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Mark Ridley EVOLUÇÃO 3ª Edição- Eventos Aleatórios na Genética de Populações Todos os genótipos de um loco podem ter o mesmo va-lor adaptativo. Assim, as freqüências gênicas evoluem por deriva genética aleatória. Este capítulo inicia explicando como essa fl utuação ocorre e o que ela signifi ca, e analisa exemplos de efeitos de amostragem aleatória. Veremos como a deriva é mais poderosa em populações pequenas do que em populações grandes e como, em populações pequenas, ela pode contrabalançar os efeitos da seleção natural. Veremos, então, como a deriva pode, em última instância, fi xar um alelo. Uma vez que os efeitos da deriva sejam permitidos, as razões de Hardy-Weinberg não estarão em equilíbrio. Adicionaremos em seguida os efeitos da mutação, os quais introduzem novas variações: a variação observada em uma população será um balanço entre a tendência à homozigose e a mutação que cria o heterozigoto. 168 | Mark Ridley 6.1 A freqüência dos alelos pode mudar aleatoriamente ao longo do tempo, por um processo chamado de deriva genética Imagine uma população de 10 indivíduos, dos quais três têm genótipo AA, quatro têm genóti- po Aa e três aa. Existem 10 genes A na população e 10 genes a; as freqüências gênicas de cada gene são 0,5. Também podemos imaginar que a seleção natural não esteja atuando: todos os genótipos possuem os mesmos valores adaptativos. Quais serão as freqüências gênicas na pró- xima geração? A resposta mais provável é 0,5 para A e 0,5 para a. No entanto, essa é apenas a resposta mais provável, e não uma certeza. As freqüências gênicas podem, ao acaso, mudar um pouco daquelas da geração anterior. Isso pode acontecer porque os genes que formam uma nova geração são amostras aleatórias da geração parental. O Quadro 6.1 analisa como os genes são amostrados do conjunto parental para produzir o conjunto gênico da geração descendente. Neste capítulo, analisaremos o efeito da amostragem aleatória sobre as freqüências gênicas. O caso mais fácil para se analisar o efeito da amostragem aleatória é quando a seleção natural não está operando. Quando todos os genótipos em um loco produzem o mesmo nú- mero de descendentes (eles possuem valores adaptativos idênticos), a condição é chamada de neutralidade seletiva. Podemos referir-nos aos valores adaptativos da mesma maneira como no Capítulo 5, ou seja: Genótipo AA Aa aa Valor adaptativo 1 1 1 A seleção natural não está agindo, e podemos esperar que as freqüências gênicas perma- neçam constantes com o tempo. Na verdade, de acordo com o teorema de Hardy-Weinberg, as freqüências genotípicas deveriam ser constantes em p2, 2pq e q2 (onde p é a freqüência do gene A e q é a freqüência do gene a). Porém, de fato, a amostragem aleatória pode fazer com que as freqüências gênicas mudem. Pelo acaso, cópias do gene A podem ter a sorte de serem incluídas na reprodução, e a freqüência do gene A irá aumentar. O aumento é aleatório, no sentido de que o gene A tem, ao acaso, a mesma probabilidade de diminuir como aumentar em freqüência; mudanças em algumas freqüências gênicas, porém, irão ocorrer. Essas mudanças aleatórias nas freqüências gênicas entre gerações são chamadas deriva genética, deriva aleatória ou (simplesmen- te) deriva. A palavra “deriva” pode ser mal-interpretada, caso ela seja usada para implicar uma tendência maldirecionada em um sentido ou em outro. A deriva genética não tem preferência. A deriva genética não está confi nada ao caso da neutralidade seletiva. Quando a seleção está agindo em um loco, a amostragem aleatória também infl uencia a mudança nas freqüên- cias gênicas entre gerações. A interação entre seleção e deriva é um assunto importante na biologia evolutiva, como veremos no Capítulo 7. No entanto, a teoria da deriva é mais fácil de ser entendida quando a seleção não está complicando o processo e, neste capítulo, iremos analisar principalmente o efeito da deriva propriamente dito. A taxa de mudança da freqüência gênica por deriva genética depende do tamanho da po- pulação. Efeitos de amostragem aleatória são mais importantes em populações pequenas. Por exemplo (Figura 6.1), Dobzhansky e Pavlovsky (1957), trabalhando com a mosca-das-frutas Drosophila pseudoobscura, obtiveram 10 populações com 4 mil membros iniciais (populações grandes) e 10 com 20 membros iniciais (populações pequenas) e observaram as mudanças nas freqüências de duas variantes cromossômicas durante 18 meses. O efeito médio foi o mesmo nas populações grandes e pequenas, mas a variabilidade foi signifi cativamente maior entre as populações pequenas. Um resultado análogo poderia ser obtido arremessando-se 10 conjuntos de 20 ou 4 mil moedas. Em média, haveria 50% de coroas em ambos os casos, mas a chance de se arremessar 12 coroas e oito caras na população pequena é maior do que a chance de se arremessar 2.400 coroas e 1.600 caras na grande. A deriva genética ocorre por causa da amostragem aleatória O poder da deriva depende do tamanho da população Evolução | 169 A amostragem aleatória inicia na concepção. Em cada espécie, cada indivíduo produz muito mais gametas que irão, alguma vez, fertilizar ou ser fertilizados para formar novos organismos. Os gametas bem-sucedidos, os quais formaram descendentes, são algumas amostras dos muitos gametas que os progenitores produzem. Se um progenitor é homozigoto, a amostragem não faz diferença de quais genes irão resultar na descendência; todos os gametas de um homozigoto contêm o mesmo gene. Entretanto, a amostragem tem importância caso o progenitor seja um heterozigoto, tal com um Aa. Este irá, então, produzir um grande número de gametas, dos quais aproximadamente uma metade será A e a outra metade a. (As proporções podem não ser exatamente uma metade. Células reprodutivas podem morrer em qualquer etapa que leva à formação de um gameta, ou depois de elas terem se tornado gametas; além disso, na fêmea, uma escolha aleatória faz com que três quartos dos produtos da meiose sejam perdidos como corpúsculos polares.) Se esse progenitor produzir 10 descendentes, é mais provável que cinco herdarão um gene A e cinco, a. Mas, porque os gametas que formam a descendência são amostrados a partir de um conjunto muito maior de gametas, é possível que as proporções possam ser quaisquer outras. Talvez seis herdem A e apenas quatro herdem a, ou três herdem A e sete, a. Em qual sentido a amostragem de gametas é aleatória? Podemos ver o signifi cado exato se considerarmos os dois primeiros descendentes produzidos por um progenitor Aa. Quando ele produz seu primeiro descendente, um gameta é amostrado de seu suprimento total de gametas, e existe uma chance de 50% de ele ser um A e 50% de que seja um a. Suponha que aconteça de ser um A. O sentido no qual a amostragem é aleatória é que não será mais provável que o próximo gameta a ser amostrado será um gene a apenas porque o último gameta amostrado foi um A: a chance de que o próximo gameta bem-sucedido seja um a ainda é de 50%. Atirar uma moeda é um evento aleatório da mesma maneira: se o seu primeiro arremesso foi coroa, a chance de que o próximo arremesso seja coroa ainda será de 1/ 2 . A alternativa seria algum tipo de sistema de “balanceamento”, no qual, após um gameta A ter tido sucesso na reprodução, o próximo gameta de sucesso seria um a. Se a reprodução fosse assim, a freqüência gênica contribuída por um heterozigoto à sua descendência seria sempre exatamente 1/ 2 A: 1/ 2 a. A deriva aleatória não seria, então, importante para a evolução. De fato, a reprodução não é dessa forma. Os gametas bem- sucedidos são uma amostragem aleatória do conjunto de gametas. A amostragem de gametas é apenas o primeiro estágio em que a amostragem aleatória ocorre. Ela continua em cada etapa à medida que a população adulta de uma nova geração cresce. Aqui está um exemplo imaginário. Imagine uma fi leira de 100 cavalos de carga caminhando em fi la única ao longo de umcaminho montanhoso perigoso, onde somente 50 deles irão concluir o caminho em segurança; os outros 50 irão escorregar no caminho e despencar desfi ladeiro abaixo. Pode ser que os 50 sobreviventes tenham, em média, patas geneticamente mais fi rmes do que o restante; uma amostragem dos 50 sobreviventes dos 100 originais não teria sido, então, ao acaso. A seleção natural teria determinado quais cavalos sobreviveriam e quais morreriam. Se analisássemos as freqüências genotípicas entre os cavalos esmagados na base do desfi ladeiro, elas iriam diferir daquelas entre os sobreviventes. Alternativamente, a morte poderia ter sido acidental: poderia ter ocorrido, em um determinado momento, que uma grande rocha rolasse montanha abaixo e atirasse um cavalo no desfi ladeiro. Suponha que as rochas vinham em períodos e locais imprevisíveis e chegassem tão repentinamente que ações defensivas seriam impossíveis; os cavalos não variariam geneticamente nas suas capacidades de evitar as rochas despencantes. A perda dos genótipos teria sido, então, aleatória, no sentido recém-defi nido. Se um cavalo AA tivesse sido vitimado por uma rocha, isso não tornaria mais ou menos provável que a próxima vítima teria um genótipo AA. Agora, se compararmos as freqüências genotípicas entre os sobreviventes e não-sobreviventes, é mais provável que as duas não iriam diferir; os sobreviventes seriam uma amostragem genética aleatória da população original. Eles poderiam, entretanto, diferir por acaso. Mais cavalos AA poderiam ter tido menos sorte com as rochas despencantes; mais cavalos aa poderiam ter tido mais sorte. Então, haveria algum acréscimo na freqüência do gene a na população. A amostragem dos cavalos de carga é imaginária, mas amostragem análoga pode ocorrer em qualquer época em uma população e em qualquer estágio da vida à medida que os jovens se desenvolvem em adultos. Porque existem muito mais ovos do que adultos, existe uma oportunidade abundante para a amostragem à medida que a nova geração cresce. A amostragem aleatória ocorre em qualquer momento em que um número pequeno de indivíduos bem-sucedidos (ou gametas) são amostrados a partir um grande conjunto de sobreviventes potenciais e os valores adaptativos dos genótipos são os mesmos. Quadro 6.1 Amostragem Aleatória em Genética 170 | Mark Ridley Se uma população é pequena, é mais provável que uma amostra tenda a ser desviada da média por uma certa porcentagem; a deriva genética é, portanto, maior em populações meno- res. Quanto menor a população, os efeitos da amostragem aleatória são mais importantes. 6.2 Uma população fundadora pequena pode ter uma amostra não- representativa dos genes da população ancestral Um exemplo particular da infl uência da amostragem aleatória é dado pelo que se chama efeito do fundador. O efeito do fundador foi defi nido por Mayr (1963) como: o estabelecimento de uma nova população por uns poucos fundadores originais (em um caso extre- mo, por apenas uma única fêmea fertilizada), que contêm somente uma pequena fração da variação genética total da população parental. Podemos dividir a defi nição em duas partes. A primeira parte é o estabelecimento de uma nova população por um pequeno número de fundadores; podemos chamar de “evento funda- dor”. A segunda parte é que os fundadores possuem uma amostra limitada da variação gené- tica. O evento fundador completo necessita não apenas de um evento fundador, mas também de fundadores que sejam geneticamente não-representativos da população original. Eventos fundadores ocorrem, indubitavelmente. Uma população pode ser descendente de um pequeno número de indivíduos ancestrais por uma de duas possíveis razões. Um peque- no número de indivíduos pode colonizar um local previamente desabitado pelas suas espécies; os em torno de 250 indivíduos que constituem a população humana atual da ilha de Tristão da Cunha, por exemplo, são todos descendentes de cerca de 20 a 25 imigrantes do início do século XIX, e muitos são descendentes dos colonizadores originais – um escocês e sua família – que chegaram em 1817. Alternativamente, uma população que está estabelecida em uma área pode variar em tamanho; o efeito do fundador ocorre, então, quando a população passa por um “gargalo de garrafa”, no qual apenas uns poucos indivíduos sobrevivem, e, mais tarde, ela se expande novamente, quando o período favorável retorna. Figura 6.1 A amostragem aleatória é mais efetiva em populações pequenas (a) do que em grandes (b). Dez populações da mosca- das-frutas Drosophila pseudoobscura grandes (4 mil fundadores) e 10 pequenas (20 fundadores) foram criadas em junho de 1955 com as mesmas freqüências (50% de cada) de duas inversões cromossômicas, AP e PP. Dezoito meses mais tarde, as populações com número pequeno de fundadores mostraram uma maior variação nas suas freqüências genotípicas. Redesenhada, com permissão da editora, de Dobzhansky (1970). O tamanho da popula- ção pode ser reduzido durante eventos de fundação 50 40 30 20 10 50 40 30 20 10 (a) Populações pequenas (b) Populações grandes Po rc en ta ge m d e PP Po rc en ta ge m d e PP Junho 1955 Outubro 1955 Novembro 1956 Junho 1955 Outubro 1955 Novembro 1956 Tempo Tempo Evolução | 171 Se uma amostra de pequeno número de indivíduos é retirada de uma população grande, qual é a chance de que eles possuam variação genética reduzida? Podemos expressar essa questão perguntando exatamente qual a chance de que um alelo seja perdido. No caso espe- cial de dois alelos (A e a, com proporções p e q), se um deles não estiver incluído na população fundadora, a nova população será geneticamente monomórfi ca. A chance de dois indivíduos, retirados aleatoriamente da população, serem ambos AA é (p2)2; em geral, a chance de se retirar N homozigotos idênticos é (p2)N. A população fundadora seria homozigota também, porque ela é constituída de N homozigotos AA ou N homozigotos aa, e a chance total de homozigosidade é, portanto: Chance de homozigosidade = [(p2)N + (q2)N] (6.1) A Figura 6.2 ilustra a relação entre o número de indivíduos na população fundadora e a chance de que a população fundadora seja geneticamente uniforme. O resultado interessante é que eventos fundadores não são efi cientes na produção de uma população geneticamente monomórfi ca. Mesmo que a população fundadora seja muito pequena, com N < 10, ela nor- malmente possuirá ambos os alelos. Um cálculo análogo poderia ser feito para uma população com três alelos, no qual questionaríamos a chance de que um dos três pudesse ser perdido pelo efeito do fundador. A população resultante não seria, então, monomórfi ca, mas teria dois alelos, em vez de três. O ponto central é, novamente, o mesmo: em geral, eventos fundadores – se por colonizadores ou populações “gargalo de garrafa” – são improváveis de reduzir a va- riabilidade genética, a menos que o número de fundadores seja muito pequeno. Entretanto, eventos fundadores podem ter outras conseqüências interessantes. Embora a amostra dos indivíduos formadores de uma população fundadora provavelmente conte- nha quase todos os genes da população ancestral, as freqüências dos genes podem diferir da freqüência da população parental. Populações isoladas costumam possuir freqüências excep- cionalmente elevadas de alelos raros diferentes, e a explicação mais provável é a de que a população fundadora possuía um número desproporcional daqueles alelos raros. Os exemplos mais claros são todos de populações humanas. Considere a população de africânder* da África do Sul, que é descendente principalmente de um navio de carga de imigrantes que atracou em 1652, embora outros desembarques te- Eventos fundado- res muito raramente produzem homozigotos Figura 6.2 A chance de uma população fundadora ser homozigota depende do número de fundadores e das freqüências gênicas. Se há menor variação e poucos fundadores, a chance de homozigosidade é maior. Aqui,a chance de homozigosidade é mostrada para três freqüências gênicas diferentes em dois locos alélicos. 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 q = 0,2 q = 0,5 q = 0,1 Número de fundadores (N) P ro b a b ili d a d e d e p o lim o rfi s m o 172 | Mark Ridley nham ocorrido posteriormente. A população aumentou de forma dramática, desde então, para seus níveis modernos de 2.500.000. A infl uência dos colonizadores iniciais é mostrada pelo fato de que 1 milhão de africânders vivos possuem os nomes de 20 colonizadores originais. Os colonizadores iniciais incluem indivíduos com inúmeros genes raros. O navio de 1652 continha um homem holandês, portador de um gene para a doença de Huntington, uma doença autossômica dominante. A maioria dos casos da doença na população africânder atu- al pode ser rastreada de volta àquele indivíduo. Uma história semelhante pode ser contada para o gene autossômico dominante que causa a porfi ria variada. A porfi ria variada é devida a uma forma defectiva da enzima protoporfi rinogênio oxidase. Portadores do gene sofrem de uma grave – e mesmo letal – reação a barbitúricos anestésicos, e o gene não foi, portanto, desvantajoso antes da medicina moderna. A população africânder moderna contém cerca de 30 mil portadores do gene, uma freqüência bem mais elevada do que na Holanda. Todos os portadores são descendentes de um casal, Gerrit Jansz e Ariaantje Jacobs, que emigraram da Holanda em 1685 e em 1688, respectivamente. Cada população humana possui seus polimor- fi smos “privados”, os quais são causados, com freqüência, pelas particularidades genéticas de fundadores individuais. Ambos os exemplos que acabamos de analisar são para casos médicos. Cada portador indi- vidual de genes terá um valor adaptativo menor do que a média, e a seleção irá, portanto, agir para reduzir a freqüência do gene para 0. Durante muito tempo, o gene da porfi ria variada pode ter tido um valor adaptativo semelhante ao de outros alelos no mesmo loco. Ele pode ter sido um polimorfi smo neutro até que seu “ambiente” veio a conter (em casos selecionados) barbitúricos. Em contraste, o gene da doença de Huntington foi consistentemente selecionado de modo negativo. Assim, a sua presença, em freqüência elevada, sugere que a população fun- dadora possuía, de fato, uma freqüência ainda mais elevada, porque essa provavelmente teria diminuído por seleção desde então. Não seria esperado que qualquer amostra de população fundadora em especial possuísse uma freqüência maior do que a freqüência média do gene para a doença de Huntington, mas se um número sufi ciente de grupos colonizadores partiram, alguns desses possuíam, com certeza, freqüências gênicas peculiares, ou mesmo muito pecu- liares. No caso da doença de Huntington, a população africânder não é a única descendente de fundadores com cópias de um gene em número maior do que a média; 432 portadores da doença de Huntington na Austrália são descendentes da Sra. Cundick, que partiu da Inglaterra com seus 13 fi lhos; e um neto de um nobre francês, Pierre Dagnet d’Assigne de Bourbon, transmitiu todos os casos conhecidos da doença de Huntington da ilha Mauritius. 6.3 Um gene pode ser substituído por outro por meio da deriva genética A freqüência de um gene tanto pode aumentar como diminuir pela deriva genética. Em mé- dia, as freqüências de alelos neutros permanecem inalteradas de uma geração para a outra. Na prática, suas freqüências fl utuam para mais ou para menos, e, portanto, é possível que um gene experimente uma fase de sorte e tenha a sua freqüência bastante elevada – em um caso extremo, a sua freqüência poderia, após muitas gerações, ter sua freqüência elevada até 1 (tornar-se fi xado) pela deriva genética. Em cada geração, a freqüência de um alelo neutro possui uma chance de aumentar, uma chance de diminuir e uma chance de permanecer constante. Caso ela aumente em uma gera- ção, ela terá, novamente, as mesmas chances de aumentar, diminuir ou permanecer constante na próxima geração. Um alelo neutro, então, possui uma pequena chance de aumentar em Várias populações humanas possuem ge- nes raros di- ferentes em freqüências elevadas A evolução pode ocorrer pela deriva genética * N. de T. Africânder: indivíduo sul-africano branco, em geral descendente de holandeses. Evolução | 173 duas gerações seguidas (igual ao quadrado das chances de aumentar em qualquer uma gera- ção). Ele terá, ainda, uma pequena chance de aumentar por três gerações, e assim por diante. Para um alelo qualquer, a fi xação por deriva genética é bastante improvável. A probabilidade é fi nita, no entanto, e, caso alelos neutros em quantidade sufi ciente, em locos sufi cientes e em gerações sufi cientes estejam fl utuando aleatoriamente em freqüência, um deles irá, even- tualmente, ser fi xado. O mesmo processo pode ocorrer qualquer que seja a freqüência inicial do alelo. É menos provável que um alelo raro seja conduzido à fi xação pela deriva genética do que um alelo comum, porque este teria que ter a “boa” sorte por muito tempo. Entretanto, a fi xação ainda é possível para um alelo raro. Mesmo uma única mutação neutra possui alguma chance de fi xação eventual. Uma mutação qualquer é mais provável de ser perdida; mas se diversas mutações aparecem, eventualmente uma poderá vir a ser fi xada. A deriva genética, portanto, pode substituir um alelo por outro. Qual é a taxa com que essas substituições ocorrem? Poderíamos esperar que ela fosse mais rápida em populações menores, porque a maioria dos efeitos aleatórios é mais potente em populações pequenas. No entanto, pode ser demonstrado por um raciocínio elegante que a taxa de evolução neutra se iguala exatamente à taxa da mutação neutra e é independente do tamanho popu- lacional. O raciocínio é o que segue. Em uma população de tamanho N, existe um total de 2N genes em cada loco. Em média, cada gene contribui com uma cópia de si mesmo para a próxima geração; mas, devido à amostragem aleatória, alguns genes irão contribuir com mais do que uma cópia e outros com nenhuma. À medida que analisamos duas gerações adiante, aqueles genes que não contribuíram com nenhuma cópia para a primeira geração não podem contribuir com cópia alguma para a segunda geração, nem para a terceira, nem a quarta... uma vez que o gene deixa de ser copiado, ele é perdido para sempre. Na próxima geração, provavelmente mais alguns genes serão deixados de fora e serão incapazes de con- tribuir para gerações futuras. A cada geração, alguns dos 2N genes originais serão perdidos dessa maneira (Figura 6.3). Para a deri- va puramen- te neutra, a taxa de evo- lução é in- dependente do tamanho populacional Geração 1 Geração 2 Geração 3 Geração 4 Geração 5 Geração 6 Geração 7 Geração 8 Geração 9 Geração 10 Geração 11 sem reprodução Figura 6.3 A deriva para a homozigosidade. A fi gura traça o destino evolutivo de seis genes; em uma espécie diplóide, eles seriam combinados em cada geração em três indivíduos. A cada geração, alguns genes podem, por acaso, falhar em uma vez que reproduzir e outros, por acaso, podem deixar mais do que uma cópia. Porque em um determinado momento um gene tenha falhado em se reproduzir, sua linhagem é perdida para sempre, com o tempo a população deve fl utuar para se tornar constituída de descendentes de apenas um gene da população ancestral. No exemplo, a população, após 11 gerações, é constituída de descendentes do gene número 3 (círculo sombreado) da geração 1. 174 | Mark Ridley Se analisarmos mais adiante, chegaremos, eventualmente, em um momento em que to- dos os 2N genes serão descendentes de apenas um dos 2N genes de agora. Isso porque, em cada geração, alguns genes fracassarão em se reproduzir. Deveremos, eventualmente, chegar em um momento em que todos os genes originais serão perdidos, menos um. Esse único gene terá tido um período sufi cientemente favorável de aumento e espalhar-se-á por toda a popu- lação.Ele terá sido fi xado por deriva genética. Agora, porque o processo é de pura sorte, cada um dos 2N genes da população original possui uma chance igual de ser aquele com sorte. Qualquer gene da população, portanto, possui uma chance de 1/(2N) de eventual fi xação por deriva genética (e uma chance de (2N – 1)/(2N) de ser perdido por ela). Em virtude de o mesmo raciocínio se aplicar para qualquer gene da população, ele tam- bém se aplica a uma nova, única e neutra mutação. Quando mutações novas surgem, haverá um gene, em uma população de 2N genes, em seu loco (ou seja, sua freqüência será 1/[2/N]). A nova mutação possui a mesma chance 1/(2N) de uma eventual fi xação, assim como cada outro gene na população. O destino mais provável da nova mutação é ser perdida (probabili- dade de ser perdida = (2N – 1)/(2N) ≈ 1 se N for grande); mas ela terá uma pequena chance (1/[2N]) de sucesso. Isso completa a primeira etapa do raciocínio: a probabilidade de que uma mutação neutra será eventualmente fi xada é de 1/(2/N). A taxa de evolução é igual à probabilidade de que uma mutação seja fi xada, multiplicada pela taxa na qual a mutação aparece. Defi nimos a taxa na qual uma mutação aparece como u por gene por geração. (u é a taxa na qual novas mutações seletivamente neutras aparecem, e não a taxa de mutação total. A taxa de mutação total inclui mutações seletivamente fa- voráveis e desfavoráveis, bem como mutações neutras.) Em cada loco, existem 2N genes na população: o número total de mutações neutras surgindo na população será 2Nu por geração. A taxa de evolução neutra será, então, 1/(2N) × 2Nu = u. O tamanho da população cancela- se reciprocamente, e a taxa de evolução neutra é igual à taxa de mutação. A Figura 6.3 ilustra, também, outro conceito importante na teoria moderna da deriva genética, o conceito de coalescência (Quadro 6.2). ...e cancela- se reciproca- mente O tamanho populacional caracteri- za-se em funciona- mento... Se olharmos bem adiante no tempo para qualquer geração, chegaremos em um período em que todos os genes em um loco são descendentes de uma das 2N cópias de um gene nas populações atuais (ver Figura 6.3). O mesmo raciocínio funciona ao contrário. Se olharmos bem para trás para qualquer geração, chegaremos em um período em que todas as cópias dos genes em um loco se remetem a uma única cópia de um determinado gene no passado. Assim, se nos remetermos ao passado de todas as cópias de um gene humano, tal como o gene da globina, iremos, eventualmente, chegar em um período do passado em que apenas um gene deu origem a todas as cópias dos genes modernos. (Na Figura 6.3, analise a geração 11 no fi nal. Todas as cópias do gene remetem-se a um único gene na geração 5. Note que a existência de um único gene ancestral para todos os genes modernos em um loco não signifi ca que apenas um gene existiu naquele período. A geração 5 possuía tantos genes como qualquer outra geração.) A maneira com que todas as cópias se remetem a um único gene é chamada de coalescência, e aquele gene ancestral único é chamado de coalescente. A coalescência genética é uma conseqüência de uma operação normal de deriva genética em populações naturais. Cada gene na espécie humana, e cada gene em qualquer espécie, remete- se a um coalescente. O período em que um gene coalescente existiu para cada gene provavelmente difere entre os genes, mas todos eles possuíram um ancestral coalescente em algum momento. Os geneticistas de populações estudam o quão distante a coalescência existe para um gene, dependendo do tamanho da população, da demografi a e da seleção. Um conhecimento do período anterior à coalescência pode ser útil para datar eventos no passado utilizando-se “árvores gênicas”, as quais analisaremos no Capítulo 15. Leitura adicional: Fu e Li (1999), Kingman (2000). Quadro 6.2 A Coalescência Evolução | 175 6.4 O “equilíbrio” de Hardy-Weinberg supõe a ausência de deriva genética Vamos fi car com o caso de um único loco gênico, com dois alelos seletivamente neutros A e a. Se a deriva genética não está ocorrendo – e se a população é grande –, as freqüências gênicas fi carão constantes de geração à geração e as freqüências genotípicas também serão constantes, nas proporções de Hardy-Weinberg (Seção 5.3, p. 128). Mas, em populações menores, as freqüências gênicas podem fl utuar em todas as direções. As freqüências gênicas médias em uma geração serão as mesmas que na geração anterior, e pode-se pensar que, em longo prazo, as freqüências gênicas e genotípicas médias irão, simplesmente, ser as do equilíbrio de Hardy-Weinberg, mas com um pouco de “ruído” ao redor delas. No entanto, não é isso que ocorre. O resultado da deriva genética em longo prazo é que um dos alelos será fi xado. O equilíbrio polimórfi co de Hardy-Weinberg é instável uma vez que a deriva genética seja permitida. Suponha que uma população seja constituída de cinco indivíduos, contendo cinco ale- los A e cinco alelos a (o que é, obviamente, uma população muito pequena, mas a mesma questão se aplicaria caso houvesse quinhentas cópias de cada alelo). Os genes são aleato- riamente amostrados para produzir a próxima geração. Talvez seis alelos A e quatro alelos a sejam amostrados. Esse é, agora, o ponto inicial para se produzir a próxima geração; a razão mais provável na próxima geração é seis A e quatro a: não há um processo de “com- pensação” para se retornar em direção a cinco e cinco. Talvez, na próxima geração, seis A e quatro a sejam retirados novamente. A quarta geração poderá ter sete A e três a, a quinta, seis A e quatro a, a sexta, sete A e três a, depois, sete A e três a, oito A e dois a, nove A e um a e, então, 10 A. O mesmo processo poderia ter-se desenvolvido na outra direção, ou ter iniciado favorável a A e, depois, revertido para fi xar a – a deriva genética não possui dire- ção. No entanto, quando um dos genes é fi xado, a população é homozigota e permanecerá homozigota (Figuras 6.3 e 6.4). O equilíbrio de Hardy-Weinberg é uma boa aproximação e mantém a sua importância na biologia evolutiva. Porém, também é verdade que, uma vez que permitimos a deriva genética, as razões de Hardy-Weinberg não estão em equilíbrio. As razões de Hardy-Weinberg são para alelos neutros em um loco e o resultado de Hardy-Weinberg sugere que as razões genotípicas (e gênicas) são estáveis com o tempo. No entanto, eventos aleatórios fazem com que as fre- qüências gênicas fl utuem em todas as direções, e um dos genes será, eventualmente, fi xado. Somente nesse momento o sistema será estável. O verdadeiro equilíbrio, incorporando a de- riva genética, ocorre em homozigosidade. 6.5 A deriva neutra ao longo do tempo conduz um rumo em direção à homozigosidade Com o passar do tempo, a deriva puramente ao acaso faz com que a população “rume” para a homozigosidade em um loco. O processo pelo qual isso ocorre foi considerado (Seção 6.4) e ilustrado (Figura 6.3). Todos os locos nos quais existem vários alelos seletivamente neutros tenderão a tornar fi xado apenas um gene. Não é difícil derivar uma expressão para a taxa na qual a população irá tornar-se homozigota. Primeiramente, defi nimos o grau de homozigo- sidade. Indivíduos na população podem ser tanto homozigotos como heterozigotos. Seja f a proporção de homozigotos, e H = 1 – f, a proporção de heterozigotos (f vem de “fi xação”). Homozigotos aqui incluem todos os tipos de homozigotos em um loco; se, por exemplo, exis- tem três alelos A 1 , A 2 e A 3 , então, f é o número de indivíduos A 1 A 1 , A 2 A 2 e A 3 A 3 dividido pelo tamanho da população; da mesma forma, H é a soma de todos os tipos heterozigotos. N será, novamente, o tamanho da população. A deriva genética tem conseqüên- cias para o teorema de Hardy-Wein- berg 176 | Mark Ridley Como f irá mudar com o tempo? Derivaremos o resultado nos termos de um caso especial: uma espécie de hermafrodita, na qual um indivíduo pode fertilizar a si mesmo. Indivíduosem uma população descarregam seus gametas na água e cada gameta possui uma chance de se combinar com qualquer outro gameta. Novos indivíduos são formados pela amostragem de dois gametas do conjunto de gametas. O conjunto de gametas contém 2N tipos gaméticos, onde os “tipos gaméticos” devem ser interpretados como segue. Existem 2N genes em uma população constituída de N indivíduos diplóides. Um tipo gamético consiste em todos os gametas conten- do uma cópia de qualquer um desses genes. Assim, se um indivíduo com dois genes produz 200 mil gametas, haverá, em média, 100 mil cópias de cada tipo gamético no conjunto de gametas. Figura 6.4 Vinte simulações repetidas de deriva genética para um loco com dois alelos com freqüência gênica inicial de 0,5 em: (a) uma população pequena (2N = 18) e (b) uma população grande (2N = 100). Eventualmente, um dos alelos fl utuará para a freqüência de 1. O outro alelo será, então, perdido. A deriva para a homozigosidade é mais rápida em uma população pequena, porém, em qualquer população pequena, na ausência de mutação, a homozigosidade será o resultado fi nal. 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0 0 4 8 12 16 20 0 4 8 12 16 20 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0 (a) População pequena (2N = 18) Fr eq üê nc ia g ên ic a Geração (b) População grande (2N = 100) Fr eq üê nc ia g ên ic a Geração Evolução | 177 Para calcular como f, o grau de homozigosidade, muda com o passar do tempo, derivamos uma expressão para o número de homozigotos em uma geração, em relação ao número de homozigotos da geração anterior. Devemos, primeiramente, fazer uma distinção, no conjunto de gametas, entre os gametas contendo o gene a que são cópias do mesmo gene a parental e aqueles que são derivados de progenitores diferentes. Existem, então, duas maneiras de se produzir um homozigoto, quando dois genes a do mesmo tipo gamético se encontram, ou quando dois genes a de diferentes tipos gaméticos se encontram (Figura 6.5); a freqüência de homozigotos na próxima geração será a soma dessas duas. A primeira maneira de obter um homozigoto é por “autofertilização”. Existem 2N tipos ga- méticos, mas, porque cada indivíduo produz muito mais do que dois gametas, existe uma chance de 1/(2N) de que um gameta irá combinar com outro gameta do mesmo tipo gamético que ele próprio: se isso ocorre, a descendência será homozigota. (Se, como mostrado, cada indivíduo produz 200 mil gametas, existirão 200.000N gametas no conjunto de gametas. Primeiramente amostramos um gameta como esse. Os gametas restantes, praticamente 100 mil deles [de fato 99.999] são cópias do mesmo gene. A proporção de gametas deixada no conjunto que contém cópias do mesmo gene que no gameta amostrado é 99.999/200.000N, ou 1/(2N).) A segunda maneira de se produzir um homozigoto é pela combinação de dois genes idên- ticos, que não foram copiados do mesmo gene na geração parental. Se o gameta não se com- bina com outra cópia do mesmo tipo gamético (chance 1 – (1/(2N)), ele ainda irá formar um homozigoto, caso ele se combine com uma cópia produzida a partir do mesmo gene, mas de outro progenitor. Para um gameta com um gene a, se a freqüência de a na população for p, as chances de dois genes a se encontrarem será simplesmente p2. p2 é a freqüência de homo- zigotos aa na geração parental. Se existem dois tipos de homozigotos, AA e aa, a chance de formar um homozigoto será p2 + q2 = f. Em geral, a chance de que dois genes independentes Construímos um modelo de como a homozigosi- dade muda sob deriva Geração 1 Geração 2 Adultos Gametas Conjuntode gametas Fertilização AA AA Aa Aa aa aa AA A A Aa a a a a a a a A A A A A A A A A AA AA Aa Aa aa aa AA AA Aa Aa aa aa 1 2 3 4 5 6 Figura 6.5 O endocruzamento em uma população pequena produz homozigosidade. Um homozigoto pode ser produzido tanto pela combinação de cópias do mesmo gene, vindas de indivíduos diferentes, ou pela combinação de duas cópias exatas do mesmo gene. Aqui, imaginemos que a população contém seis adultos, os quais são hermafroditas, potencialmente autofertilizantes, e que cada um produz quatro gametas. Os homozigotos podem, então, ser produzidos pelo tipo de cruzamento assumido no teorema de Hardy-Weinberg (por exemplo, o descendente número 2) ou por autofertilização (por exemplo, o descendente número 1). A autofertilização necessariamente produz apenas homozigotos, caso o seu progenitor seja homozigoto (compare os descendentes 1 e 4). A homozi- gosidade pode surgir a partir de cruzamen- tos entre indivíduos diferentes 178 | Mark Ridley irão combinar-se para formar um homozigoto é igual à freqüência de homozigotos na geração anterior. A chance total de se formar um homozigoto por esse segundo método é a chance de que um gameta não se combine com outra cópia do mesmo gene parental, 1 – (1/(2N)), multiplicada pela chance de dois genes independentes combinarem-se para formar um homo- zigoto (f). Ou seja, f(1 – (1/(2N)). Podemos, agora, escrever a freqüência de homozigotos na próxima geração em termos da freqüência de homozigotos na geração parental. Ela será o somatório das duas maneiras de se formar um homozigoto. Seguindo-se a notação normal para f’ e f (f’ é a freqüência de homozigotos uma geração adiante), f' N N f= 1 2 + 1– 1 2 (6.2) Podemos seguir a mesma direção para aumentar a homozigosidade em termos da diminui- ção da heterozigosidade na população. A heterozigosidade de uma população é uma medida de sua variação genética. Em termos formais, a heterozigosidade é defi nida como a chance de que dois genes em um loco, retirados ao acaso da população, sejam diferentes. Por exemplo, uma população geneticamente uniforme (na qual todos são AA) possui uma heterozigosida- de de zero. A chance de se retirar dois genes diferentes é zero. Se metade dos indivíduos na população é AA e metade é aa, a chance de se retirar dois genes diferentes é um meio, e a heterozigosidade é igual a um meio. O Quadro 6.3 descreve os cálculos da heterozigosidade. (A heterozigosidade é simbolizada por H). A heterozi- gosidade é uma medida da variação genética Quadro 6.3 Heterozigosidade (H) e Diversidade Nucleotídica (π) “Heterozigosidade” é uma medida geral da variação genética por loco em uma população. Imagine um loco no qual dois alelos (A e a) estão presentes na população. A freqüência de A é p, a freqüência de a é q. A heterozigosidade é defi nida como a chance de retirarmos dois alelos diferentes, se dois genes aleatórios são amostrados da população (para um loco). A chance de retirarmos duas cópias de A é p2, e a chance de retirarmos duas cópias de a é q2. A chance total de retirarmos duas cópias gênicas idênticas é p2 + q2. A chance de retirarmos dois genes diferentes é 1 menos a chance de retirarmos dois genes idênticos. Portanto, H = 1 – (p2 + q2). Em geral, uma população pode conter qualquer número de alelos em um loco. Os diferentes alelos podem ser distinguidos por números subscritos. Por exemplo, se uma população possui três alelos, suas freqüências podem ser escritas p 1 , p 2 e p 3 . Se uma população possui quatro alelos, suas freqüências podem ser escritas como p 1 , p 2 , p 3 e p 4 , e assim por diante para qualquer número de alelos. Podemos simbolizar a freqüência do iésimo alelo por p i (onde i possui tantos valores quantos alelos existirem na população). Agora: H = 1 – Σp i 2 O somatório (simbolizado por Σ) é sobre a todos os valores de i: ou seja, para todos os alelos na população naquele loco. O termo Σp i 2 é igual à chance de retirarmos dois genes idênticos; 1 – t é a chance de retirarmos dois genes diferentes. Se a população está no equilíbrio de Hardy- Weinberg, a heterozigosidade é igual à proporção de indivíduos heterozigotos. Porém, H é uma defi nição mais geral da diversidade genética do que a proporção de heterozigotos. A chance de que dois genes aleatórios difi ram mede a variação genética em todasas populações, mesmo que elas estejam ou não no equilíbrio de Hardy-Weinberg. Por exemplo, H = 50% em uma população consistindo em indivíduos metade AA e metade aa (sem heterozigotos). O termo “heterozigosidade” é signifi cativo para uma população diplóide. Entretanto, a mesma medição da diversidade genética pode ser usada para genes não-diplóides, tais como os genes nas mitocôndrias e cloroplastos. Ele também pode ser usado para populações bacterianas. A palavra “heterozigosidade” (continua) Evolução | 179 pode soar um tanto estranha para locos gênicos não-diplóides, e os geneticistas de populações freqüentemente chamam H de “diversidade gênica”. A clássica teoria da diversidade da genética de populações foi desenvolvida nos termos da heterozigosidade em um loco. Quando falamos dessa teoria, normalmente nos referimos à heterozigosidade (H). Entretanto, medições mais modernas da diversidade genética são em nível de DNA. Nesse nível, muito do mesmo índice de diversidade é referido como “diversidade nucleotídica” e é simbolizado por π. Intuitivamente, o signifi cado de diversidade nucleotídica é como segue. Imagine-se retirando um segmento de DNA de uma molécula de DNA de fi ta dupla, retirada aleatoriamente de uma população. Conte o número de diferenças nucleotídicas entre as duas fi tas do fragmento de DNA. Divida, então, pelo comprimento total do fragmento. O resultado será π. π é o número médio de diferenças nucleotídicas por sítio entre um par de seqüências de DNA, retirado aleatoriamente de uma população. Aqui está um exemplo concreto. Suponha que uma simples população possua quatro moléculas de DNA. Uma região comparável dessas quatro possui os seguintes conjuntos de seqüências: (1) TTTTAGCC, (2) TTTTAACC, (3) TTTTAAGC e (4) TTTTAGGC. Primeiramente, contamos o número de diferenças entre todos os pares possíveis. O par 1-2 possui 1 diferença, o 1-3 possui duas, o 1-4 possui 1, o 2-3 possui 1, o 2-4 possui duas e o 3-4 possui 1. O número médio de diferenças para todas as combinações pareadas é (1 + 2 + 1 + 1 + 2 + 1)/6 = 1,33. π é calculado por sítio, portanto, dividimos o número total médio de diferenças pelo comprimento total da seqüência (8). π = 1,33/8 = 0,01666. Mais formalmente, π = Σp i p j π ij onde p i e p j são as freqüências das i-ésima e j-ésima seqüências de DNA e π ij é o número de diferenças pareadas por sítio entre as seqüências i e j. Alguns números para H e π em populações reais são fornecidos na Seção 7.2 (p. 189). (continuação) Pode-se mostrar que a heterozigosidade, por meio do rearranjo da Equação 6.2, diminui na seguinte taxa (o rearranjo envolve a substituição de H = 1 – f na Equação 6.2): H' N H= 1– 1 2 (6.3) Ou seja, a heterozigosidade diminui na taxa de 1/(2N) por geração até ela ser zero. O tamanho da população N é novamente importante para governar a infl uência da deriva genética. Se N for pequeno, o rumo para a homozigosidade é rápido. No outro extremo, reencontraremos o resultado de Hardy-Weinberg. Se N for infi nitamente grande, o grau de heterozigosidade é estável: não existe, então, o rumo para a homozigosidade. Embora deva ser notado que essa derivação é para um sistema de cruzamento herma- frodita específi co, o resultado é, de fato, geral (uma pequena correção é necessária para o caso de dois sexos). O rumo à homozigosidade em populações pequenas continua, porque duas cópias do mesmo gene podem combinar-se em um único indivíduo. Nos hermafroditas, isso ocorre, obviamente, por autofertilização. Mas se existem dois sexos, um gene na geração de avós parental pode surgir como um homozigoto, em duas cópias, na geração de netos. O processo pelo qual um gene em cópia única em um indivíduo se combina em duas cópias na descendência é o endocruzamento (do inglês, inbreeding). O endocruzamento pode ocorrer, em uma população pequena, em qualquer sistema de cruzamento e torna-se mais provável quan- to menor for a população. No entanto, um ponto geral nesta seção pode ser expresso sem re- ferência ao endocruzamento. Com amostragem aleatória, duas cópias do mesmo gene podem constituir um descendente na geração futura. A amostragem aleatória produziu, então, um homozigoto. A deriva genética tende a aumentar a homozigosidade, e a taxa desse aumento pode ser expressa com exatidão pelas Equações 6.2 e 6.3. O aumento da homo- zigosidade sob deriva é devido ao endocruza- mento 180 | Mark Ridley 6.6 Por causa da mutação neutra, uma quantidade calculável de polimorfi smo irá existir em uma população Até o momento, poderá parecer que a teoria da deriva neutra prediz que as populações de- veriam ser completamente homozigotas. Entretanto, por meio da contribuição da mutação, novas variações irão surgir, e o nível de polimorfi smo (ou heterozigosidade) em equilíbrio irá, na verdade, ser um balanço entre a sua eliminação por deriva e a sua criação por mutação. Podemos, agora, trabalhar no que é o equilíbrio. A taxa de mutação neutra é igual a u por gene por geração. (u, como antes, é a taxa na qual mutações seletivamente neutras aparecem, e não a taxa total de mutações.) Para encontrar a heterozigosidade em equilíbrio sob deriva e mutação, teremos de modifi car a Equação 6.2 para considerar a mutação. Se um indivíduo nasceu homozigoto, e caso nenhum gene tenha mutado, ele permanece homozigoto e todos os seus gametas terão o mesmo gene. (Ignoraremos a possibilidade de que a mutação produza um homozigoto, por exemplo, por meio de um heterozigoto Aa mutando para um homozigoto AA. Estamos pressupondo que a mutação produz genes novos.) A fi m de que um homozigoto produza todos seus gametas com o mesmo gene, qualquer um de seus genes deverá ter mutado. Caso qualquer deles tenha mutado, a freqüência de homozigotos irá diminuir. A chance de que um gene não tenha mutado é igual a (1 – u), e a chance de que nenhum dos dois genes de um indivíduo tenham mutado é igual a (1 – u)2. Podemos, agora, simplesmente modifi car a relação de recorrência derivada anterior. A freqüência de homozigotos será como antes, mas multiplicada pela probabilidade de que eles não tenham mutado para heterozigotos: f'= (1– )2 1 2 1 1 2N N f+ – u (6.4) A homozigosidade (f) não irá, agora, aumentar até um. Ela irá convergir para um valor em equilíbrio. Este é entre o aumento na homozigosidade devido à deriva e sua diminuição pela mutação. Podemos encontrar o valor de equilíbrio de f a partir de f* = f = f’. f* indica um va- lor de f que é estável por gerações sucessivas (f’ = f). A substituição de f* = f’ = f na equação origina (após uma pequena manipulação): f*= ( – ) –( – )( – ) 1 2 2 1 1 2 2 u N N u (6.5) A equação simplifi ca se ignorarmos os termos em u2, os quais não serão relativamente importantes, porque a taxa de mutação neutra é baixa. Assim f*= 1 4 1Nu + (6.6) A heterozigosidade no equilíbrio (H* = 1 – f*) será: H*= 4 4 1 Nu Nu + (6.7) Esse é um resultado importante. Ele fornece o grau de heterozigosidade que deverá existir para um balanço entre a deriva para a homozigosidade e novas mutações neutras. A hetero- zigosidade esperada depende da taxa de mutação neutra e do tamanho da população (Figura 6.6). Uma vez que o rumo à homozigosidade é mais rápido quando o tamanho da população é menor, faz sentido que a heterozigosidade esperada seja menor se N for pequeno. A heterozi- A variação genética para genes neutros é determinada por um ba- lanço entre deriva e mutação Evolução | 181 gosidade também será menor se a taxa de mutação for menor, como seria esperado. Em resu- mo, a população será menos variável geneticamente para alelos neutros quando os tamanhos populacionais e as taxas de mutação forem menores. 6.7 Tamanho populacional e tamanho populacional efetivo O que é o “tamanho populacional”? Temos visto que N determina o efeito da deriva genética sobre as freqüênciasgênicas. Mas o que é N exatamente? Em um sentido ecológico, N pode ser medido pela contagem, tal como o número de adultos em uma localidade. Entretanto, para a teoria da genética de populações com populações pequenas, a estimativa obtida pela conta- gem ecológica é apenas uma aproximação grosseira do “tamanho populacional”, N, incluído nas equações. O que importa é a chance de que duas cópias de um gene serão amostradas à medida que a próxima geração é produzida, e isso é afetado pela estrutura de cruzamentos da população. Uma população de tamanho N conterá 2N genes em um loco. A interpretação correta de N para equações teóricas é que N foi corretamente medido quando a chance de se retirar duas cópias do mesmo gene é 1/(2N). Se retiramos dois genes de uma população em uma localidade, estaremos mais propen- sos, por várias razões, a obter duas cópias do mesmo gene do que seria esperado pela simples medição ecológica do tamanho populacional. Geneticistas populacionais, por conseguinte, freqüentemente escrevem N e (para tamanho populacional “efetivo”) nas equações, em vez de N. Na prática, tamanhos populacionais efetivos são normalmente menores do que tama- nhos populacionais ecologicamente observados. A relação entre N e , o tamanho populacional efetivo sugerido pelas equações e o tamanho populacional observado N pode ser complexa. Inúmeros fatores são conhecidos por sinfl uenciar no tamanho populacional efetivo. 1,0 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 0,0001 0,001 0,01 0,1 1 10 100 1,000 Nu H et er oz ig os id ad e ( ) H Figura 6.6 A relação teórica entre o grau de heterozigosidade e o parâmetro Nu (o produto do tamanho da população e a taxa de mutação neutra). O tamanho populacional efetivo pode diferir do tamanho populacional observado 182 | Mark Ridley 1. Razão sexual. Se um sexo é raro, o tamanho populacional do sexo raro irá dominar as mudanças nas freqüências gênicas. Será muito mais provável que genes idênticos se- jam retirados do sexo raro, porque poucos indivíduos estão contribuindo com genes para a próxima geração. Sewall Wright provou, em 1932, que, nesse caso: N e = 4N N N N f f m m ⋅ + (6.8) Onde N m = número de machos e N f = número de fêmeas na população. 2. Flutuações populacionais. Se o tamanho populacional oscila, a homozigosidade irá aumentar mais rapidamente enquanto a população passa através de um “gargalo de garrafa” de tamanho pequeno. N e é desproporcionalmente infl uenciado por N durante o gargalo de garrafa, e uma fórmula pode ser derivada para N e em termos da média harmônica de N. 3. Pequenos grupos de cruzamento. Se ocorrerem muitos cruzamentos dentro de peque- nos grupos, então o tamanho efetivo da população irá diferir do tamanho popula- cional total (composto de todos os pequenos grupos de cruzamento reunidos). N e poderá ser menor ou maior do que N, dependendo de analisarmos o tamanho efetivo das populações locais, ou de todas as populações locais juntas. Ele também depende- rá das taxas de extinção dos grupos e das taxas de migração entre os grupos. Vários modelos de subdivisão populacional foram usados para derivar expressões exatas para N e . 4. Fertilidade variável. Se o número de gametas bem-sucedidos varia entre indivíduos (assim como ocorre entre machos quando a seleção sexual está atuando, ver Capítulo 12), os indivíduos mais férteis irão acelerar o rumo à homozigosidade. Novamente, a chance de que cópias do mesmo gene irão combinar-se em um mesmo indivíduo na produção da próxima geração estará aumentada e o tamanho populacional efetivo será diminuído em relação ao número total de adultos. Wright mostrou que se k é o número médio de gametas produzidos por um membro da população e σ k 2 é a vari- ância de k (ver Quadro 9.1, p. 261, para a defi nição de variância), então: N e = 2 4 2 N – 2 σ k + (6.9) Para N e < N, a variância de k deverá ser maior do que aleatória. Se k varia aleato- riamente, como um processo de Poisson, σ k 2 = k = 2 e N e ≈ N. Esses são pontos um tanto técnicos. O N e em equações para a evolução neutra é uma quantidade exatamente defi nida, mas difícil de se medir na prática. Ele é normalmente menor do que o número de adultos observado, N. N e = N quando a população cruza aleatoriamente, tem tamanho constante, tem uma razão sexual igual e tem, aproximadamente, uma variância de Poisson em fertilidade. Desvios naturais dessas condições produzem N e < N. O quão menor N e é de N é difícil de medir, embora seja possível fazer estimativas pelas formulações analisa- das. Outras coisas sendo iguais, espécies com estruturas populacionais mais subdivididas e com endocruzamento possuem um N e menor do que espécies pan-míticas. Evolução | 183 Leitura complementar Textos de genética de populações, tais como os de Crow (1986), Hartl e Clark (1997), Gillespie (1998) ou Hedrick (2000), e textos de evolução molecular, tais como Page e Holmes (1998), Graur e Li (2000) e Li (1997), explicam a teoria da genética de populações para populações pequenas. Crow e Kimura (1970) é um relato clássico da teoria matemática. Lewontin (1974) e Kimura (1983) também explicam bastante do assunto. Wright (1968) é mais avançado. Beatty (1992) explica a história de idéias, incluindo as de Wright, sobre a deriva genética. Kimura (1983) também contém um relato claro das partes mais importantes da teoria para a sua teoria neutra e discute o signifi cado do tamanho populacional efetivo. Para exemplos médicos de eventos fundadores em humanos, ver Dean (1972) e Hayden (1981). Resumo 1 Em uma população pequena, a amostragem aleatória de gametas para produzir a próxi- ma geração pode mudar a freqüência gênica. Essas mudanças aleatórias são chamadas de deriva genética. 2 A deriva genética tem efeitos maiores sobre as freqüências gênicas se o tamanho popula- cional for menor do que se ele for grande. 3 Se uma população pequena coloniza uma área nova, é provável que ela possua todos os genes da população ancestral, mas as fre- qüências gênicas podem não ser representa- tivas. 4 Um gene pode ser substituído por outro pela deriva genética. A taxa de substituição neu- tra é igual à taxa na qual a mutação neutra aparece. 5 Em uma população pequena, na ausência de mutação, um alelo será fi xado em um loco. A população irá, eventualmente, tornar-se ho- mozigota. O equilíbrio de Hardy-Weinberg não se aplica para populações pequenas. O efeito da deriva é reduzir a quantidade de variabilidade na população. 6 A quantidade de variabilidade genética neutra em uma população será um balanço entre a sua perda por deriva e a sua criação por novas mutações. 7 O tamanho “efetivo” de uma população, o qual é o tamanho assumido na teoria da genética de populações para populações pe- quenas, deveria ser distinguido do tamanho de uma população que um ecologista pode ter medido na natureza. Tamanhos popula- cionais efetivos são, normalmente, menores do que tamanhos populacionais observados. 184 | Mark Ridley Questões para estudo e revisão 1 Uma população de cem indivíduos contém 100 genes A e 100 genes a. Se não há mu- tação e os três genótipos são seletivamente neutros, quais seriam as freqüências genotípi- cas e gênicas esperadas em um longo perío- do, digamos 10 mil gerações, no futuro? 2 Revise: (a) o signifi cado de “aleatória” na amostragem aleatória e a razão de a deriva genética ser mais poderosa em populações menores, e (b) o raciocínio de por que todos os genes em qualquer loco (tal como o loco da insulina) na população humana são, agora, descendentes de um gene de uma população ancestral de algum período no passado. 3 Qual é a heterozigosidade (H) nas seguintes populações: 4 Se a taxa de mutação neutra é de 10-8 em um loco, qual é a taxa de evolução neutra nesse loco se o tamanho da população for: (a) 100 indivíduos, ou (b) 1.000 indivíduos? 5 Qual é a probabilidade, em uma populaçãode tamanho N, de que um gene irá combinar (a) com uma outra cópia dele mesmo para produzir um indivíduo novo e (b) com uma cópia de outro gene? 6 Tente manipular a Equação 6.2 dentro da 6.3 e a Equação 6.6 dentro da 6.7. População Genótipos HAA Aa aa 1 25 50 25 2 50 0 50 3 0 50 50 4 0 0 100
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