. b) Para outra parte dos autores, trata-se de poder de direito (Tomás de Aquino, corrente jusnaturalista). O Poder Constituinte tem como base algo jurídico: o direito natural. O direito natural funda o Poder Constituinte. Por isso, para essa corrente, o Poder Constituinte é um Poder Jurídico, de direito. Importante: Diante disso, Bernardo Gonçalves Fernandes aponta as seguintes correntes teóricas sobre a natureza jurídica do Poder Constituinte Originário: 1) Poder de direito: porque é assentado e fundamentado em um direito natural, que é anterior e superior a qualquer direito positivo (posto). Portanto, temos aí a natureza de um poder de direito (natural), que é inerente ao homem e à sua natureza. 2) Poder de fato: que funda a si próprio (pois o direito se expressa de forma máxima na Constituição). Portanto, o Poder Constituinte originário seria uma ruptura que não é jurídica, pois rompe com a lei máxima, impondo-se como força social ou político-social (Carré de Malberg, Celso Bastos, Raul Machado Horta). Por ter sua natureza divorciada do universo jurídico, os autores dessa linha de compreensão não se preocuparam em realizar qualquer análise ou estudo a respeito da legitimidade. 3) Natureza híbrida: como ruptura, é um poder de fato, porém, na elaboração (produção) de sua obra, ele se apresenta como poder de direito, na medida em que tem o poder de desconstituir um ordenamento (revogando-o) e elaborar (constituir) outro, daí sua feição jurídica (Gomes Canotilho, Paulo Bonavides). 3 – Espécies de Poder Constituinte 3.1 – Originário: Se divide em: histórico, revolucionário e transicional. É aquele responsável pela elaboração de uma constituição nova dentro de um determinado Estado. Não é o poder que modifica a constituição. É aquele que vai elaborar a constituição, seja a primeira constituição dentro do Estado. O ordenamento jurídico começa com a constituição, pois esta é norma suprema e originária do ordenamento jurídico. Se não existe nenhuma outra norma jurídica antes ou acima dela, o poder constituinte será localizado acima do ordenamento jurídico, ou seja, ele não é um poder criado pelo ordenamento jurídico. Ele é responsável pela criação do ordenamento. O Poder Constituinte Originário é encarregado de elaborar a Constituição do Estado. Pode ser a primeira constituição ou uma nova constituição, ou seja, toda a vez que uma nova constituição surge dentro de um Estado já existente, ela terá sido elaborada pelo Poder Constituinte Originário. *** Se ele é responsável pela criação do ordenamento (ou seja, ele dá início ao direito positivo), a sua natureza será de fato ou de direito? É um poder político ou de fato porque ele não é criado pelo direito, por normas jurídicas. Ele não retira sua força do direito; ele retira sua força da sociedade. *** O Poder Constituinte é um poder de fato ou de direito? É um poder jurídico ou é um poder político? Os poderes constituídos (Legislativo, Executivo e Judiciário) retiram sua força do texto constitucional. Assim, todos esses poderes são jurídicos, pois retiram sua força de uma norma jurídica. Se o Poder Constituinte Originário é o responsável pela elaboração de uma nova constituição, significa que ele está acima dela e, portanto, não retira sua força da Constituição Federal. Se o Poder Constituinte Originário está acima da Constituição, é possível questionar de onde esse poder retira sua força. Existem duas respostas diferentes para essa pergunta: 1º) Dentro de uma visão jusnaturalista (ou seja, de que existe um Direito Natural acima do direito positivo). O direito natural é aquele inato ao homem, com princípios eternos, universais e imutáveis. De acordo com a visão jusnaturalista, o direito positivo deve observar os imperativos do direito natural. Logo, o Poder Constituinte Originário, embora não esteja subordinado ao direito positivo, está subordinado aos imperativos do direito natural. De acordo com esta concepção, o Poder Constituinte Originário seria um poder jurídico ou um poder de direito. Isto porque este poder estaria limitado pelo Direito Natural. 2º) Já para a concepção positivista, não há nenhum outro direito além daquele posto pelo Estado. Assim, tratar-se-ia de um poder político ou um poder de fato. Se não há direito acima do direito positivo, o Poder Constituinte Originário tem natureza política, e não jurídica. Em uma prova objetiva, o aluno deve marcar a concepção positivista. Este é o entendimento predominante dentro da doutrina brasileira. OBS.: Em que pese o entendimento majoritário compreender o poder constituinte originário como poder político (visão positivista), aqueles que defendem a existência de um direito natural o consideram como um poder jurídico por estar submetido a princípios eternos, universais e imutáveis. Resumo: Na visão de Daniel Sarmento, não há dúvida de que o poder constituinte originário é um poder eminentementepolítico, que, como já ressaltado, não atua seguindo os procedimentos e observando os limites ditados pela ordem jurídica que o antecedeu. Sem embargo, apesar da sua dimensão política, ele também pertence à esfera do Direito, uma vez que não é onipotente, estando sujeito a limites e condicionamentos não só sociais como também jurídicos, atinentes ao respeito ao conteúdo mínimo dos direitos humanos e à observância de procedimento democrático na elaboração da Constituição. Assim, tem-se que a partir da segunda metade do século XX, com o fenômeno do neoconstitucionalismo, ganhou força a ideia de que o fundamento do direito e, portanto, da Constituição e do próprio Poder Constituinte é a dignidade da pessoa humana. Na nossa Constituição isso fica claro em seu artigo 1o, inciso III, quando se afirma que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Poder Constituinte originário: a) histórico: Responsável por elaborar a primeira constituição dentro de um Estado. O poder constituinte pode se manifestar na criação de um novo estado. A primeira constituição foi em 1824. b) revolucionário: Aquele que surge através do golpe de Estado ou insurreição, como por exemplo, as constituições de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969, ou na refundação de um estado, com a substituição de uma constituição por outra c) transicional: A CF/88 foi fruto de uma transição. Ex.: Brasil – 1ª constituição foi a Constituição Imperial de 1824 – poder constituinte histórico – todas as outras constituições que surgiram depois são decorrentes do poder constituinte revolucionário. OBS: O poder constituinte originário se divide em: material e formal. No sentido material escolhe o conteúdo que será consagrado na nova constituição. Para Miguel Reale, a constituição tem um valor (povo titular do poder constituinte é característica do material), uma norma (se for democrática será assembleia constituinte e é característica do formal) e um fato. O formal está ligado à forma, ou seja, formalizar um conteúdo escolhido pelo material. Num primeiro momento temos o poder constituinte material, que é a decisão política de criação de um novo estado. Posteriormente temos o poder constituinte formal, que é responsável pela elaboração da constituição em si, momento em que se dá juridicidade e forma a ideia de Direito. 3 - Características do Poder Constituinte Originário: Classificação de acordo com a doutrina positivista. a) autônomo: Porque cabe apenas a ele escolher a ideia de direito que irá prevalecer (exemplo: estado unitário, federativo, presidencialismo, parlamentarismo etc.) b) inicial: Não há nenhum outro poder, antes ou acima dele. É ele que vai dar início ao ordenamento jurídico. Ele é o responsável pela elaboração da constituição e, portanto, não há nenhum outro poder antes ou acima dele, já que os demais poderes retirarão a sua força da constituição. c) incondicionado: Não está submetido juridicamente a nenhum tipo de condição, seja ela formal (em relação à forma) ou material (em relação ao conteúdo). Segundo os positivistas, não há nenhum outro direito além do direito positivo, assim, não está sujeito a nenhuma condição: nem condição formal, nem condição material. Cabe apenas a ele decidir que conteúdo será consagrado na constituição e qual a formalidade a ser observada para a elaboração destas normas. OBS.: A essas características alguns juspositivistas costumam acrescentar ainda as seguintes: independente, ilimitado e soberano. Segundo Abade Sieyés o poder constituinte originário possui as seguintes características: Incondicionado, inalienável, permanente. É incondicionado porque o poder constituinte originário não está submetido a um direito positivo, mas deve obedecer aos princípios do direito natural (ou seja, está condicionado pelo direito natural). É permanente porque ele não se esgota com o seu exercício. É inalienável porque o povo nunca pode perder o direito de querer mudar a sua vontade, ou seja, a titularidade deste poder nunca poderá ser transferida ou usurpada. Na visão deste doutrinador, o verdadeiro titular do poder constituinte seria a nação. Porém, o conceito mais amplo e mais atual e completo diz que o titular do poder constituinte é o povo. OBS.: A CF/88 teve uma peculiaridade. Nós tivemos uma transição pacífica do regime de ditadura para o democrático e nesta transição foi feita uma emenda na constituição de 1969 prevendo uma nova constituição, ou seja, prevendo uma convocação de uma assembleia nacional constituinte. Nesta emenda constituição, havia o estabelecimento de algumas formalidades a serem observadas, como por exemplo, a mais criticada, de que existiam senadores que estavam cumprindo mandatos e quando a assembleia foi convocada, estes deputados e senadores eleitos pelo voto popular, se juntaram aqueles senadores que já estavam no mandato. Temos duas características neste caso: a) obrigatoriedade de seguir algumas normas; b) nem todos que participaram da assembleia foram eleitos para este fim. De acordo com o entendimento majoritário, embora tenha estas peculiaridades, a Constituição Brasileira é considerada democrática e fruto do poder constituinte originário. d) Ilimitado juridicamente: nenhum limite de espécie alguma, muito menos imposto pela ordem jurídica anterior, existe; e) Poder de fato e poder político: seria uma energia ou força social, de natureza pré-jurídica. A nova ordem jurídica começa com a sua manifestação, e não antes dela. f) Permanente: por ser um poder de fato, o poder constituinte originário permanece latente, em estado de hibernação, mesmo após finda a Assembleia Nacional Constituinte, podendo ser exercido a qualquer tempo. No que se refere ao caráter permanente do Poder Constituinte Originário, segundo Gilmar Mendes, “o poder constituinte originário não se esgota quando edita uma Constituição. Ele subsiste fora da Constituição e está apto para se manifestar a qualquer momento. Trata-se, por isso mesmo de um poder permanente, e, como também é incondicionado, não se sujeita a formas prefixadas para operar”. IMPORTANTE! Não é passível de controle de constitucionalidade, uma vez que não se encontra sujeito a quaisquer limites impostos pela ordem jurídica interna, tampouco a limitações de ordem suprapositiva, advindas do direito natural, ou a quaisquer outras. 4 – LEGITIMIDADE. Neste ponto, busca-se responder ao seguinte questionamento: quem é o legítimo titular do Poder Constituinte? Nos termos do Constitucionalismo Moderno, dois são os possíveis titulares legitimados: a nação ou o povo. A ideia de titularidade do Poder Constituinte na nação vem de Sieyès. Por sua vez, a ideia de titularidade do Poder Constituinte no povo vem de Rousseau. 5 - Limites materiais: Jorge de Miranda os divide em: a) transcendentes (imperativos do direito natural): São limites impostos ao poder constituinte originário material. Os imperativos do direito natural limitam o poder constituinte originário (é uma visão jusnaturalista). Eles viriam de três locais: direito natural, valores éticos, consciência jurídica coletiva. Para os jusnaturalistas, acima do direito positivo, há um conjunto de normas eternas, universais e imutáveis, que formam o direito natural. Este direito natural limita o direito positivo e, por consequência, o Poder Constituinte Originário. *** Pode-se dizer que o poder constituinte originário é ilimitado? Sim. Pode-se considerar também que o poder constituinte originário como soberano e independente. Alguns autores sustentam a existência de um princípio que limitaria o poder constituinte originário – princípio da vedação do retrocesso (é diferente do princípio da vedação do retrocesso social). Princípio da vedação do retrocesso impede que determinados direitosfundamentais conquistados por uma sociedade sejam objeto de um retrocesso quando fosse criada uma nova constituição. Não se pode retroceder nas conquistas adquiridas por uma sociedade. Os direitos fundamentais conquistados por uma sociedade e que sejam objeto de um consenso profundo não podem ser objeto de um retrocesso. A doutrina entende que os direitos fundamentais conquistados por uma sociedade ao longo do tempo não podem ser objeto de retrocesso. Fábio Konder Comparato fala que uma futura constituição não poderia consagrar a pena de morte, exceto no caso de guerra declarada (porque essa é a única hipótese na constituição atual). “Efeito cliquet” (vedação de retrocesso, ou seja, só pode caminhar para frente, não pode retroagir aos direitos adquiridos). Seria uma limitação ao Poder Constituinte Originário, não podendo ser desprezada quando da elaboração de uma nova Constituição. Neste primeiro sentido, os direitos fundamentais conquistados pela sociedade e sobre os quais haja um consenso profundo não podem ser objeto de um retrocesso. Uma nova constituição não pode retroceder naqueles direitos fundamentais que a sociedade já conquistou. Fábio Konder Comparato traz o exemplo da pena de morte, pois, no Brasil, uma nova constituição não poderia, segundo ele, prever a pena de morte, já que isso seria um retrocesso social. Na Convenção Americana sobre Direitos Humanos há dispositivo que consagra a vedação do retrocesso, exatamente com relação à pena de morte. É o chamado “efeito cliquet”, termo originário do alpinismo, que significa, neste contexto, o impedimento de retrocesso. Limitação aos poderes públicos em relação ao grau de concretização alcançado pelos direitos sociais. Aqui, há a vedação de retrocesso social. Segundo essa visão, os direitos sociais não podem ser objeto de retrocesso. b) imanentes: Ao contrário dos transcendentes, eles são impostos ao poder constituinte originário formal. Eles estão ligados a configuração do Estado à luz do poder constituinte originário material ou da própria identidade do Estado. c) heterônomos/normas de direito internacional, sobretudo de direitos humanos: São aqueles que advêm de outros ordenamentos jurídicos, principalmente do direito internacional. Uma nova constituição não pode simplesmente desrespeitar os tratados e convenções de direitos humanos celebrados pelo Estado. Cada vez mais o Poder Constituinte Originário tem a característica da ilimitabilidade relativizada. A flexibilização do caráter ilimitado do Poder Constituinte decorreu de dois aspectos: globalização e crescente preocupação com a proteção de direitos humanos. Assim, atualmente, o Poder Constituinte deve observar, também, as normas de direito internacional, principalmente as que se referem aos direitos humanos. d) direitos fundamentais imediatamente conexos com a dignidade da pessoa já conquistados por uma determinada sociedade: Princípio da proibição do retrocesso, ou vedação do retrocesso. Os direitos fundamentais são conquistados pela sociedade e não são dados pelo Estado (por exemplo, direitos humanos, direitos à liberdade, etc) e a partir do momento em que a sociedade conquistou estes direitos, eles não podem ser objetos de retrocesso e a próxima constituição não pode retroceder nestes direitos, ou seja, só pode avançar. Esta vedação de retrocesso se refere apenas àqueles direitos sobre os quais há um profundo consenso na sociedade. A ideia é de que aqueles direitos essenciais (liberdade, igualdade, vida) não podem ser restringidos, objetos de um retrocesso. e) valores éticos e sociais: os valores acolhidos por uma comunidade limitam o Poder Constituinte Originário. Se ele tem como titular o povo, ele não pode consagrar na constituição valores incompatíveis com aqueles predominantes na sociedade, mas sim que correspondam aos valores éticos, sociais e políticos. Limitações metajurídicas: A doutrina tem indicado que o Poder Constituinte Originário possui limites metajurídicos. Para a doutrina, essas limitações metajurídicas se materializariam em: a) Ideológicas: baseada na opinião pública, no pensamento dominante, nas crenças, da experiência dos valores, da influência dos grupos de pressão, das exigências do bem comum, da opinião pública; por exemplo, a Constituição de 1988 seria totalmente ilegítima se previsse a economia planificada para o Brasil, eis que a ideologia econômica (sistema econômico) aqui reinante é, desde longa data, a capitalista; b) Institucionais: ligadas às instituições arraigadas na sociedade, como a família, a propriedade, a educação etc. Conforme explica Uadi Lammêgo Bulos, “são rotulados de institucionais, porquanto proporcionam uma amplitude de sentido para o poder constituinte, pela consagração de institutos sociologicamente reconhecidos pela comunidade, sem os quais o ato de criação constitucional se desconfiguraria em suas linhas- mestras”. c) Substanciais: parâmetros para o poder constituinte originário plasmar o conteúdo dos princípios e preceitos constitucionais; ligados à impossibilidade do poder constituinte originário de violar direitos fundamentais. Subdivide-se em: I. Limites substanciais imanentes: se a Constituição a ser elaborada deve ter por escopo organizar e limitar o poder, então, o poder constituinte, ao fazer sua obra, estará condicionado por esta “vontade de constituição”. Deseja-se o poder organizado e limitado e essa circunstância condiciona à vontade do criador. São limites internos, que, filosoficamente, são impostos pelo Direito, devendo haver uma harmonia entre as normas constitucionais; uma norma não pode negar outra norma constitucional. II. Limites substanciais transcendentes: certos princípios de justiça, impregnados na consciência de homens e mulheres, são condicionantes incontornáveis da liberdade e onipotência do poder constituinte. Se pode tudo, já não lhe é permitido contrariar os princípios de justiça, como o de que não se deve lesar a outrem; são limites de conteúdo, limites humanísticos e valorativos. Exemplo: respeito à dignidade da pessoa humana. Pode o texto constitucional dotar a tortura como meio de obtenção de provas no processo penal? III. Limites substanciais heterônomos: relaciona-se às prescrições do Direito Internacional. Não são muito bem-aceitos pelos constitucionalistas, apesar de imensamente homenageados pelos internacionalistas. Inclusive, aqui cabe até mesmo invocar a doutrina do transconstitucionalismo, de Marcelo Neves. O poder constituinte, embora seja a expressão máxima da soberania popular no âmbito do Estado- Nação, não pode simplesmente ignorar princípios de Direito Internacional. Ao contrário, deve estar vinculado a alguns desses princípios, tais como o princípio da independência, o princípio da autodeterminação dos povos, o princípio da prevalência dos direitos humanos, o princípio da igualdade entre os Estados, o princípio da defesa da paz e o princípio da solução pacífica dos conflitos. 6 - Titularidade, exercício e legitimidade do poder constituinte: a) Titularidade – o titular do poder constituinte é sempre a maioria do povo ou, numa concepção mais clássica, a maioria da nação (Abade Sieyés). Alguns autores consideram que apenas uma minoria sempre detém o poder constituinte. Para o professor, esses autores confundem titularidade com exercício – a titularidade é sempre do povo, mas o exercício é que é sempre de uma minoria, ou seja, aquele que elabora a constituição (junta militar, uma comunidade religiosa e se for democrática, será exercido pela assembleia constituinte). Quando a titularidade e o exercício são coincidentes, pode-se dizer que o poder constituinte tem legitimidade. Esta legitimidade pode ser subjetiva, sendo que esta ocorre quando o exercício do poder constituinte corresponde à sua titularidade (estárelacionada ao sujeito). A titularidade (detém o poder) pertence ao povo (conceito mais utilizado) ou a nação. Exercício é diferente de titularidade. O exercício é a elaboração de uma constituição. Para que haja esta correspondência, o exercício deve ser feito pela assembleia nacional constituinte. Trata-se da titularidade e exercício deste poder. A titularidade, dentro de uma concepção democrática, pertence ao povo ou à nação. O exercício deste poder (efetiva elaboração da constituição) nem sempre corresponde à titularidade. Quando a constituição é elaborada por representantes do povo, eleitos para esse fim específico, a constituição é considerada democrática. Se a titularidade não corresponde ao exercício, o Poder Constituinte é ilegítimo no aspecto subjetivo. Exemplo: um determinado grupo de pessoas toma o poder e faz nova constituição. Ela será ilegítima. OBS.: Assembleia nacional constituinte nada mais é do que um conjunto de representantes do povo eleitos para o fim específico de elaborar uma constituição. Fazendo uma análise do conteúdo da constituição, pode-se dizer que quando o conteúdo da constituição corresponde aos anseios da comunidade, pode-se dizer que o poder constituinte é exercido legitimamente. Assim, a legitimidade objetiva está relacionada ao conteúdo das normas, objeto das normas, respeito aos limites materiais que nós vimos. Ocorre quando o poder constituinte originário consagra na constituição um conjunto de valores que correspondem à ideia de justiça e que estão radicados na comunidade em determinado momento histórico. Exercício é a elaboração da constituição – nem sempre a constituição é elaborada por representantes do povo. Quando o exercício não corresponde à titularidade, pode-se dizer que o poder constituinte é ilegítimo. A análise do poder constituinte é feita no plano da legitimidade e não da legalidade. Portanto, está relacionado ao conteúdo da constituição. Sob o aspecto objetivo, o Poder Constituinte Originário deve consagrar um conteúdo normativo em conformidade com a ideia de justiça e com os valores radicados na comunidade em um determinado momento histórico. É necessário que haja correspondência entre o que foi consagrado na constituição e os valores daquela comunidade. OBS.: Se estas limitações não foram observadas, não haverá legitimidade objetiva da constituição. *** Pode o juiz declarar uma norma inconstitucional por violar estas limitações? É possível sim, mas não é admitida pelo STF. Vide princípio da unidade. Fórmula de Radbruch: O direito extremamente injusto não pode ser considerado direito.
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