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ESPIRITO SANTO COMPLIANCE-DIREITO INTERNACIONAL CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO – FAVENI 1 SUMÁRIO 1 COOPERAÇÃO JÚRIDICA INTERNACIONAL ........................................... 3 1.1 FOREIGN CORRUPT PRACTICES ACT (FCPA) ................................ 5 1.2 Breve comparação entre a LEI 12.846/13 e Norte-Americano FOREIGN CORRUPT PRACTICES ACT (FCPA)..................................................................... 9 1.3 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE 13 1.4 Reflexos no Brasil .............................................................................. 15 1.5 Parâmetros Internacionais e Nacional ................................................ 18 1.5.1 US Sentencing Guidelines ......................................................... 18 1.5.2 Resource Guide to The US Foreign Corrupt Practices Act .... 19 1.5.3 Good Practices on Internal Controls, Ethics and Compliance 19 1.5.4 Six Principles to Prevent Bribery .............................................. 22 1.5.5 Business Principles for Countering Bribery ............................ 22 1.5.6 Instituição de um Programa de Integridade e Combate à Corrupção da CGU ........................................................................................... 23 1.5.7 Elementos Essenciais ................................................................ 24 2 CORRUPÇÃO NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO ............................. 25 2.1 Licitações Internacionais e Compliance ............................................. 28 2.2 Cláusulas de Compliance nos Contratos Nacionais e Internacionais e Lei Anticorrupção ................................................................................................... 31 3 CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO ........ 40 3.1 Sobre o UNODC ................................................................................. 45 3.2 Convenção da ONU ........................................................................... 47 4 CONVENÇÃO DA OEA ............................................................................ 49 5 COMPLIANCE INTERNACIONAL - EMPRESAS TRANSNACIONAIS .... 51 2 5.1 A Governança e a Tolerância ao Risco .............................................. 52 5.2 Atividades de Controle ....................................................................... 52 5.3 Identificação de Eventos e Avaliação de Riscos ................................ 53 5.4 Controles e Monitoramento ................................................................ 53 5.5 Ambiente de Controles e Riscos ........................................................ 54 5.6 Os Programas de Compliance ........................................................... 55 5.7 Adaptação de Políticas ....................................................................... 56 5.8 Governança ........................................................................................ 56 5.9 Regulação Estrangeira ....................................................................... 57 5.10 Diferenças Culturais ........................................................................ 57 6 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 59 3 1 COOPERAÇÃO JÚRIDICA INTERNACIONAL Fonte: www.efficienza.com.br O setor empresarial, desde os seus primórdios, revela-se como um ramo dinâmico e de constante evolução, o que sempre contribuiu para a sua considerável complexidade. Ademais, em posição ainda mais relevante quando se leva em conta o caráter complexo do ramo, encontra-se o amplo conjunto de elementos que o compõe, como as relações interpessoais estabelecidas, as constantes e por vezes volumosas transações financeiras realizadas e, em especial, a diversidade de particulares nos mais diferentes cargos e funções e com variáveis graus de responsabilidade e capacidade de alteração dos cenários em que se encontram. Está-se diante, portanto, de um setor cujo grau de susceptibilidade aos desvios de conduta, dos quais o homem jamais estará imune, demonstra-se elevadíssimo. Isto porque as relações empresariais estão sempre intimamente ligadas a pessoas físicas e tratam-se, em última instância, de relações interpessoais, não raro embasadas em emoções, anseios e fraquezas inerentes ao ser humano. Assim, ao longo do tempo percebeu-se que tais desvios de conduta eram capazes de causar significativos prejuízos às empresas e ao setor empresarial como um todo, haja vista que além de representarem infrações legais (como corrupção e 4 suborno), as penalizações dali decorrentes prejudicavam financeira e estruturalmente os envolvidos. Diante desse contexto, os ordenamentos jurídicos ao redor do mundo, buscando combater as situações acima descritas, construíram conjuntos normativos visando à proibição e, em especial, a penalização das condutas infratoras cometidas no meio empresarial, em especial os atos de corrupção e suborno. Nesse cenário, o primeiro conjunto de normas a abordar direta e especificadamente o tema e a positivar as prescrições legais a serem adotadas nesses casos data de 1970 e consiste no FCPA – Foreign Corrupt Protection Act, legislação dos Estados Unidos da América que visa a coibir e punir práticas de corrupção cometidas por pessoas jurídicas naquele país. O FCPA surgiu após um escândalo provocado por inúmeras investigações realizadas na década de 1970 pela U.S. Securities and Exchange Commission (SEC) – o equivalente, nos Estados Unidos, à Comissão de Valores Mobiliários brasileira (CVM) – sobre pagamentos questionáveis efetuados por inúmeras empresas americanas a funcionários públicos, políticos e partidos políticos nacionais e estrangeiros. Dessa investigação, constatou-se a participação de mais 400 companhias americanas em esquemas de pagamentos ilegais ou duvidosos na ordem de U$$ 300 milhões (trezentos milhões de dólares), utilizados para obter “favores” e benefícios. A escancarada vulnerabilidade dos EUA aos desvios praticados por aquelas empresas, bem como a insuficiente penalização a ser aplicada, aliadas à pressão popular, levaram o então presidente Jimmy Carter a assinar o FCPA, em 19 de Dezembro de 1977. O referido ato foi ainda complementado pela ratificação, pelos EUA, do International Anti-Bribery and Fair Competition Act, de 1998, assinado por membros da comunidade internacional na Convenção para Combate do Suborno dos Agentes Públicos Estrangeiros nas Transações Negociais Internacionais, promovida pela OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Em paralelo e mais recentemente, mas também de considerável importância para a construção das políticas de combate à corrupção ao redor do mundo, surge no Reino Unido o Bribery Act 2010, de origem semelhante à legislação americana, ou seja, originada a partir de denúncias de atos de corrupção cometidos por empresas britânicas. 5 1.1 FOREIGN CORRUPT PRACTICES ACT (FCPA) A partir da década de 1990, por pressão da comunidade internacional, países desenvolvidos e em desenvolvimento iniciaram processos legislativos para estabelecer medidas a fim de regulamentar o mercado e coibir práticas corruptas. Antes dos anos 90, apenas os Estados Unidos possuíam normas de combate à corrupção, o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), ato aprovado em 19 de dezembro de 1977, pelo Congresso norte-americano, com objetivo de pôr fim ao suborno de funcionários públicos estrangeiros e de restaurar a confiança do público na integridade do sistema empresarial. O ato foi assinado em lei pelo presidente Jimmy Carter em 19 de dezembro de 1977, e foi alterado em 1988, para introduzir, dentre outras medidas, a exceção aos pagamentos de facilitação e pagamento feitos por terceiros, e, em 1998, pela Lei Anti- Suborno Internacional,que visava adequar a norma à Convenção Anti-suborno da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A propósito, os Estados Unidos em muito influenciaram na construção legislativa mundial, sendo o país no qual se iniciou definitivamente a repressão das condutas corruptas, por meio da aprovação da FCPA, conforme exposto. Frise-se a existência de duas importantes normas, a Lei Sarbanes-Oxley, de 30 de julho de 2002, que tem por objetivo a prevenção de fraudes nas demonstrações financeiras, e a Lei Dood-Frank de Reforma de Wall Street, de 21 de julho de 2010, que possui incentivos financeiros aos denunciantes de violações ao sistema. Mais ainda, os Estados Unidos apresentam uma doutrina consolidada e vasta jurisprudência acerca da matéria. O FCPA foi editado como resposta às críticas da opinião pública à maneira como as empresas americanas conduziam seus negócios (e ao próprio sistema capitalista), mais especificamente em razão do escândalo das propinas pagas (US$22 milhões) a funcionários públicos estrangeiros e organizações políticas pela Lockheed Corporation, empresa do ramo de desenvolvimento e produção de aeronaves. Naquela época, o pagamento de propinas não era considerado ilegal, sendo esta uma prática corriqueira nos Estados Unidos e no mundo. Em alguns países, inclusive, havia possibilidade de deduzir, do imposto de renda devido, esse montante pago a título de suborno. Contudo, era usual a confissão de tais pagamentos ilícitos à U.S. Securities and Exchange Commission (SEC), que, por sua vez, exigia uma 6 declaração de que tal prática não seria mais adotada. Além da Lockheed Corporation, a Gulf Oil, United Brands, Northrop, Ashand Oil, Exxon e outras foram implicadas em escândalos. A diferença entre os casos mencionados foi que Lockheed Corporation se recusou a informar os beneficiários e a parar de pagar as propinas. Ademais disso, a companhia emitiu declaração alegando que o suborno era normal, necessário e “consistente com as práticas de inúmeras empresas estrangeiras”. Ou seja, manifestou-se no sentido de que tal proibição era deletéria aos negócios e competitividade das empresas americanas na medida em que prejudicava a concorrência (levando-se em conta que as outras pagavam). Aliás, essa foi crítica comum à época, a de que a proibição prejudicava a competição das empresas americanas. A outra crítica é a de que a corrupção possui efeito positivo na economia, na medida em que diminuiu a burocracia em países fortemente regulados. A propósito, os impactos da corrupção sobre a economia permanecem discutíveis até a atualidade. Fato é que o Congresso não tinha como punir a Lockheed Corporation, pois, como mencionado acima, o pagamento de suborno não era proibido pela legislação americana. Existiam leis que eram indiretamente aplicáveis, relacionadas às matérias tributária e societária, mas nenhuma se aplicava diretamente a essa situação. E o Congresso houve por bem atuar neste vácuo legislativo. Em termos gerais, o FCPA, que é parte do Securities Act de 1934, proíbe que empresas americanas ou aquelas que emitem ações nos Estados Unidos paguem ilicitamente qualquer quantia em dinheiro ou coisa de valor a funcionários públicos estrangeiros, tanto para obtenção de novos negócios, quanto para renovação dos contratos já existentes. A norma também exige que as sociedades mantenham seus livros e registros contábeis em boa ordem e guarda, e possua sistema de controles internos para garantir que as transações somente sejam realizadas se previamente autorizadas pelo management. Essa regra é importante na medida em que aplicável não só às empresas, como também aos administradores, diretores, empregados, terceiros e agentes (consultores, distribuidores, representantes etc). Em suma, essas são as duas principais provisões: (i) as anti-bribery provisions (dispositivos legais contra suborno), e (ii) the books and records and internal control provisions (disposições acerca dos livros, registros e controles internos). 7 Ressalte-se que os responsáveis pela aplicação são a Comissão de Valores americana, a Securities Exchange Commission (SEC), e o Departamento de Justiça (Department of Jutice (DOJ)), sendo que este último tem competência criminal para investigar e oferecer denúncia das violações às provisões criminais do FCPA (criminal law enforcement), e, a primeira, competência civil (civil law enforcement). Geralmente, os dois órgãos atuam em conjunto, proferindo suas decisões no mesmo instante. Importante mencionar ainda que a norma não se aplica ao pagamento de dinheiro ou bens de qualquer valor a sujeitos privados com a intenção de corromper, mas tão-somente a funcionários públicos. O FCPA é aplicado indiretamente a sujeitos privados em algumas situações, como, por exemplo, nas tentativas de ocultação de ilícitos. O FCPA também é aplicável no pagamento de propina ao próprio governo estrangeiro, ao invés de ser direcionado aos funcionários destes governos. O DOJ e a SEC aplicaram mais de U$ 200 milhões em multas e outras penalidades às empresas GE, Chevron, AB Volvo, Innospec, Ingersoll-Rand, Akzo-Nobel, York, Textron, EL Paso, Agco, Flowserve, Novo Nordisk, e a Fiat, em razão do pagamento ao governo iraquiano violarem o programa “Oil for Food” das Nações Unidas. No que concerne às penalidades, o DOJ impõe sanções cíveis e criminais e a SEC sanções cíveis e administrativas. As penalidades cíveis representam multas e outras modalidades de sanções governamentais, bem como a suspensão do mercado de valores imobiliários. As penalidades criminais podem variar entre multas de até US$2 milhões para cada ato ilícito para as empresas, e, para as pessoas físicas, multas de até US$100 mil e prisão de até 5 anos, multas que podem ser elevadas, de acordo com o Alternative Fines Act, em até duas vezes o benefício obtido pela empresa. Os US Sentencing Guidelines são utilizados para calcular o valor das multas e levam em consideração aspectos como o número de funcionários da organização, histórico de violações, presença de executivos seniores, cooperação, prestação de informações voluntárias, declaração de responsabilidade e existência de programas de Compliance. Os Guidelines também são utilizados para aplicação de penalidade às pessoas físicas, sendo que estes levam em conta a quantidade e periodicidade dos 8 pagamentos, grau de envolvimento e reincidência do indivíduo. Nos últimos anos, as autoridades americanas têm aplicado multas com mais rigor. O entendimento no sentido de que a proibição dificultava os negócios impediu outros países de adotarem regras similares ao FCPA. Em verdade, empresas de países como Austrália, Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Nova Zelândia e Suíça levavam vantagem, em termos competitivos, sobre as empresas americanas, uma vez que podiam corromper funcionários públicos estrangeiros, e, como mencionado, até mesmo deduzir o valor pago a título do suborno do imposto devido. Assim, as empresas norte americanas perdiam negócios após a edição do FCPA. O FCPA também foi e continua sendo alvo de críticas, seja pela falta de transparência nas decisões, seja – principalmente - pela possibilidade de acordo para evitar as punições, o que ocorre frequentemente. O autor Brandon L. Garrett traz dados empíricos que demonstram que a justiça norte-americana trata de maneira diferente os cidadãos e as empresas comuns e as grandes corporações e seus executivos, beneficiando estes últimos por meio de negociações, acordos e penas reduzidas. Os Estados Unidos tentaram por muitos anos pressionar os demais países a adotarem norma semelhante ao FCPA, contudo, sem obterem sucesso; a corrupção ainda era considerada eficiente em termos econômicos. A realidade só começou a mudar a partir do momento em que estudos acadêmicos chegaramà conclusão de que a corrupção trazia mais malefícios do que benefícios ao comércio internacional, à medida que corroíam a credibilidade das instituições democráticas e o estado de bem- estar social. Por pressão dos Estados Unidos, a partir dos anos 1990, foram editadas convenções internacionais de combate à corrupção. A primeira foi a Convenção Interamericana contra a Corrupção, em 29 de março de 1996 (Convenção da OEA). Posteriormente, em maio de 1997, foi aprovada a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, a qual foi adotada pelos 29 (vinte e nove) Estados membros e outros 5 (cinco) não membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). E, por fim, a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, aprovada em 31 de outubro de 2003. 9 Das três, a de maior relevância é a Convenção da OCDE, pois é a pioneira na cooperação internacional entre países com representatividade mundial para prevenção e combate ao crime de corrupção de funcionários públicos estrangeiros. Todos os países signatários da Convenção da OCDE se comprometeram a adequar suas legislações no sentido de criminalizar o oferecimento de qualquer vantagem indevida a funcionário público estrangeiro. A partir daí, tem-se que leis em diversos países foram editadas, com destaque para UK Bribery Act de 2010, que tipifica também a corrupção de sujeitos privados. Atos como o pagamento a título de facilitação de negócios (grease payments), que não são coibidos pelo FCPA, são vedados sob a ótica do Bribery Act. Além da prevenção e combate ao crime de corrupção, outro objetivo da Convenção da OCDE é o estabelecimento da responsabilização civil, administrativa das pessoas jurídicas pelos atos de corrupção, bem como a responsabilização penal, caso seja combatível com a legislação do país. Muito embora tivesse dado passos significativos em relação ao combate à corrupção, as medidas adotadas pelo Brasil estavam longe de ser suficientes. Nos dias 7 e 8 de setembro de 1998, ocorreu em Buenos Aires o Workshop on Combating Corruption and Bribery of Public Officials in International Business Transactions, evento promovido pela OCDE, OEA e pela Argentina, com a presença do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, cujo objetivo foi promover uma discussão a respeito das Convenções de ambas as entidades, bem como mostrar os avanços que estavam ocorrendo no âmbito da cooperação internacional. O Brasil participou ativamente das discussões, comprometendo-se a se empenhar na aprovação das normas e medidas anticorrupção. 1.2 Breve comparação entre a LEI 12.846/13 e Norte-Americano FOREIGN CORRUPT PRACTICES ACT (FCPA) O combate à corrupção demanda cuidados que se entrelaçam numa incessante tentativa de evitar desvios comportamentais e incentivar a adoção de práticas que possam minimizar os riscos de sua ocorrência. Evidentemente, é preciso considerar a falibilidade dos mecanismos voltados a impedir o malfeito, pelo que ferramentas que 10 permitam a detecção dos atos ilícitos e medidas repressivas, voltadas à punição de pessoas físicas e jurídicas, também compõem o artefato com o qual se poderá frear a corrupção. No cenário das licitações e contratações públicas, certamente não há um conjunto perfeito de ferramentas e mecanismos capazes de eliminar os desvios, mas a existência de um sistema que possa de forma harmônica contribuir para desincentivar/ reduzir/ detectar/ punir é fundamental para sinalizar a preocupação da sociedade e do governo. Os Estados Unidos da América também convivem com a corrupção e estabeleceram uma vastidão de medidas com o propósito de evitar sua ocorrência, sem descuidar da penalização dos responsáveis. Dentre os diversos procedimentos e previsões normativas encontradas, uma especial atenção merece o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) o FCPA remonta ao ano de 1977, após uma série de escândalos sobre pagamentos de propinas em ambiente doméstico e internacional, atingindo aproximadamente 400 empresas. Não se trata da mais poderosa arma de combate à corrupção (se é que se pode assim reconhecer qualquer uma delas), sobretudo porque não atinge os atos de corrupção a envolver agentes públicos norte-americanos, mas o elegemos para este breve comentário considerando a possibilidade de oferecer uma contraposição com a Lei nº 12.846/13. Substancialmente, o FCPA proíbe a oferta e a efetiva realização de pagamentos impróprios a “foreign official”, destinados a garantir um ajuste ou a manutenção de um vínculo preexistente, mesmo que o ajuste que se queira estabelecer ou preservar não envolva o governo estrangeiro ou suas entidades. O fato de o agente ser capaz de influenciar o governo estrangeiro a adotar comportamento desejado também atrai a aplicação do FCPA. A abrangência do conceito de “foreign official” é maior do que a literalidade poderia sugerir. Está a se incluir não apenas o que no Brasil chamaríamos de agentes públicos, mas qualquer pessoa que possa estar a atuar em benefício de órgãos públicos ou organismos internacionais, como o Banco Mundial e a Organização dos Estados Americanos. Inclui, como já se suporia pela menção a agentes públicos, empregados de organizações do terceiro setor e de empresas estatais. 11 O Departamento de Justiça (DOJ) e a Secutiries and Exchange Commision (SEC) são os órgãos encarregados de aplicar o FCPA, pelo que deles emerge a interpretação da norma. Já se considerou foreign official o membro de um comitê na Índia, responsável por decidir sobre o registro/licença de produtos químicos naquele país. A primeira e importante distinção para a nossa lei está na ausência de distinção entre agentes estrangeiros ou brasileiros como destinatários da propina. Nos Estados Unidos, trata-se de forma apartada, mediante outras regras, a corrupção interna, a atingir os agentes norte-americanos. Repudia-se pagar, oferecer ou prometer pagar dinheiro, presente ou algo de valor, como viagens, joias, desde que com o intento de corromper. A comprovação do “evil motive”, da intenção de influenciar de forma inaceitável o destinatário da vantagem indevida a obter ou manter vínculos comerciais é requerida nos EUA, tanto sob a influência do FCPA quanto nas hipóteses de corrupção interna. Deve ser demonstrado que havia consciência do ato ilícito do ato praticado, ainda que não necessariamente o responsável pelo pagamento ou oferta tenha conhecimento de que o destino final seria o “foreign official”. A responsabilidade das empresas subsistirá se a empresa autorizar (implícita ou explicitamente) ou tiver conhecimento de atos de terceiros, como advogados ou consultores, considerados ilícitos nos termos do FCPA. A Lei brasileira estabelece responsabilidade objetiva, não importando se a empresa tinha ou não conhecimento, se havia autorizado ou demandado a prática dos atos considerados nocivos por seus colaboradores. Trata-se de regra que facilita a responsabilização das empresas, dado que desnecessária a comprovação do intuito de corromper exigido nos Estados Unidos. Ao apresentar a Lei Brasileira, a reação dos norte-americanos foi de surpresa. Consideram um excesso a responsabilização de uma empresa sem que se investigue em que medida ela estava efetivamente ciente do “wrongdoing”. Contudo, soa inocente imaginar que a corrupção, sobretudo, e de forma muito acentuada, a que ocorre para além dos mares, assunto abordado no FCPA, possa ocorrer sem que a empresa tenha ciência. De toda sorte, não é possível ignorar a prática brasileira de criar regras extremamente rígidas, em especial quando o propósito é a responsabilização civil, penal ou administrativa, cuja efetiva aplicação apenas se torna mais difícil. 12 Explicar que as existências de um forte sistema de integridade, da demonstraçãode cooperação por parte das empresas, da ausência de histórico prévio apenas servirão como balizas para a aplicação das penalidades, mas não as afastarão, também causa perplexidade na terra de George Washington. Regra a sugerir uma excessiva flexibilidade, relaciona-se com a possibilidade constante no FCPA de se admitirem alguns tipos de pagamentos e dois tipos de defesas, o que não existe na realidade legislativa brasileira, ao menos não de forma expressa. À luz do FCPA, justifica-se o pagamento, a título de “facilitating payments”, assim consideradas despesas destinadas ao escalão inferior do governo (e equivalentes) para sustentar ações rotineiras, chamadas de “routine government actions", como licenças, vistos. Evidentemente que a nomenclatura não alcança decisões sobre o destinatário de dado contrato. A despeito de a Lei nº 12.846/13 não excluir pagamentos dessa ordem do seu guarda-chuva de abrangência, parece razoável concluir pela impossibilidade de condenação dado que não estaria configurada a ilicitude que a lei visa reprimir. O FCPA refere-se ainda a duas “affirmative defenses”. Não se condena o pagamento de dinheiro ou equivalente quando ajustado expressamente à legislação do país estrangeiro. Entretanto, ainda que se faça o pagamento de algo tolerado pela legislação estrangeira, a existência do intento de corromper poderá atrair a incidência do FCPA, a transparência do pagamento é um dos fatores que o DOJ e a SEC irão considerar para decidirem as ações a serem adotadas em casos assim. A Legislação brasileira não traz regra semelhante. Os argumentos para a previsão no FCPA acima descrita não foram convincentes. A regra parece ignorar que, ainda que a legislação externa autorize o pagamento, a preocupação mundial deve ser a de evitar qualquer sorte de ofensa ao ambiente competitivo, pelo que todos os esforços devem ser congregados com vistas a desestimular de forma irmanada práticas incorretas, sobretudo porque a corrupção danifica de forma mais acentuada os países mais pobres, impedindo o bem-estar social e por vezes afetando a democracia. A segunda defesa é relativa ao que no FCPA é denominado como “reasonable and bona fide expenditures”. Quando se verifica que a empresa pagou despesas razoáveis e imbuída de boa-fé, tais como viagens em favor do “foreign official” para 13 promover, demonstrar ou explicar os produtos e serviços, afastam-se as penalidades. Vê-se, como o nome sugere, que apenas razoáveis despesas são admitidas. Por isso, em 1999, o DOJ não aceitou a utilização da defesa quando a empresa americana Metcalf & Eddy Inc. pagou viagens de primeira classe de agentes egípcios para os Estados Unidos com todas as demais despesas da viagem incluídas, inclusive valores em dinheiro. Defesa assim igualmente não é reconhecida na legislação brasileira, cuja ideia central é a rigorosa responsabilidade objetiva. 1.3 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico –OCDE A Convenção da OCDE sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promulgada em 1997, dispõe que os países signatários deverão criminalizar a conduta de corromper agentes públicos estrangeiros e, no campo da responsabilização das pessoas jurídicas, impõe, no Artigo 2, que: “cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabelecimento das responsabilidades de pessoas jurídicas pela corrupção de funcionário público estrangeiro, de acordo com seus princípios jurídicos” A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE é uma organização internacional, formada pela associação de países membros, cuja missão é a promoção de políticas que proporcionem a melhoria das condições econômicas das nações e o bem-estar econômico e social das pessoas. As suas origens remontam à aplicação do Plano Marshall, após a Segunda Guerra Mundial, quando surgiu a Organização para a Cooperação Econômica Europeia, que gerava recursos trazidos por este plano e coordenava os esforços de reconstrução da Europa. A Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da OCDE como o mais importante instrumento no combate internacional à corrupção. A Convenção da OCDE ensejou avanços na legislação anticorrupção na União Europeia e em vários países. Dos diplomas legais editados após a Convenção da OCDE cabe destacar o UK Bribery Act, do Reino Unido, que entrou em vigor em 1.º de julho de 2011. Tal diploma foi inovador por tratar como ofensa criminal a “Failure of commercial organization stop 14 prevent bribery” que, traduzindo, significa: “O fracasso de organizações comerciais para evitar o suborno e a corrupção”. Em análise, a lei britânica criminaliza a inobservância do dever de cuidado que deve ser inerente às organizações de natureza empresarial. De outra banda, o UK Bribery Act contempla que, na hipótese de a sociedade comprovar a presença de procedimentos adequados no sentido de prevenção da corrupção, os chamados programas de Compliance, sua conduta poderá não sofrer qualquer sanção, o que vem estimulando sobremaneira a adoção, por empresas com atuação no âmbito da União Europeia, de programas de Compliance. Quais os objetivos da Convenção? Fazer com que os países participantes possam, de maneira coordenada, adotar mecanismos para prevenir e reprimir a corrupção de funcionários públicos estrangeiros na esfera das transações comerciais internacionais; Estabelecer responsabilidades às pessoas jurídicas que corrompam funcionários públicos estrangeiros; Considerar a imposição de sanções cíveis ou administrativas a pessoas sobre as quais recaiam condenações por corrupção aos referidos funcionários; Estabelecer a prestação de assistência jurídica recíproca de forma efetiva e rápida entre os Estados Partes; Eliminar a concorrência desleal gerada pela corrupção. De que maneira a Convenção ajuda a combater a corrupção? Os países signatários são obrigados a criminalizar o ato de corrupção de funcionários públicos estrangeiros em transações internacionais. Além disso, devem adotar as recomendações específicas da OCDE, como: Criar mecanismos para eliminar a dedução fiscal dos subornos; Garantir a transparência das práticas contábeis e de auditorias; Criar medidas preventivas e repressivas contra a corrupção nos sistemas de contratação públicos, entre outras. Conforme prescreve a Convenção, as empresas envolvidas na corrupção de funcionário público estrangeiro também deverão ser responsabilizadas, seja penal, civil ou administrativamente. As penalidades se aplicam também à obtenção de contratos e autorizações ou tratamentos preferenciais em procedimentos fiscais, aduaneiros, judiciais ou legislativos. 15 O que o Brasil está fazendo para cumprir as determinações da Convenção? Para cumprir as determinações e aperfeiçoar os mecanismos de combate à corrução de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais, o Brasil tomou as seguintes medidas: Tornou crime o ato de oferecer, prometer ou dar qualquer vantagem indevida, seja diretamente ou por meio de intermediários, a funcionários públicos estrangeiros para facilitar a realização de transações comerciais ou para obter outra vantagem na condução de negócios internacionais; Proibiu práticas contábeis e de auditorias que possam ser empregadas para acobertar a corrupção; Estabeleceu acordos de assistência jurídica com os principais parceiros comerciais do País, permitindo, inclusive, a extradição por corrupção; Elaborou Projeto de Lei que aumenta a pena para o crime de corrupção ativa de funcionário público estrangeiro em transações comerciais internacionais. 1.4 Reflexos no Brasil O Brasil, apesar de signatário das referidas Convenções, não tinha aprovado nenhuma legislaçãorecepcionando-as, o que só veio a ocorrer em 14 de junho de 2000, com a aprovação da Convenção da OCDE (Decreto n.º 3.678/00). Como parte dos compromissos assumidos pelo Brasil na Convenção da OCDE, foi aprovada a Lei n.º 10.467, de 11 de junho de 2002, que incluiu os artigos 337 B, C e D, capítulo Dos Crimes Praticados por Particular Contra a Administração Pública Estrangeira, no Código Penal. Desde então, o país adotou medidas de combate à corrupção e demais atos ilícitos contra a administração pública mais intensas, mediante a promulgação das supramencionadas Convenção Interamericana contra a Corrupção, por meio do Decreto n.º 4.411, de 7 de outubro de 2002, e a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, pelo Decreto n.º 5.687, de 31 de janeiro de 2006, bem como a aprovação de leis, tais como: a Lei Complementar n.º 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a Lei Complementar n.º 105/2001 (Lei da Ficha Limpa), a Lei n.º 10.520/2002 (Lei do 16 Pregão), a Lei n.º 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) e a Lei n.º 12.813/13 (Lei do Conflito de Interesses). O Grupo de Trabalho sobre Suborno da OCDE (WGB – Working Group on Bribery), o qual foi criado em maio pelo Comitê sobre Investimento Internacional e Empresa Internacional, é responsável por monitorar a adequação do Brasil ao acordo assinado. O processo de monitoramento pelo qual passam os países constitui-se de três fases: a primeira, que parte da análise da adequação da legislação aos termos da Convenção; a segunda, os avanços concretos obtidos pelos países signatários às recomendações feitas na primeira fase; e a terceira, para os avanços em relação à segunda e análise de jurisprudência nacional de casos de corrupção internacional envolvendo pessoas físicas e jurídicas. A Controladoria Geral da União (CGU) é o órgão responsável por assistir diretamente ao Presidente da República quanto aos assuntos relativos, dentre outros, ao combate a corrupção, e também pela coordenação das avaliações, tanto quando é país analisado, quanto analisador, além de conduzir a participação brasileira no referido Grupo. Importante mencionar que o Brasil teve boa avaliação nas Fases 1 e 2, que ocorreram, respectivamente, em agosto de 2004 e dezembro de 2007, sendo que, com relação à segunda (Relatório sobre a Aplicação da Convenção de Combate ao Suborno de Funcionários Públicos Estrangeiros e Recomendações de Combate ao Suborno em Transações Comerciais Internacionais de 1997 ), o WGB recomendou ao governo brasileiro a implementação da supramencionada Convenção da OCDE de maneira mais efetiva, sugerindo que o país: (i) Tomasse medidas urgentes para estabelecer a responsabilidade direta de pessoas jurídicas pelo delito de suborno de um funcionário público estrangeiro; (ii) Criasse sanções efetivas, proporcionais e dissuasivas, incluindo sanções monetárias e confisco; e (iii) Assegurasse que, em relação ao estabelecimento de jurisdição sobre as pessoas jurídicas, uma ampla interpretação da nacionalidade das pessoas jurídicas fosse adotada (Convenção, artigos 2,3 e 443 e recomendações revisadas, parágrafo I). 17 Com efeito, a fim de atender aos compromissos internacionais firmados, o Poder Executivo brasileiro apresentou o Projeto de Lei n.º 6.826/10, de autoria da CGU, do Ministério da Justiça e da Casa Civil, para tratar da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Contudo, ainda que tenha ratificado a Convenção da OCDE (e as outras Convenções), o Brasil, até o ano 2013, ainda não tinha aprovado o projeto de lei que honrasse tal compromisso. Até que em junho, durante a Copa das Confederações, quando milhares de pessoas no país (e também no exterior) saíram às ruas para protestar contra, dentre outras, o aumento das tarifas do transporte público e a corrupção, foi aprovada no Brasil a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Apelidada de “lei anticorrupção” e “lei da empresa limpa”, a norma entrou em vigor, em 29 de janeiro de 2014, objetivando responsabilizar, nas esferas cível e administrativa, as pessoas jurídicas pelas práticas de atos criminosos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. Chama atenção para o fato de que, após a aprovação da Lei n.º 12.846/13, foi publicado em 29 de outubro de 2014, pelo WGB, o relatório sobre a Fase 3 da implementação da Convenção da OCDE, cujo objetivo foi a análise dos avanços obtidos em relação à segunda fase. O relatório indicou que o país evoluiu com a publicação da Lei n.º 12.846/13 e aumentou o número de medidas de cooperação com outros países nas investigações, possibilitando o crescimento dos números de casos analisados pelo Poder Judiciário. Por outro lado, apresentou 16 recomendações, como a edição do decreto que irá regulamentar a referida lei e maior atuação do Poder Judiciário nos casos envolvendo corrupção. Embora o relatório tenha apontado uma evolução positiva, como a promulgação da Lei da Empresa Limpa, também conhecida como Lei Anticorrupção, esforços amplos de sensibilização sobre o combate à corrupção e um aumento na utilização de cooperação jurídica internacional em casos de suborno estrangeiro, também identificou outras áreas de que precisam melhorar. A Lei da Empresa Limpa determina que o Governo Federal emita um regulamento sobre programas de Compliance. As autoridades brasileiras têm mencionado em diferentes fóruns públicos que o regulamento não será limitado apenas a descrever os critérios de avaliação desses programas. Artigos já publicados 18 discutem as principais questões que deverão fazer parte da regulamentação. É importante notar que a Lei da Empresa Limpa é aplicável, apesar da falta de regulamentação. 1.5 Parâmetros Internacionais e Nacional 1.5.1 US Sentencing Guidelines Em 1991, a United States Sentencing Comission (USSC) promulgou os Federal Sentencing Guidelines for Organizations (FSGO), estabelecendo os elementos (standards) para um efetivo programa de Compliance, bem como criando diretrizes para os juízes norte-americanos para aplicação das penas. Muito importante o fato de que houve uma tentativa da USSC de criar incentivos para que as empresas adotassem os Guidelines, uma vez que a adoção das medidas tem o condão de reduzir as penalidades a que estão sujeitas, caso seus funcionários se envolvam em atos de corrupção. O FSGO (capitulo 8) lista “sete passos” (““seven-step” standards”) para a criação de programas de Compliance efetivos: 1. Implementação de um código de conduta, políticas e procedimentos 2. Especificação das responsabilidades 3. Não delegação de poderes a indivíduos que têm propensão a se envolverem em atividades criminosas 4. Comunicação e treinamento 5. Monitoramento, auditoria, incluindo canal para denúncias 6. Atitude adequada e consistente processo disciplinar 7. Remediação e ações corretivas, incluindo revisão periódica do programa de Compliance Os Guidelines vêm sendo usados pelas empresas como base para construção dos seus programas. Ressalte-se, aliás, que não existe um “guia” que sirva para todas as empresas, em razão da particularidade intrínseca a cada uma; os sete-passos são, dessa forma, os elementos mínimos que devem constar dos programas. 19 1.5.2 Resource Guide to The US Foreign Corrupt Practices Act O Guia FCPA (FCPA Guidance ) foi publicado pela US Department of Justice (DJO) e pela US Securities and Exchange Comission (SEC) em 2012, com o objetivo de fornecer as primeiras informações para todas as empresas, desde aquelas que estão iniciando as operações no exterior, quanto as multinacionais que possuem filiais em todo o mundo. O FCPA Guidance lista dez hallmarks (marcas características) que podem tornar os programas de Compliance efetivos. São eles: 1. Compromissoda Gerência Sênior e política claramente articulada contra a Corrupção 2. Código de Conduta e Políticas de Compliance e procedimentos 3. Supervisão, autonomia e Recursos 4. Avaliação de Risco 5. Treinamento Contínuo 6. Incentivo e Medidas Disciplinares 7. Due Diligence de Terceiros e Pagamentos 8. Denúncia Confidencial e Investigação Interna 9. Melhoria Contínua: exames periódicos e avaliação 10. Fusões e Aquisições: Due Diligence de pré-aquisição e da Integração de pós aquisição. 1.5.3 Good Practices on Internal Controls, Ethics and Compliance Em 9 de dezembro de 2009, no aniversário de 10 anos da entrada em vigor da sua Convenção, a OCDE publicou a Recomendação para Combate ao Suborno de Funcionários Públicos Estrangeiros (Recommendation for Further Combating Bribery of Foreign Public Officials), o qual continha o documento Boas Práticas em Controles Internos, Ética e Compliance (Good Practices on Internal Controls, Ethics and Compliance). Este Good Practice Guidance é direcionado para as empresas, como forma de orientação, a fim de garantir a eficácia do controle interno, da ética e dos programas de Compliance ou medidas para prevenir e detectar o suborno de funcionários 20 públicos estrangeiros nas transações comerciais internacionais, e para as organizações empresariais e associações profissionais. As empresas devem considerar as seguintes boas práticas para garantir controles internos, programas de Compliance e ética com a finalidade de prevenir e detectar o suborno estrangeiro: 1. forte, explícito e visível apoio e comprometimento da gerencia sênior aos controles internos da empresa, programa de Compliance e ética ou de medidas de prevenção e detecção de suborno estrangeiro; 2. política corporativa claramente articulada e visível que proíbe o suborno estrangeiro; 3. cumprimento desta proibição e dos controles internos relacionados, programas de Compliance e ética é o dever dos indivíduos em todos os níveis da organização; 4. supervisão dos programas de Compliance e ética relativas a suborno estrangeiro, incluindo o poder de comunicar os incidentes diretamente para organismos de controle independentes, tais como comitês de auditoria interna dos conselhos de administração ou dos órgãos de fiscalização, é o dever de um ou mais funcionários sênior das empresas, com um nível adequado de autonomia de gestão, recursos e autoridade; 5. programas de Compliance e ética destinados a prevenir e detectar o suborno estrangeiro, aplicável a todos os conselheiros, diretores e funcionários, e aplicável a todas as entidades sobre as quais a empresa tem controle efetivo, incluindo as subsidiárias, relativo às seguintes áreas: i) presentes; ii) hospitalidade, entretenimento e despesas; iii) viagens de cliente; iv) contribuições políticas; v) doações e patrocínios; vi) pagamentos de facilitação; e vii) solicitação e extorsão; 6. programas de Compliance e ética destinados a prevenir e detectar o suborno estrangeiro aplicável, onde for necessário e sujeito às disposições contratuais, a terceiros, como agentes e outros intermediários, consultores, 21 representantes, distribuidores, prestadores de serviços e fornecedores, consórcios e sócios de Joint Venture, incluindo, os seguintes elementos essenciais: i) Due Diligence devidamente documentada com base no risco referente à contratação, bem como a supervisão adequada e regular dos parceiros de negócios; ii) informar os parceiros de negócios do compromisso da empresa em cumprir com as leis sobre as proibições contra o suborno estrangeiro, e do programa de Compliance e ética da empresa para prevenir e detectar esse tipo de suborno; e iii) buscar compromisso recíproco de parceiros de negócios. 7. sistema de procedimentos contábeis e financeiros, incluindo um sistema de controles internos, razoavelmente desenvolvido para garantir a manutenção justa e precisa dos livros contábeis, registros e contas, para garantir que eles não possam ser utilizados para fins de suborno estrangeiro ou para que se esconda tal prática; 8. medidas destinadas a garantir uma comunicação periódica, e documentada de treinamento para todos os níveis da organização, sobre o programa de Compliance e ética da mesma relativas a suborno estrangeiro, bem como, onde necessário, para as subsidiárias; 9. medidas adequadas para promover e proporcionar um apoio positivo para a observância dos programas de Compliance e ética contra o suborno estrangeiro, em todos os níveis da organização; 10. procedimentos disciplinares adequados para abordar, entre outras coisas, violações, em todos os níveis da organização, das leis contra o suborno estrangeiro e do programa de Compliance e ética da mesma relativas ao suborno estrangeiro; 11. medidas eficazes para: i) fornecer orientações e aconselhamento aos conselheiros, diretores, funcionários, e, onde for o caso, parceiros de negócios, em conformidade com o programa de Compliance e ética da organização, inclusive quando eles precisarem de aconselhamento urgente em situações difíceis em jurisdições estrangeiras; 22 ii) a denúncia interna e, se possível confidencial, e proteção dos conselheiros, diretores, funcionários, e, se for caso, dos parceiros comerciais, não estão dispostos a violar as normas profissionais ou éticas sob instrução ou pressão de superiores hierárquicos, bem como para os diretores, funcionários, e, se for caso, aos parceiros de negócios, disposto a relatar violações da lei ou normas ou ética profissional que ocorram dentro da empresa, de boa fé e de forma devidamente fundamentada; e iii) empreender medidas apropriadas em resposta essas comunicações internas de improbidade; 12. revisão periódica dos programas de Compliance e ética, destinadas a avaliar e melhorar a sua eficácia na prevenção e detecção de suborno estrangeiro, levando em conta a evolução relevante na área, e a evolução das normas internacionais e da indústria. 1.5.4 Six Principles to Prevent Bribery Com relação ao UK Bribery Act, verifica-se a existência do documento Seis Princípios para Prevenção do Suborno (Six Principles to Prevent Bribery), um guia de sugestões ou princípios para as organizações a fim de combater crimes e/ou atos de corrupção e ainda para orientar procedimentos de combate a suborno: 1. Procedimentos proporcionais ao risco 2. Comprometimento do alto escalão 3. Avaliação de risco 4. Due diligence 5. Comunicação (incluindo treinamento) 6. Monitoramento e avaliação 1.5.5 Business Principles for Countering Bribery A Transparência Internacional, uma organização mundial que representa a sociedade civil sediada em Berlim, por meio dos Princípios para Prevenção do Suborno em Negócios (Business Principles for Countering Bribery), fornece, em sua 23 segunda edição, as seguintes recomendações para construção de um programa de combate de suborno: 1. A empresa deverá ter uma política proibitiva de suborno, seja de forma direta ou indireta; 2. Comprometer-se à implementação de um programa para combater o suborno. O Programa deve incluir esforços concernentes aos valores, ao código de conduta, às políticas detalhadas e aos procedimentos, à gestão de riscos, à comunicação interna e externa, à formação e orientação de controles internos, à supervisão, ao monitoramento e à garantia. Esses princípios empresariais são baseados em compromisso com valores fundamentais de integralidade, transparência e prestação de contas. As empresas devem ter como objetivo criar e manter uma cultura interna de base de confiança, com responsabilidade individual, na qual não se admite o suborno. Especificamente, estas são as recomendações da Transparência Internacional: 1) Adoção de políticas anticorrupção 2) Planejamento da implementação: análise de riscos 3)Desenvolvimento de políticas anticorrupção 4) Implementação: comunicação/treinamento 5) Monitoramento 6) Avaliação e aperfeiçoamento 1.5.6 Instituição de um Programa de Integridade e Combate à Corrupção da CGU A CGU elaborou em parceria com o Instituo Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, recomenda que as organizações adotem os seguintes princípios e políticas: 1) Elaboração de Códigos de Conduta 2) Implantação de política de comunicação permanente 3) Criação de um Comitê de Ética 4) Sistema de recrutamento centrado em ética 5) Instituição de sistemas de controle interno e auditoria Frise-se que a CGU também recomenda em seu site que a melhor forma de implementar as políticas e princípios de integridade é adotando as sugestões 24 introduzidas pela Transparência Internacional e pela OCDE, ressaltando que a metodologia desta última deve ser utilizada pelas empresas multinacionais. 1.5.7 Elementos Essenciais Basicamente, os elementos que mais aparecem nos parâmetros supramencionados são: (i) comprometimento/engajamento da alta administração; (ii) avaliação dos riscos; (iii) política corporativa (criação de um código de ética); (iv) comunicação e treinamento contínuo; (v) canal de denúncia e controles internos (vi) auditoria em terceiros (due diligence); (vii) revisão periódica. Dois elementos de suma importância não são comuns aos programas, mas constam apenas individualmente em dois dos modelos apresentados. O primeiro, “supervisão, autonomia e recursos”, do Resource Guide to the US Foreign Corrupt Practices Act, e, o segundo, os “pagamentos de facilitação”, que aparece no Nine Business Principles for Countering Bribery da Transparência Internacional. Autonomia e recursos são essenciais para que um programa possa ser de fato considerado efetivo. Um bom programa de Compliance possui elevados custos e tem que estar imune a qualquer tipo de interferência interna. A alta administração é a responsável, em última instância, pelo Compliance da organização. Da mesma forma, faz-se necessário que as empresas se atentem e proíbam o pagamento de facilitação, ainda que não seja vedado pelas legislações de alguns países, como o Brasil e os Estados Unidos, por exemplo. No Brasil, estudiosos do assunto divergem pouco com relação a esses elementos. Bruno Carneiro Maeda observou que “a partir dos elementos comuns contidos nas principais referências internacionais, é possível verificar significativa convergência e agrupá-los em cinco aspectos centrais para que programas de Compliance em matéria de anticorrupção possam ser considerados efetivos. (...) Cada um desses elementos essenciais se desdobra em diferentes componentes. ” São os seguintes: (i) suporte da administração e liderança; (ii) mapeamento e análise de 25 riscos; (iii) políticas, controles e procedimentos; (iv) comunicação e treinamento; e (v) monitoria, auditoria e remediação. Já Carlos Henrique da Silva Ayres divide os grupos em (i) suporte da alta administração, (ii) análise de risco; (iii) políticas e procedimentos; (iv) comunicação e treinamento; (v) due diligence; (vi) canais de denúncia e investigação internas; e (vii) revisão periódica. Dessa maneira, é possível concluir que os parâmetros internacionais e o modelo da CGU estão, de certa forma, alinhados, e que, para fins de autoproteção contra penalidades, e, principalmente, para que tenham um programa que verdadeiramente combata as práticas ilícitas, as organizações têm que se atentar não só para implantação desses elementos mínimos, mas, principalmente, para as suas particularidades e necessidades, pois não existe um modelo que sirva para todas elas. Para que o programa não seja apenas “de papel”, para que possa contribuir com o fortalecimento da governança corporativa, os valores organizacionais devem ser pautados pela ética. 2 CORRUPÇÃO NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO Fonte: canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br 26 Com a globalização, isto é, com o crescimento da interdependência econômica, a corrupção se expande, juntamente com o aumento das transações comercias e fluxo de capitais entre países. De acordo com estudo realizado pela ONG One em 2014, a corrupção tem custado à sociedade um trilhão de dólares por ano. O World Bank também estima em $1 trilhão o valor pago por ano a título de propina e a International Transparency diz que, somente na África, o valor envolvido é de U$ 148 bilhões. O que evidencia o efeito perverso de aumento da desigualdade e desintegração social em países mais pobres. E, vale mencionar, a corrupção proliferou mesmo com a mudança de atitude que passou a ocorrer a partir dos anos 90, quando surgiram várias iniciativas para contê-la por parte dos governos, sociedades civis e empresas. A corrupção afeta sobremaneira todos os países, o estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicado em 02 de dezembro de 2014, o qual foi baseado em dados extraídos de 427 casos que foram julgados pela justiça dos países signatários a partir de 1999, quando a Convenção entrou em vigor, chegou à conclusão que um em cada dois casos de corrupção transnacional tem envolvimento de agentes públicos de países cujo índice de desenvolvimento humano é alto. Como em 43% dos casos envolviam corrupção de autoridade de países desenvolvidos ou em desenvolvimento, desmistificou-se, assim, a ideia de que subornos são pagos a autoridades públicas de países menos desenvolvidos. As outras conclusões do relatório foram as seguintes: subornos são mais frequentemente oferecidos a funcionários de empresas públicas ou agentes alfandegários, sendo que, na maioria dos casos, os pagamentos são realizados para vencer licitações ou obter contratos com o setor público, ou em casos de desembaraço aduaneiro; dois terços dos casos ocorrem nos seguintes setores: mineração, construção, transporte e armazenagem e setores ligados à informação e comunicação; os intermediários (pessoas físicas ou veículos jurídicos - filiais ou empresas situadas em paraísos fiscais) estiveram envolvidos em três de cada quatro casos. Recentes casos de corrupção envolvendo multinacionais vieram à tona graças à contribuição dos departamentos de Compliance (área responsável pela conformação da empresa à legislação e à regulamentação, interna e externa, a que sua atividade está submetida) das próprias instituições envolvidas. Não se tratam, no entanto, de movimentos aleatórios, sem conexão. Ao contrário, revelam tendência 27 mundial. Esses fatos – ligados à gradativa mudança de percepção do empresariado quanto à sua relação com o Estado – coloca em evidência a área de Compliance, ainda pouco conhecida pelos brasileiros. Historicamente, a corrupção se arraigou de forma endêmica na cultura nacional, assim como em outros países em desenvolvimento. As grandes multinacionais incorporaram a prática como algo próprio dessas economias, a ponto de jurisdições, até recentemente, admitirem a prática fora dos limites territoriais e permitirem a dedução de valores de suborno da base de cálculo para a apuração de impostos nos países de origem. A Alemanha, por exemplo, só afastou essa possibilidade em 1999, quando entrou em vigor a Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promovida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), iniciando um movimento internacional firme de combate à corrupção, independentemente de onde é praticada. A mudança não provocou, com a rapidez desejada, alteração da cultura de grande parte das multinacionais – ao menos nos países com prática corruptiva corriqueira. Antes disso, desde 1977, a legislação norte-americana já previa punições para cidadãos e empresas por atos corruptivos cometidos em jurisdição estrangeira.Outros países, incluindo-se membros da União Europeia, não vinham incorporando dispositivos semelhantes, algo que vem mudando. Um exemplo é a Grã-Bretanha, que aprovou em 2010 o Bribery Act, lei que pune agentes por corrupção no exterior. Nessa mesma esteira, veio a promulgação no Brasil da Lei 12.846/13 – a “Lei Anticorrupção” –, que incluiu a responsabilização civil e administrativa de pessoas jurídicas envolvidas em atos lesivos à administração pública e introduziu mecanismos de investigação, como o acordo de leniência (espécie de delação premiada) para companhias, e estendeu punições a quem pratica esses atos fora do território nacional. Essa conjuntura, aliada à evolução do controle e do monitoramento financeiro, se constitui como um dos principais elementos para aumento de revelações de casos de corrupção ao redor do globo, inclusive no Brasil. Mas o Compliance não se resume a isso. A atividade econômica – seu amplo espectro legislativo e regulatório – deve ser alvo de monitoramento constante e orientação por departamentos e pessoas com experiência no setor, tornando-se um diferencial para as empresas que se 28 movimentam nesse sentido. É também cada vez mais comum, companhias levantarem informações sobre a estrutura de Compliance de parceiros antes de firmar compromissos, e grande parte das instituições financeiras avaliam esse item nas suas avaliações de risco. Por outro lado, empresas e órgãos, da administração pública ainda carecem dessa cultura. A evolução do universo jurídico nacional e internacional tem revelado que as empresas devem ter a conformação legal como parte indissociável de sua cultura e elemento indispensável na sua gestão de risco. Em um mundo mais competitivo, globalizado e conectado, e em uma sociedade que exige cada vez mais a postura ética, qualquer descuido pode resultar em grandes prejuízos. 2.1 Licitações Internacionais e Compliance A globalização acarreta novas modelagens da atuação do Estado. O limite das fronteiras cede espaço para o que se convencionou denominar como Direito Global, em uma concepção de que os diplomas legislativos acabam, na prática, espraiando efeitos para as mais diversas partes do mundo. O Direito Administrativo contemporâneo sofre influência dessas tendências, passando a não limitar mais a relação da Administração-cidadão, mas também interagindo com diversos entes externos e transnacionais, que impactam diretamente em diversos ramos da vida social. Nesta seara, surge o trans administrativismo oriundo de “centros de poder trans estatais: aqueles que se originam de necessidades ordinatórias das diversas sociedades, que não são providas pelos Estados, nem nacional, nem internacionalmente. ” Neste intenso influxo normativo mundial, nota-se que a eficiência impõe que as contratações públicas também estejam atentas às novas formatações comerciais. Com isso, o princípio da subsidiariedade das licitações internacionais (que informa que não sendo disponível bem ou serviço em território nacional, deve ser permitida a participação de licitantes estrangeiros) acaba perdendo fôlego na atual configuração econômica mundial. A busca pelo melhor preço e produto não pode mais prescindir de players internacionais. O argumento de que isso afetaria o desenvolvimento nacional não 29 pode mais preponderar, em especial quando estão disponíveis medidas que podem aplacar eventual evasão de capitais, como é o caso de regulamentar adequadamente os investimentos locais que serão necessários para implantar o empreendimento. Destaque-se que a licitação é, imediata e primordialmente, o mecanismo para se atingir a busca pelo melhor preço/melhor produto ou serviço para o Poder Público, sendo inadequado imputar uma intrínseca característica regulatória ao certame. Especialmente, ao se tratar de Sociedades de Economia Mista, quando deve preponderar a busca do lucro – afastada quando muito pela finalidade que motivou sua criação, como indica o art. 27 do novo Estatuto das Estatais (Lei n° 13.303/16) e o art. 238 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n° 6.404/76). Finalidade esta que não se confunde com as metas perseguidas pela dita função reguladora da licitação, por mais moralmente desejáveis que sejam essas aspirações. O planejamento governamental deve ser o meio suficiente para permitir o desenvolvimento local sustentável coadunado com a busca pela melhor oferta pelo Poder Público, não se exigindo o obrigatório exercício do poder de compra estatal para viabilizar tal desiderato. É necessária uma aplicação do art. 174 da Carta Magna, que trata do planejamento e incentivo econômico (determinante para o setor público e indicativo para os particulares), para esta finalidade, que não passe pelo uso do art. 37, XXI, dispositivo que erige a obrigação de licitação. Além disso, adotar as licitações internacionais como regra geral, permite a concretização do princípio da livre iniciativa, ao passo que franqueia a todos a participação de certame, bem como permite o melhor atendimento ao princípio da impessoalidade, pois trata todos, independentemente da nacionalidade, de forma igual. O mesmo raciocínio pode ser estendido para se concluir pela inconstitucionalidade da necessidade da empresa líder de um consórcio público ser nacional (art. 33, §1º, da Lei nº 8.666/1993). Em primeiro lugar, sobressai a noção de intervenção indevida na autonomia empresarial privada. O consórcio formado por empresas para participar de um certame público é associação privada, sendo que a sua composição deve ser de livre pactuação entre os envolvidos. Ademais, a empresa líder do consórcio ser nacional parece em nada influenciar para a administração pública sob o prisma da eficiência. 30 Em segundo lugar, a busca da competitividade, fundamental no âmbito das contratações públicas, acaba tendo sua força normativa sensivelmente reduzida, quando se confere primazia as empresas nacionais neste caso, sem nenhuma justificativa prática ou axiológica que lhe confiram consistência. Em terceiro lugar, critério de melhor preço, melhor técnica ou melhor produto, que apresenta relação intrínseca com a competitividade, é violado, haja vista que a limitação em favor de sociedade empresárias nacionais não permite que se consiga verificar no mercado internacional que é capaz de oferecer o melhor preço. (i) Outra questão que necessita de uma releitura, a partir da ótica transnacional e global, diz respeito à obrigatoriedade de nacionalidade brasileira para atuação nos Portos brasileiros, conforme previsto no art. 29, da Lei nº 10.233/2001. Não se verifica qualquer justificativa de ordem nacional que resista ao teste de proporcionalidade, justamente porque: i. viola qualquer exame de competitividade; ii. o princípio da livre iniciativa; iii. o critério de obtenção da melhor oferta. Por fim, argumentos de segurança interna não devem ser invocados, pois são facilmente administrados por um sistema de fiscalização e monitoramento adequado, bem como sobre um influxo constante de regras regulatórias claras. Diante deste cenário de internacionalização, percebe-se que a Administração Pública precisará de uma nova modelagem para lidar com o setor privado com a preparação adequada de seu corpo técnico, pois, inevitavelmente, será necessária a confecção de editais mais complexos, diante da gama de possibilidades que necessariamente surgirão e demandarão um planejamento transparente e prévio por parte do administrador. Além disso, diante das diversas culturas éticas que são particulares a cada país, percebe-se a necessidade de adoção de regras de Compliance, a fim de garantir a governança corporativa adequada aos ditames dos padrões éticos que se exige dos particulares para lidar com a coisa pública. Assim, não basta, simplesmente, abrir-se o mercado nacional para a atuação de agentes externos.Trata-se mais de publicar novos editais de concessões e parcerias público-privadas incluídos no Programa de Parcerias em Investimento (PPI) 31 serem publicados em inglês e português. Ao lado do road show, é forçosa a atenção a outra expressão inglesa: Compliance. É preciso preparar e qualificar os agentes públicos para lidar com este novo cenário. Uma maneira que vem sendo adotada em diversos países, é a necessidade que as empresas privadas tenham um programa de Compliance certificado. No caso, brasileiro, Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) conferem o selo Pró-ética para aqueles programas de probidade empresarial que sejam bem qualificados, de acordo com critérios pré-estabelecidos. Em síntese, pode-se constatar que é preciso empreender meios de compatibilização entre os interesses privados e estatais, de modo a permitir o desenvolvimento da infraestrutura por meio de financiamentos nacionais e internacionais, sempre pautados na segurança jurídica para todos os envolvidos. 2.2 Cláusulas de Compliance nos Contratos Nacionais e Internacionais e Lei Anticorrupção De fonte constitucional, o exercício dos direitos e obrigações contratuais está bem regulado na legislação civil e empresarial. Contanto, para saldar a denominada crise do inadimplemento, que é comum na rotina das relações jurídicas, visando à satisfação do direito do credor e a liberação patrimonial do devedor, o Compliance desponta como um dos princípios mais importantes da responsabilidade profissional. De modo simples e objetivo, o Compliance corresponde à observância estrita de cumprimento as normas legais e regulamentares relativas às políticas e as diretrizes estabelecidas para o negócio e para as missões de uma dada organização ou empresa. No âmbito empresarial, o fim precípuo do Compliance é, portanto, evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade que possa ocorrer no plano legal de uma entidade, abrangendo, também, o campo ético das suas relações internas e externas. O Compliance, hoje mais que uma mera tendência, é uma exigência universal para as organizações como um todo, no sentido de que os preceitos e regulamentos existentes devem ser minuciosamente obedecidos por funcionários, sócios, diretores e investidores, com vistas à afirmação da credibilidade de valores fundamentais 32 perante a sociedade, à segurança dos mercados e à promoção do bem-estar das partes envolvidas. Para que a entidade se mantenha viva, competitiva e atinja os níveis de excelência, com o retorno do investimento perseguido, o Compliance é vital, sobretudo na área contratual, tendo em vista que a realização de resultados e da produtividade de uma empresa depende de um escopo preventivo, de planejamento e de correção jurídica. O Compliance é uma ferramenta de administração especial destinada à redução dos passivos legais e contratuais das entidades públicas e privadas. Acresçam-se à recente temática do Compliance os ajustes corporativos à legislação anticorrupção e à política de combate de lavagem de dinheiro, que estão incluídos na ponta das agendas dos compromissos governamentais e nos atos negociais. Em linhas gerais, o Compliance tem a ver com a implantação de uma cultura sólida e ampla de prevenção de ilícitos de todas as ordens, mediante o uso de técnicas de treinamento, programas permanentes de pregação de integridade, controle e providências saneadoras dos problemas verificados nos processos organizacionais. O Compliance se afigura, pois, como uma energia motivacional que governa as relações pessoais e interprofissionais das mais diversas áreas, visando à estruturação de uma política de confiança, à otimização de mecanismos de uma vida sustentável e que, em última análise, procura qualificar a gestão dos ambientes de trabalho, mitigando riscos, perdas e danos em virtude de erros, dos acidentes, das crises e dos conflitos institucionais que afetam, corriqueiramente, todas as esferas de poder das organizações. O conhecimento e a introdução de Compliance contratual têm a ver, portanto, não apenas como instrumento de garantia da higidez e dos direitos básicos da empresa, mas senão com enunciados ético-normativos mais amplos que buscam proteger todos os atores das investidas danosas ocorridas em suas respectivas vidas e ações negociais. Neste sentido, entende-se que, como procedimento adequado ao Compliance, as tratativas estabelecidas pelos empresários hão de ser governadas com o objetivo de que os direitos e os deveres oriundos de suas contratações sejam respeitados. 33 Em um planejamento empresarial, a noção do Compliance empresarial é fundamental e a gestão de uma carteira saudável de contratos depende, em boa medida, do domínio sistêmico de conhecimento de seus representantes e operadores, notadamente dos institutos nas áreas do Direito Constitucional e Administrativo; Direito Tributário, Ambiental, Penal e Processual; Direito Econômico e Financeiro; Direito do Consumidor; Estatuto do Idoso; Direito do Trabalho; normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT); Direito Internacional Público e Privado; dentre outros. Logo, a atuação e os fundamentos do Compliance contratual valem-se de conceitos jurídicos fundamentais de Direito Público e Privado que são, absolutamente, estratégicos para auxiliar a tomada de decisões, para a excelência social e empresarial. O arsenal de atos que se oportunizam da vida empresarial gera um leque de direitos e obrigações que se abre tanto para o setor governamental quanto para a sociedade civil, alcançando ainda uma impressionante massa de pessoas, dentre trabalhadores ou não, dispostas a consumirem produtos e serviços. Nesse aspecto, as atividades empresariais envolvem riscos porquanto é natural que, dentro deste esquema de hipercomplexidade de relações jurídicas, haja conflitos, dúvidas ou litígios decorrentes das posições e dos interesses políticos, sociais e econômicos os mais diversos e divergentes das pessoas envolvidas nesses processos. Com vistas a evitar a eclosão, individual ou coletiva, de desvios ou abusos aos vetores da legalidade e da dignidade na prática empresarial, que comprometem o bem-estar comum e o tecido da paz social, a nossa ordem jurídica proclama um extenso catálogo de direitos e deveres que devem ser conhecidos. Afinal, a imposição de danos, sanções e punições acabam minando ou prejudicando a rentabilidade da sociedade. Em contraponto à prevenção e à inibição de ilícitos, eis que o Compliance exsurge como ferramenta adequada para controlar a responsabilização jurídica empresarial, derivada seja do sistema de culpa contratual, seja do regime extracontratual. Assim, coexistindo a uma infinidade de normas que versam acerca de preceitos que podem degenerar em lesões patrimoniais empresariais, vigem os direitos fundamentais assegurados às pessoas, ora sedimentados nos incisos dos 34 arts. 5º e 6º, da CF/88. A adesão do Brasil a outros pactos, tratados e protocolos internacionais dos quais nosso país é signatário também é curial para que se evite o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de violações jurídicas. De outra parte, imperioso destacar que as condutas empresariais, materializadas, no âmbito negocial, através da celebração de contratos, também produzem repercussões na órbita tributária, o que acabam por influir no processo produtivo e de consumo das pessoas e das organizações. Neste espectro, ressai-se de novo o papel do Compliance, em especial o jurídico, que deve nortear, portanto, as atividades, os investimentos, os recursos humanos e as decisões corporativas. Remetendo a um conjunto de princípios e a regras primárias fundamentais de transparência e correção, no afã de ofertar credibilidade da empresa perante a sociedade, o mercado e as partes interessadas,o Compliance contratual é de grande utilidade na vida das organizações, sobretudo nos entes sujeitos à forte regulamentação e controle. Dentro do sistema que vigia as medidas anticorrupção e que se acautela contra os ilícitos praticados por organizações criminosas, o Compliance contratual é hoje uma lógica estratégica da performance organizacional, que condensa as empresas, em especial, as de perfil multinacional. Ao desaprovar a corrupção e ao tentar afastar os grupos criminosos infiltrados nos seios das corporações, a concepção, a consistência e a continuidade do compromisso da Justiça Contratual se consubstanciam em planos de treinamentos de grupos, equipes ou pessoas que se identifiquem e são recomendáveis em procedimentos nas ações relacionadas à política de uma entidade. Há hoje uma preocupação central, hoje, com a standardização contratual diz respeito às providências necessárias à neutralização dos negócios ilícitos das organizações. Neste ponto, no Direito Empresarial brasileiro, vigoram as Leis n°s 12.846/13 e 12.850/13, que tratam, respectivamente, da responsabilização civil e administrativa das empresas pela prática de atos contra a administração pública nacional e estrangeira, que define, de vez, o conceito de organização criminosa recortado pela Convenção de Palermo (Decreto nº 5.015/04), em ab-rogação à Lei no 9.034/95. Fruto da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, do ano 2000, da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCLA) e atendendo 35 ainda à cobrança da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), órgão que engloba 40 nações, foi criado o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), que reúne e dá publicidade às punições aplicáveis às instituições, após o processo administrativo dirigido pelo órgão governamental. A legislação em tela enseja a cobrança de multas entre 0,1% (zero vírgula um por cento) e 20% (vinte por cento) do faturamento bruto de empresas, podendo esse valor chegar até a R$ 60 (sessenta) milhões de reais, se comprovado o ato típico, independente das alterações contratuais, incorporações, fusões, cisões societárias e transformações. As condenações por corrupção podem acarretar ainda suspensão ou interdição parcial das atividades da empresa, sua dissolução compulsória e gerar restrições para contrair empréstimos, participar de licitações e de créditos bancários. As duras penalidades estatuídas forçam, então, a ideia de que as operações da due diligence anticorrupção e qualquer ato negocial com o governo devem ser redobrados em cautela, havendo, ainda, a possibilidade da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica ex vi do art. 50, do CC (disregard doctrine), razão pela qual o Compliance empresarial é hoje imprescindível nos processos de avaliação de riscos e de decisões contratuais. A Lei nº 8.078/90, que instituiu o Código de Defesa de Consumidor (CDC), é imprescindível para o planejamento da Logística empresarial, exigindo adequabilidade, a exequibilidade, a flexibilidade, o equilíbrio e a integralidade das ações e meios dos gestores jurídicos para a formulação de políticas de ambientes internos e externos das organizações, desde o nível estratégico até o tático. Estes contratos, em comum, devem compatibilizar a uniformidade dos procedimentos à continuidade de todas as operações de apoio que servirão para a tomada das decisões empresariais. No que tange ao contexto da Logística contratual, o CDC surgiu no nosso ordenamento jurídico a partir da imposição do mandamento constitucional inserto no inciso XXXII, do art. 5º, c/c o art. 170, V, da Constituição Federal, segundo o qual “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. A consciência do respeito aos direitos dos consumidores, no desempenho dos processos de fluxo dos produtos e nas etapas da cadeia de abastecimento da organização, requer que tanto a administração da empresa quanto o operador logístico compreendam que, no planejamento, na programação e na execução das 36 atividades de produção, gerenciamento e processamento logístico, atenção máxima seja dada também ao destinatário final do produto, dentro do conceito de Supply Chain Management. Assim, o provimento dos contratos de logística, além de observar normas gerais e específicas para cada setor e atividade modal, precisa estar em sintonia com as normas cogentes que tutelam o consumidor, abarcando a preocupação com o time da entrega do produto, a constatação de avarias até o eventual ressarcimento de danos. O trato com as questões consumeristas, portanto, é uma das chaves que indicam não só a produtividade e a lucratividade da empresa, como também permite que seja feita a aferição do grau de satisfação do cliente através do Key Performance Indicators (Indicadores de Desempenho-ID). Na direção empresarial, a sustentabilidade e saúde de seus contratos dependem, pois, da integração de uma filosofia que chancela o consumidor, ainda mais em face do surgimento dos Juizados Especiais e dos Procons. Demais disso, as métricas que medem a eficiência das empresas levam em conta hoje não só sua situação financeira, mas também os seus processos de gestão logística, a engenharia dos seus negócios, o benchmarking (que quantifica as melhores práticas e os objetivos da empresa), a adoção do modelo SCOR e as políticas consumeristas que auxiliam, enfim, à tomada de decisões sociais dos administradores. Na esteira do que já se sustentou, os grandes laços eletrônicos, em uma época de globalização e da internet, carreiam impactos expressivos para todos os países envolvidos e nas transações nacionais, em particular, a população se organiza e desenvolve eventos e relações que consagram excelentes oportunidades de expansão civil, comercial, cultural e econômica. Mesmo sem estar planificadas por um organismo supranacional, a Justiça Contratual, neste quadro, é quem afirma os estatutos ordinários para regular o regime jurídico das relações civis, empresariais e de consumo, nacional e internacional. Os contratos comuns e governamentais devem, entretanto, encaixar-se, pois, aos princípios da dignidade da pessoa humana, da transparência, da boa-fé, do equilíbrio, da segurança, da proteção dos interesses econômicos e da vulnerabilidade do consumidor. 37 Neste aspecto, a Lei nº 12.741/12 obrigou que fosse discriminado o valor do tributo nas notas fiscais, enquanto que a Lei nº 12.965/14 que inaugurou o marco civil da internet, agregando valor especial ao sistema jurídico. O resultado foi o benefício para a cadeia produtiva em razão de uma justiça contratual, posta para suscitar a confiança dos negócios jurídicos e para propor relações equilibradas entre consumidores e fornecedores; extensivas também às operações virtuais e eletrônicas. Sob o pálio da Inter juridicidade do Direito, notáveis impulsos foram dados a novas regras para a contratação, fiscalização e execução da responsabilidade de profissionais de todos os setores que ligam o comércio, a logística, os fornecedores e os prestadores de serviço. Em virtude da amplitude da internet, em todas as fases procedimentais das relações de consumo, a mecânica atual do Direito Empresarial e o Compliance contratual formam, pois, um sistema que repele as práticas abusivas ou lesivas derivadas das relações e sujeitos sociais. Logo, os pactos estritamente comerciais e os pontos de contato consumeristas se tutelam por normas que impedem maiores danos ex vi dos paradigmas constitucionais, com notória chancela aos hipossuficientes. Na realização de negócios consumeristas, os fatores jurídicos que permeiam as suas relações contratuais hão de considerar os parâmetros jurídicos internos, que, no caso do Brasil, evidenciam a primazia dos princípios constitucionais