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Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais Linguística Textual Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais Noélia Luísa Neves Lobos Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais Introdução Quando realizamos a leitura de um texto, buscamos compreendê-lo e, assim, tentar encontrar o sentido passado pelo autor por meio do encadeamento de ideias proposto por ele. Contudo, o processo de leitura desperta diferentes tipos de conhecimentos que já estão internalizados na memória do sujeito-leitor, para que, por meio destas conexões cognitivas, seja possível dar sentido a um texto. O elo entre o autor, a leitura de texto e seu leitor ocorre por meio desses conhecimentos já internalizados, ou seja, conhecimentos prévios que adquirimos com o passar do tempo, que variam entre os sujeitos, visto que eles dependem, totalmente, das relações sociocognitivas que temos durante os processos de interação. Por tal motivo, o acesso a esse conhecimento prévio é chamado de estratégias sociocognitivas, e é por meio destas que acontece o processamento textual para a construção de sentido de um texto. Koch e Elias (2010, p. 38) afirmam que dizer que o processamento textual é estratégico significa que os leitores, diante de um texto, realizam simultaneamente vários passos interpretativos finalisticamente orientados, efetivos, eficientes, flexíveis e extremamente rápidos. Isto é, o processamento textual não é uma ação totalmente consciente do leitor, pois acontece no exato momento da leitura de um texto, em busca de conexões de sentido, indicando que a medida em que lemos e temos acesso às informações, as assimilamos para encontrar, por meio das estratégias sociocognitivas, hipóteses de interpretação. Você quer ler? Você sabia que o professor Travaglia, grande nome da linguística no Brasil, disponibiliza diversos artigos sobre o tema em seu site? Acesse o link que disponibilizamos a seguir para conhecer o material: <https://www.ileel.ufu.br/travaglia/publicacoes_area.php?area_id=4> Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais 1. Estratégias textual-discursivas da construção do sentido Partindo da ideia de que o processamento textual ocorre por meio das estratégias sociocognitivas, Koch (2003) diz que este somente é possível se recorrermos a três sistemas de conhecimento: ● Linguístico – o sistema de conhecimento linguístico permite que, ao ler um texto, consigamos entender a organização dos itens linguísticos em sua camada textual. Figura 1 - Bilhete. Fonte: Freepik Neste exemplo, conseguimos entender a mensagem que o autor queria transmitir, entretanto, podemos também, identificar os erros e falhas gramaticais; isso só se faz possível pelo conhecimento linguístico que adquirimos até esse momento. ● Enciclopédico – o conhecimento enciclopédico está inteiramente relacionado ao conhecimento de mundo, ou seja, ele é baseado nas situações e vivências pessoais que possibilitam a construção de sentido. Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais Figura 2 - Placa informativa. Fonte: Freepik. A compreensão da imagem ocorre somente porque já assimilamos que estes símbolos apresentados pelas placas indicam, comumente, o local dos banheiros públicos, por exemplo. Assim, a construção de sentido é possível por meio do texto proposto quando somos capazes de criar relações entre as informações apresentadas e nosso conhecimento de mundo adquirido. ● Interacional – esse sistema de conhecimento interacional diz respeito exatamente às maneiras que a interação acontece e é possível pela linguagem, podendo ser conhecimento ilocucional, que permite a compreensão da intenção do autor devido a seu contexto; comunicacional, que se relaciona com a quantidade de informação necessária para a compreensão de um texto; metacomunicativo, que assegura que o entendimento de um texto acontecerá de acordo com a intenção do autor; e superestrutural, que permite a compreensão dos gêneros textuais e sua adequação às similaridades da vida social. Figura 3 - Horóscopo. Fonte: Folha de São Paulo, 2004 apud KOCH; ELIAS, 2010, p. 54 Nesse exemplo, somos capazes de inferir e compreender que o texto se trata do gênero textual horóscopo, que tem como objetivo oferecer conselhos sobre as situações cotidianas. Van Dijk (1992, p. 23) afirma que a análise estratégica depende não somente das características textuais, como também das características do usuário da língua, tais como seus objetivos ou conhecimento de mundo. Isso pode significar que o leitor de um texto tentará reconstruir não somente o significado intencionado do texto – como sinalizado de diversas formas pelo autor, no texto e contexto – como também um significado que diga mais respeito aos seus interesses e objetivos. Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais Assim, trataremos das estratégias formulativas e metadiscursivas para a construção de sentido do texto, por meio da abordagem sociocognitivista interacional, ou apenas interacionista, da Linguística Textual. 1.1. Estratégias formulativas As estratégias textual-discursivas formulativas podem ser observadas em interações faladas, ou seja, acontecem nas interações sociocognitivas espontâneas, que, diferentemente, das produções textuais escritas, de maneira espontânea, não disponibilizando tempo para organização e planejamento das ideias de modo elaborado. Isso pois, como afirma Koch (2015, p. 104), “no texto falado planejamento e verbalização ocorrem simultaneamente, porque o texto falado emerge no próprio momento da interação: ele é o seu próprio rascunho”. Assim, podemos entender como estratégias formulativas, os recursos que visam auxiliar o interlocutor a organizar o texto falado para compreender os enunciados proferidos, despertando seu interesse em participar daquele processo de interação sociocognitivo. São, portanto, estratégias entendidas como formulativas pela Linguística Textual e que desempenham funções cognitivo-interativas, acordo com Koch (2015): ● as inserções; ● as repetições e os parafraseamentos retóricos; ● os deslocamentos de constituintes. As inserções têm a função cognitivo-interativa específica de facilitar a compreensão do texto falado, possibilitando o acréscimo das informações necessárias para seu entendimento e construção de sentido no momento interativo. Elas podem, então, ainda segundo Koch (2015), ter função de: A. introduzir explicações ou justificativas, que podem ser expressadas como um reforço de caráter explicativo, ou ainda, um pedido de esclarecimento do interlocutor; B. fazer menção a um conhecimento prévio com a intenção de compreender o texto de fato; Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais C. apresentar ilustrações ou exemplificações; D. formular questões retóricas, que ocorre como recurso persuasivo e/ou didático; E. introduzir comentários jocosos, a fim de manter o interesse durante o processo interativo, ou ainda, para que locutor e interlocutor possam criar relações de cumplicidade; F. manter e sustentar uma argumentação. As repetições e os parafraseamentos retóricos, por sua vez, são os recursos mais adotados, e, consequentemente, encontrados nos textos falados, na oralidade, por ter, de acordo com Marcuschi (1997), maleabilidade funcional, capaz de assumir inúmeros papéis e desempenhar distintas funções, como: A. contribuir para a organização discursiva e monitorar a coerência; B. favorecer a coesão, possibilitando sequências de enunciados de mais fácil entendimento; C. dar continuidade à organização tópico e auxiliar nas atividades sociointerativas. O uso da estratégia de repetição está presente nas atividades interativaspor proporcionar envolvimento interpessoal entre os sujeitos nela envolvidos, sendo considerada essencial nos processos de textualização, uma vez que prove, também, o desaceleramento do ritmo da fala, assegurando mais tempo para a assimilação do texto pelos envolvidos nesta interação. Entretanto, quando a repetição e os parafraseamentos teóricos acontecem em textos escritos, denominados paralelismo sintático, essa estratégia passa a ter função de aumentar a força retórica do texto em si. Os deslocamentos de constituintes se relacionam com a articulação “tema- rema” que podem aparecer de duas maneiras (KOCH, 2015): ● sequências de integração sintática entre os elementos temáticos e reumáticos sem segmentações no texto falado; ● construções com tema ou rema marcados e segmentados que têm, por consequência, a diminuição dos graus de integração sintática, produzindo efeitos de focalização e relevo. Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais Você quer ler? Tema e rema podem ter diferentes denominações. Para conhece-las e se aprofundar mais sobre o assunto, acesse: <http://www.filologia.org.br/ixcnlf/17/23.htm>. Como estamos, neste momento, tratando dos processos sociocognitivos de interação, devemos considerar os deslocamentos de constituem que ocorrem com a segmentação do texto, pois na língua falada, essa segmentação de enunciados é que constitui o processo interativo em si. As construções segmentadas de tema marcado funcionam evidenciando um elemento do enunciado e como estratégia de tematização; esse elemento evidenciado é o assunto que vai ser tratado, e que, quando apresentado no início da construção atua para que o interlocutor possa identificá-lo. E, quando apresentado em posição final, atua como esclarecedor, ou provendo informação complementar para auxiliar no entendimento do interlocutor. Essas construções operam, segundo Koch (2015, p. 115), “um tipo de hierarquização das unidades linguísticas utilizadas, desempenhando funções discursivas e interacionais relevantes e contribuindo, desta maneira, para a coerência discursiva”. Isto é, quando o locutor faz uso de uma construção segmentada de tema marcado, ele escolhe um elemento que terá a função de ativar ou reativar a memória do interlocutor, ressaltando uma nova informação sobre o assunto para estabelecer contraste. E, assim, a organização dos enunciados de tema marcado ocorre para facilitar o processamento do texto, despertar o interesse do interlocutor sobre o assunto, ou ainda, por fatores (KOCH, 2015) como: ● relevância; ● expressividade; ● focalização; ● relevo; ● ganho de tempo para complemento do enunciado. http://www.filologia.org.br/ixcnlf/17/23.htm Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais Quando as construções acontecem com o deslocamento do elemento de um enunciado para o final da sentença, e esse passa a ser representado por um pronome, ou ainda, por uma categoria vazia, recebe o nome de antitópico; e tal elemento passa a ter função de desambiguar a mensagem transmitida para facilitar o entendimento por parte do(s) interlocutor(es). Em se tratando das estratégias de rematização, dizemos que os constituintes oracionais são invertidos para que o locutor possa antepor o rema ao tema, sendo, assim, mais comuns em interações menos formais e, por isso, mais constantes em textos falados. Quando isso ocorre em um processo interativo, o locutor antecipa sua intenção nos momentos iniciais, indicando para o interlocutor a existência de uma informação discursiva adicional, o que “compensa o seu duplo custo operacional, qual seja, o rema fora de sua posição sintática normal e de sua posição em termos da estrutura informacional dado/novo”. (KOCH, 2015, p. 118) Neste caso, as construções segmentadas são expressadas precedidas de marcadores discursivos, como: enfim, quer dizer, bom etc. 1.2. Estratégias metadiscursivas Koch (2015, p. 118) conceitua as estratégias metadiscursivas como aquelas que tomam por objeto o próprio ato de dizer. Isto é, ao colocar em ação tais estratégias, o locutor avalia, corrige, ajusta, comenta a forma do dizer; ou, então, reflete sobre sua enunciação, expressando a sua posição, o grau de adesão, de reconhecimento, atenuações, juízos de valor etc., tanto em relação àquilo que está a dizer, como em relação a outros “ditos”. Então, podemos dizer que as estratégias metadiscursivas aparecem na atividade discursiva em si, enquanto as estratégias formulativas exercem seu papel no plano do enunciado, diretamente. Koch (2015, p. 119), então, considera possíveis as seguintes estratégias metadiscursivas: ● Metaformulativas: que tomam como objeto o próprio texto, sua forma de estruturação, o código usado, o estatuto de um segmento textual em relação aos precedentes ou subsequentes. ● Metapragmáticas (ou modalizadoras): que têm por fim indicar o grau de certeza, de adesão, de comprometimento do locutor em relação ao seu Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais discurso, ou introduzir atenuações, comentários a respeito dos enunciados que produz, com vistas à preservação das faces. ● Metaenunciativas: a própria enunciação é tomada como objeto de menção. As estratégias metaformulativas têm como objeto o texto e seu grau de reflexividade é o menor entre as três. Como têm função direta no texto, indica a possibilidade que o locutor tem de reformular enunciados e termos utilizados, operando de maneira metalinguística. Essas estratégias podem ser: ● Reformulativas (reformulação saneadora) – indicam a retomada do segmento de um enunciado para reformula-lo, a fim de reorganizar a mensagem proferida, sanando possíveis prejuízos a sua compreensão. As estratégias reformulativas podem ocorrer, ainda, como correções, repetições ou paráfrases saneadoras. As primeiras aparecem mesmo após um discurso já ter sido mencionado, pois tem a função de solucionar as dificuldades encontradas por ele, locutor, e/ou pelo(s) interlocutor(es), sendo denominadas heterocondicionadas. As repetições e paráfrases são relacionadas ao interlocutor de um processo de interação e, por esse motivo, é comum na língua falada, visto que ocorre quando há a segmentação de um enunciado com o intuito de se propor (ou até mesmo corrigir) ao locutor a adequação de um dos termos utilizados em seu discurso. Sendo assim, tais estratégias são denominadas heteroconclicionadas. Então, “ao lado das estratégias reformulativas, temos aquelas estratégias metaformulativas por meio das quais o locutor reflete sobre a forma do dito, explicita termos empregados, destaca a função de um segmento em relação ao anterior etc.”. (KOCH, 2015, p. 123) ● Metapragmáticas (modalizadoras) – indicam as atenuações e ressalvas realizadas pelo locutor em seu discurso, como meio de demonstrar seu nível de entendimento sobre o assunto, bem como seu nível de comprometimento. As estratégias metapragmáticas, então, têm como objeto a relação intersubjetiva, considerando as atitudes, os juízos sobre o mundo e a interação, e seu grau de reflexividade é médio. Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais ● Metaenunciativas – acontece quando há um acúmulo de uso e menção de um determinado elemento do texto, levando o locutor a refletir sobre seu discurso. As estratégias metaenunciativas têm o maior grau de reflexividade, tratam do “dizer-enquanto-se-diz” (KOCH, 2015, p. 120), apresentam a representação do sujeito da enunciação sobre seu dizer, e por isso, são enunciativo-discursivas. Por meio dessas estratégias sociocognitivas, utilizadas pelo locutor ou pelo(s) interlocutor(es), é que podemos observar a complexidade de funções executadas pelos sujeitos da interação para a construção de sentido de um texto. 2. Articuladorestextuais Chamamos de articuladores textuais os elementos do texto que são responsáveis pelo encadeamento de seus enunciados. Na Linguística Textual, esses articuladores podem também ser denominados operadores de discurso ou, ainda, marcadores discursivos e atuam em diferentes níveis no texto: no nível da organização global, no nível intermediário e no nível microestrutural. Entre as funções dos articuladores textuais estão: relacionar os elementos de conteúdo, situando os estados de coisas de que o enunciado fala no espaço e/ou no tempo, e/ou estabelecer entre eles relações do tipo lógico-semântico (casualidade, condicionalidade, conformidade, disjunção etc.), bem como sinalizar relações discursivo-argumentativas. (KOCH, 2015, p. 127) Assim, Koch (2015) apresenta quatro classes de marcadores textuais: A. de conteúdo proposicional; B. discursivo-argumentativos; C. organizadores textuais; D. metadiscursivos. A relação de encadeamento que os articuladores textuais produzem, contribuem para a construção de sentido dos enunciados que constituem um texto, então, em se tratando de sua materialidade, “alguns elementos permitem estabelecer relações remissivas e progressivas, inferenciais e intertextuais, movimentando as ideias em várias direções”, segundo Leite (2009, p. 41). Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais 2.1. Articuladores discursivos Os articuladores de conteúdo proposicional indicam, no texto, as relações espaciais e, também, as relações temporais que ocorrem entre os estados de coisas a que o enunciado faz referência. Esses articuladores têm função, ainda, de criar conexões de caráter lógico-semântico, que podem indicar condicionalidade, causalidade, finalidade ou mediação, oposição/contraste, disjunção etc. ● “Defronte da loja, deteve-se um instante; depois, envergonhada, e a medo, estendeu um pedacinho de papel ao Andrade, e perguntou-lhe onde ficava o número ali escrito”. (MACHADO DE ASSIS. Singular ocorrência. In: Contos apud KOCH, 2015, p. 128); ● “Fiquei triste por causa do dano causado a tia Marcolina (...)” (MACHADO DE ASSIS. O espelho. In: Contos apud KOCH, 2015, p. 128). Os articuladores discursivo-argumentativos têm a função de introduzir as relações, portanto, discursivo-argumentativas: “conjunção, contrajunção (oposição/contraste/concessão), justificativa, explicação, conclusão, generalização, disjunção argumentativa, especificação, comprovação, entre outras”. (KOCH, 2015, p. 128) A função destes operadores é, então, a de justificar ou explicar o primeiro enunciado, que é tido como tema, seguido a ele, podendo também indicar relações de contraposição, adição, generalização, especificação, conclusão, veracidade, concordância entre esses enunciados, sendo responsáveis por sua orientação argumentativa. De acordo com Koch (2004, p. 72-77), a classificação desses articuladores depende da relação semântica que desempenha no texto, podendo ser: ● Conjunção – com função de conectar enunciados argumentativos: e, também, tanto... como, além disso, ainda etc. ● Disjunção argumentativa – com função de influenciar o interlocutor para que concorde com um novo ponto de vista sobre determinada ideia: ou. ● Contrajunção – com função de contrapor enunciados: mas, porém, contudo etc. ● Justificativa – encadeamento de enunciados para explicar o anterior: pois, porque, já que etc. Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais ● Comprovação – com a função de acrescentar uma comprovação de uma informação exposta no enunciado anterior: que, como... quanto, mais que, menos que, entre outros. ● Conclusão – com a função de concluir os atos de fala anteriores: portanto, logo, pois etc. ● Comparação – com a função de propor relações de superioridade, inferioridade ou igualdade entre dois termos: como... quanto, mais que, menos que etc. ● Generalização – com a função de ampliar um conceito proposto no primeiro enunciado: aliás, também, é verdade que, de fato, bem, realmente, entre outros. ● Exemplificação ou especificação – com a função de particularizar um ato de fala anterior: como, por exemplo etc. ● Correção – com a função de corrigir ou definir o conteúdo de um enunciado exposto previamente: na verdade, pelo contrário, isto é, ou seja etc. Estas marcas linguísticas que têm a função de articuladores textuais direcionam, ao interlocutor, a sequência discursiva de um texto, com fins de despertar as conclusões coerentes a ele, por meio de um processo de interação sociocognitivo. Os organizadores textuais, entretanto, tem a função de, segundo Maingueneau (1996, p. 170), “estruturar a linearidade do texto, organiza-lo em uma sucessão de fragmentos complementares que facilitam o tratamento interpretativo”, podendo indicar, portanto a integração linear em um texto para indicar, espacialmente, a abertura, a intermediação o fechamento, ou seja, as etapas de construção do texto: Figura 4 - Processo. Fonte: Elaborado pela autora. Finalmente, os articuladores metadiscursivos são entendidos como elementos linguísticos que têm por função “amarrar” os enunciados de um texto, que ocorrem com frequência em atos de fala. Koch (2015), diz que esses articuladores introduzem comentários sobre o modo como é dito o que se diz, ou ainda, sobre a enunciação, e por isso, propõe seu agrupamento em três grupos: modalizadores (lógico- pragmáticos), metaformulativos e metaenunciativos. Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais ● Modalizadores: Em sentido restrito, os articuladores metadiscursivos modalizadores expressam as modalidades “aléticas”, “epistêmicas” e “deônticas” que são objetos de investigação da semântica e da lógica. Em sentido amplo, os modalizadores podem ser “axiológicos”, “atitudinais” e “atenuadores”. A. Modalizadores aléticos: são menos frequentes em textos falados e se referem à possibilidade/necessidade da existência dos estados de coisas no mundo, indicando, de modo sucinto, o falso e o verdadeiro: Figura 5 - CAROS AMIGOS, n. 78, 2003 apud KOCH, 2015, p. 133. B. Modalizadores epistêmicos: indicam a relação de comprometimento e engajamento do autor com sua produção textual, pois demonstra seu entendimento sobre o assunto: Figura 6 - Baseado em KOCH e ELIAS, 2010. C. Modalizadores deônticos: indicam o grau de imperatividade e o grau de facultatividade acerca do conteúdo proposicional: Figura 7 - Baseado em KOCH e ELIAS, 2010. D. Modalizadores axiológicos: atuam como avaliadores das ações e das situações que um enunciado trata: Figura 8 - KOCH, 2015, p. 135. Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais E. Modalizadores atitudinais (ou afetivos): representa a atitude psicológica do autor por meio dos eventos que fala o enunciado: Figura 9 - KOCH, 2015, p. 136. F. Atenuadores: visam preservar as faces dos interlocutores: Figura 10 - KOCH, 2015, p. 136. ● Metaformulativos: Esses articuladores estão inteiramente relacionados aos enunciados metaformulativos, e apresentam as seguintes funções: A. sinalização de busca de denominações, indicadas por expressões como: sobretudo, mais precisamente, quer dizer etc. B. indicação do estatuto de um segmento textual em relação aos anteriores, representadas pelos marcadores: em síntese, em suma, resumindo, em oposição a etc. C. introdução de tópico, demonstradas por: quanto a, em relação a, a respeito de, relativamente, entre outros. D. interrupção e reintrodução de tópico, que ocorre quando há introdução de um assunto, quebra de enunciado para acréscimo de informação e, posteriormente, a retomada ou reintrodução do tópico em novo enunciado, E. nomeação do tipo de ato discursivo que o enunciado pretende realizar, expressados por: a título de esclarecimento, cabe a pergunta etc. ● Metaenunciativos:Koch (2015, p. 140) afirma que esses articuladores “introduzem enunciados que atuam no âmbito da própria atividade enunciativa, tomando-a como objeto de reflexão, ou seja, enunciados que evidenciam a propriedade autorreflexiva da linguagem”, e têm, como marcadores, portanto: digamos assim, podemos dizer, por assim dizer etc. Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais Assim, pudemos observar que um mesmo articulador pode exercer diferentes funções em um enunciado, por criar diferentes relações significativas, porém, independente de sua função específica, todos eles são operadores de progressão textual que desempenham funções cognitivas, discursivo-argumentativa, organizacional, metaenunciativa e interacional. 3. As estratégias cognitivas A coerência deve ser entendida como o princípio de interpretabilidade de um texto, visto que envolve fatores de ordem cognitiva, interacional e linguística. A coerência está, ainda, relacionada aos elementos de textualidade, referindo-se ao texto de maneira geral, como um todo, estabelecendo, dessa maneira, relação com o processo cognitivo de compreensão de texto. Como vimos, a coerência depende de uma série de fatores para realizar o processo de construção do sentido por parte do leitor/interlocutor, que afetam diretamente o entendimento da mensagem proferida pelo autor em processos interacionais. Fávero (2002, p. 59) diz que “enquanto a coesão se dá ao nível microtextual – conexão da superfície com o texto, a coerência caracteriza-se como o nível de conexão conceitual e estruturação do sentido, manifestado, em grande parte, macrotextualmente”. Se torna possível compreender, então, que um mesmo texto pode fazer sentido para um leitor/interlocutor, mas não fazer sentido para outro; isso porque é necessário o entendimento de conceitos básicos que cada texto trata para ativar os conhecimentos prévios do leitor. Beaugrande e Dressler (apud FÁVERO, 2009), dividem os conceitos como primários, que são controles centrais para o processamento do texto, e os secundários, que são passíveis de ativação apenas a partir dos primários. 3.1. Modelos cognitivos globais Os modelos cognitivos globais “são blocos de conhecimentos intensamente utilizados no processo de comunicação e representam de forma organizada nosso conhecimento prévio armazenado na memória” (FÁVERO, 2009, p. 65) Desse modo, o processamento da informação e a atribuição de significado acontecem ao mesmo quando um sujeito é parte integrante de um processo sociointerativo, recurso esse que é ativado a partir do conhecimento prévio, sendo Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais possível, então, afirmar que “compreender envolve não somente o processamento e interpretação de informações exteriores, mas também a ativação e uso de informações internas e cognitivas”. (DIJK, 2002, p. 15) Partindo daí, podemos enumerar como modelos cognitivos globais: ● Frames (quadros/molduras): são responsáveis pelo conhecimento comum, de situações estereotipadas, como o natal, o carnaval, festa de aniversário etc., que não implicam, cognitivamente, em uma sequência lógica de enunciados. Por exemplo, quando se pensa em uma festa de aniversário, lembra-se do bolo, dos salgados, dos doces, da música, entretanto, não é necessário um encadeamento lógico para que essa informação faça sentido. ● Esquemas: são sequências ordenados de eventos ou estados, conectadas por relações de proximidade temporal e causalidade, sendo, assim, previsíveis, fixos, determinados e ordenados. (FÁVERO, 2009, p. 67) Bartlett (apud FÁVERO, 2009, p. 67) assegura que os esquemas “são estruturas que permanecem ativas e em evolução”. Se dizemos, por exemplo, que houve um acidente em cruzamento perigoso e que a via foi fechada pela polícia, somos capazes de entender a mensagem por meio do conhecimento organizado em um esquema que nos provê de informações como: em acidentes graves, a polícia fecha a via para tomar providências e conhecimento dos fatos. Assim, esse conhecimento, que é partilhado com o(s) interlocutor(es), nos permite a compreensão. ● Planos: também apresentam seus elementos ordenados, o que permite ao leitor/interlocutor perceber a intenção do autor/locutor. Como exemplo, Fávero (2009, p. 69), cita “um adolescente que organiza um plano para conseguir dos pais permissão para sair com os amigos”. ● Script: são, assim como os frames, estereotipados, e ordenados para indicar a função dos sujeitos envolvidos no processo sociointerativo, e as ações deles esperadas. Veja no exemplo os scripts de infância e mocidade: Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais Figura 11 - CECÍLIA MEIRELES apud FÁVERO, 2009, p. 70. ● Cenários: o conceito de cenário tem relação com textos escritos, pois cria um elo entre o contexto em que o texto se insere e as situações que ele apresenta como meio de constituir um cenário interpretativo pelo texto. Para ativar esse recurso no interlocutor, é necessário que haja, ao menos, uma breve descrição do cenário propriamente dito. “Assim, uma das funções da tematização no nível textual seria a de ativar um cenário particular para o leitor, por exemplo, na escola, no clube, no tribunal”. (FÁVERO, 2009, p. 71) 3.3. Conhecimento prévio Conhecimento prévio, conhecimento de mundo ou conhecimento partilhado, todas essas denominações dizem respeito ao elemento-base que possibilita os modelos cognitivos globais. Por isso, como mencionamos anteriormente, a compreensão de um texto só ocorre quando as memórias de vivência do leitor são ativadas por alguma informação presente nele. O conhecimento linguístico está relacionado com a capacidade de um sujeito de falar um idioma como nativo, entendendo sua gramática e a idiossincrasia da língua, permitindo entender as relações dos elementos para a formação de sentenças e textos, por exemplo. O conhecimento textual é aquele que o leitor ativa para diferenciar os tipos de texto e os tipos de interação autor-leitor que estão ali contidas. O conhecimento enciclopédico se relaciona com os conhecimentos científicos de casa sujeito, e também, com seus conhecimentos informais, adquiridos pelas interações cotidianas. É, portanto, o conhecimento de mundo, que nos permite encontrar similaridades entre as informações de um texto e nossas memórias, produzindo, assim, sentido e assegurando sua compreensão. Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais 4. Coerência, texto e Linguística de Texto Koch (2010, p. 53) diz que é a coerência que faz com que uma sequência linguística seja vista como um texto, porque é a coerência, através de vários fatores, que permite estabelecer relações (sintático-gramaticais, semânticas e pragmáticas) entre os elementos da sequência (morfemas, palavras, expressões, frases, parágrafos, capítulos etc.), permitindo construí-la e percebe-la, na recepção, como constituindo uma unidade significativa global. Como estudamos, é a coerência que transmite textualidade a um texto, sendo a coesão, portanto, um fator de coerência que constitui o texto, mas que não é capaz de atribuir-lhe a concepção de texto por si só. As sequências linguísticas que não constituem um texto, ou seja, que são incoerentes, são possíveis, pois nem sempre um texto será compreendido por determinado leitor, por exemplo. A concepção de um texto coerente deve acontecer em três fases, segundo Bernárdez (1982 apud KOCH, 2010, p. 56): A. na primeira fase, o produtor do texto tem uma intenção comunicativa; B. na segunda fase, o produtor do texto desenvolve um plano global que lhe possibilite conseguir que seu texto cumpra sua intenção comunicativa. C. Na terceira fase, o produtor do texto realiza as operações necessárias para expressar verbalmente o plano global, de maneiraque, através das estruturas superficiais, o recebedor seja capaz de reconstituir ou identificar a intenção comunicativa. Discorremos na Unidade 1 que linguistas, no início dos estudos da Linguística Textual propuseram a formulação de uma Gramática do Texto, em que constaria um conjunto finito de regras comum a todos os usuários de uma língua, possibilitando que a eles a identificação de sequências linguísticas que constituem texto e as sequências que não constituem texto. Posteriormente, a Linguística do Texto (ou Teoria do Texto), foi proposta como meio de representar os mecanismos de tratamento das informações textuais que os sujeitos fazem uso para interpretar as sequências linguísticas, construindo, assim, seu sentido através da coerência textual. Com isso, Charolles (1987) explica que um linguista deve analisar as Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais marcas de relação entre as unidades de composição textual que a língua usa para resolver, o melhor possível, os problemas de interpretação que seu uso possa gerar. Isto para além da generalidade dos processos psico e sociocognitivos que intervêm na interpretação (da coerência) do discurso. 4.1. Fatores de coerência A construção da coerência, segundo Koch (2010, p. 71) “decorre de uma multiplicidade de fatores das mais diversas ordens: linguísticos, discursivos, cognitivos, culturais e interacionais”. Assim, podemos dizer que são os elementos linguísticos de um texto que nos permitem apreender seu sentido, resultando assim, na coerência textual. Esses elementos linguísticos são adotados nas produções textuais visando despertar os conhecimentos prévios em seus leitores, sendo, então, considerados o ponto inicial para a elaboração de inferências que auxiliam no entendimento do texto. São, portanto, fatores de coerência: ● inferências; ● conhecimento de mundo; ● conhecimento compartilhado; ● contextualização; ● situacionalidade; ● informatividade; ● focalização; ● intertextualidade; ● intencionalidade e aceitabilidade; ● consistência e relevância. Por fim, entendemos que a função da coerência não é apenas dar textualidade a um texto, mas sim a construção dos processos sociointerativos entre texto e sujeitos, em decorrência de todos os fatores que tratamos nesta Unidade. Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais Você quer ver? Elias e Koch comentam sobre a necessidade de aprofundar os estudos acerca da leitura e da compreensão. Veja aqui os motivos que levaram as autoras a escreverem o livro: <https://youtu.be/8tvzFlzo7wc>. Síntese Nesta unidade abordamos conceitos e fatores fundamentais para a construção de sentido dos textos, descrevendo e possibilitando a compreensão: ● das estratégias textual-discursivas, por meio das quais pudemos reconhecer os sistemas de conhecimento compreendidos pela Linguística Textual; ● das estratégias formulativas em contraste às estratégias metadiscursivas, reconhecendo suas funções por meio de seus elementos textuais e classes de palavras; ● dos articuladores textuais e como são suas marcas no texto a fim de desempenharem uma função específica; ● dos organizadores textuais e como desempenham seus papeis no texto e nos processos de interação sociocognitiva; ● das estruturas cognitivas que são o ponto de partida para que um texto seja considerado texto; ● dos modelos cognitivos globais, e também, do conhecimento prévio, entendendo sua importância para a Linguística textual; ● dos fatores de coerência face ao texto e à Linguística Textual. Vamos, agora, seguir aprofundando nossos conhecimentos dos conceitos da Linguística Textual, na Unidade 3. https://youtu.be/8tvzFlzo7wc Linguística Textual - Unidade Nº 2 – Relações cognitivas intratextuais Bibliografia DIJK, Teun A. Van. Cognição, discurso e interação. São Paulo: Contexto, 2002. FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 2002. _____. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Contexto, 2009. KOCH, Ingedore Villaça. A coerência textual. 18 ed. São Paulo: Contexto, 2010. _____. A coesão textual. 22 ed. São Paulo: Contexto, 2010. _____. As tramas do texto. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2014. _____. Desvendando os segredos do texto. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2003. _____. Introdução à linguística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2004. _____. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2015. KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2010. LEITE, Ana Maria de Carvalho. Elementos articuladores em artigo de opinião: uma experiência com sequência didática no ensino médio. Belo Horizonte, 2004. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Concepção de língua falada nos manuais de português de 1º e 2º graus: uma visão crítica. Trabalhos em linguística aplicada, Campinas, n. 30, p. 39-79, jul./dez. 1997. Referências imagéticas: Figura 1 - FREEPIK. Bilhete. Disponível em: <https://www.freepik.com/>. Acesso em 23 jul. 2019. Figura 2 - FREEPIK. Placa informativa. Disponível em: <https://www.freepik.com/>. Acesso em 23 jul. 2019.