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Você precisa de uma estratégia de inovação Gary P. Pisano, FEVEREIRO 2016 É a única maneira de tomar boas decisões e escolher as práticas mais adequadas. Apesar dos pesados investimentos para gerir tempo e dinheiro, o processo de inovação ainda é algo bem frustrante para muitas empresas. Iniciativas originais falham frequentemente. E boa parte das organizações que conseguem trazer novidades com sucesso tem dificuldade de manter o desempenho, como Polaroid, Nokia, Sun Microsystems, Yahoo, Hewlett-Packard e tantas outras. Por que é tão difícil cultivar e manter a capacidade de inovação? As razões são muito mais profundas do que falhas de execução, como muitos costumam dizer. O problema está enraizado na falta de estratégia. Isso nada mais é do que o compromisso com diversas políticas que se reforçam mutuamente e um conjunto de comportamentos que visa alcançar uma meta competitiva específica. Táticas efetivas favorecem o alinhamento entre os diversos grupos dentro da organização, clarificam objetivos e prioridades e ajudam a focar no desempenho em torno deles. Empresas costumam definir regularmente a estratégia global de negócios (alcance e posicionamento) e especificar de que forma diversas funções (como marketing, operações, finanças e P&D) podem apoiá-la. Mas, depois de estudar organizações de diversas indústrias, além de prestar consultoria a elas, por mais de duas décadas, descobri que muitas raramente articulam seus planos para alinhar esforços de inovação e táticas de negócio. Sem uma estratégia, o empenho para aprimorar a habilidade de ser original pode facilmente se transformar num saco de surpresas de práticas vistas de maneira excessivamente favorável. Isso tende e dividir a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em equipes autônomas descentralizadas, gerar iniciativas empresariais internas, criar um ramo do capital de risco corporativo, favorecer a busca de alianças externas, a inovação aberta e o crowdsourcing, a colaboração com os clientes e a implementação de prototipagem rápida, para citar apenas alguns exemplos. Não há nada de errado com nenhuma dessas práticas em si. O problema é que a originalidade de uma organização depende de um sistema de inovação: um conjunto coerente de processos e estruturas interdependentes que determinam como a empresa lida com novos problemas e busca soluções, sintetiza as ideias em um conceito de negócio e em projetos de produtos e seleciona os que serão financiados. As melhores práticas individuais envolvem trade-offs. E adotar um jeito específico de trabalhar requer uma série de mudanças complementares em todo esse processo. Uma empresa sem uma estratégia nesse sentido tem poucas chances de tomar decisões conflitantes e escolher os elementos que compõem um sistema de inovação. Copiar processos alheios não é a resposta. Não há um sistema que se encaixa igualmente bem em todas as empresas ou funciona nas mesmas circunstâncias. Não há nada de errado em aprender com os outros, claro, mas é um erro acreditar que o que serve, digamos, para a Apple (inovadora favorita de hoje), vai funcionar para a sua organização. Uma estratégia original ajuda a projetar um sistema para atender a necessidades competitivas específicas. Finalmente, sem um plano, diferentes áreas da empresa podem facilmente investir em prioridades conflitantes, mesmo com uma clara estratégia de negócio. Representantes de vendas ouvem diariamente sobre as necessidades urgentes dos maiores clientes. O pessoal de marketing pode enxergar uma oportunidade de alavancar a marca com produtos complementares ou expandir a cota de mercado com canais de distribuição. Chefes de unidades de negócios estão focados no mercado-alvo e na pressão para demonstrar resultados. Cientistas e engenheiros P&D tendem a investir na tecnologia. Perspectivas diversas são fundamentais para inovar com sucesso. Mas, sem uma tática de integração e alinhamento das perspectivas em torno de prioridades comuns, a diferença pode enfraquecer ou, pior, ser destrutiva. Um bom exemplo de como uma estreita ligação entre estratégia empresarial e inovação pode conduzir ao topo, em longo prazo, é a Corning, uma fabricante líder de componentes especiais utilizados em displays eletrônicos, sistemas de telecomunicações, produtos ambientais e instrumentos utilizados em ciências biológicas. (Consultei a empresa, mas as informações deste artigo foram retiradas do estudo de caso da HBS, de 2008, “Corning: 156 years of innovation” [Corning: 156 anos de inovação], por H. Kent Bowen e Courtney Purrington). Ao longo dos seus mais de 160 anos, a organização tem constantemente transformado seu negócio e crescido em novos mercados com novidades revolucionárias (veja a linha do tempo na próxima página). Quando comparada com as melhores práticas atuais, a abordagem da Corning pode parecer ultrapassada. A empresa é uma das poucas com laboratório de P&D centralizado (Sullivan Park, região rural do norte do Estado de Nova York). Investe muito em pesquisa básica, uma prática de que muitas organizações desistiram há um bom tempo. E emprega ainda maiores recursos em tecnologia de fabricação e locais industriais, além de manter uma considerável área de manufatura nos Estados http://hbrbr.com.br/wp-content/uploads/2016/02/1.jpg Unidos, contrariando a tendência de terceirização e relocação de processos da produção. No entanto, vista através de uma lente estratégica, a abordagem da Corning faz todo o sentido em relação à inovação. As táticas de negócio da empresa se concentram na venda de componentes-chave que melhoram significativamente o desempenho de produtos de sistemas complexos dos clientes. Para isso, a organização precisa se manter na vanguarda dos materiais utilizados na ciência para resolver problemas excepcionalmente difíceis e descobrir novas aplicações para suas tecnologias. Isso exige investimentos pesados na pesquisa de longo prazo. Ao centralizar a P&D, a companhia garante que especialistas das diversas áreas relacionadas com as suas principais tecnologias possam colaborar. Sullivan Park se tornou um local de conhecimento acumulado para a aplicação de instrumentos científicos a problemas industriais. Novos materiais exigem inovações de processos complementares e pesados investimentos em fabricação e tecnologia. Ao manter pontos industriais nacionais, a empresa pode suavizar a transferência de novas tecnologias da P&D para a fabricação e, assim, aumentar a produção. Esta estratégia não serve para todos. Investimentos de longo prazo em pesquisa são arriscados: o fracasso das telecomunicações no final de 1990 devastou o negócio de fibra óptica da Corning. Mas a empresa mostra a importância de uma tática de inovação claramente articulada, ligada à estratégia de negócios da empresa e à proposição de valor central. Sem um plano, a maioria das iniciativas para favorecer a originalidade está fadada ao fracasso. Conexão entre inovação e estratégia Há aproximadamente dez anos, a companhia farmacêutica Bristol-Myers Squibb (BMS) decidiu, como parte de um amplo reposicionamento estratégico, enfatizar o combate ao câncer como algo fundamental para a empresa. Ao identificar medicamentos derivados da biotecnologia (anticorpos monoclonais, por exemplo) como armas poderosas contra a doença e um frutífero campo de negócio, a BMS resolveu mudar o tradicional repertório tecnológico de base químico-orgânica para a biotecnologia. A nova tática (ênfase no mercado de tratamento do câncer) exigiu outro plano de inovação (deslocamento da tecnologia para a área de produtos biológicos). (Consultei a BMS, mas estas informações foram apuradas em fontes públicas.) O processo de desenvolvimento de estratégias de inovação, assim como de qualquer plano efetivo, deve começar com a compreensão e articulação claras dos objetivos específicos para ajudar a empresa a alcançar vantagem competitiva sustentável. Isso exige muito além de generalizações, como “Precisamos seroriginais para crescer”, “Inovamos para criar valor”, “Temos que desenvolver coisas novas para nos mantermos à frente dos concorrentes”. Estes não são planos táticos. Não ajudam a pensar em inovações valiosas (ou desnecessárias). Uma estratégia robusta deve responder o seguinte: http://hbrbr.com.br/wp-content/uploads/2016/02/2.jpg Como a inovação pode criar valor para clientes em potencial? A menos que a originalidade induza possíveis consumidores a pagar mais ou guardar dinheiro ou ofereça benefícios sociais, como melhorias na saúde ou no fornecimento de água potável, não produz vantagem competitiva. Obviamente, é possível criar valor de muitas maneiras, como aprimorar o desempenho de um produto ou torná-lo mais conveniente, confiável, barato e assim por diante. Escolha o tipo de vantagem que sua inovação poderá criar e, em seguida, a fixe àquilo que é indispensável, porque os recursos necessários para cada uma são bastante diferentes e exigem tempo. Por exemplo, a empresa de pesquisa e desenvolvimento científico Bell Labs criou várias inovações revolucionárias e diversificadas por mais de meio século: o PABX, a célula fotovoltaica, o transistor, a comunicação por satélite, o laser, a telefonia móvel e o sistema operacional Unix, para citar apenas algumas. Mas as investigações da companhia foram guiadas pela estratégia de criar e aprimorar os recursos e a segurança das redes de telefone. O programa de pesquisa de estado sólido (que levou à invenção do transistor) foi motivado pela necessidade de estabelecer as bases científicas para o desenvolvimento de componentes mais modernos e confiáveis para o sistema de comunicação. A investigação sobre a transmissão por satélite foi aguçada, em parte, pela limitada largura de banda e os riscos de segurança de cabos submarinos. A Apple concentra seus esforços de inovação de forma consistente para tornar seus produtos mais fáceis de usar do que os dos concorrentes e proporcionar uma ótima experiência com a crescente família de dispositivos e serviços. Por isso faz total sentido a ênfase no desenvolvimento integrado de hardwares e softwares, sistemas operacionais próprios e design. De que maneira a empresa pode captar uma parcela do valor criado pelas inovações? Este tipo de novidade atrai imitadores tão rapidamente quanto clientes. A propriedade intelectual por si só raramente é suficiente para impedir os concorrentes. Considere a quantidade de tablets que surgiram após o sucesso do iPad, da Apple. Assim que entram no mercado, os imitadores criam pressão sobre os preços, o que pode reduzir o valor original captado pela inovação. Além disso, se fornecedores, distribuidores e outras empresas necessárias para entregar o novo produto forem muito dominantes, podem ter poder de barganha o suficiente para ficar com a maior parte do valor. Considere como a maioria dos fabricantes de computadores pessoais estava, em grande parte, à mercê da Intel e da Microsoft. As empresas devem pensar que ativos complementares, habilidades, produtos ou serviços podem impedir os consumidores de escorregar para os concorrentes. Assim, a companhia se mantém forte no ecossistema. A Apple desenvolve complementaridades entre seus dispositivos e serviços para que um dono de iPhone ache mais atrativo usar um iPad do que um tablet rival. A multinacional também controla o sistema operacional, o que a torna uma jogadora indispensável no mundo digital. A estratégia de parceria com clientes da Corning ajuda a proteger as inovações da empresa contra imitadores: os componentes principais são projetados para o sistema do consumidor — caso procure outro fornecedor, o cliente terá de arcar com os custos da mudança. Uma das melhores maneiras de preservar o poder de barganha em um ecossistema e enfraquecer a influência de quem copia os produtos é investir na inovação. Recentemente, visitei uma empresa de móveis no norte da Itália, que abastece alguns grandes varejistas do mundo através de sua fábrica original local. Da perspectiva da captação de valor, depender de poucos varejistas globais para a distribuição é arriscado. Os megavarejistas têm acesso a dezenas de outros fornecedores em todo o mundo, muitos em países de baixo custo. Além disso, o design de móveis não é facilmente protegido pelas patentes, o que não ajuda a garantir a continuidade do negócio. No entanto, a empresa conseguiu prosperar, investindo tanto em novos projetos, o que permite ganhar a transação no início do ciclo de vida do produto, quanto em tecnologias de processos sofisticados, o que ajuda a empresa a se defender contra concorrentes de países de baixo custo enquanto os produtos amadurecem. Quais tipos de inovação podem permitir criar e captar valor para a empresa e quais os recursos para isso? Certamente, novidades tecnológicas podem gerar valor econômico e vantagem competitiva. Mas algumas grandes ideias originais podem ter pouco a ver com os avanços tecnológicos. Nas duas últimas décadas, temos observado diversas empresas (Netflix, Amazon, LinkedIn, Uber) dominarem a arte dos negócios inovadores. Neste sentido, as empresas precisam escolher o quanto investir em tecnologia e modelo empresarial. O quadro “Mapa da originalidade” ajuda a pensar sobre isso. O esquema, com base na minha pesquisa e na de especialistas como William Abernathy, Kim Clark, Clayton Christensen, Rebecca Henderson e Michael Tushman, descreve criações originais em duas dimensões: o grau em que envolve mudanças na tecnologia ou no modelo de negócios. Embora cada aspecto exista num continuum, juntas sugerem quatro quadrantes, ou categorias, de inovação. Inovação de rotina tem como base as competências tecnológicas de uma empresa. O modelo se encaixa com o jeito de trabalhar da organização e, portanto, com sua base de clientes. Um exemplo são os lançamentos de microprocessadores cada vez mais potentes da Intel, o que tem permitido manter altas margens de lucro e o crescimento da empresa por décadas. Outro caso: as novas versões do Windows, da Microsoft, e do iPhone, da Apple. Inovação disruptiva, uma categoria nomeada por meu colega Clay Christensen, da Harvard Business School, e que requer um novo modelo de negócio, mas não necessariamente avanços tecnológicos. Por esta razão, também desafia, ou rompe, os padrões de transações de outras empresas. Por exemplo, o sistema operacional para dispositivos móveis Android, da Google, pode desestabilizar empresas como Apple e Microsoft, não por causa de alguma grande diferença técnica, mas devido ao modelo de negócio: o Android é distribuído gratuitamente; os sistemas operacionais da Apple e da Microsoft, não. Inovação radical é o oposto da disruptiva. O desafio aqui é puramente tecnológico. O surgimento da engenharia genética e da biotecnologia nos anos 1970 e 1980 como uma abordagem para a descoberta de medicamentos é um exemplo. Sólidas empresas farmacêuticas, com décadas de experiência na síntese química de drogas, enfrentaram grandes obstáculos para desenvolver competências na área da biologia molecular. Mas os fármacos derivados da biotecnologia se encaixaram bem em seus modelos de negócios, o que exigiu forte investimento em P&D, financiado por alguns produtos de alta margem de lucro. Inovação arquitetônica combina disrupções tecnológicas e de modelos de negócios. Um exemplo é a fotografia digital. Para empresas como Kodak e Polaroid, entrar nesse mundo significava dominar completamente novas competências em relação a eletrônicos em estado sólido, design de câmera, softwares e tecnologia de exibição. Além de ter que encontrar maneiras de lucrar com as máquinas, e não com “descartáveis” (filme, papel, produtos químicos de processamento e serviços). Como se pode imaginar, esse processo traz os maiores desafios. A estratégia de inovação deve especificar como os diferentes tipos de novidade se encaixam nas táticas de negócio da empresa e os recursos que exigem. Atualmente, http://hbrbr.com.br/wp-content/uploads/2016/02/3.jpgboa parte da publicação sobre o tema aponta os modelos radical, disruptivo e arquitetônico como chaves para o crescimento, e o de rotina, na melhor das hipóteses, míope, ou, na pior, suicida. Esta linda de pensamento, porém, é bastante simplista. De fato, a maior parte dos lucros é gerada por este último tipo. Desde que lançou sua última grande inovação disruptiva (o chip i386), em 1985, a Intel faturou mais de US$ 200 bilhões em receitas operacionais, que vieram, principalmente, dos microprocessadores de última geração. A Microsoft é frequentemente criticada por explorar suas tecnologias existentes em vez de introduzir verdadeiras disrupções. Essa estratégia, porém, gerou US$ 303 bilhões em lucros operacionais desde o Windows NT, de 1993 (e US$ 258 bilhões desde o Xbox, de 2001). O último grande avanço da Apple, o iPad (segundo o que está escrito), foi lançado em 2010. Desde então, a multinacional disparou um fluxo constante de atualizações para suas plataformas centrais (Mac, iPhone e iPad), gerando impressionantes US$ 190 bilhões em ganhos operacionais. O ponto aqui não é que as empresas devem se concentrar apenas na inovação de rotina. Pelo contrário, não há um tipo preferido. De fato, como sugerem os exemplos acima, diferentes modelos podem ser complementares, em vez de substitutos, ao longo do tempo. Intel, Microsoft e Apple não teriam lucros maciços desse modelo sem que tivessem firmado as bases com vários avanços. Por outro lado, é bem provável que uma companhia que introduza novidades disruptivas sem aprimorar seus produtos não segure seus novos clientes por muito tempo. Muitos executivos me perguntam: “Qual proporção de recursos deve ser direcionada para cada tipo de inovação?”. Infelizmente, não existe uma fórmula mágica. Como acontece com qualquer questão estratégica, a resposta será determinada de acordo com cada empresa e dependente de diversos fatores, como o nível tecnológico e seu alcance, a intensidade da concorrência, a taxa de crescimento nos principais mercados, o quanto atende às necessidades dos clientes e os pontos fortes da organização. Empresas em mercados em que o núcleo de tecnologia tem evoluído rapidamente (como de produtos farmacêuticos, mídia e comunicações) terão que focar muito mais na inovação radical — e nas oportunidades e ameaças. Quando os negócios ainda estão em fase de amadurecimento, pode ser preciso inovar o modelo de transação comercial e investir em avanços tecnológicos radicais. Mas as organizações com plataformas que crescem rapidamente certamente devem concentrar a maior parte de seus recursos na estruturação e expansão. Portanto, os quatro tipos de inovação envolvem dois fatores essenciais: soma e equilíbrio. A Google, sem dúvida, experimentou um rápido crescimento com a ajuda de inovações de rotina em seu negócio publicitário, mas não deixa de sondar novidades radicais e arquitetônicas, como o carro sem motorista nas instalações do Google X. A Apple não descansa sobre os louros do iPhone – em vez disso explora dispositivos portáteis e sistemas de pagamento. E, embora a maior parte da receita e dos lucros das empresas de automóveis dominantes ainda seja gerada por veículos movidos a combustíveis tradicionais, a maioria já introduziu veículos de energia alternativa (híbridos e totalmente elétricos) e tem investido intensamente na pesquisa e desenvolvimento em busca de opções avançadas, como motores de células de combustível a hidrogênio. Como superar tendências predominantes Costumo comparar a inovação de rotina com a vantagem do time que joga em casa: é onde as organizações mostram sua força. Sem uma clara estratégia indicando o contrário, diversas forças organizacionais tendem a impulsionar as novidades em direção a um lugar cômodo. Alguns anos atrás eu trabalhava com uma empresa de lentes de contato. Seus líderes decidiram focar menos em inovações de rotina, como adicionar matizes de cores e modificar o design dos produtos, e investir mais agressivamente na busca de outros materiais que poderiam melhorar consideravelmente a acuidade visual e o conforto. No entanto, não avançaram muito nos anos que se seguiram. Durante uma reunião de diretoria, uma revisão dos investimentos em P&D revelou que a maioria das despesas nessa área estava relacionada com o refinamento de produtos existentes (exigido pelo marketing para evitar perdas em curto prazo) e processos de aperfeiçoamento (solicitado pela fabricação para reduzir custos, o que, por sua vez, havia sido requerido pelo departamento de finanças para preservar as margens de lucro, já que os preços caíam). Pior ainda, quando a P&D finalmente criou uma lente de alto desempenho, com base num material novo, a fabricação não era capaz de produzi-la de forma consistente e em grande volume, porque não tinha investido nos recursos necessários. Apesar da intenção estratégica de se aventurar por um novo território, a empresa ficou presa “em casa”. A raiz do problema é que as unidades de negócio e funções tomaram decisões de redirecionamento de recursos, favorecendo os projetos que cada uma considerava mais urgente. Somente depois que a alta administração criou metas claras para diferentes tipos de produto (e direcionou uma porcentagem específica de recursos para projetos de inovação radical) a empresa começou a progredir e desenvolver novas ofertas, o que ajudou a sustentar a estratégia de longo prazo. A organização aprendeu que táticas originais são imprescindíveis quando é preciso mudar antigos padrões. Como gerenciar trade-offs Estratégias de inovação, como já pontuei, ajudam a esclarecer o que se ajusta à sua organização. E também a navegar por inevitáveis trade-offs. Considere uma prática popular: o crowdsourcing. A ideia é que, em vez de depender de alguns especialistas (talvez os próprios funcionários) para resolver questões específicas de inovação, a empresa abra o processo para qualquer um: o crowd (grupo). Um exemplo comum é quando uma organização envia um problema para uma plataforma web (como a InnoCentive) e pede soluções, talvez oferecendo um prêmio financeiro. Ou como no caso de projetos de software de código aberto, em que os voluntários contribuem com o desenvolvimento de um produto ou de um sistema (como o Linux). A prática tem muitos pontos positivos: ao convidar um grande número de pessoas (que provavelmente não teria encontrado no país) para ajudar a enfrentar os desafios, as chances de encontrar uma saída original aumentam. Uma pesquisa feita por meu colega Karim Lakhani, da Harvard Business School, e seu colaborador Kevin Boudreau, da London Business School, sugere fortes evidências de que o crowdsourcing pode levar a soluções mais rápidas, eficientes e criativas. No entanto, o método produz resultados mais satisfatórios em situações específicas. Exige, por exemplo, formas ágeis e eficazes de testar diversas saídas possíveis. Se isso custar muito tempo e dinheiro, você precisa encontrar outra abordagem, como solicitar respostas de apenas alguns especialistas ou poucas organizações. O crowdsourcing tende a ser mais funcional para lidar com sistemas altamente modulares, em que diferentes voluntários podem se concentrar em componentes específicos sem se preocupar com outros. Não se trata de um jeito positivo ou negativo de trabalhar. É simplesmente uma ferramenta (que conta com um grande número de pessoas que ajudam a resolver problemas) que tem força em alguns contextos (base de conhecimento altamente difusa, formas relativamente baratas para testar soluções propostas, linguagens modulares), mas não em outros (competências concentradas, avaliações dispendiosas e sistemas com arquiteturas integrais). Outra prática sujeita a trade-offs é o envolvimento do cliente no processo de inovação. Defensores de abordagens “cocriativas” argumentam que uma estreita colaboração com os consumidores aumenta as chances de ideias originais. (Consulte “Como erguer uma empresa cocriadora”,por Venkat Ramaswamy e Francis Gouillart, HBRBR, dezembro de 2011). Os que contestam essa ideia, porém, dizem que trabalhar muito próximo dos clientes impede de encontrar inovações verdadeiramente disruptivas. Steve Jobs é inflexível nesse ponto. Diz que consumidores nem sempre sabem o que querem, por isso ele decidiu abrir mão da pesquisa de mercado. Escolher um lado desse debate requer um frio cálculo estratégico. A abordagem de inovação centrada no cliente da Corning é apropriada para uma empresa com táticas de negócio focadas na criação de componentes essenciais de sistemas altamente originais. Seria praticamente impossível desenvolver esses itens sem recorrer à compreensão profunda dos clientes a respeito da linguagem que utilizam. Além disso, essa estreita colaboração permite que empresa e consumidor adaptem mutuamente sistemas e componentes. Algo essencial, numa época em que alterações sutis podem afetar um ao outro. No entanto, a abordagem demand-pull da Corning (identificar problemas altamente desafiadores dos consumidores e, em seguida, descobrir como as tecnologias de ponta da empresa podem resolvê-los) pode ser limitada pelas ideias dos clientes e pela falta de disposição deles para assumir riscos. Esta estratégia também depende de escolher os consumidores certos; caso contrário, a empresa pode não acompanhar as transformações do mercado. http://hbrbr.com.br/como-erguer-uma-empresa-cocriadora/ http://hbrbr.com.br/como-erguer-uma-empresa-cocriadora/ http://hbrbr.com.br/como-erguer-uma-empresa-cocriadora/ Uma estratégia supply-push (desenvolver uma tecnologia e encontrar ou criar um mercado) pode ser mais adequada quando um nicho ainda não existe. Um bom exemplo é o circuito integrado, criado em 1950 pelas empresas Texas Instruments e Fairchild Semiconductor. Ambas trouxeram a ideia de colocar vários transistores num chip para resolver um problema de segurança, sem produzir computadores menores. Mas, com exceção das Forças Armadas, poucos procuraram o produto. Fabricantes de computadores, equipamentos eletrônicos e sistemas de telecomunicações preferiam transistores discretos, que eram mais baratos e menos arriscados. Para ajudar a criar demanda, a Texas Instruments desenvolveu e comercializou outro dispositivo: a calculadora de mão. Algumas empresas farmacêuticas, como a Novartis (onde consultei estes dados), impedem abertamente seus grupos de pesquisa de entrar em contato com informações de mercado na hora de decidir quais programas seguir. Muitas acreditam que os longos períodos de desenvolvimento de medicamentos e as complexidades do mercado impossibilitam previsões exatas. (Consulte o estudo de caso da HBS, de 2008, “Novartis AG: science-based business”, por H. Kent Bowen e Courtney Purrington.) http://hbrbr.com.br/wp-content/uploads/2016/02/4.jpg Mais uma vez, escolher entre as abordagens demand-pull e suplly-push envolve considerar os trade-offs. Se escolher a primeira, arrisca investir em tecnologias que ainda não têm mercado. Se sua opção for a outra, pode criar novidades que não encontram um nicho. Trade-offs similares são próprias do processo de escolha de inovações. Por exemplo, muitas empresas adotam modelos phase-gate bastante estruturados para gerenciar métodos de inovação. Os defensores dizem que esse jeito de trabalhar favorece a previsibilidade e disciplina em tarefas que podem estar bem desorganizadas. Aqueles que se colocam contra argumentam que enfraquece a criatividade. Quem está certo? Ambos — mas para diferentes tipos de projeto. A primeira abordagem, que tende a focar na resolução de incertezas técnicas e de mercado o mais rapidamente possível, é mais indicada para inovações que envolvem tecnologias conhecidas para um mercado familiar. Mas, em geral, não permitem muita inovação, que exigiria combinar novos nichos e tecnologias inéditas. Esses projetos complexos e incertos demandam um tipo diferente de processo, que envolve prototipagem rápida, experimentação antecipada, resolução de problemas paralelos e iteração. Clareza sobre quais trade-offs são melhores para a empresa como um todo (algo que estratégias de mudança tendem a produzir) é extremamente útil para superar as barreiras do tipo de inovação que as transformações organizacionais muitas vezes exigem. Não resistimos à mudança porque somos teimosos e políticos, mas porque temos perspectivas diferentes, inclusive sobre como pesar decisões conflituosas nesse tipo de processo. Discernimento sobre trade offs e prioridades é o primeiro passo importante para mobilizar a organização em torno de uma iniciativa de inovação. O desafio da liderança Desenvolver a capacidade de inovar começa com uma tática. Com isso, surge uma questão: de quem é o trabalho de definir a estratégia? A resposta é simples: dos líderes mais competentes da organização. O processo de criar algo novo atravessa todas as funções. Os profissionais seniores são os mais indicados para orquestrar um sistema tão complexo. Eles devem assumir a principal responsabilidade sobre os processos, as estruturas, os talentos e os comportamentos que moldam como a organização busca por oportunidades de inovação, sintetiza ideias em conceitos e projetos de produtos e escolhe como atuar. Há quatro tarefas essenciais na criação e implementação de uma tática de inovação. A primeira é responder: “Como esperamos que isso crie valor para os clientes e a empresa?”. E, em seguida, explicar para a organização. A segunda é desenvolver um plano de alto nível para direcionar recursos para os diferentes tipos de projeto. Em última análise, independentemente do que diga, sua estratégia será determinar onde gastar dinheiro, tempo e esforço. Gerenciar trade-offs é a terceira. Cada função, obviamente, serve aos seus próprios interesses. Por isso, é papel dos líderes seniores fazer as melhores escolhas para toda a empresa. O desafio final para líderes seniores é reconhecer que é preciso desenvolver estratégias de inovação. Táticas representam hipóteses, que serão testadas de acordo com o mercado, as tecnologias, os regulamentos e os concorrentes. Assim como projetos de produtos, as estratégias de inovação também devem evoluir para se manter à frente. E da mesma maneira que o processo de criar coisas novas, uma tática original envolve contínua experimentação, aprendizado e adaptação.
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