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ARTE CONTEMPORÂNEA NO MUNDO (aula 4)

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DESCRIÇÃO
As formações de práticas artísticas contemporâneas no mundo, tendo os territórios norte-
americano, brasileiro, asiático e africano como referência de pesquisa estética, cultural, social e
política dos artistas e de seus projetos.
PROPÓSITO
Conhecer as diferentes práticas artísticas e seus respectivos territórios geográficos e políticos a
partir do estudo de uma seleção de obras de artistas reconhecidos na cena contemporânea
mundial.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Identificar as bases críticas e reflexivas dos projetos artísticos contemporâneos estadunidenses
MÓDULO 2
Reconhecer a produção recente da arte brasileira contemporânea
MÓDULO 3
Compreender as especificidades de artistas asiáticos de arte contemporânea
MÓDULO 4
Identificar impactos históricos causados pela diáspora africana a partir de artistas e obras que
abordam de maneira crítica o processo de colonização e escravidão
INTRODUÇÃO
Existe um mundo muito além da linha das potências e dos países entendidos como
dominantes! Existe, para além dessas fronteiras, um mundo cheio de demandas e desafios!
Aqui, você será provocado a olhar para a arte contemporânea fora dos seus eixos mais
reconhecidos. De um mundo tão vasto, é claro que apresentaremos apenas uma amostra,
mas, certamente, a partir disso seu desejo de busca será ampliado. Marcharemos pelos
caminhos da arte no mundo, reconhecendo suas formas e seus símbolos.
MÓDULO 1
 Identificar as bases críticas e reflexivas dos projetos artísticos contemporâneos
estadunidenses
REFLETINDO SOBRE A ARTE
CONTEMPORÂNEA
Vamos começar com arte. Destacamos a obra Flag (Bandeira), 1954-1955, de Johns para
introduzir este módulo, por causa da representação da bandeira norte-americana.
A imagem da bandeira foi representada sobre uma madeira compensada com a técnica de
encáustica, antiga técnica egípcia que une pigmento e cera derretida, justaposta a recortes de
jornais produzindo uma espécie de colagem onde camadas de texturas formam a imagem do
ícone e do próprio contexto político norte-americano. Há contida, nesta imagem, a narrativa
histórica norte-americana e artística, pois não se trata apenas da pintura de uma bandeira, mas
do modo como foi elaborada: abstrata e representativa.
 
Fonte: Shutterstock
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 Figura 1. Fotografia da pintura Flag , de Jasper Johns, exibida no museu de arte
contemporânea The Broad, em Los Angeles, EUA.
ENCÁUSTICA
Técnica de pintura conhecida como pintura a fogo, na qual os pigmentos de cor são
diluídos em cera quente; foi desenvolvida pelos gregos já no século V a.C. Nessa técnica,
a mistura é mantida aquecida durante todo o processo, para facilitar a manipulação da
cera, ou aplicada por meio de um cautério - instrumento usado na pirogravura para
queimar a madeira.
A obra citada, assim como outras que serão apresentadas ao longo do conteúdo, suscitam
uma inevitável pergunta: por que isso é arte? A questão, entretanto, é recorrente quando
entramos em contato com a arte contemporânea. No caso de Flag , de Jasper Johns, a
pergunta ganha uma especificidade: por que a representação da bandeira norte-americana é
arte? É uma pintura ou uma bandeira? A resposta não é simples, pois não se trata apenas de
saber se é uma pintura, uma colagem ou um objeto, mas de compreender os impactos dessa
bandeira representada pelo artista segundo escolhas não convencionais, isto é, uma bandeira
que não foi simplesmente impressa ou costurada.
ARTE CONTEMPORÂNEA NORTE-
AMERICANA
Assista agora a um vídeo sobre o tema Artistas contemporâneos estadunidenses.
Podemos eleger a migração de artistas, arquitetos, marchands , intelectuais europeus para os
EUA com a Primeira Guerra Mundial, tendo a posição antiacadêmica da exposição Armory
Show (1913) como marco histórico da arte moderna; a formação de uma escola nova-iorquina
de artistas com o término da Segunda Guerra Mundial; e a fundação do Museu de Arte
Moderna de Nova York (MoMA), em meio aos impactos da Depressão, as bases de uma
expressão artística norte-americana contemporânea.
ARMORY SHOW
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Exposição realizada em 1913, em um local que originalmente abrigava o arsenal do
sexagésimo nono regimento da Guarda Nacional da cidade de Nova York. Apresentou
conteúdo crítico à arte tradicional, com cerca de trezentos trabalhos que representavam a
produção vanguardista europeia e norte-americana, de autores como Degas, Cézanne,
Gauguin, Van Gogh, Manet, Matisse e Duchamp.
 
Fonte: moma.org
 Figura 2. Roda de bicicleta , por Marcel Duchamp (reprodução de 1951 da obra original
perdida, que foi apresentada em 1931)
Após a década de 1940, a arte norte-americana assumia uma presença significativa no cenário
mundial. A cidade de Nova York, de atmosfera cosmopolita, tornava-se o novo epicentro
cultural do mundo, de pujante consciência política, econômica e artística.
Outro ponto importante para a formação do pensamento artístico norte-americano foi a
divulgação das teorias artísticas pelas escolas de arte e, sobretudo, universidades, onde
muitos artistas de vanguarda lecionavam.
Os artistas norte-americanos Alexander Calder (1898-1967), Ad Reinhardt (1913-1967) e
especialmente aqueles que migraram para os EUA como o alemão Willem de Kooning (1904-
1997) e o russo Mark Rothko (1903-1970), por exemplo, integraram uma geração de artistas do
pós-guerra, segundo H. B. Chipp (1988), que exploraram exaustivamente os recursos da
cidade, com a paixão de quem havia conhecido a privação e para quem, por isso mesmo, o
sonho de realização artística se tornava ainda mais desafiador.
 
Fonte: Wikiart
 Figura 3. Asheville , por Willem de Kooning (1948)
Barnett Newman (1905-1970), no texto O sublime é agora , de 1948, reconhece a reinvenção
da arte norte-americana diante das revoluções modernas de uma prática artística europeia
investida na formulação de novos meios de se apresentar a arte e a vida.
 
Fonte: Wikiart
 Figura 4. Fourteenth Street , por Alexander Calder (1925)
Newman constata que, àquele momento, outros artistas norte-americanos encontravam-se
livres do peso da cultura europeia, considerando que estavam vivendo em uma época sem
lenda nem mitos que pudessem ser chamados de sublimes. A realidade concreta e a criada
coexistiriam na produção de sentido desses artistas.
Newman reafirma, na conclusão do seu pensamento, que a imagem que produzimos é a
imagem autoevidente da revelação, real e concreta, podendo ser compreendida por qualquer
um que a examine sem os óculos nostálgicos da História. É nesse ponto que apresentaremos
aqui quatro artistas que desenvolveram suas práticas com base em uma noção de
contemporaneidade, tendo a realidade norte-americana como lugar de produção de criticidade
e criação do próprio campo da arte.
HANS HAACKE
 
Fonte: london.gov
 Figura 5. Gift Horse , por Hans Haacke (2014)
Hans Haacke é um artista alemão que vive e trabalha na cidade de Nova York. É considerado,
pela História da Arte, uma referência na arte cinética, conceitual, ambiental, além da crítica
institucional contida em sua obra. Em sua obra Gift Horse , exposta no famoso pedestal da
Trafalgar Square e encomendada pelo então prefeito de Londres, Hans Haacke representa um
cavalo esquelético sem cavaleiro, como um comentário irônico à estátua equestre de William IV
originalmente planejada para o pedestal. Amarrada à pata dianteira do cavalo está uma fita
eletrônica que exibe em tempo real o ticker da Bolsa de Valores de Londres, completando a
ligação entre poder, dinheiro e história.
A geração de artistas da década de 1960, da qual fez parte, esteve bastante afetada por uma
série de eventos políticos, especialmente a morte de Martin Luther King (1929-1968), cujo
impacto social e emocional fez com que Haacke revisasse a sua própria obra, ainda tomada
pela pesquisa monocromática. Ele decide levar em consideração o modo como percebia o
mundo político e social no seu trabalho, rompendo a barreira entre as questões políticas,geralmente borradas, distorcidas, incongruentes com o lugar considerado “sagrado” da arte: a
galeria do museu.
MARTIN LUTHER KING
Pastor luterano e importante figura de liderança na luta pelos direitos civis dos afro-
americanos. Embora tenha sido assassinado, foi eternizado por seu discurso em
Washington: I have a dream .
Inicia seu percurso pela instalação News , 1969/2008, onde utilizou um tipo de máquina de
escrever que transmitia eletronicamente as notícias de última hora, atualizações do mercado
financeiro entre outras informações. A máquina gerava uma longa fita de notícias que ia
serpenteado e se acumulando no chão do espaço expositivo.
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Fonte: Wikiart
 Figura 6. News , por Hans Haacke (1969)
Nesse momento, passa a integrar um grupo de jovens artistas que questionava as políticas
institucionais dos espaços vinculados ao mundo da arte, como os museus e as galerias, que,
em muitos casos, eram dirigidos por indivíduos que também governavam as estruturas políticas
da cidade e do país.
 
Fonte: Wikipedia
 Figura 7. MoMA, Museu de Arte Moderna, em Nova York, EUA
A história do MoMA (1929) está diretamente ligada à família Rockefeller. O museu foi criado
por Abby Rockefeller (1874-1948), esposa de John D. Rockefeller Jr. (1874-1960) e mãe de
Nelson Rockefeller (1908-1979) que, posteriormente, atuou como curador, tesoureiro e
presidente do MoMA. Em decorrência dessa obra, Haacke passou cerca de dezesseis anos
sem ser convidado a expor na instituição, o que para o artista ficou evidente a cumplicidade do
museu com determinados contextos políticos sobre o que é permitido ou não ser discutido no
âmbito da arte.
Hans Haacke integrou o grupo Art Workers Coalition (1969) formado pelo escultor cinético
norte-americano Wen-Ying Tsai (1928-2013); o escritor norte-americano e curador
independente Willoughby Sharp (1936-2008), cofundador da Avalanche - uma revista de arte
editada por Liza Béar, cineasta, escritora, fotógrafa e ativista radicada em Nova York; o artista
norte-americano e crítico de arte do Village Voice , John Perreault (1937-2015); e o artista
minimalista norte-americano Carl Andre. O grupo reunia artistas, cineastas, escritores, críticos
e funcionários de museus com o objetivo de reivindicar reformas emergenciais nas políticas
institucionais das instituições culturais, tendo o MoMA como principal foco. Dentre os
questionamentos, estavam a ausência de artistas mulheres e artistas negros, mais abertura
das políticas de aquisição e seleção de obras e artistas etc.
BARBARA KRUGER
Formada em design gráfico, trabalhou em revistas que a aproximaram dos tipos, das fontes,
dos textos, das imagens e das colagens. Quando diagramou a capa do livro Beyond
recognition: representation, power, and culture , de Craig Owens (1950-1990), amigo crítico de
arte e ativista, percebeu-se criando mais como artista do que designer, embora as duas
práticas estejam muito interligadas. E foi dessa forma que iniciou uma série de trabalhos em
que combinou palavras e imagens. Porém, procurou alcançar outras escalas e, da dimensão
da revista impressa, foi para a parede da galeria, o outdoor , a fachada de prédios e, nas
palavras da artista, a uma “vida perpétua online”.
 
Fonte: Wikiart
 Figura 8. Untitled (your body is a battleground) , por Barbara Kruger (1989)
Grande parte da obra da artista norte-americana Barbara Kruger se concentra na comunicação.
Seu interesse está em apresentar mais perguntas do que respostas, tornar visível, pela
imagem ou pelo texto, a sua experiência com o mundo. Na História da Arte, sua obra estaria
enquadrada pelo o que nomeamos de arte conceitual, mas categorizações não dão conta da
natureza do seu trabalho porque estaríamos reduzindo as possibilidades de significado e
sentido.
Kruger criou um padrão de composição em que utiliza a fonte Futura Bold Oblique branca
para a grafia das palavras e frases, geralmente, inserida em uma caixa de texto vermelha
sobre uma imagem preta e branca. Embora suas obras encontrem uma verossimilhança com
seu trabalho de design, diferenciam-se no significado. Não são peças publicitárias, mesmo
buscando essa aparência. As imagens são criteriosamente selecionadas a fim de propor um
sentido assim como o texto. São imagens visuais e textuais que se complementam, ampliam e
ofertam múltiplas possibilidades de leitura e interpretação.
 
Fonte: Wikiart
 Figura 9. Untitled (We don't need another hero) , por Barbara Kruger (1986)
As obras Your gaze hits the side of my face , 1981 (Seu olhar atinge o lado do meu rosto);
Know nothing, Believe anything, Forget everything , 1984 (Não saiba nada, acredite em
qualquer coisa, esqueça tudo); We don’t need another hero , 1987 (Não precisamos de outro
herói); The future belongs to those who can see it , 1997 (O futuro pertence a quem pode vê-
lo); Blind idealism is deadly , 2010 (Idealismo cego é mortal); Half life , 2015 (Meia vida) e a
mais reconhecida I shop therefore I am , 1990 (Eu compro, logo existo) constituem seu “léxico”
de mensagens que podem ser lidas como ironias, sátiras ou apenas uma alerta para os idiotas:
Don’t be a jerk , 1996.
Diversos trabalhos mantêm a presença do olhar nas imagens, voltado para o espectador, que
ora nos interrogam, ora nos alertam ou nos provocam a reflexão, pois passa pela intenção do
artista comunicar diretamente àquele que se atenta à mensagem colocada, afinal, percepção
requer atenção.
Kruger discute também o status da imagem e do texto, e de que modo a mensagem é
combinada pelo público do museu, ou da galeria, ou por aquele transeunte que passa e olha
para a imagem estampada em um outdoor . Há uma dimensão do público e do privado no
âmbito da mensagem, pois as obras animam debates públicos sobre o feminismo, racismo, as
questões de gênero e, enfaticamente, toda a estrutura capitalista que permeia as sociedades
de consumo.
 
Fonte: Wikiart
 Figura 10. Untitled (Questions) , por Barbara Kruger (1991)
GORDON MATTA-CLARK
 
Fonte: CCA
 Figura 11. Splitting , por Gordon Matta-Clark (1974), Coleção do Centro Canadense de
Arquitetura
Continuamos o debate sobre escala, na obra do artista e arquiteto norte-americano Gordon
Matta-Clark (1943-1978). Filho de pintores, Roberto Matta (1911-2002) e Anne Clark, concebeu
uma “anarquitetura” com a série Building cuts , na década de 1970, realizando literalmente
cortes em edifícios e construções que se encontravam abandonadas transformando, por vezes,
esses lugares em espaços de circulação e exposição.
Nomeamos a natureza do trabalho de Matta-Clark de site specific , que é determinado pela
criação de algo em um ambiente ou local específico. Geralmente, são trabalhos que envolvem
um projeto e dialogam com o território ou entorno. O termo site specific é análogo ao conceito
de arte ambiente - que incorpora ou intervém no local onde está sendo realizada -, e que se
relaciona também com a Land art , tendo Robert Smithson (1938-1973) como um dos grandes
protagonistas desta linguagem, que marca uma conexão mais direta com os lugares naturais.
 
Fonte: CCA
 Figura 12. Conical Intersect , por Gordon Matta-Clark (1975), Coleção do Centro
Canadense de Arquitetura
Seu trabalho também acentua uma crítica e uma problematização dos contrastes sociais
presentes na cidade de Nova York, na década de 1970, onde alguns bairros se encontravam
em extrema degradação. Matta-Clark fez com que as suas intervenções chamassem a atenção
para os processos de desindustrialização da cidade de Nova York, no pós-guerra, em que uma
série de áreas industriais, abandonadas na área histórica da beira-mar, servissem às suas
experimentações.
 
Fonte: eai.org
 Figura 13. Day's end , por Gordon Matta-Clark (1975), Coleção de Electronic Arts Intermix,
em Nova York
Matta-Clark escolhia lugares que geralmente estavam localizados em áreas disputadas e não
buscava autorização para desenvolver seus projetos. O caso da obra Day's end (Fim do dia),1975, gerou muitas polêmicas quando decidiu “recuperar” a atenção para um edifício industrial,
localizado no Pier 52, erguido com aço e metal no século XIX e abandonado àquele momento.
O artista removeu várias partes do telhado e das paredes alterando a incidência de luz que
refletia no interior daquela estrutura monumental, além de revitalizar uma área até então
esquecida pela cidade. Imagine esse tipo de intervenção em todas as áreas portuárias do
Brasil que também se encontram abandonadas!
Para não sofrer processos que culminassem em sua prisão, acaba migrando para Paris. Ao
chegar à cidade, é convidado pela 9ª Bienal de Paris, organizada por Georges Boudaille (1925-
1991) e Jean-Hubert Martin (1944), curador do Musée National d’Art Moderne a desenvolver
um projeto da série Building cuts . Inicialmente, propôs realizar um corte na obra controversa
do Centre Georges Pompidou que estava a demolir uma série de estruturas antigas no seu
entorno para a construção da sua moderna edificação, isto é, a mesma contradição entre o que
se constrói e destrói no âmbito do patrimônio público. Porém, não houve acordo com a
organização da bienal. No lugar do edifício, em construção, foi sugerido intervir em duas casas
que já estavam à espera da demolição para dar lugar a um estacionamento.
KARA WALKER
 
Fonte: karawalkerstudio.com
 Fonte de águas esculpida por Kara Walker no interior do Tate Modern, em Londres
 
Fonte: karawalkerstudio.com
 Fonte de águas esculpida por Kara Walker no interior do Tate Modern, em Londres
A linguagem artística de Kara Walker parte de diversos meios como papel, pintura, vídeos,
performances para narrar situações nas quais os assuntos de raça, gênero, sexualidade e
violência são colocados em evidência. A instalação An historical romance of a civil war as it
occurred b'tween the dusky thighs of one young negress and her heart (1994) marca uma
série de obras em que utiliza o recorte de silhuetas para expor a narrativa histórica da
escravidão, dos estereótipos raciais e sexuais que demarcam as imagens de homens e
mulheres negras.
 Figura 14. Gone: An Historical Romance of a Civil War as It Occurred b'tween the Dusky
Thighs of One Young Negress and Her Heart , por Kara Walker (1994)
Essa instalação foi composta por um mural de 15 metros com cenas do sul dos EUA antes da
guerra civil. A história que ela defende é de falar sobre a “mitologia americana”, envolvendo
raça, escravidão - uma construção sadomasoquista que fundamenta a narrativa da história
norte-americana.
Esse trabalho recebeu diversas críticas, no período que foi exposto, pelo fato de a artista ter
criado “personagens” que reforçam estereótipos. No entanto, Walker, com 26 anos, posicionou-
se como uma jovem artista negra que assistiu a diversos clássicos, como E o vento levou , em
que diz ter sido bombardeada desde a infância com o reforço, justamente, da massificação
desses estereótipos.
Seu trabalho nos lembra, a todo o momento, a desigualdade racial e social que forma a história
dos Estados Unidos. Há um misto de realidade e ficcionalidade nos seus trabalhos reforçando
o pensamento estético, plástico e conceitual da artista no que se refere à sua tomada de
posição como mulher negra afro-americana. A construção da sua subjetividade permeia sua
obra e passa por diferentes realidades: aquela que consta nos livros, filmes e aquela que vive
diariamente.
Walker se autoquestiona: “Como você faz representações do seu mundo, dado o que você
recebeu?”, ou seja, como representar um mundo que rejeita o protagonismo, a presença, a
marca histórica de mulheres e homens negros? Assim como no Brasil, sabemos que o racismo
nos Estados Unidos foi (e ainda é) um dos mais violentos e segregadores da história. As
demarcações colored only e white only delimitavam o que e onde as pessoas negras e
brancas podiam usar ou ficar. Verificaremos, no módulo sobre a produção artística brasileira, a
emergência dessa discussão no campo da arte contemporânea.
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
Por que a presença da marginalização tão forte, na arte contemporânea norte-americana, foi-
nos apresentada? De certa forma, porque está na busca, em nosso entendimento social das
novas representações da arte.
Você continuará vendo espaços da arte se consolidando para além do discurso hegemônico,
não a reprodução da linha mais academicista, mas sim suas variações, suas formas de reler o
mundo.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. A ARTE CONTEMPORÂNEA BUSCA DEMONSTRAR FORMAS
DIVERSAS DE VER E ENTENDER O MUNDO, AUTORES COMO GORDON
MATTA-CLARK, JASPER JOHNS E KARA WALKER AJUDAM A
REPENSAR O CONHECIMENTO E AS FORMAS SOBRE A ARTE
ESTADUNIDENSE. 
SÃO CARACTERÍSTICAS PRESENTES NA ARTE CONTEMPORÂNEA
FEITA NOS ESTADOS UNIDOS: 
I – A ASSOCIAÇÃO A UM OBJETO COTIDIANO RECONHECIDO. 
II – O USO DE MATERIAIS E TÉCNICAS NÃO TRADICIONAIS. 
III – A ÊNFASE A UMA COMPOSIÇÃO ANTIFORMA, OU SEJA, CRIADA A
PARTIR DE AUSÊNCIA DE PADRÃO DE CORES, LINHAS E FORMAS. 
ESTÃO CORRETAS AS ALTERNATIVAS:
A) Apenas I e II
B) Apenas I e III
C) Apenas II e III
D) Apenas I
E) Apenas II
2. A OBRA MOMA POOL, DE HANS HAACKE, A SÉRIE BUILDING CUTS,
DE GORDON MATTA-CLARK E A COMBINAÇÃO DE IMAGENS E
PALAVRAS (I SHOP THEREFORE I AM) DE BARBARA KRUGER
CONVERGEM PARA UMA CRÍTICA ESPECÍFICA AO SISTEMA DA ARTE.
INDIQUE A ALTERNATIVA QUE APONTA ESSE CONSENSO:
A) A propósito da reinvenção da arte norte-americana diante das revoluções modernas de uma
prática artística europeia investida na formulação de novos meios de se apresentar a arte e a
vida.
B) Diante da realidade norte-americana como lugar de produção de criticidade e criação do
próprio campo da arte.
C) Sobre a cidade de Nova York, de atmosfera cosmopolita, como o novo epicentro cultural do
mundo, de pujante consciência política, econômica e artística.
D) A respeito da associação das políticas governamentais aos programas institucionais dos
museus, galerias, bienais alinhadas a uma lógica capitalista de produção e consumo em
massa.
E) Acerca da posição de central da produção artística dos Estados Unidos no cenário
internacional.
GABARITO
1. A arte contemporânea busca demonstrar formas diversas de ver e entender o mundo,
autores como Gordon Matta-Clark, Jasper Johns e Kara Walker ajudam a repensar o
conhecimento e as formas sobre a arte estadunidense. 
São características presentes na arte contemporânea feita nos Estados Unidos: 
I – a associação a um objeto cotidiano reconhecido. 
II – o uso de materiais e técnicas não tradicionais. 
III – a ênfase a uma composição antiforma, ou seja, criada a partir de ausência de padrão
de cores, linhas e formas. 
Estão corretas as alternativas:
A alternativa "A " está correta.
 
A resposta certa é I e II, afinal as variações da arte contemporânea, mesmo críticas, não
representam uma negativa da forma; como podemos ver na Flag , de Jasper Johns, é a única
obra composta por um objeto criado pelo próprio artista, pautado na representação.
2. A obra MoMA pool, de Hans Haacke, a série Building cuts, de Gordon Matta-Clark e a
combinação de imagens e palavras (I shop therefore I am) de Barbara Kruger convergem
para uma crítica específica ao sistema da arte. Indique a alternativa que aponta esse
consenso:
A alternativa "D " está correta.
 
MoMA pool, de Haacke, produz uma crítica direta ao caso de Nelson Rockefeller, empresário
norte-americano que foi vice-presidente dos Estados Unidos, governador de Nova York e,
também, presidente do Museu de Arte Moderna de Nova York; Building cuts, de Gordon Matta-
Clark, destaca os processos de desindustrialização da cidade de Nova York, no pós-guerra, em
que um série de áreas industrias foram abandonadas, e a obra de Barbara Kruger enfatiza,
através dos meios visuais e textuais, a estrutura capitalista que permeia as sociedades de
consumo.
MÓDULO 2
 Reconhecer a produção recente da arte brasileira contemporânea
ARTE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA
 
Fonte: Wikiart
 Figura 15. Grand Nucleus, por Hélio Oiticica (1966)
O experimentalismo das décadas de 1960/1970 reverbera intensamente na produção artística
da virada do século XX para o XXI com os nomes de Hélio Oiticica (1937-1980), Lygia Clark
(1920-1988), Lygia Pape (1927-2004), Rubens Gerchman (1942-2008), Antonio Dias (1944-
2018), Carlos Vergara, Nelson Leirner (1932-2020), Anna Bella Geiger, Arthur Barrio, Anna
Maria Maiolino, Cildo Meireles, cujas obras se libertaram de uma formalidade estética
estabelecendo uma relação mais direta com a vida. A relação do espectador com a arte sai de
um rigoroso estado de observação e contemplação que perdurou alguns séculos, passando a
integrá-lo no corpo da obra, transformando-o em um participador.
A década de 1970 é um marco histórico na produção artística brasileira contemporânea, pois
vemos a inclusão de outros suportes e outras experiências visuais com a inserção das mídias
tecnológicas, das performances e dos happenings que redefiniram o mundo da arte; e isso
inclui como reflexão a finalidade da arte e o papel ético do artista nesse processo de
aproximação com a vida diária. Foi uma fase marcada por experimentações perceptivas,
sensoriais, materiais, conceituais e, também políticas com os impactos gerados no período da
ditadura militar.
 
Fonte: moma.org
 Figura 16. Óculos , por Lygia Clark (1968)
Importa notar também que é nesse momento que se discute a “desmaterialização” do objeto de
arte, ou seja, uma reflexão profunda sobre os modelos institucionais de arte, a relação entre
produção, circulação e consumo vinculado a um mercado de arte, a natureza da própria
proposição artística que não se limita mais à criação de algo material, concreto.

O CONCEITO DE ANTIARTE, ENTÃO VIGENTE,
EXPUNHA AS CONTRADIÇÕES DO SISTEMA
ARTÍSTICO E SUAS ESTRATÉGIAS FETICHISTAS, MAS
TENTAVA QUESTIONÁ-LAS A PARTIR DAS
TRANSFORMAÇÕES PROFUNDAS NOS PRÓPRIOS
PROCESSOS DA ARTE COMO LINGUAGEM. DAÍ TER
HAVIDO MUDANÇAS TÃO RADICAS NO PERFIL DESSE
NOVO OBJETO, ‘DESCONSTRUÍDO’, EFÊMERO,
PRECÁRIO, DISFORME, E ÀS VEZES MESMO
INVISÍVEL.
(CANONGIA, 2005)
Posto isso, elegemos para este módulo quatro artistas nascidos nesses períodos de
experimentações e que iniciaram sua prática artística por volta da década de 1990, cuja obra
absorveu o legado das inovações das gerações anteriores e estabeleceu mais foco na própria
historiografia cultural, social e política brasileira cada vez mais integrada aos seus projetos.
BERNA REALE (BELÉM, PA)
 
Fonte: nararoesler.art
 Figura 17. Número Repetido #1, performance de Berta Reale (2012)
Reale inicia seu percurso investigando os arquivos fotográficos do Instituto de Criminalística
para fotografar as vísceras humanas (mediante autorização do próprio Instituto), com o objetivo
de justapor as vísceras humanas a dos animais dentro do mercado de carne que, na
perspectiva da artista, é símbolo de “fartura e miséria” na cidade de Belém. No entanto, Reale
se depara com a história dos corpos que se encontravam na perícia e acaba se interessando
mais pelas narrativas do que pela própria materialidade do corpo em si.
Foi nesse período que ingressou como perita criminalística da polícia que, na ocasião,
encontrava-se com um processo seletivo aberto. Portanto, sua atividade como artista é anterior
à sua atividade de perita, mas foi justamente quando entrou na polícia que compreendeu a
performática como sua linguagem artística.
Nas palavras da artista:

AS PESSOAS PENSAM QUE A PRÁTICA COM A CENA
DO CRIME TE DEIXA FRIA, QUANDO NA REALIDADE,
TE DEIXA MAIS SENSÍVEL. [...] MAS NO MUNDO DA
SEGURANÇA PÚBLICA, DA POLÍCIA, TU LIDAS COM A
CRUEZA DA VIDA. E É IMPOSSÍVEL NÃO SE
SENSIBILIZAR COM AQUILO. [...] EU CONHECI A
MISÉRIA NÃO FOI LENDO NEM VENDO UMA
FOTOGRAFIA NEM VENDO UM FILME. EU CONHECI A
MISÉRIA FAZENDO PERÍCIA.
(ROSSI, 2017)
 
Fonte: nararoesler.art
 Figura 18. Sem título/Limite zero, performance de Berta Reale (2011)
Seguindo nessa mesma linha crítica, a respeito da violência urbana, é a performance Sem
título/Limite zero (2011) em que as mãos e os pés da artista são amarrados a uma barra de
ferro e o seu corpo pendente é levado por dois homens vestidos de branco que ora podemos
considerá-los como técnicos de enfermagem ora como funcionários de um frigorífico. Nessa
performance , a artista fotografa e filma o primeiro percurso na cidade, onde enfrenta o
estranhamento e o interesse das pessoas ao observá-la naquelas condições. Reale costuma
dizer que não se interessa por performances em ambientes fechados, artísticos, mas em
lugares onde as pessoas comuns possam entrar em contato com o seu trabalho.
 
Fonte: nararoesler.art
 Figura 19. Palomo , performance de Berta Reale (2012)
Em sua performance chamada Palomo (2012), trata do silenciamento da ditadura, mas
também de uma violência silenciosa permanente provocada pelos abusos do poder
institucionalizado. A artista utilizou um cavalo da própria polícia e tingiu seu pelo de vermelho
(com uma tinta apropriada) e cavalgou pela cidade ao amanhecer, fardada com uma espécie
de focinheira atada à sua boca. Ao contrário das outras performances em que o registro foi
fotográfico, esta é apresentada em vídeo.
Na descrição da obra, o título se refere ao Cavaleiro do Cavalo Vermelho, um dos quatro
Cavaleiros do Apocalipse, símbolo da guerra, descrito nesse que é um dos mais conhecidos
livros da Bíblia. O título da obra complementa e reforça seu sentido: palomo , substantivo que,
em espanhol, significa “pombo”; é o nome da cavalgadura utilizada pela artista, um cavalo
emprestado da polícia militar cuja cor original é o branco.

A OBRA EVIDENCIA ASSIM A INVERSÃO DO
CONCEITO DE PAZ E SEGURANÇA QUE PERMEIA
DETERMINADAS INSTITUIÇÕES DE PODER.
(REALE, 2015)
AYRSON HERÁCLITO (MACAÚBAS, BA)
Ayrson Heráclito é um artista multifacetado com produções de artes diversas e um importante
nome da arte contemporânea brasileira. Uma de suas obras emblemáticas é Barrueco (2004),
uma obra que utiliza a definição inicial do termo barroco como barrueco - terminologia
hispânica corrente entre os joalheiros quando se deparavam com uma pérola irregular -, que a
História da Arte se apropriou para diferenciar a produção artística do século XVII dos códigos
estéticos da Renascença italiana.
 
Fonte: Portas Vilaseca
 Figura 20. Barrueco Colar, da série Sangue Vegetal (2005), por Ayrson Heráclito
Interessa ao artista falar de uma beleza que se distancia dos ideais clássicos, logo que se
mostra impura. Essa beleza toca nos processos criminosos de exploração e escravização dos
corpos negros. Idealizada e produzida junto a Danillo Barata, o vídeo é composto por uma série
de imagens entremeadas pela poesia Divisor , de Mira Albuquerque, ao som da canção Black
is the color (of my true love’s hair) interpretada por Nina Simone (1933-2003).
 
Fonte: Portas Vilaseca
 Figura 21. Banho de Yaô, da série Banhistas (2007), por Ayrson Heráclito
No vídeo, a imagem de um homem negro, suas mãos mergulhadas em uma espécie de mar
feito da cor do óleo de dendê que alude ao Atlântico; a pintura Navio negreiro (1840)
(escravos lançando os mortos e moribundos ao mar, tufão se aproximando), de William Turner
(1775-1951); e os versos da poesia (“Eu sou vítima do terrível crime da
escravidão/Mergulhamos num flagelo Atlântico/Desde então estamos todos assentados no
fundo do oceano”), contornaram uma reflexão crítica e profunda da dor, do sofrimento, da
memória pessoal e histórica da formação da negritude brasileira. Transmutação da carne
(2005) e Sangue, sêmen e saliva (2005) são duas videoinstalações que continuam as
reflexões do artista sobre a escravidão.
A primeira obra foi fruto de uma performance com quatro artistas baianos, na cidade de
Koblenz (Alemanha), vestidos com um traje composto de carne de sol e charque. Cada traje foi
marcado a fogo com uma ferramenta de metal, assim como ocorriam com as pessoas negras
escravizadas até o século XIX, no Brasil, marcados como umaheresia do discurso cristão.
As ditas heresias detalham alguns dos horrores praticados contra os negros pelo mestre, ao
tempo em que os performers caminham sobre brasas ardentes, recriam a prática de
marcação da pele com ferro quente ou assam um corpo envolvido em carne seca. A ação
silenciosa reproduz um pequeno, mas eloquente “gado humano” que, além de exacerbar a
memória histórica dos cruéis procedimentos, remete para formas atuais de escravidão nas
quais outros corpos, materializados pelas roupas de carne, são também negociados ou
ultrajados, desde a prostituição até a venda de órgãos.
Em Sangue, sêmen e saliva , combina-se imagens do óleo de dendê junto ao som de sua
fervura. Nas imagens, o óleo borbulha enquanto partes do corpo de um homem negro
aparecem sobrepostas às imagens. A cor do óleo de dendê, por vezes, mistura-se aos tons de
pele, e a textura do “óleo se metamorfoseia em motor da sobrevivência do negro e de sua
cultura. Torna-se fluido vital que permite a perpetuação da vida”, reforça Heráclito.
 
Fonte: Portas Vilaseca
 Figura 22. Detalhe de Sangue, Sêmen e Saliva, por Ayrson Heráclito (2005)
A obra de Heráclito se apresenta em instalações, performances , imagens fotográficas,
videoinstalações e traz referências da cultura afro-brasileira e, especialmente, das questões da
diáspora africana na América em decorrência de uma longa colonização dos corpos, da cultura,
da identidade e subjetividade da pessoa negra; ao mesmo tempo, fala de religiosidade, das
práticas ritualísticas, dos processos de cura e transmutação da matéria.
 
Fonte: Portas Vilaseca
 Figura 23. Feijoada de Ogum - feijão e colar , por Ayrson Heráclito (2014)
A série fotográfica Bori (2009), assim como Buruburu (2010), refere-se às oferendas aos
Orixás e que também remete à transformação da matéria, como fonte de energia, que limpa
vigorosamente corpo e alma. Sobre a relação tênue entre arte e religião, o artista comenta:

E ESSE CAMINHO RELIGIOSO FOI PARALELO À
MINHA TRAJETÓRIA ARTÍSTICA. EU ME CONSIDERO
UMA ESPÉCIE DE TRADUTOR DESSE UNIVERSO DO
SAGRADO. TRADUTOR NO SENTIDO DE ALGUÉM QUE
APROXIMA AS PESSOAS DE OUTRO UNIVERSO,
TORNANDO AQUILO PÚBLICO PARA OS NÃO
INICIADOS. EU VENHO ME INSPIRANDO MUITO EM
ARTISTAS QUE TÊM ESSA RELAÇÃO COM O
SAGRADO, COMO, POR EXEMPLO, O MESTRE DIDI
AQUI NA BAHIA, QUE É UM ARTISTA E SACERDOTE
RELIGIOSO.
(TESSITORE, 2018)
WALMOR CORRÊA (PORTO ALEGRE, RS)
 
Fonte: Walmor Corrêa
 Figura 24. Adspectus Lateris , da série Natureza Perversa, por Walmor Corrêa (2003)
A obra de Walmor Corrêa também parte de arquivos e da relação que estabelecemos com a
memória, mas por outro ângulo. Quando nos deparamos com as obras do artista, as
lembranças dos museus de história natural, das feiras de Ciência, dos laboratórios de Biologia
vêm logo à tona.
Seus desenhos rememoram a tradição da ilustração científica que estabelece uma
correspondência entre Arte e Ciência. Na ilustração científica, os desenhos de animais e
plantas são realizados com riqueza de detalhes, por vezes, mais esquemáticos a fim de
oferecer ao pesquisador mais recursos para compreender determinada estrutura que está
sendo analisada.
A associação desse tipo de desenho mais técnico à obra do artista não é apenas por conter
uma verossimilhança aos métodos empregados para realizar tais ilustrações, mas da prática de
observar a natureza e desenhá-la em detalhes para remontar a sua infância. Segundo Maria
Amélia Bulhões (2002) “seu severo pai o levava ao campo, nos fins de semana, para classificar
insetos; recordações que se acumularam com as viagens feitas a locais agrestes, bem como
com as leituras de manuais e compêndios de ciências naturais. Sua postura cientificista, no
entanto, se esgota em tais métodos de trabalho, pois sua imaginação se desprende da
realidade objetiva para percorrer os ilimitados espaços da criação.”
 
Fonte: Walmor Corrêa
 Figura 25. Diorama cartesiano II , por Walmor Corrêa (2002)
Surpreendemo-nos diante do Diorama cartesiano II (2002), no qual vemos animais que
reconhecemos da nossa fauna brasileira, porém, anatomicamente modificados. Sua habilidade
técnica do grafite, da aquarela se distancia dos imperativos canônicos dos meios artísticos
peculiares da cena contemporânea, pois lida com uma prática secular: o desenho. E mais,
produz um desenho, que, embora suas formas se apresentem metamorfoseadas, híbridas,
absurdas, é extremamente naturalista. O que gera mais desconfiança da crítica de arte
dominada por enquadramentos estéticos e conceituais do que é validado ou não como arte
contemporânea.
É nesse ponto que a linguagem artística de Corrêa começa a ganhar contorno, pois à primeira
vista seus desenhos remetem àquelas ilustrações encontradas em enciclopédias, porém ao
determos o nosso olhar por mais tempo, perceberemos que se trata de uma pesquisa profunda
das espécies que existiram, que existem e que poderiam existir em uma dimensão imaginária,
mitológica ou da cultura popular. O Atlas anatômico (2008) é um exemplo dessa pesquisa, e é
composto por cinco animais ou personagens do imaginário brasileiro, investigando a sua
estrutura corporal: Ondina; uma sereia; o Capelobo; o Curupira e o Ipupiara.
 
Fonte: Walmor Corrêa
 Figura 26. Ipupiara , por Walmor Corrêa, da série Memento Mori (2007)
 
Fonte: Walmor Corrêa
 Figura 27. Carneiro , por Walmor Corrêa, da série Híbridos (2011)
A obra de Corrêa não trata apenas de desenhos imaginários, fantasiosos, frutos de uma mente
criativa. Mesmo que consideremos aquelas criaturas não reais, essas formas híbridas não são
impossíveis de serem produzidas dado o desenvolvimento científico aplicado aos processos de
mutações genéticas que interferem nas estruturas dos organismos.
DENILSON BANIWA (BARCELOS, AM)
 
Fonte: pipaprize.com
 Figura 28. Curumim (guardião da memória) , Denilson Baniwa (2018)
Concluímos este modulo com um artista mais jovem, porém com uma obra que já cria
ressonâncias importantes no campo da arte contemporânea brasileira. Primeiro por ser um
artista indígena da etnia Baniwa. Segundo porque suas pinturas refletem a sua migração para
a cidade como indígena, cuja experiência entre esses “dois mundos”, indígena e não indígena,
apresenta-se na sua pesquisa pictórica. Para Baniwa, esses mundos não se colocam de forma
antagônica, mas procura pensar criticamente sobre o que é complemento e o que é contraste
nesse relacionamento.
A obra de Baniwa, assim como de Ayrson Heráclito, toca nas consequências de um processo
longo de colonização, em que etnias indígenas vêm desaparecendo em um “modo contínuo”,
pois ainda se encontram em plena luta pelo direito à terra, à vida. Em Waferinaipe ou Os
antigos heróis do universo que abriram o umbigo do mundo (2018), marca a presença da
ancestralidade, da sabedoria dos antigos que permeia as práticas indígenas mesmo na
contemporaneidade. A manutenção de suas crenças, de seus rituais, mesmo em meio à
cidade, enfatiza uma estratégia política de tomada de posição diante dos constantes
silenciamentos impostos às etnias indígenas, sobretudo àquelas que expressam mais
resistência às situações de degradação da mata, da terra, das águas.
Baniwa conta que sua entrada no campo da arte contemporânea é recente, porém seu
entendimento de arte como um “pensamento visual e poético” já vinha sendo formulado por
compreender historicamente a diferença que ainda é bem marcada sobre a produção de arte
popular e a dita erudita, fruto das práticas dos meios acadêmicos. Seu compromisso é,
justamente, romper com esses enquadramentos e inserir as populações indígenas como
produtoras de visualidades que remontam a tempos mais remotos e que atualmente, ora são
categorizadas como artesanato, ora como arte no sistema artístico.
O artista destaca a importância da exposição Terra brasilis: o agro não é pop (2018), com
curadoria de Wallace de Deus e Pedro Gradella, no Centro de Artes da Universidade Federal
Fluminense (UFF), ondetraz à tona a problemática do agronegócio e dos impactos desse tipo
de prática na rotina das pessoas e sobretudo na vida, no território dos povos indígenas.
Segundo o release da exposição, a proposta de Baniwa também “celebra o papel daqueles
que, em seu entender, são os únicos que resistem à sua expansão: nossos povos originários;
nações e atores indígenas que não estão esquecidos em um passado idílico, mas inseridos no
mundo contemporâneo e se valendo das estratégias de luta que estão colocadas ao seu
alcance.”
 
Fonte: pipaprize.com
 Figura 29. O agro mata! , por Denilson Baniwa (2018)
Como artista e militante percebe que a arte pode contribuir para a afirmação desse lugar
político de reivindicação de direitos tão fundamentais e necessários a qualquer sobrevivência
humana, dos quais os indígenas, atualmente, estão sendo recorrentemente privados. Integra o
movimento indígena a fim de dialogar com instituições públicas governamentais, mas
reconhece que é por meio da arte que as suas reflexões podem chegar às pessoas comuns,
ativando seu estado sensível e crítico, que também precisam estar conscientes desse debate.
Assista agora ao vídeo Carne, dor e arte .
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. A DÉCADA DE 1970 É UM MARCO HISTÓRICO NA PRODUÇÃO
ARTÍSTICA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA, POIS VEMOS A INCLUSÃO
DE OUTROS SUPORTES E EXPERIÊNCIAS VISUAIS COM A INCLUSÃO
DAS MÍDIAS TECNOLÓGICAS, DAS PERFORMANCES E HAPPENINGS
QUE REDEFINIRAM O MUNDO DA ARTE. NO ENTANTO, ESSES NOVOS
MEIOS NÃO INVALIDAM OUTROS MODOS DE SE PRODUZIR ARTE NOS
ANOS 2000 PARTINDO, INCLUSIVE, DE REFERÊNCIAS DA CULTURA
POPULAR BRASILEIRA. QUAL OBRA E ARTISTA SÃO PRODUZIDOS COM
BASE EM UMA TRADIÇÃO ARTÍSTICA SECULAR E AO MESMO TEMPO
CONECTAM UM DEBATE ATUALIZADO DAS QUESTÕES ESPECÍFICAS
DA CONTEMPORANEIDADE?
A) Palomo (2012), de Berna Reale.
B) Cerimônia do adeus (1997/2003), de Rosangela Rennó.
C) Atlas anatômico (2008), de Walmor Corrêa.
D) Buruburu (2010) de Ayrson Heráclito.
E) Transmutação da carne (2005) de Ayrson Heráclito.
2. A ABORDAGEM DOS SISTEMAS PRISIONAIS ESTÃO PRESENTES NAS
OBRAS DE VÁRIOS ARTISTAS. NO ENTANTO, SABEMOS QUE, NO
BRASIL, O MODO COMO AS INSTITUIÇÕES COERCITIVAS E
DISCIPLINADORAS ATUAM É RESULTADO DE UM LONGO PROCESSO
DE COLONIZAÇÃO E EXPLORAÇÃO DOS CORPOS NEGROS E
INDÍGENAS. APONTE A ALTERNATIVA EM QUE A OBRA DO ARTISTA
TOCA EFETIVAMENTE NESSE PASSADO COLONIAL AINDA VIGENTE.
A) Barrueco (2004), de Ayrson Heráclito.
B) A série Cicatriz (1996-2003), de Rosangela Rennó.
C) Diorama cartesiano II (2002), de Walmor Corrêa.
D) Quando todos calam (2009), de Berna Reale.
E) Ipupiara (2007), de Walmor Corrêa.
GABARITO
1. A década de 1970 é um marco histórico na produção artística brasileira
contemporânea, pois vemos a inclusão de outros suportes e experiências visuais com a
inclusão das mídias tecnológicas, das performances e happenings que redefiniram o
mundo da arte. No entanto, esses novos meios não invalidam outros modos de se
produzir arte nos anos 2000 partindo, inclusive, de referências da cultura popular
brasileira. Qual obra e artista são produzidos com base em uma tradição artística secular
e ao mesmo tempo conectam um debate atualizado das questões específicas da
contemporaneidade?
A alternativa "C " está correta.
 
Atlas anatômico, de Walmor Corrêa, é a única obra desenvolvida a partir do desenho que
remonta uma produção artística secular. Todas as outras obras são resultados de
performances e instalações, meios artísticos demasiadamente contemporâneos.
2. A abordagem dos sistemas prisionais estão presentes nas obras de vários artistas. No
entanto, sabemos que, no Brasil, o modo como as instituições coercitivas e
disciplinadoras atuam é resultado de um longo processo de colonização e exploração
dos corpos negros e indígenas. Aponte a alternativa em que a obra do artista toca
efetivamente nesse passado colonial ainda vigente.
A alternativa "A " está correta.
 
Barrueco, de Ayrson Heráclito, é a única obra que trata diretamente do passado colonial, da
escravidão e do silenciamento dos corpos negros.
MÓDULO 3
 Compreender as especificidades de artistas asiáticos de arte contemporânea
ARTE CONTEMPORÂNEA ASIÁTICA
Assista agora ao vídeo Descobrindo a arte asiática .
Reunir a produção artística contemporânea asiática é um desafio, pois a Ásia é um continente
extenso em termos territoriais e populacionais. Com cerca de cinquenta países, o continente
possui uma diversidade cultural dividida por áreas: Ásia Central, Extremo Oriente, Norte da
Ásia, Oriente Médio, Sudeste Asiático e Sul da Ásia.
Para a seleção de artistas e obras, partimos do marco histórico do fim da Guerra Fria, em
1989, e os processos de globalização que desencadearam a criação da World Wide Web ,
logo, a possibilidade de estabelecer mais proximidade com um movimento artístico global.
Mesmo com o acesso às informações e a conexão com outros territórios por meio da
navegação online, ainda encontramos dificuldades em identificar fontes confiáveis sobre a
produção artística não hegemônica, ou seja, fora do eixo Europa-Estados Unidos.
Podemos considerar a construção de um “mundo sem fronteiras”, mas precisamos reconhecer
também a histórica diáspora asiática - judaica, mulçumana, a japonesa e a coreana, por
exemplo -, que assim como a africana, marca a história de diversos artistas e de seus
ancestrais que precisaram migrar dos seus países de origem por questões políticas, sociais,
culturais e econômicas em busca de refúgio.
As diferenças culturais são inúmeras, mas há questões que unem as práticas artísticas, como a
construção de identidade, a relação com o lugar, com a natureza, a ressignificação das
tradições como temas a serem emergencialmente discutidos pelos artistas asiáticos de
diferentes nacionalidades.
AI WEIWEI (CHINA)
 
Fonte: Faina Gurevich/Shutterstock
 Figura 30. Forever Bicycles , por Ai Weiwei, em exposição em Austin, Texas (2017)
A história do artista chinês Ai Weiwei começa pelo seu pai, Qing Ai (1910-1996), um dos
maiores poetas da China, e pela Revolução Cultural Chinesa, que ocorreu após a Revolução
Comunista (1949), conclamada por Mao Tsé-Tung (1893-1976), em 1966, e findada com a sua
morte. A revolução impactou a sua infância, obrigando sua família a se exilar na região do
deserto de Gobi (localizado no norte da República Popular da China e no sul da Mongólia),
sendo um período marcado por repressão, perseguição e censura aos artistas, escritores,
intelectuais.
Seu pai foi proibido de escrever por vinte anos e isso acaba o influenciando tempos depois a
praticar a escrita, transmitir suas ideias, sobretudo a respeito dos regimes autoritários em seu
blog . Suas ideias ofenderam o governo chinês e ele permaneceu detido por oitenta e um dias.
É atribuído ao seu olhar a ideia de que sua busca era elaborar sua ofensa com seu ativismo
político pela democracia e pelos direitos humanos. A questão dos direitos humanos, da
liberdade de expressão, da situação dos refugiados tomou sua atenção, não só como artista,
mas como ativista. Para Weiwei, a liberdade não está circunscrita a uma condição absoluta,
mas determinada por outras significações, pois está sempre se alterando no curso do tempo,
do lugar e dos interesses políticos. Na sua perspectiva, a liberdade é similar ao esforço, à luta
das pessoas que estão privadas dessa mínima condição. Não é algo que se dá, mas que se
conquista.
 
Fonte: EAFO/Shutterstock
 Figura 31. Moon Chest , por Ai Weiwei, em exibição no CCBB de Belo Horizonte, Minas
Gerais (2008)
Quando se envolve com a arquitetura, sua percepção quanto à escala se altera e, de algum
modo, interfere na própria execução de seu trabalho, que alcança uma dimensão mais ampla
do que aquela que se encontra nas salas brancas dos museus, das galerias, exposições.
Dropping a Han Dynasty urn (1995) (Soltando uma urna da dinastia Han) foi uma de suas
obras mais marcantes. Composta por três imagens fotográficas em preto e branco,onde na
primeira o artista aparece segurando um vaso de dois mil anos da Dinastia Han, a segunda
deixa o vaso cair de suas mãos e na terceira aparece estilhaçado no chão diante do artista. À
primeira vista, o gesto de Weiwei pode parecer destrutivo, mas ao contrário, sua intenção foi
continuar uma tradição chinesa de coletar vestígios materiais e transformar em arte. Além de
chamar a atenção para a este tipo de cultura material que tinha perdido toda a sua importância
como patrimônio.
 
Fonte: Nando Machado/Shutterstock
 Figura 32. Sunflower Seeds , por Ai Weiwei, no Tate Modern, em Londres (2010)
 
Fonte: Nando Machado/Shutterstock
 Figura 33. Detalhe da instalação
A instalação Kui hua zi: sunflower seeds (2008) também toca na questão da tradição cultural
ancestral da porcelana chinesa, mas também discute a simbologia do girassol na sua infância e
na propaganda com conotação otimista de Mao Tsé-Tung. Composta por cerca de cem
toneladas de sementes de girassol de porcelana e pintadas, uma por uma, à mão pela
população local de Jingdzhen - cidade reconhecida como a capital da porcelana -, a obra de
Weiwei aponta para uma reflexão sobre a conotação negativa da expressão “Fabricado na
China”, sobre a produção e o consumo em massa de mercadoria estrangeira e a perda de
individualidade do capitalismo.
CHIHARU SHIOTA (JAPÃO)
 
Fonte: Ned Snowman/Shutterstock
 Figura 34. Six Ships , por Chiharu Shiota, no inteior do Shopping Ginza Six, em Tokyo
(2019)
Shiota cresceu em uma família proprietária de uma manufatura que confeccionava cerca de mil
caixas de madeira por dia para transporte de peixes. Percebeu que sua família trabalhava com
máquinas e como máquinas. Reconheceu que não era daquela forma que gostaria de
trabalhar. Precisava de um ambiente mais criativo e, desse modo, compreendeu que queria
produzir de outra maneira: como artista. A princípio inicia pintando, mas percebe que estava
apenas fazendo arte pela arte e, nesse ponto, começa a refletir sobre a sua existência, sua
vida, suas memórias.
A relação com o tempo é apresentada pelo viés da memória, dos sonhos, da presença e
ausência dos corpos e do próprio sentido da vida, da existência. São instalações, pinturas,
desenhos, performances , fotografias que constituem o seu processo criativo.
A artista inicia seu percurso pela pintura na década de 1990, mas percebe que precisava
expandir sua linguagem do bidimensional para o tridimensional, para o espaço, para o corpo,
sendo atualmente reconhecida pelas obras em site specific .
Seus desenhos alcançam uma dimensão espacial. Transforma os fios em tramas. Há uma
dimensão artesanal da tecelagem muito presente no seu trabalho. Os fios parecem tecidos
aleatoriamente, mas não. Há uma lógica baseada nas triangulações que regem toda a
estrutura. O interessante é que o gesto repetitivo para construir a trama é inevitável e, de
algum modo, conecta-se com a sua experiência de infância ao crescer vendo seus pais
trabalharem em uma fábrica.
Becoming painting (1994) fala deste início. De expansão a partir da pintura, do gesto, da
relação do corpo com o próprio ato de pintar. A artista fala de um sonho em que fazia parte da
pintura, completamente integrada a ela. No momento em que começa a se movimentar, a
pintura ganha outro sentido. Após o sonho, compra uma tinta esmalte vermelha, tóxica para
pele, e cobre seu corpo e a ‘explode’ por todo o espaço expandindo o próprio sentido da
pintura.
As instalações Dreaming time (1999); After that (1999); My cousins’ faces (1998); I have
never seen my death (1997) tocam na ausência dos corpos pela presença dos sapatos, do
vestido coberto de lama e lavado na tentativa de limpar a memória da pele, dos seiscentos
rostos familiares estampados em fotografias preto e branca e dos crânios de bois, muitos deles
ainda carregados de sangue.
A cor vermelha é marca do seu trabalho. Presente pelo sequenciamento de fios que
extravasam dos objetos para o espaço, sua obra impressiona pela dimensão monumental de
algumas instalações, mas também chama a atenção para os pequeninos objetos instalados
sobre o chão, na forma de mobília, que lembram brinquedos de criança, mas que conectam
com o que a artista chama de pequenas memórias. O modo como maneja as diferentes
escalas é proposital, não apenas para nos conectar com o campo ilimitado da memória, cuja
lembrança atravessa paredes, lugares, sentidos, mas também de nos colocar diante do seu
valor simbólico.
Seu trabalho lida com perdas pessoais e tragédias históricas. Mas não está explícito. Não
pretende ser autobiográfico, muito menos factual, documental. A partir da sua obra podemos
criar conexões com o nosso passado, com as nossas lembranças, nossos medos e traumas. A
relação entre a vida e a morte é um tema a ser considerado, não como um ciclo biológico, mas
como inícios e fins narrativos.
Shiota, sobre a instalação Over the continents (2014), que reúne centenas de sapatos doados
pelo público japonês, lembra que quando vê um sapato são apenas sapatos, quando vê sua
linguagem são muito mais do que o cotidiano permite observar. Com os sapatos, a artista
solicitou notas que descrevessem a relação estabelecida com aquela peça. A reflexão é sobre
de onde partimos, para onde, possivelmente, nunca conseguiremos retornar, mas poderemos
lembrar, rememorar. E, especificamente, essa instalação fala da sua própria experiência, pois
migrou do Japão para a Alemanha e lá permaneceu por mais de dez anos. Quando retorna,
muitas sensações lhe são familiares, mas não se conectam com o que imaginava ou com o
que havia “guardado” na lembrança.
 
Fonte: Beketoff/Shutterstock
 Figura 35. Accumulation of Power , por Chiharu Shiota, na Igreja de Saint-Joseph du
Havre, na França (2017)
 
Fonte: Galerie Christophe Gaillard
 Figura 36. A Room of memory , por Chiharu Shiota, em exposição no 21st Century
Museum of Contemporary Art, em Kanazawa, Japão (2009)
Há uma dimensão no trabalho de Shiota do que é tangível e do que não é, pois mesmo diante
dos objetos que carregam, em sua materialidade, os desgastes do uso, é somente a partir da
lembrança (na narrativa) da memória que produzirá sentido. A memória dos sapatos contém
diversas interpretações. É um objeto que pertence a alguém e a algum lugar pelo fato de estar
conectado com o gesto do caminhar, da mudança, do percurso. É o que nos conduz de um
lugar a outro. Fala de geografias.
NAM JUNE PAIK (COREIA DO SUL)
 
Fonte: Dutchmen Photography/Shutterstock
 Figura 37. Cartaz da exposição de Nam June Paik no Stedelijk Museum de Amsterdã, na
Holanda (2020)
Quando pensamos na relação entre arte e tecnologia, o nome do artista Nam June Paik (1932-
2006) é sempre citado como uma das maiores referências no campo da arte. Desde a década
de 1960 até os anos 2000, desenvolveu uma linguagem que passa pela informação, pela
internet, videoarte, pela imagem eletrônica e, agora, podemos refletir com a sua obra o volume
de imagens digitais produzidas diariamente no ambiente virtual.
Paik nasceu em Seul, capital da Coreia do Sul, mas, em 1950, em decorrência da Guerra da
Coreia, sua família se refugiou em Hong Kong e depois Tóquio, onde se estabeleceu e iniciou
seus estudos em Musicologia. Continuou sua formação na Alemanha (Munique, Freiburg e
Colônia), por considerar o centro de atividade musical contemporânea, onde trabalhou em uma
estação de rádio. Lá, conhece os compositores Karlheinz Stockhausen (1928-2007), John
Cage (1912-1992), o artista Joseph Beuys (1921-1986), Yoko Ono, John Lennon (1940-1980) e
entra em contato com uma comunidade experimental chamada Fluxus, fundada por George
Maciunas (1931-1978), artista norte-americano de ascendência lituana.
 
Fonte: Wikimedia
 Figura 38. Autoestrada eletrônica , por Nam June Paik. Exibida no American Art Museum
(2011)
One for violin (1962) (Um para violino) foi uma performance que marcou sua presença no
mundo da arte. Durante o evento Fluxus Neo-Dadain der Musik , no Düsseldorfer
Kammerspiele, choca o público ao quebrar seu violino sobre uma mesa em um ambiente
completamente escuro. No ano seguinte, inova as artes visuais ao inserir, pela primeira vez,
aparelhos de televisão em uma mostra intitulada Exposition of music - electronic television ,
onde era possível visualizar pinturas eletrônicas.
 
Fonte: Wikimedia
 Figura 39. Cento e oito tormentos , por Nam June Paik (2008)
A televisão, àquele momento, era utilizada como meio artístico e, por esse motivo, Paik foi
considerado o pioneiro da videoarte e das novas mídias como possibilidade de criação. Desse
momento em diante, não para mais de criar. Entre a década de 1970 e os anos 2000,
desenvolve suas primeiras fitas de vídeo, sintetizadores, monitores em grande escala,
transmissão ao vivo via satélite com obras de arte, esculturas de vídeo, combinação de lasers
e tecnologia digital etc.
Robot K-456 é o primeiro trabalho de Paik na forma de robô e coproduzido junto a
engenheiros japoneses. Seu mecanismo foi desenvolvido com base em um sistema no qual
poderia ser manipulado por diversos canais. O nome do robô foi em homenagem ao Concerto
para piano nº 18 , cujo número do catálogo Köchel, inventário das obras de Wolfgang
Amadeus Mozart (1756-1791), é 456. O conjunto de habilidades da performance do robô
estava em andar pelas ruas, reproduzir um discurso de John F. Kennedy (1917-1963) e
excretar ervilhas. Em sua retrospectiva, no Whitney Museum of American Art (Nova York,
EUA), June Paik produz um “atropelamento” do robô por um carro enquanto atravessava uma
estrada, nomeando a performance de The first catastrophe of the 21st century , e propondo
uma reflexão sobre a humanização e a racionalidade das máquinas pela experiência da vida e
da morte.
Mas a sua obra não se restringia apenas à criação de tecnologias. Paik estava mais
interessado na “antitecnologia”, isto é, na arte como forma de crítica dos usos massificados da
própria tecnologia. As instalações À espera do século 22: uma presença virtual (1996), TV
buddha (1974), TV fish (1979), TV garden (1974-78) e TV moon (1976-1996) convergem
para esse ponto da sua crítica. As obras colocam a questão do estado de contemplação ou
inércia dos corpos diante de um aparelho de TV, da fusão entre realidade e ficção, da ironia
contida na mistura de televisores e plantas etc. A obra de Nam June Paik apontou para a
diminuição das fronteiras culturais com o uso das tecnologias.
 
Fonte: Gina Smith/Shutterstock
 Figura 40. Instalação composta de televisores, por Nam June Paik
O Tate Modern enumerou quatro pontos em que a obra do artista previu o modo como nos
relacionaríamos com a tecnologia digital:
TATE MODERN
O Tate Modern é o museu de arte moderna mais importante do Reino Unido e exibe
obras de grandes artistas como Picasso, Andy Warhol e Dalí.
Em 1974, propôs uma electronic superhighway utilizando satélites e cabos de fibra ótica
para criar conexões entre as cidades e poder realizar conferências entre pessoas em
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diferentes lugares. O objetivo era utilizar a internet para comunicação.
A inserção do vídeo como arte, a videoarte, comentada anteriormente.
Em 1980, escreveu um artigo intitulado How to make oil obsolete denunciando os
desastres ambientais causados pelas grandes indústrias e considerando que a tecnologia
e a natureza deveriam coexistir em harmonia.
Em 1973, previu a Global groove um canal de transmissão via satélite com justaposição
de imagens, cenas, vídeos da cultura pop.
SHILPA GUPTA (ÍNDIA)
 
Fonte: bepsy/Shutterstock
 Figura 41. Instalação de Shilpa Gupta exibida no pavilhão central durante a 58ª Exposição
Bienal Internacional de Arte de Veneza (2019)
O trabalho da artista indiana Shilpa Gupta se concentra nas questões de nacionalidade,
identidade, religião e história. Seus meios artísticos são plurais, faz uso da fotografia, do vídeo,
da instalação e escultura para criar reflexões potentes quanto à geopolítica do sul da Ásia, por
exemplo.
As tensões geradas em áreas de fronteira mobilizam uma série de trabalhos de Gupta. A obra
1188.5 miles of fenced border - West, North-West (2011) é apresentada com um novelo de
linha enrolado à mão com a seguinte inscrição em uma placa: “1188,5 milhas de borda vedada
- Oeste, Noroeste/Atualização de dados: 31 de dezembro de 2007.” Esses dados foram
extraídos de relatórios públicos e se referem ao cerco montado na fronteira da Índia com o
Paquistão. A forma desse novelo é de um ovoide, que está encerrado em uma vitrine e pode
nos remeter à ideia de começo, gênese, nascimento. E, de fato, esse aspecto simbólico marca
a área que, em 1947, deixou de ser domínio do Império Britânico e gerou dois países
independentes: a Índia e o Paquistão.
 
Fonte: creativecommons.org
 Figura 42. Threat , por Shilpa Gupta (2008-09)
 
Fonte: creativecommons.org
 Figura 43. Threat , por Shilpa Gupta (2008-09)
As tensões que permeiam esse território repercutem até os nossos dias e, em outras obras da
artista, como Threat (2008-2009). À primeira vista, o que se apresenta diante de nós é uma
parede de tijolos. Mas, ao nos aproximarmos da imagem, pelos recortes, reconhecemos peças
de sabão com a gravação threat em sua superfície. Uma “ameaça solúvel”, assim como as
demarcações das fronteiras que se apresentam instáveis diante dos interesses e domínios
políticos.
Nesse ponto, 100 hand drawn maps of my country (2008) respondem aos diferentes
contornos nacionais dados por pessoas quando são convidadas a desenhar o mapa do seu
país, de memória. Foram convidadas pessoas da cidade de Mumbai (índia), Cuenca (Equador),
Delme (França), Gwangju, Seul, Cheorwon (Coreia do Sul), Tel Aviv e Jerusalém (Israel),
Montreal (Canadá) e diferentes partes da Itália.
 RESUMINDO
A obra de Gupta percorre zonas intersticiais. O que isso quer dizer? A artista toca em questões
que se encontram geralmente nas brechas, nas fendas, na linha tênue e fronteiriça das
políticas ideológicas operadas pelos Estados-nação, pelos grupos étnico-religiosos, pelo o que
se considera legal ou ilegal, entre outras situações. Por meio de representações muito
próximas ao nosso cotidiano, debates que, algumas vezes, estão imperceptíveis, esquecidos e,
por vezes, apagados, não visibilizados.
 
Fonte: creativecommons.org
 Figura 44. Untitled , por Shilpa Gupta (2009)
A obra Untitled (2009), que esteve exposta na Bienal de Veneza, de 2019, não requer tantas
explicações, pois fala por si: um portão de ferro residencial - desses instalados para oferecer
mais (sensação de) proteção -, oscila de um lado para o outro provocando marcas, rachaduras,
fendas quando bate com certo impacto de cada lado da parede.
Há uma reflexão nessa instalação sobre as funções repressivas de segurança que ao mesmo
tempo recorrem a estratégias de proteção de um lado, provocam destruição do outro. Trata-se
de uma metáfora sobre o que comentamos há pouco sobre as tensões políticas, religiosas
perenes nas áreas de demarcações territoriais.
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
A proposta é que as chaves possam ser abertas sobre novas experimentações artísticas. A
Ásia é um grande ponto de influência de movimentos artísticos, mas o sentido é perceber como
esses espaços se pensam e se afirmam no mundo globalizado.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. A HISTÓRICA DIÁSPORA ASIÁTICA – JUDAICA, MULÇUMANA, A
JAPONESA E A COREANA, POR EXEMPLO –, ASSIM COMO A AFRICANA,
MARCA A HISTÓRIA DE DIVERSOS ARTISTAS E DE SEUS ANCESTRAIS,
QUE PRECISARAM MIGRAR DE SUAS CIDADES DE ORIGEM POR
QUESTÕES POLÍTICAS, SOCIAIS, CULTURAIS E ECONÔMICAS EM
BUSCA DE REFÚGIO. APONTE A ALTERNATIVA QUE INDICA O ARTISTA
QUE MAIS REFLETE, EM SUA OBRA, ESSES PROCESSOS DE
MIGRAÇÃO E REFÚGIO.
A) Shilpa Gupta
B) Chiharu Shiota
C) Ai Weiwei
D) Nam June Paik
E) Walmor Corrêa
2. A OBRA DA ARTISTA INDIANA SHILPA GUPTA PERCORRE ZONAS
INTERSTICIAIS. A ARTISTA TOCA EM QUESTÕES QUE SE ENCONTRAM
GERALMENTE NAS BRECHAS,NAS FENDAS, NA LINHA TÊNUE E
FRONTEIRIÇA DAS POLÍTICAS IDEOLÓGICAS OPERADAS PELOS
ESTADOS-NAÇÃO, PELOS GRUPOS ÉTNICO-RELIGIOSOS ETC. EM QUE
MEDIDA A OBRA DO ARTISTA SUL-COREANO, NAM JUNE PAIK,
TAMBÉM TOCA NESSA DIMENSÃO INTERSTICIAL DA RELAÇÃO ENTRE
ARTE E VIDA COTIDIANA?
A) No desenvolvimento de uma linguagem artística com base nas tecnologias eletrônicas.
B) No interesse pela “antitecnologia” como forma de crítica aos usos massificados da própria
tecnologia.
C) Da fusão entre realidade e ficção ao inserir a televisão como meio artístico.
D) Pela sua concepção visual surrealista e sua sensibilidade neodadaísta.
E) Pelo seu interesse em uma abordagem visual cubista e sua aplicação em colagens.
GABARITO
1. A histórica diáspora asiática – judaica, mulçumana, a japonesa e a coreana, por
exemplo –, assim como a africana, marca a história de diversos artistas e de seus
ancestrais, que precisaram migrar de suas cidades de origem por questões políticas,
sociais, culturais e econômicas em busca de refúgio. Aponte a alternativa que indica o
artista que mais reflete, em sua obra, esses processos de migração e refúgio.
A alternativa "C " está correta.
 
Ai Weiwei, desde a sua infância, precisou se exilar com sua família em decorrência da
Revolução Cultural Chinesa e, como artista, passou a atuar também como ativista político.
2. A obra da artista indiana Shilpa Gupta percorre zonas intersticiais. A artista toca em
questões que se encontram geralmente nas brechas, nas fendas, na linha tênue e
fronteiriça das políticas ideológicas operadas pelos Estados-nação, pelos grupos étnico-
religiosos etc. Em que medida a obra do artista sul-coreano, Nam June Paik, também
toca nessa dimensão intersticial da relação entre arte e vida cotidiana?
A alternativa "C " está correta.
 
Nam June Paik foi considerado o pioneiro da videoarte por causa da inclusão de um aparelho
de televisão como possibilidade de criação artística.
MÓDULO 4
 Identificar impactos históricos causados pela diáspora africana a partir de artistas e
obras que abordam de maneira crítica o processo de colonização e escravidão
ARTE CONTEMPORÂNEA AFRICANA
Assista agora ao vídeo A arte, a identidade e a luta em África .

TODO POVO COLONIZADO - ISTO É, TODO POVO NO
SEIO DO QUAL NASCEU UM COMPLEXO DE
INFERIORIDADE DEVIDO AO SEPULTAMENTO DE SUA
ORIGINALIDADE CULTURAL -, TOMA POSIÇÃO
DIANTE DA LINGUAGEM DA NAÇÃO CIVILIZADORA,
ISTO É, DA CULTURA METROPOLITANA.
Iniciamos este módulo com as palavras do psiquiatra, teórico martiniquês e militante das lutas
anticoloniais, Frantz Fanon (1925-1961), contidas no livro Pele negra, máscaras brancas
(2008), no qual dedica uma reflexão crítica e estrutural sobre as instituições coloniais e racistas
e os seus efeitos na formação da subjetividade de pessoas negras.
 
Fonte: Wikipedia
 Figura 45. Frantz Fanon
No primeiro capítulo, O negro e a linguagem , Fanon (2008) atribui ao fenômeno da linguagem
uma importância indispensável, pois afirma: uma vez que falar é existir absolutamente para
o outro.
Mesmo sabendo que o continente africano é extenso e constituído por diferentes grupos
sociais, partiremos da expressão “tomar posição” para guiar as nossas escolhas narrativas
sobre a produção artística contemporânea africana - que acentua o protagonismo da pessoa
negra na história, marcando as consequências de um longo período de escravização, violência
e apagamento de seus corpos -, mas também do seu protagonismo social, cultural e político na
história.
 
Fonte: Wikimedia
 Figura 46. Grada Kilomba
Em Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano (2019) a artista, escritora e
teórica portuguesa Grada Kilomba (2019) também percorre uma narrativa por meio dos
estudos da linguagem, fortalecendo a ideia de que a língua, por mais poética que possa ser,
tem também uma dimensão política de criar, fixar e perpetuar relações de poder e de
violência, pois cada palavra que usamos define o lugar de uma identidade.
Kilomba cria um conjunto de palavras para compreendermos de que modo maneja e atualiza
diferentes termos, conceitos, ao longo do seu livro. A palavra “negro ”, para a escritora, é
definida por várias derivações. Em inglês, Black com B maiúsculo corresponde ao “movimento
de consciencialização” das pessoas negras, não apenas em virtude da sua cor, mas, no seu
entendimento, como identidade política. A grafia em maiúscula também se refere às lutas
anticoloniais, de resistência e conquista de igualdade social.
NEGRO
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Esse termo, na língua portuguesa, afirma-se como um lugar político, mas também está,
na concepção de Kilomba (2019), intimamente ligado a uma história de violência e
desumanização. A palavra passou a ser um termo usado nas relações de poder entre a
Europa e a África e aplicada aos africanos para definir o seu lugar de subordinação e
inferioridade.
A partir daqui, apresentaremos a você os artistas e as obras que marcam um dos importantes
percursos de conscientização e revisão coletiva de uma história colonial que insiste em se
manter. As diferentes linguagens artísticas, desenvolvidas por cada artista, operam um
conjunto de enunciados do pensamento e da tomada de posição da pessoa negra que nasceu
ou vive no continente africano diante da sua condição humana, da sua negritude e da
afirmação política do seu lugar de fala (RIBEIRO, 2019).
IBRAHIM MAHAMA (GANA)
 
Fonte: Luca Ponti/Shutterstock
 Figura 47. A friend , instalação criada por Ibrahim Mahama exposta na Semana de Arte de
Milão, na Itália (2019)
Quem esteve em contato com a monumental instalação Non-orientable paradise lost
1667/2017 , do artista ganense Ibrahim Mahama - na exposição Ex-África, em 2018, no Centro
Cultural Banco do Brasil (RJ) -, permaneceu, no mínimo, alguns minutos observando,
absorvendo e procurando compreender os detalhes, os pormenores que constituíam a obra,
formada a partir de centenas de caixotes de madeira geralmente utilizados para transportar
produtos, mas também pelos engraxates como base para polir os sapatos, servindo de banco e
transporte das ferramentas.
Em meio aos caixotes empilhados, diversos objetos podem ser identificados, como fragmentos
de roupas, coisas amassadas, deterioradas, sacolas, revistas, jornais, sapatos, entre uma
infinidade de materiais que, à primeira vista, remetem-nos à própria imagem de devastação.
Mahama começa sua experiência com a arte pela pintura e escultura, na graduação, e logo
depois na pós-graduação, no mestrado e doutorado, na Universidade de Ciência e Tecnologia
Kwane Nkrumah, em Gana. O artista conta que o currículo ainda bem tradicional não desafiava
os alunos que se interessavam pela pintura a produzir algo fora da sua própria tradição. Mas
Dr. Kari Kacha Seidou, dentre outros professores, lideraram um movimento de renovação
curricular criando uma comunidade na universidade que pudesse pensar como uma nova
geração de artistas, e a expansão da definição da arte e da prática artística vinha ocorrendo.
A criação da Savannah Center for Contemporary Art (SCCA), em Tamale (Gana), é uma
iniciativa de Mahama; e combinava a essas inquietações sobre promover transformações na
cena de arte contemporânea em Gana com um espaço gerenciado por artistas de fomento à
pesquisa, exibição e residência artística.
A partir dos questionamentos sobre a prática da pintura e de uma viagem que realizou para
Burkina Faso, país localizado na África Ocidental, percebe que o trânsito de commodities nas
fronteiras é mais facilitado do que o de pessoas que, inclusive, produzem e operam a
circulação dessas mercadorias. Notou que um dos caminhões transportava produtos
embalados em uma espécie de juta e começou a observar com mais atenção a sua própria
materialidade, história e contradição nos processos de extração, produção e circulação de
produtos administrados por empresas estrangeiras em Gana.
 
Fonte: bepsy/Shutterstock
 Figura 48. Out of Bounds , instalação criada por IbrahimMahama exposta na 56ª Bienal de
Veneza (2015)
Mahama conta que, no final do século XIX, os britânicos construíram um extenso sistema
ferroviário para extrair commodities , como ouro, manganês e cacau. O artista olha para esse
mesmo sistema, em parte desativado, e observa o crescimento de plantas nas chaminés, no
lugar do processamento de carvão. Ao se perguntar o porquê, percebe as contradições dos
processos de colonização, desenvolvimento e exploração voltados para uma noção de
progresso que - se olhados bem de perto como plantas em chaminés desativadas, por exemplo
-, constata as inúmeras negligências ocorridas em decorrência de contínuos usos e desusos
dos lugares e das terras ganenses.
 
Fonte: adrastuscollection.org
 Figura 49. Kawokudi , instalação criada a partir de sacos de carvão por Ibrahim Mahama,
exposta em Accra, Gana (2014)
O artista realizou uma série fotográfica sobre lugares em que se apostou em um programa de
desenvolvimento econômico e que nunca foi concluído e logo abandonado. Reconhece,
especialmente nos edifícios abandonados, um estado de decadência, mas identifica vestígios
de outros tempos a fim de imaginar o sentido e a finalidade de quando foram construídos.
O período em que o artista retoma suas reflexões foi a década de 1960, com a posse vitalícia
de Kwame Nkrumah (1909-1972) - responsável pela independência de Gana, sendo o primeiro
país africano a ser libertado do domínio colonial britânico, em 1957 -, para a presidência e logo
sua deposição em decorrência de um golpe de Estado apoiado pelo Reino Unido.
Seu trabalho é marcado pela intensa relação do Ocidente com o território africano,
especialmente em Gana, com a presença de monumentais arquiteturas que funcionaram como
símbolos de dominação e exploração. Começa investigando a história dos espaços, dos
materiais e as diversas ressignificações da morte que permeiam esses lugares porque, na sua
perspectiva, outras formas de vida ou de pensar “brotam” desses contextos. Compreende que
a arte tem o papel de ativar a consciência do que se passa nos sistemas de produção e de
alterar o modo como experimentamos e intervimos no mundo, especialmente a população
local.
BILLIE ZANGEWA (MALAUI)
A malauiana Billie Zangewa nasceu em 1969 e reconhece, durante toda a década de 1970, um
período em que as mulheres lutaram pela igualdade de direitos. Rapidamente, compreendeu
que sua tomada de posição, como artista, seria trabalhar a partir do entendimento que vivia em
uma sociedade patriarcal, onde as mulheres ainda recebem um tratamento diferenciado,
pormenorizando seus potenciais. Vive atualmente em Johanesburgo e se sente inspirada pela
cidade considerada a maior da África do Sul.
 
Fonte: Wikimedia
 Figura 50. Cada mulher , por Billie Sanguewa, em exposição dedicada à artista pela
galeria Afro Nova em Joanesburgo, África do Sul (2017)
A artista inicia sua pesquisa visual do seu próprio encontro com a cidade. Cria paisagens
urbanas e cenas amorosas ou de “relacionamentos fracassados” a partir de retalhos de tecidos
até que decide investir seu trabalho na experiência pessoal, não mais mediada por relações ou
experiências externas.
 
Fonte: Autor/Shutterstock
 Figura 51. Midnight Aura , po Billie Zangewa (2012)
A obra da artista se concentra no trabalho têxtil, nas cenas domésticas ou, nas palavras dela,
no “feminismo diário”. Sua pintura destaca as atividades cotidianas que não são reconhecidas
ou apreciadas por serem realizadas no âmbito da casa, do espaço doméstico. Seu processo
criativo é investigar o interior dos espaços, pesquisar tecidos, diferentes materiais e colocar
determinação naquilo que pretende realizar.
The rebirth of the black Venus (2010) é um dos seus trabalhos mais icônicos, pois se
autorrepresenta nua sobre a cidade com gestos abertos, em movimento, seguros, sem a
intenção de encobrir alguma parte do seu corpo como ocorre com algumas representações de
Vênus. O nascimento do seu filho a inseriu nessa prática e consciência da cena doméstica
tanto na perspectiva pessoal como política.
Zangewa trabalha com cortes de seda crua, um tecido de fibra natural de origem animal, cuja
riqueza e sutileza da sua materialidade também é transposta para o seu trabalho, onde a
pretensão é desconstruir o “mito das vidas negras”, que na concepção da artista, é evidenciar
seu modo de vida apresentando-se como de todas as outras pessoas, especialmente de
mulheres negras que ainda são a camada mais marginalizada na sociedade.
Em Ma vie en rose (2015), a artista costura à mão seu universo íntimo, sua maternidade e
uma dimensão do feminino que, embora seja resultado da sua experiência particular, apresenta
uma cena universalmente reconhecida: uma mulher com uma criança em seus braços. Um
gesto secularmente representado pelos artistas ao tratar da natureza sagrada da madona e o
menino Jesus. Não é nesse viés de verossimilhança com os temas religiosos que Zangewa
deseja operar, mas na conexão em que pode estabelecer com outras mulheres que se
encontram solitárias nesse processo. É preciso perceber esse isolamento, uma das outras,
pensar coletivamente nos triunfos; a autora quer perceber, estimular essa conexão entre as
mulheres. Assim como na obra anterior, em Mother and child (2015) as composições não
estão acabadas. As bainhas não são concluídas, há recortes deixados propositadamente pela
artista que carece do olhar do espectador para completar a imagem.
Suas obras reúnem uma reflexão sobre o amor. A própria artista se intitula soldier of love , o
que inclusive nomeou sua última exposição, na qual o tecido é explorado em diferentes
conotações. Usamos tecidos para nos vestir, cobrir nossa cama, vedar a entrada de luz direta
das janelas, forrar a mesa do jantar, enfim, temos uma relação com o tecido que entremeia
nosso cotidiano, nossa vida íntima. É uma experiência tátil quando identificamos as diferentes
texturas que determinarão, inclusive, seu uso, sua finalidade. Seu trabalho, portanto, celebra
esse cotidiano representando-o com tecidos.
SOLDIER OF LOVE
Soldado do amor (em livre tradução).
Em entrevista ao site Slash-Paris (METAYER, 2020), nas palavras da artista:

HÁ UMA GUERRA ACONTECENDO POR AÍ.
OPRESSÃO, RACISMO, SEXISMO, PRECONCEITO,
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EXPLORAÇÃO, TRANSGRESSÕES DE DIVERSOS
TIPOS. É COMO SE A HUMANIDADE TIVESSE
ESQUECIDO COMO AMAR, E AQUELES QUE
COSTUMAVAM ACREDITAR SE TORNARAM
CANSADOS E CÉTICOS. [...] TAMBÉM ACREDITO QUE
QUANDO VOCÊ REALMENTE AMA A SI MESMO, VOCÊ
TOMA DECISÕES AMOROSAS.
Ainda sobre as ausências, as “falhas”, os “rasgos” no tecido, Zangewa comenta que também
se refere aos traumas de infância, às feridas, aos usos e abusos que contornam a sua
experiência de vida. Ao observar sua mãe, junto a outras mulheres, costurar como um
processo terapêutico, vê, naquela prática, potencial para desenvolver seus trabalhos e ao
mesmo tempo elaborar suas dores. As aparentes imperfeições das tapeçarias tocam na
desconstrução da perfeição que remonta uma tradição figurativa ocidental que durante quatro
séculos mobilizou a produção artística. Não se trata de obras que têm a pretensão de
mimetizar cenas do cotidiano, como as pinturas de gênero holandesas, mas revelar um diário
íntimo, por vezes doloroso, por meio da sobreposição e justaposição de fragmentos de seda.
 
Fonte: creativecommons.org
 Figura 52. Heart of the Home , por Billie Zangewa
Em Am I enough? (2020), Billie Zangewa expõe que a mulher, especialmente a negra foi
objetificada pelo olhar masculino e, sendo um objeto não há sentimento nem emoção. E a luta
é inverter essa lógica, empoderar-se. Zangewa defende que sua arte afirma sua feminilidade.
Feminilidade que, para ela, significa abraçar tudo o que ela é, não dialogando com o
determinado pela sociedade e pela história, mas por ela. Defende o poder do seu corpo e a
força duradoura da mulher. Sua ansiedade é para falar e trazer à luz tudo sobre as mulheres
que é considerado tabu. Abraça

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