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CONTEXTUALIZAÇÃO E EXPLICITUDE NA RELAÇÃO ENTRE FALA E ESCRITA Luiz Antônio Marcuschi (UFPE - 1994)1 1. Ponto de partida Grande parte dos trabalhos que analisam as relações entre a língua falada e a língua escrita apontam a contextualização como característica da fala e a descon- textualização como característica da escrita2. Isto pelo menos em se tratando das formas prototípicas da cada modalidade, ou seja, a conversação espontânea, de um lado, e a prosa acadêmica escrita, de outro3. Esta posição, como lembra Sinclair (1993),4 é “trivialmente verdadeira” se com isto queremos dizer que na fala usamos os gestos, a mímica, o olhar e o contexto físico como fatores integrantes da comunicação e que na escrita a preferência é dada à verbalização. Em suma, na formulação de Tannen (1982:3-4), que se volta decididamente contra essa posição com bons argumentos, tal tese conduziu à hipótese de que as estratégias orais ligar-se-iam a um “uso máximo do contexto”, com um “máximo de significação mais implicitada do que asseverada”, ao passo que as estratégias da escrita ligar-se-iam a um “máximo 1Apresentada no I ENCONTRO NACIONAL SOBRE LÍNGUA FALADA E ENSINO, na UFAL, Maceió, AL, 14-18 de março de 1994. Publicado nos respectivos anais pp. 27-48 em 1995. 2 Em artigo fartamente documentado sobre a situação dos estudos a respeito da relação fala-escrita, D. Tannen (1982:3) formula da seguinte maneira as duas hipóteses correntes que, segundo ela, expressariam largamente as estratégias associadas à fala e à escrita: “(1) que o discurso oral é altamente ligado ao contexto, enquanto a escrita é descontextualizada... (2) que a coesão é estabelecida, no discurso oral, mediante canais paralingüísticos e não-verbais (tom de voz, entoação, outros elementos da prosódia, expressão facial, gestos), enquanto a coesão seria estabelecida, na escrita, mediante a lexicalização e estruturas sintáticas complexas que tornam as conexões explícitas e que mostram as relações entre proposições através da subordinação e outros traços de superfície e de base”. Entre os muitos autores que postulam as posições identificadas por Tannen poderíamos citar Olson (1977 e 1991), Kay (1977), Kroll (1981), Chafe (1981 e 1985) e, de modo mais mitigado, Koch & Oesterreicher (1991) e Brown & Yule (1983), além de uma grande quantidade de outros autores encontráveis nas bibliografias dos aqui lembrados. 3Embora consensual, este aspecto ainda não foi sistematicamente fundamentado e continua trivial em sua feição dicotômica. D. Tannen (1982:3) lembra que a apontada descontextualização, não obstante retratar certos traços óbvios da fala, “não decorre da natureza oral ou escrita do discurso enquanto tal, mas antes dos gêneros que foram escolhidos para a análise - conversação casual, de um lado, e prosa expositiva, de outro.” Para Tannen (p.4), a maioria dos achados para o discurso literário foram também encontrados no discurso oral em alguma de suas manifestações. Neste sentido, gostaria de lembrar a investigação de Biber (1988) que a meu ver representa um dos esforços mais consistentes na demonstração da relação entre propriedades lingüísticas e gêneros textuais (considerando textos falados e escritos). Para Biber, uma comparação entre fala e escrita deve ter em conta certas dimensões significativas e o continuum tipológico nos usos lingüísticos, evitando comparações dicotômicas com base apenas em textos prototípicos de cada modalidade. Assim, para Biber (1988:36), “um dos achados centrais [de seu estudo] é que não há qualquer caracterização lingüística ou situacional da fala e da escrita que seja verdadeira de todos os gêneros falados e escritos (grifo meu). De um lado, alguns gêneros falados e escritos são muitos similares entre si... e de outro, alguns gêneros são muito diferentes entre si...”. Não é, portanto, possível uma caracterização homogênea da fala e da escrita nas suas relações. Daí a necessidade de tratá-las numa escala contínua. Tannen (1982) traz uma série de observações que comprovam a fragilidade da tese dicotômica. 4 As reflexões feitas neste trabalho, que vinha amadurecendo nos últimos dois anos, devem-se em grande parte ao estímulo recebido pela leitura desse texto de Melinda Sinclair (1993), que dá uma revoada sobre grande parte das questões centrais envolvidas nos conceitos aqui tratados. 1 de informação de base explicitada”. Observo, porém, que embora seja descritivamente adequada, esta visão é teoricamente inconsistente, se considerarmos que condições físicas de produção discursiva não equivalem a condições de elaboração textual. Pretendo mostrar, pois, que a dicotomia contextualização x descontestualização é controversa porque age na suposição de um conceito pré-teórico ou pelo menos pobre de contexto. Também pretendo mostrar que é apressada a relação direta entre linguagem autônoma com a escrita e linguagem contextual com a fala. Para defender essas posições, alinho-me aos que tratam a relação fala-escrita com base na convicção de que a visão dicotômica deve ser evitada em favor da visão dentro de um continuum.5No geral, partilho com a posição de Rader (1982:197) quando conclui seu proveitoso estudo: “talvez a idéia da descontextualização ou autonomia não seja justamente uma meta: talvez seja um sonho”. Esta é, também, a tese central aqui: a autonomia semântica de textos escritos é uma utopia. Segundo Sinclair (1993:532-3), há boas razões teóricas e práticas para se tratar da noção de contexto. Do lado teórico, a noção de contexto é relevante para o estudo da constituição e aquisição da escrita (nas abordagens do letramento), bem como nas análises dos processos de compreensão, por permitir estender a reflexão do simples contexto situacional para as condições pragmáticas e cognitivas. Sob o aspecto prático, uma adequada noção de contexto será relevante para o tratamento dos materiais no ensino da escrita. Meu interesse, no entanto, volta-se decididamente ao aspecto teórico. Apesar dessa relevância, não temos até hoje uma noção clara nem consensual de contexto. Embora a maioria utilize esse termo, são poucos os autores que se dedicam a construir uma noção metodológica e teoricamente fundada de contexto.6Aliás, a bem da verdade, deveríamos admitir que existe uma pluralidade de noções de contexto e hoje parece obrigatório que cada qual desenvolva a sua para um uso particular. 2. Algumas posições 5 Tannen (1982 e 1982b), Koch & Öterreicher (1991), Biber (1988) são os grandes defensores dessa posição que ganha força e busca situar a fala dentro de um continuum na relação com a escrita, tal como frisei na nota 3. acima. Uma revisão destas teses pode ser vista em Marcuschi (1994) em preparação. 6 Lembro aqui os estudos de Schiffrin (1987a, 1987b) que desenvolve parâmetros para a constituição de critérios metodologicamente consistentes na determinação dos fatores contextuais no processo de interação verbal face a face. Schiffrin tenta mostrar como os marcadores conversacionais operam com função indicial gerando contextos locais na medida em que seus produtores situam os enunciados em domínios particulares de fala. Outro autor que merece destaque na mesma linha é Gumperz (1982 e 1991) que por diversas vezes preocupou-se em construir a noção de pistas contextualizadoras, embora não numa relação direta da fala com a escrita. A Gumperz interessam sobremodo as interações interculturais e interétnicas, onde o aspecto cognitivo é crucial. Recentemente, a discussão a respeito da noção de contexto foi retomada com vigor na coletânea Rethinking Kontext, editada por A. Duranti & C. Goodwin (1992). Particularmente valiosas são as observações na introdução dos autores com uma revisão das diversas teorias sobre contexto,e dos artigos de Schegloff (1992) e Gumperz (1992). Observações sistemáticas importantes dentro da semântica descritiva, mas postas num espectro teórico amplo, são as desenvolvidas por Lyons (1977, vol 2, cps. 14-15). Além disso, a noção de contexto mereceu atenção desde muito cedo nos estudos etnográficos com Dell Hymes (1974) como também na sociolingüística com Labov (1972) e com Ochs (1979). Na pragmática e semântica, cito aqui como representativos ainda Prince (1981) Fillmore (1981) e Sag (1981). Muitos destes autores serão retomados ao longo desta análise. 2 De um modo geral, quase cada disciplina emprega as expressões contexto, contextual, contextualizado, sem uma construção teórica explícita da noção e numa perspectiva bastante restrita aos propósitos que tem em vista. Assim é o caso da Sociolingüística, área em que o contexto tem sido considerado em geral na forma de variáveis sociais (idade, sexo, classe social, escolaridade, procedência etc.), que muitos teimam em identificar como variáveis contextuais. Nesse caso, tem-se a impressão que contexto é algo dado a priori, estático, físico e exterior à linguagem, propiciando estudos na linha da correlação para determinar aspectos da variação lingüística. Outra área que se serve crucialmente da noção de contexto para suas análises é a Pragmática, mas aqui o contexto é o lugar das extensões referenciais ou das realizações dêiticas, sejam elas temporais ou espaciais e serve como fonte de identificação de referentes, tal como no caso dos dêiticos ou dos advérbios de tempo e espaço, ou então o contexto é função de conhecimentos partilhados. Também a Etnometododologia serve-se largamente do contexto como um constructo cultural ou padrão interacional e fator básico para a compreensão das atividades interacionais. Com Gumperz (1982), na linha de uma sociolingüística interacional, passa-se a ter uma noção mais dinâmica de contexto que é visto em sua propriedade de “mão dupla”, ou seja, é reflexo e tanto situa a produção discursiva como é gerado no processo comunicativo: o uso lingüístico tanto reflete como produz contextos. É por isso que Gumperz (1992:230) sugere que, “a contextualização deve ser entendida com referência a uma teoria da interpretação”, ou seja, ela diz respeito a processos de compreensão. Destaque merece aqui a noção de contexto na posisção sistemicista de Halliday (1989) para quem texto e contexto são codeterminados, sendo que o texto teria certas estruturas obrigatórias que revelam o contexto de produção. Deixando de lado a enorme riqueza de pontos de vista e implicações teóricas que a questão suscita, vou aqui me restringir apenas à noção de contexto em função das relações entre fala e escrita, frisando mais as semelhanças do que as diferenças. Ou, dito de outra forma, sugiro que é mais razoável olharmos essa relação sob o aspecto das características de cada modalidade do que apenas das diferenças.7 Para tanto, será conveniente ter em mente que o texto é um processo e não um produto, sendo que a visão que concebe o texto falado como contextualizado, trata-o como se ele fosse um produto ou artefato objetivo a ser dissecado.8 Além disso, aquela posição 7 B. Cambourne (1981), tratando desse aspecto, distingue entre duas perspectivas de tratamento da relação entre a oralidade e a escrita: (a) a pesrpectiva chamada Mais-Similar-do-que-Diferente (MSD) e (b) a perspectiva chamada Mais-Diferente-do-que-Similar (MDS). Esses aspectos tornam-se relevantes quando se trata de observar suas consequências no ensino da escrita e da leitura. A linha MDS privilegia um tratamento muito mais ligado ao prescritivismo e proscrição com ênfase no ensino gramatical. Como o ensino formal da língua praticamente equivale ao ensino da escrita, a perspectiva MDS é a mais saliente, sendo a fala praticamente ignorada. A rigor, não creio que o problema esteja em apontar as diferenças entre fala e escrita, pois elas existem. O problema está em tomá-las como estanques e homogeneamente distribuídas, avaliadas como aspectos negativos da fala e indicativos da sugestão de uma forma padrão de língua abstratamente concebida. A melhor perspectiva é a que considera os modos de produção em cada gênero na relação das duas modalidades, tal como sugere Mazzie (1987). Nunca será demais repisar nessa tecla até que se consiga reverter a mentalidade hoje reinante no ensino de língua sob este aspecto. 8 R. de Beaugrande (1993 em preparação) defende a tese de que todo o estudo do texto - falado e escrito - deve dedicar-se ao texto como um fenômeno “real” e não como um fenômeno “virtual”. Não 3 padece de um grande mal cujo início se acha no ponto de vista saussureano, ou seja, na idéia de que a língua é um sistema baseado na estrutura do significante. A rigor, porém, a língua não é apenas enunciado (significante) e sim enunciação (discurso). Portanto, uma adequada noção de contexto permite não só a observação do uso da língua, mas do próprio funcionamento da língua como atividade discursiva, retirando pelo menos a primazia do código. É comum ouvir-se que uma das consequências decorrentes do papel do contexto na fala é que com pouca linguagem dá-se a conhecer muitas informações9, surgindo daí a rarefação lexical da fala em oposição à densidade informacional da escrita.10 Parece que para a transmissão de informação eficientemente na fala, não seria necessário explicitar tudo verbalmente, já que o contexto situacional teria o papel de suprir as lacunas informacionais com elementos facilmente perceptíveis. Neste caso, uma das características da fala seria sua constituição plurissistêmica e uma forte dependência contextual, de modo que um enunciado de fala só significaria de fato quando situado em seu contexto de produção. Isto fez com que alguns autores como Olson (1977), Goody (1986 e 1987) e outros sugerissem que a fala representaria um pensamento concreto e a escrita um pensamento abstrato. Poderíamos prosseguir com uma série de outras questões interessantes ligadas a este aspecto central da relação fala-escrita, mas, como lembram Nystrand & Wiemelt (1991:28), a doutrina que postula a autonomia do texto escrito é tendenciosa e “privilegia os objetivos do autor em relação aos do leitor”. Isto porque enquanto o autor estaria “codificando” objetivamente suas idéias, intenções e propósitos no texto, o leitor estaria se portando “passivamente” numa atividade de “decodificação” correta das idéias ali postas. Isto, no entanto, não condiz com os fatos, pois quanto mais maduro e crítico é um leitor, tanto mais ele olha os textos a partir de seus objetivos pessoais e não simplesmente a partir dos supostos objetivos do autor. A rigor, o texto constitui uma base para a negociação de compreensões possíveis.11 Para Olson (1977), a escrita é a tecnologia da explicitude, dando assim origem à tese de que os “textos escritos são autônomos”.12 A este respeito, argumenta Olson uma realidade fenomenológica acabada, mas situada em contextos comunicativos de uso. O texto seria uma proposta de sentido para o leitor que, mediante processos inferenciais (atividades mentais específicas), completaria o sentido. 9 Neste caso não estou me referindo particularmente à denominada “máxima de minimização” proposta por Levinson (1987) com a seguinte formulação: “Quanto menos você fala mais você diz.”, o que é, aparentemente, uma proposta paradoxal. Refiro-me a algo mais geral e não necessariamente ligado ao princípio de cooperação de Grice (1975). O princípio dominante é o da funcionalidade. 10 Em consequência, muitos autores (cf. Brown & Yule, 1983) apontam uma série de características sintáticas da fala que apresenta uma sequenciação de frases curtas, parataticamente ligadas, com menor frequência de subordinadas. Além disso,haveria maior número de elementos dêiticos na fala, com uma referenciação mais exofórica em contrapartida à escrita que apresentaria uma referenciação endofórica. Biber (1988:47 ss) traz uma série de observações a este respeito, que podem ser vistas com as respectivas fontes. O levantamento de Tannen (1982) também é ilustrativo. Veja-se também Marcuschi (1994, em preparação), para uma revisão cr+itica a esse respeito. 11 Contudo, devo frisar que um texto não é totalmente aberto a qualquer tipo de interpretação, pois ele sempre deverá ter um núcleo informacional mínimo estável e independente das crenças do leitor. 12 Tese semelhante é defendida por muitos autores entre os quais se acha P. Kay (1977) citado por Rader (1982:185) como um dos grandes representantes da tese da “autonomia textual”. Para Kay (1977:21-22), “a linguagem autônoma é a linguagem minimamente dependente da transmissão simultânea por outros canais, como os paralingüísticos, gestuais, corporais e... minimamente dependente da contribuição da informação de fundo por parte do ouvinte”. Com isso, aprender a 4 (1991:3) que a autonomia do texto escrito deve-se ao fato de ele agir separadamente de seu autor no tempo e no espaço, levando o leitor a se situar numa esfera de “descontextualização” e “recontextualização”. Para Olson (p.4), essa autonomia textual é assegurada, na escrita, com um aumento sensível de construções nominais que atualizam os referentes textualmente, ao passo que tais construções decrescem na fala que privilegia o envolvimento em situações contextualizadas para a determinação do universo referencial.13 Certamente, isto não passa de uma confusão entre completude de significação e estratégias de elaboração textual, como lembram Nystrand & Wiemelt (1991:27) que em suas análises não constataram uma relação empírica entre completude de significação e elaboração textual. Como se pode notar, a reflexão sobre a noção de contexto, além de recolocar um dos pilares da distinção entre fala e escrita, também permite rever várias outras questões, tais como as noções de sentido, a organização textual, a tipologia de texto e os processos de compreensão. Vejamos agora como enfrentar pelo menos um desses aspectos, ou seja, o que se refere à contextualização na relação entre fala e escrita. 3. Contextualização e Explicitude Sinclair (1993:532) inicia sua análise da noção de contexto, afirmando que não podemos confundir contexto com contexto de produção,14 ao dizer que: escrever é aprender o domínio de um código lingüístico como instrumento único da comunicação sem considerar os outros fatores externos. Para Kay, essa pureza formal conduz à explicitude e à precisão. 13 Em favor de Olson (1991), devo lembrar que a certa altura de seu trabalho sobre a compreensão de texto por crianças, ele mitiga sua tese, sugerindo que “a estrutura numa palavra ou num texto está no texto mas ela só é detectável por quem olha o texto com um conhecimento prévio apropriado” (p.7). Deste modo, o autor defende-se das críticas recebidas, respondendo que a tese da autonomia não postulava a presença pura e simples do sentido no texto. Por outro lado, critica seus opositores que segundo ele “subestimam” a potencialidade da estrutura textual. Para ele a solução acha-se no fato de “haver estrutura num texto mas que ela só é detectável por alguém com uma mente preparada” (p.7). Vale ressaltar que o próprio Olson esclarece que esta sua posição “não deve ser confundida com aquela das ditas teorias ‘interativas’ da leitura que postulam uma interação entre os dados, ou processos bottom-up, e conceitos, ou processos top-down” (p.7). Para Olson, “é enganador traçar distinções finas entre as coisas que estão no mundo ou no texto e as coisas que estão na mente” (p.7). Não vou prosseguir nesta questão, mas lembro que Olson, no final de seu artigo (p.19), indaga-se, um tanto resignado: “afinal de contas a significação textual é realmente autônoma?” E responde dizendo acreditar que não. Para ele, “os textos estão sempre abertos a reinterpretações... Não só seus sentidos mudam tal como seus contextos mudam, mas também os sentidos textuais e sentenciais mudam tal como mudam as convenções culturais. Não há, pois, um sentido absoluto no texto. Também não há uma intenção verdadeira da qual o texto seria uma expressão fragmentária”. E então acrescenta Olson, “mas este é o limite de minha concessão aos críticos da ‘autonomia’ do texto” (p.19). Note-se que a única concessão de Olson é uma obviedade, ou seja, que o sentido está sim no texto, apenas não de modo absoluto e igual para todos em todos os tempos. Esta longa observação visa apenas a mostrar como argumenta um dos principais representantes da tese da “autonomia textual” e quão controversa é a questão neste terreno. 14 Comprovação desta observação pode ser feita numa consulta ao breve levantamento de Biber (1988:28-29) quando mostra quais os parâmetros usados pelos diversos autores para determinar a noção de contexto. O próprio Biber (1988:29) distingue oito componentes que constituem a situação discursiva, ou seja: (1) papéis e características dos participantes; (2) relações entre os participantes; (3) situação; (4) tópico; (5) objetivos; (6) avaliação social; (7) relação dos participantes com o texto e (8) canal. Das pp. 29-46, Biber operacionaliza estes componentes para determinar três conjuntos de diferenças: (a) diferenças situacionais; (b) diferenças funcionais e (c) diferenças tipológicas. E daí parte para uma análise multifatorial na relação fala-escrita. 5 “ A afirmação de que a língua escrita é descontextualizada é tipicamente baseada numa concepção particular de contexto segundo a qual contexto é igualado à situação física em que o enunciado é produzido - também designada ‘contexto de produção’ ”. Como o ouvinte tem acesso imediato ao contexto de produção da fala, este pode ser assumido, na produção textual, como parte integrante do texto, sem a necessidade de formulação lingüística de uma série de informações. Já no caso do leitor de um texto escrito, como ele não dispõe do contexto de produção do autor, este se acha na obrigação de reproduzir lingüisticamente todas essas condições. Em consequência, a escrita deve ser plenamente explícita, ao passo que a fala pode ser contextualizada. Daí surge a dicotomia entre contextualização e explicitude. Em princípio, esta visão se afigura trivial, como já frisei, se com ela queremos apenas dizer que o contexto físico de produção discursiva na fala e na escrita não se acham representados da mesma forma. Mas mesmo aqui teríamos que considerar certos gêneros orais como os telefonemas, a comunicação radiofônica, as cartas faladas e assim por diante, que diferem em suas formas de contextualização na relação com a interação face a face, o que nos obriga a rever a questão no continuum de uma tipologia de formas textuais.15 Neste ponto parece útil adotar a posição de Fillmore (1981:149) que distingue entre “um aspecto interno e outro externo” no processo de produção discursiva. Fillmore está interessado “ em como as propriedades formais dos textos podem ser relacionadas tanto ao que os participantes (produtores e receptores) estão fazendo e ao que estão experimentando mentalmente”. Este processo analítico é por ele designado como contextualização”que pode ser subdividida em: (a) contextualização externa (“mundos nos quais o texto pode ser apropriadamente usado”); (b) contextualização interna (“mundos na imaginação do criador e intérpretes do texto”). Fillmore dá um exemplo para mostrar como a contextualização externa se dá: “Você gosta mais deste ou deste?” Certamente, o ouvinte deste enunciado deve interpretar cada ocorrência comum referente diverso e para tanto tem que supor uma contextualização em um mundo em que haja pelo menos dois referentes distintos para decidir-se por uma resposta que faça sentido ao seu interlocutor. Com efeito, segundo frisa Lyons (1977:570), há certos enunciados que têm sua interpretação numa vinculação situacional maior que outros. Potencialmente, enunciados como “Está chovendo.” são passíveis de um sem número de interpretações a depender de seu contexto de uso. Mas quando atualizado, geralmente não temos problemas em decidir qual o sentido pretendido. Na verdade, temos uma ocorrência de um enunciado que representa um 15 Quando proponho ver as relações entre fala e escrita dentro de um continum, não tenho em mente anular as diferenças, mas ao contrário, buscar localizá-las num quadro de relações dinâmicas e assim evitar a dicotomia estanque. É óbvio que entre fala e escrita existem diferenças evidentes ou trivialmente verdadeiras, como as baseadas no contexto situacional. Mas existem outras, tais como as diferenças lingüísticas, as diferenças cognitivas e as diferenças tipológicas que são menos óbvias. É possível, portanto, concordar com Olson (1982:104), quando sugere que certos “poderes” da escrita procedem de suas propriedades distintivas, tais como a conservação no espaço e no tempo e a separação do autor e premeditação. Mas isto serve apenas para dar à escrita certos “papéis sociais” diferentes da fala. Estes aspectos são óbvios e nós sabemos que há, nas sociedades letradas, certas formas de comunicação que se realizam preferencialmente pela escrita e outras pela oralidade. 6 tipo, sendo que as ocorrências de um mesmo tipo são potencialmente indetermináveis em sua quantidade e variedade. De acordo com Lyons (1977:572), é perda de tempo e sem interesse teórico discutir como é possível chegar a tipos de contexto a partir de situações para interpretar ocorrências de tipos de enunciados em seus usos empíricos. Muito mais relevante para a semântica é a noção de “contexto-de-enunciado” (context-of-utterance) como um constructo teórico que corresponderia aproximadamente ao sentido dicionarizado. Assim, para Lyons deve ser enfatizado que contexto “é um constructo teórico em cuja postulação o lingüista abstrai da situação atual e estabelece como contextuais todos os fatores que, em virtude de sua influência nos participantes e no evento lingüístico, sistematicamente determinam a forma, a adequação ou o significado do enunciado.” Em continuação, Lyons sublinha que o termo “sistematicamente” lembra que se trata de uma “noção teórica de contexto” e não aleatória (intuitiva, empírica). Uma noção formada na linha da “competência” chomskyana em oposição ao “desempenho” (ou contexto de uso do falante), mas sem a intenção de eliminar a noção pré-teórica ou intuitiva usada pelos falantes.16 Nesta linha, Lyons (1977:610) sugere há duas maneiras de ver a contextualização: “Podemos pensá-la como o processo pelo qual o falante nativo de uma língua produz enunciados contextualmente apropriados e internamente coerentes ... Também podemos pensá-la como um processo que um lingüista desenvolve em sua descrição das línguas particulares.” A fim de que a descrição seja adequada, deve haver uma correspondência entre esses dois tipos de contextualização. Os fatores determinados pelo lingüista devem ser os mesmos relevantemente identificados pelo falante em sua produção e interpretação de enunciados em condições de uso. Portanto, para Lyons, contextualização seriam os processos de uso de certos princípios e regras em virtude dos quais os falantes criam e interpretam textos. Esta forma de ver as coisas sugere uma noção de contexto com base em conhecimentos e não em situações ou condições físicas de produção. Esses conhecimentos são variados e não necessariamente de natureza proposicional (tais como os conhecimentos sobre padrões entoacionais, normas culturais, áreas do saber, etc.). Conhecer não é o mesmo que saber algo em especial, mas sim ter as condições de identificar em que sentido aquelas coisas podem/devem ser interpretadas. Imagino que é numa linha similar a esta, que tanto Sinclair (1993), como Nystrand & Wiemelt (1991) defendem que não é o contexto de produção que determina a interpretação de um enunciado. Isso porque, ao referir a situação física em que o 16 Merece pelo menos um registro aqui a observação de Lyons (1977:573) quando mostra que nesta questão existem dois extremos a serem evitados quanto a uma definição e ao papel do contexto nos estudos semânticos. Evitado deve ser o extremo representado por Katz & Fodor (1963) que defenderam uma semântica da qual deveria ser eliminado todo e qualquer contexto de funcionamento dos enunciados. Mas igualmente delicado é o extremo oposto, representado por Firth (1935) para quem toda a semântica deveria ser desenvolvida com base numa noção de contexto cultural. Em ilustrativo artigo com o título “Contextualism”, Dascal (1981) distingue entre um “contextualismo exagerado” (que não admitiria o sentido literal), um “contextualismo moderado” (que ficaria num meio termo aceitando o papel do contexto e a significação das sentenças) e um “literalismo puro” (que negaria o papel do contexto a postularia a significação literal). A posição mais equilibrada seria a que pudesse dar conta do que Dascal chama de “multifariousness of context”, ou seja, a manifestação multiforme do contexto, fenômeno do qual a posição de Lyons parece não dar conta. Para Dascal, Lyons apenas “aponta na direção correta”, mas carece e uma “complementação convincente” para seu conceito de contextualização. Talvez lhe falte uma noção mais rica de desempenho. 7 enunciado é produzido, o contexto de produção “não afeta a linguagem diretamente. Ele só pode afetar a linguagem através do conhecimento que falante e ouvinte têm deste entorno” (Sinclair, 1993:533, baseada em Regina Blass, 1990). E não apenas do conhecimento, mas também da percepção da situação, pois é sabido que nas mesmas “condições físicas de produção”, dois interlocutores podem não ter sua atenção voltada para os mesmos fenômenos, ou podem perceber os mesmos fenômenos de forma diversa. Isso pode sugerir, segundo Sinclair (p.533) que: “se quisermos entender qual o contexto que afeta a interpretação da linguagem, teríamos que focalizar o ‘ambiente ou o contexto no interior da cabeça do falante ou do ouvinte’ e não o contexto externo. Certamente, qualquer abordagem cognitivista da compreensão na línguas naturais estará fadada a definir ‘contexto’ em termos psicológicos.” Podemos, pois, distinguir aqui duas coisas de modo bastante claro: (a) o contexto físico de produção em que se encontram os falantes (b) o contexto da representação mental do contexto físico Certamente, esse contexto (b), que serve para determinar a compreensão dos enunciados é de algum modo derivado do contexto (a), mas esse contexto mental derivado mediante as percepções visuais e auditivas é inadequado como representação do contexto em que se dá a interpretação discursiva por não afetar necessarriamente e por igual todas as interpretações discursivas, sobretudo de enunciados sobre temas abstratos. Por outro lado, esses contextos não são suficientes, já que grande parte de nossas interpretações da fala derivam de outros contextos que os da percepção auditiva e visual, tais como os conhecimentos enciclopédicos. Sinclair (p. 534) conclui daí que há muitas fontes contextuais para a interpretação de enunciados orais, sendo que o contexto físico é uma delas. Para Goodwin & Duranti (1992:3) a noção de contexto envolve duas entidades justapostas:(a) o evento em foco; (b) o campo de ação em que se situa o evento.17 Ambos interagem complementarmente. Assim, “a relação entreduas ordens de fenômenos que mutuamente se informam para construir um todo maior é absolutamente central para a noção de contexto” (p.4). Torna-se, pois, crucial a consideração da “perspectiva dos participantes” na análise do contexto, de modo que é imprescindível partir da visão dos interactantes e não apenas do analista. Contexto é aqui visto na acepção de contexto de processamento, compreendendo, além do contexto físico de produção, também os contextos cognitivos de produção e de interpretação da fala. Esses contextos são dinâmicos e multifacetados, de modo que as condições de produção têm ali um papel parcial. Assim, as ações praticadas no discurso, as crenças dos indivíduos, seus conhecimentos enciclopédicos e os conhecimentos prévios, bem como o domínio de normas comunicativas etc. constituem contextos da interpretação. Podemos dizer que ao produzir um texto, um autor /falante não apenas se situa em relação ao espaço e tempo, mas vai situando seu 17 Para esses autores o evento-foco e o contexto estão numa relação do tipo figura-fundo. Contudo, a divisão figura-fundo, devido à assimetria com que foram delineados esses dois pólos, levou a um desequilíbrio na análise do evento-foco em relação ao contexto. Isto porque o evento tem uma estrutura muito mais clara e articulada, sendo que o contexto, tal como o fundo, são vagos e até amorfos. Isto explica, pelo menos parcialmente, o enorme volume de pesquisa no aspecto formal da língua e a pouca dedicação às questões do contexto. Outro aspecto que justifica o desleixo dos estudos sobre o contexto, para esses autores, foi a redução do estudo lingüístico ao limite máximo da unidade sentencial. Não ia além da frase. E de fato, o contexto só passou a ser relevante nos estudos da Lingüística de Texto e nas Análises do Discurso e na Conversação, entre outros. Todos esses campos operam em níveis lingüísticos transfrásticos, ou seja, a unidade é o próprio texto e não a frase. 8 ouvinte/leitor dentro de um quadro mais amplo que opera como contextualização conduzida por pistas prosódicas, lexicais, estilísticas, dialetais etc.. O espaço interpretativo vai sendo gerado ao longo da própria produção discursiva, qua atua reflexamente, como postulava Gumperz (1982). Uma outra sugestão sistemática de análise da relevância e do papel do contexto na interpretação e textos orais e escritos é a de Dascal & Weizman (1987). Esses autores se perguntam que tipo de indícios (clues) os leitores/ouvintes utilizam para sua interpretação final e como esses indícios guiam os leitores/ouvintes no labirinto as informações textuais e contextuais. O modelo de Dascal & Weizman (p.32) distingue entre informação contextual extra-lingüística (conhecimentos de mundo) e meta- lingüística (conhecimentos da estrutura da língua).18Tanto mais estas informações contextuais vão influenciar a interpretação, quanto mais o texto for irônico ou “opaco” em sua significação.19 Como “de algum modo todos os textos são opacos” e “a transparência absoluta é uma idealização” (p.43), o contexto será sempre requerido para a interpretação. Um texto não “opaco” seria aquele em que as significações das sentenças e as significações pretendidas pelo autor coincidissem de modo a guiar o leitor de forma transparente, mas esse não é o caso na maioria das vezes. Assim, as informações contextuais operam como um “segunddo canal” de informação ao lado das informações cotextuais. Diante dessas considerações, podemos dizer que contextualização não corresponde a incompletude ou dependência informacional, assim como explicitude não corresponde a precisão, eficiência e clareza informacional manifesta na verbalização. Pois completude/incompletude e precisão/imprecisão são propriedades dos enunciados sob o ponto de vista informacional, ao passo que a explicitude diz respeito às condições do processamento para a identificação de referentes, estados de coisas, fatos, ações etc. Explícito é o texto que consegue oferecer condições suficientes para que o seu ouvinte/leitor consiga estabelecer o quadro referencial para a interpretação. Neste sentido, explicitude não é o mesmo que autonomia semântica, 18 O modelo de Dascal & Weizman (1987:36-39) apresenta, em resumo, as seguintes suposições: (i) na sua identificação da significação, o destinatário é guiado por dois tipos de indícios que são os conhecimentos extra-lingüísticos e metalingüísticos; (ii) para cada tipo de indício (clue) são postulados três níveis, ou seja, “específico”(imediato), “trivial”(shallow) e “de fundo”(background) (fatos, princípios etc.); (iii) paralelismo dos níveis entre os dois tipos e indícios; (iv) os dois tipos de indícios contextuais são explorados por dois processos, ou seja, identificação e avaliação. Com base nisso surgem 6 tipos fontes para os indícios numa conjugação dos tipos de indícios e os seus três níveis. Os autores testaram o modelo na análise de um texto jornalístico e mostraram que a significação pretendida pelo autor (speaker’s meaning) não equivalia à significação superficialmente posta pela “literalidade” dos enunciados (utterance meaning). Pois o texto analisado era altamente irônico e só poderia ser entendido como uma crítica quando lido com o pano de fundo que não fazia parte da cotextualidade (relações intra-textuais). Assim, o texto se torna altamente contextualizado em conhecimentos de fundo e natureza extra- e meta-lingüística, não se podendo falar nem em literalidade, nem em autonomia semântica do texto. 19 É oportuno constatar que Dascal & Weizman (1987:44) distinguem entre “indiretude” (que conduz à ironia) e “opacidade”, sendo que somente esta última “detona” novas identificações. A opaciadade é responsável pelo suprimento de lacunas (gaps) e a indiretude pela solução do desalinhamento (mismatch) entre o expresso e pretendido, com o auxílio de um “segundo canal” de informação. Este “segundo canal” é extralingüístico e específico e diz respeito ao entorno do texto e não tem a ver com a situação referida no texto. Portanto, o leitor dispõe de dois tipos de informação: (a) indícios (clues) cotextuais e contextuais que o levam a determinar a significação pretendida pelo autor e a significação posta pelos enunciados e (b) pistas (cues) que auxiliam na distinção entre opacidade e indiretude. 9 pois isto seria o mesmo que dar às formas lingüísticas um funcionamento independente do próprio contexto em sentido mais amplo. Intenções, inferências e subentendidos fogem às condições da explicitude e fazem parte da implicitude. Com isto, pode-se dizer que explícito e implícito não são dois pólos de uma dicotomia, mas dois domínios da significação. A explicitude relaciona-se aos procedimentos de referenciação e controle informacional imediato e tem que considerar também os conhecimentos partilhados, enquanto que a implicitude relaciona-se a níveis de processamento a partir de condições cognitivas do leitor/ouvinte e de estratégias de verbalização do falante/autor num processo de negociação. A rigor, o funcionamento discursivo do texto de onde são gerados os sentidos interpretados se dá numa interação fundada em pressupostos cognitivos mútuos nem sempre presentes na verbalização superficialmente proposta. Imagino que é nesta dimensão que opera o princípio de cooperação de Grice (1975) com suas implicaturas conversacionais, que ocorrem tanto na fala como na escrita, pois elas são inerentes ao processo comunicativo como tal e não a uma modalidade de uso da língua. Por isso mesmo as máximas podem operar gerando implicaturas tanto no texto acadêmico escrito, como na conversação espontânea. Portanto, a contextualização é muito mais uma esfera (“segundo canal”) de controle das condições deprocessamento lingüístico ( que deve ser partilhado na recepção), o que torna relevante pensá-la na sua relação com a compreensão e os processos inferenciais, tal como sugere Gumperz (1992:230)20. Neste caso a contextualização não pode caracterizar uma modalidade de uso da língua, ou seja, a fala, já que se evidencia como intrínseca ao próprio processamento lingüístico em geral. Por outro lado, a explicitude diz respeito às condições particulares do empacotamento lingüístico da informação dada, o que impede que se oponha à contextualização. A explicitude baseia-se menos na qualidade expositiva do texto como tal e mais na suposição de conições de partilhamento de conhecimentos comuns e condições de acesso e processamento.21 20Embora Gumperz se refira explicitamente aos processos da interação verbal face a face, suponho que suas observações podem ser estendidas também a outros eventos comunicativos, uma vez consideradas as suas condições específicas. A este propósito, assim se expressa Gumperz (1992:230) quando propõe empregar o termo contextualização “para referir ao uso que falantes e ouvintes fazem de signos verbais e não verbais para relatar o que é dito a cada momento e em cada lugar para conhecer a experiência adquirida no passado a fim de recuperar as pressuposições em que devem confiar para manter o envolvimento conversacional e acessar o que é intencionado.” Note-se, pois, que a noção de contextualização acha-se intrinsecamente ligada à noção de processo inferencial, supondo que: (a) a compreensão situada se dá como processo inferencial no contexto da interação; (b) as inferências realizadas são sugestões fundadas em suposições e não são verdades absolutas; (c) o próprio conhecimento de base suposto para as inferências é parte do processo de interação e como tal constituído nesse processo pela via da negociação cooperativa. Para Gumperz (1992:231), a contextualização, na interação, se dá com base em certas pistas que, segundo ele, operam “primariamente” nos seguintes níveis da produção discursiva: (i) prosódia; (ii) signos paralingüísticos; (iii) escolha do código e (iv) escolha de formas lexicais e expressões formulaicas. Na verdade, é possível dizer que a linguagem produz contexto. 21 Assim se expressam Nystrand & Wiemelt (1991:31) a este respeito: “Um texto é, pois, explícito não quando trabalha independentemente do contexto. Ao contrário, um texto é explícito precisamente quando ele é sintonizado e funciona adequadamente em termos de seu contexto de uso vis-à-vis aos respectivos propósitos, situações e cultura do leitor. Quanto mais plenamente o texto funciona nesses níveis, tanto mais explícita sua significação. Daí porque explicitude não se acha simplesmente relacionada à elaboração textual, nem é adequadamente 10 Baseando-se nas posições de Prince (1981) e de Tannen (1982), Mazzie (1987) realizou alguns experimentos para verificar a relevância das modalidades falada e escrita, reconsiderando três variáveis: (a) conteúdo (abstrato vs. narrativo); (b) modalidade (oral vs. escrito) e (c) relação emissor-receptor (audiência individual vs. audiência imaginada). A hipótese era a de que “a explicitude (operacionalizada como a proporção de sintagmas nominais codificados como inferíveis vs. evocados ou novos) variaria não de acordo com a modalidade mas como função do conteúdo e/ou relação emissor-receptor” (p.33). 22 Os resultados mostraram que as entidades evocadas (que já haviam aparecido no texto), as inferíveis (preenchimento de lacunas) e novas (introduzidas pela primeira vez), manifestadas em sintagmas nominais, variavam numa relação com os textos abstratos e narrativos independentemente da modalidade. Portanto, a explicitude era uma função do conteúdo e não da modalidade de língua. Assim, por exemplo, os textos escritos e orais abstratos apresentavam três vezes mais informações inferíveis que os narrativos orais e escritos. Por outro lado, os textos orais e escritos narrativos apresentavam o dobro de informações evocadas em relação aos abstratos. Na verdade, temos aqui uma relação de conteúdo e gênero textual covariando, o que permite supor que a explicitude é uma estratégia de produção textual e não uma característica de uma modalidade de língua, fato já apontado por Tannen (1982). Sinclair (1993:540) lembra que explicitude total no texto escrito afeta a comunicação e é provavelmente impossível de ser atingida. Talvez não seja nem mesmo desejável na sua forma plenamente verbalizada, já que representaria uma sobrecarga textual muito grande. Para a autora, que cita Nystrand, um texto que pretendesse ser completamente explícito, eliminando toda a necessidade de conhecimentos mútuos e outros pressupostos cognitivos, seria bastante ambíguo, “assim como um quadro em que tudo é figura e não há fundo algum”. A tese da explicitude plena e autonomia total tal como defendida por Olson (1977) conduziria à “sujeição” e certamente à ofuscação por excesso. Sperber & Wilson (1986:218) são invocados por Sinclair (1993:241) quando dizem que a explicitude excessiva é danosa e até mesmo ofensiva. Além disso, “a explicitude, no sentido de expressão do pensamento completo no próprio texto, não garantirá a comunicação efetiva” (p.341). Isto de um modo geral, seja na fala ou na escrita. Ironizando a tese de Olson (1977) de que os textos acadêmicos são toalmente explícitos, autônomos e descontextualizados, Sinclair (1993:543) diz que o próprio texto de Olson é uma contraprova disso, já que exige uma contextualização muito grande para ser entendido. Essas posições me conduzem de volta à tese central de Nystrand & Wiemelt (1991:25) que distinguem entre a visão formalista, na linha da autonomia textual, e a explicada pelas propriedades formais do texto apenas. Antes, explicitude é fenomenal - uma qualidade da interação sustentada pelo texto entre um escritor e um leitor, ocorrendo não quando o texto manifesta plenamente seu conteúdo semântico, mas sim quando o leitor pode de fato realizar seu potencial semântico. Em suma, um texto não é explícito porque ele diz tudo, mas sim porque ele elabora precisamente aqueles pontos que são importantes no seu contexto de uso.” 22 A pesquisa foi realizada com 32 universitários, 16 homens e 16 mulheres, falantes nativos do Inglês. Dezesseis produziram textos orais e 16, textos escritos. Foram criadas condições abstratas e condições narrativas com materiais específicos (séries de equações numéricas para as abstratas e sequências de figuras, para as narrativas), consideradas as três variáveis. 11 visão interacionista, na linha da negociação. Adotando essa segunda posição, os autores vêem “os textos como explícitos quando eles efetivamente negociam compreensões partilhadas sem problemas entre escritores e leitores”. Metaforicamente, pode-se dizer que “enquanto as teorias formalistas localizam a significação nos textos, as teorias dialógicas encontram-no entre escritores e leitores”.23 Prince (1981), ao propor uma tipologia para as informações novas e dadas, mostra que os textos acadêmicos, tal como os textos orais, estão sujeitos a uma série de contextualizações e pressupostos culturais específicos que concorrem de modo decisivo para a compreensão dos enunciados. Certamente, tais suposições são de natureza diversa no caso de textos orais e textos acadêmicos escritos. Para Prince, os textos escritos têm muito mais informações “inferíveis” do que os textos orais, o que leva a supor que a escrita é mais contextualizada do que a fala. Prince (1981:253) chega a dizer que os textos literários, por exemplo, exigem muito mais suposiçõesculturais para serem entendidos do que os textos narrativos orais24 e com isso desmancha a tese da autonomia da escrita proposta por Olson (1977). Sinclair (1993:534) lembra que Sperber & Wilson (1986), entre outros, defendem que a noção de contexto deve estar relacionada a algum tipo de suposições que os falantes representam internamente, isto é, ele se define e se determina na relação com suposições cognitivas não necessariamente provenientes da situação física em que os enunciados são produzidos. Entre as fontes para a contextualização está a memória dos indivíduos, que contém os mais variados conhecimentos que operam como contexto de processamento. Diante de uma tal noção de contexto, parece que a escrita é contextualizada, mas não na mesma maneira que a fala. Para Sinclair, temos aqui um interessante paradoxo: - a fala é contextualizada fisicamente em suas condições de produção e a escrita é descontextualizada dessas condições imediatas de produção e neste sentido a escrita deveria ser completamente explícita. - a escrita é contextualizada num entorno mental construído pelos inddivíduos em sua mente e neste caso ela não teria como ser totalmente explícita. Tese semelhante parece ser a defendida por Rader (1982:1887) quando afirma: “ A escrita, em virtude de sua bem conhecida característica de ser removida duma situação conversacional imediata, é particularmente bem talhada para um tipo de uso lingüístico que depende ao máximo da contribuição do background informacional da parte do leitor, ao passo que depende minimamente dos canais paralingüísticos da gestualidade e da mímica.” Esta visão, aplicada por Rader à narrativa literária conduz à constatação de que o sentido não está no texto da forma como postulava Olson, mas é algo que “acontece” (p. 188) no leitor e “não pode ser reduzido a um conjunto de proposições”.25 23Para Nystrand & Wiemelt (1991:31), a distinção entre as concepções dialógica e formalista de explicitude tem suas raizes na tradição dos estudos lingüísticos iniciados com Saussure, quando este distinguiu entre langue e parole. Os formalistas representam a linha da idealização numa comunidade abstrata e se fundam na estrutura do sistema da língua. As teorias dialógicas centram-se na comunicação efetiva no uso discursivo da língua. 24 Um estudo notável nesta linha é o de M. Rader (1982) que analisa uma narrativa escrita realizada por uma menina judia, fazendo uma reconstrução das diversas possibilidades de “contextualização”. 25 Rader (1982:188) postula que essa autonomia seria possível para o caso dos textos científicos e não para o Gênero narrativo. Rader diz que a dicotomia não está entre fala e escrita e sim entre os diferentes tipos de uso da escrita. Parece-me que embora tentadora, a tese não está bem posta, pois todos os tipos de uso lingüístico, sejam eles de que gênero for e de que modalidade for (fala ou escrita) 12 Portanto, com base numa noção de contexto ampliada, que considera contextos pragmáticos de natureza cognitiva, teremos de admitir que os textos escritos também são contextualizados. Sinclair (1993:544-551) tenta mostrar isto a partir de algumas evidências empíricas colhidas na análise de um texto científico de dois químicos a respeito da “dupla estrutura helicoidal do DNA”. A autora aponta cinco aspectos em que observou dependência contextual neste caso: (a) expressões que são ambíguas em seu uso, podendo ter tanto uma significação técnica como coloquial. Entre eses termos estão “sal”, “modelo”, “base”, “material” que o leitor tem que entender num sentido técnico no caso do texto analisado; (b) expressões cujo referente não é textual e só pode ser identificado na medida em que leitor tem conhecimentos prévios do tema, tal como a expressão “a estrutura de raio-X”, que deve designar algo definido para o DNA a partir do artigo; (c) termos semanticamente vagos que devem ser “enriquecidos” na interpretação, tal como “muito pequeno”, cujo enriquecimento não procede do texto, mas de conhecimentos de química; (d) relações de coerência que em pontos textuais específicos não são evidenciadas no texto, mas providenciadas pelo leitor que para tanto serve-se de conhecimentos pessoais prévios; (e) enunciados cujo conteúdo acha-se implícito ou subentendido, e não vem expresso verbalmente no texto, têm seu preenchimento realizado pela intervenção de conhecimentos técnicos do leitor. Isto permite considerar o texto acadêmico escrito como contextualizado na medida em que para seu entendimento exige-se uma série de informações externas, sejam de caráter técnico na área ou de conhecimentos gerais. Em consequência, não se pode dizer que o texto é explícito, já que ele é orientado para um receptor do qual se exige que tenha condições de efetuar uma contextualização cognitiva específica baseada em suposições. É por isso que nem todos os leitores entendem todos os textos. Pois nem todos os leitores têm condições de fazer todas as suposições necessárias ao bom entendimento de certos textos. Em suma, parece perfeitamente razoável admitir a sugestão de Nystrand (1987:201), lembrada por Sinclair (p. 553) quando diz que “um texto é bem escrito” “ não porque ele diz tudo por si mesmo, mas sim porque ele permite um balanço criterioso entre o que precisa ser dito e o que precisa ser suposto. Certamente, o que conta na efetiva composição é o conhecimento de como e quando ser explícito, não simplesmente ser explícito”. Em conclusão (Sinclair, 1993:553), podemos dizer que o fato de “não haver uma diferença qualitativa entre fala e escrita no que respeita ao papel do contexto não é surpreendente” tendo em vista os avanços recentes da pragmática. Há princípios cognitivos gerais que agem de maneira crucial nos processos de compreensão e que levam em conta contextos mentais. A tese central é, portanto, a de que o mais difícil na composição do texto escrito é saber o que deve ser explicitamente informado e o que pode ser suposto como conhecido pelo leitor. A explicitude será fruto de uma base suposicional negociada. sempre deverão ser contextualizados de algum modo. A diferença estaria na natureza (ou tipo) do contexto necessário. 13 Diante desta proposta teórica, fica claro que a noção de contexto como contexto físico e situacional é reducionista e só contempla um aspecto do problema. Quando radicalizada, essa noção mascara as relações semânticas, pragmáticas e cognitivas e leva a crer que contextualizar é dar coordenadas de ordem física (espaço e tempo) e que explicitar é dar coordenadas verbalizadas. Mas verbalizar não equivale a explicitar, assim como a gestualidade, a mímica, o olhar, as características prosódicas e os entornos espaço-temporais não equivalem a contextualizar. Isso contempla apenas partes da questão e talvez não as mais decisivas na distinção fala-escrita. Se fosse essencial, estaríamos colocando a ausência/presença de condições físicas no ato de produção lingüística como critérios centrais para a produção lingüística. Tomemos o diálogo a seguir: 1 T - desde quando a senhora sente essas dores? 2 Q- já faz uns dois meses mais ou menos e geralmente aqui. 3 T - e antes disso nunca tinha sentido nada? 4 Q- como assim? 5 T - é que geralmente nesse tipo de coisa vem antes um período com 6 fases de formigamento da perna ou também fortes coceiras... Certamente, não seria difícil dizer em que contexto foi produzida essa interação verbal. Mas isso não se deve propriamente a algum tipo de uso da língua e sim ao nosso conhecimento de situações da vida diária em que tais formas textuais são rotineiras. Contudo, podemos dizer que na linha 2 há uma forma que possivelmente não ocorreria na escrita, ou seja, “geralmente aqui” seria substituídopor “geralmente na barriga da perna direita”. Isto significa explicitar enquanto atividade de identificação referencial mediante uma estratégia de verbalização. Assim, podemos dizer, com Sinclair, que com base numa noção física de contexto, em que as pistas paralíngüísticas citadas acima têm papel central, de fato a fala é contextualizada e a escrita descontextualizada. Contudo também este argumento não é válido para justificar uma diferença entre fala e escrita segundo lembra a mesma autora (p.536). Trata-se, no caso, de uma simplificação da noção de pista paralingüística, já que a escrita também tem suas pistas deste tipo. Para Nystrand & Wiemelt (1991:29), as marcas diacríticas de interrogação, exclamação, vírgula etc., bem como o tipo de letras, por ex., itálico, negrito, caixa alta, etc., as ilustrações na escrita e até o lugar da classificação de um livro na biblioteca são todas pistas contextualizadoras típicas da escrita. Basta o leitor conhecer essas pistas para entender seu alcance no texto. Retomando a idéia expressa acima, de que o leitor/ouvinte de um texto é ativo e não passivo, Nystrand & Wiemelt (1991:29) frisam que “a significação textual em qualquer caso não depende simplesmente da elaboração do texto, mas também dos conhecimentos prévios do leitor” que por sua vez é guiado pelas seleções feitas pelo autor. Justamente por essa razão “a significação textual é explícita não quando o que é dito bate com o que é significado mas sim quando o que é dito traça um balanço entre o que precisa ser dito e o que deve ser suposto. Em outros termos, explicitude não deve ser julgada em termos de ajuste entre a intenção do escritor e representação do texto, mas sim em termos de reciprocidade entre e escritor e leitor tal como mediada pelo texto. Significação explícita aflora na interface da cognição autor-leitor altamente sincronizada.” (grifos do autor) 14 Portanto, trata-se de um equívoco “associar explicitude de significação com a elaboração do texto”, pois isto seria admitir que o texto escrito expressaria todo seu potencial de sentido apenas mediante seu léxico e estruturas lingüísticas. Sinclair (1993:537) diz que as pistas contextualizadoras da escrita não podem ser associadas aos contextos de produção tal como na fala. No caso da escrita a mão, por exemplo, mesmo estando ela sem a assinatura do autor, mas tendo nós conhecimento daquelas letras, podemos inferir a autoria. Trata-se de uma pista interna ao texto, mas não é um aspecto do sistema da língua. 4. Alguns Exemplos Tomando as posições teóricas desenvolvidas até aqui podemos identificar aspectos bastante corriqueiros até, que permitem observar usos lingüísticos em que contextualização e explicitude se tornam relevantes. Vejamos alguns exemplos para então concluir. Suponhamos duas situações diversas na recepção de um texto: na primeira, alguém lê um texto escrito por mim e, na segunda, esse alguém ouve o mesmo texto lido por mim para ele. Muito provavelmente, ele fará a assertiva abaixo em apenas um dos casos: “você não é pernambucano” De onde vem essa proposição? Certamente não das informações explicitadas no texto e sim de alguma outra pista que é precisamente a contextualização de meu sotaque. O ponto de partida é a base de conhecimentos de meu ouvinte sobre a língua e não sobre mim ou os conteúdos de meu texto ou do contexto físico da produção. Trata-se de uma pista prosódica. Suponha-se agora que algém lê um texto e diga o seguinte, mesmo na hipótese de desconhecer quem é o autor do texto: “esse texto foi escrito por um nordestino.” Neste caso, essa proposição segue um indício diverso que no exemplo anterior. Suponho que a contextualização se deu aqui em função de itens lexicais ou de construções lingüísticas por ele identificadas como características dos nordestinos. Trata-se de uma questão de estilo. Suponha-se que alguém assim se expresse, em relação ao plano econômico FHC, temendo suas perdas salariais: “É agora que a vaca vai pro brejo.” Aqui, provavelmente, ocorre uma contextualização que pouco tem a ver com as duas anteriores. Mas não se pode deixar de admitir que se trata de um tipo de contextualização da proposição para chegar a uma determinada compreensão. Trata-se da identificação de uma pista idiomática. Suponha-se o exemplo de Dascal (1981) a respeito das implicaturas de Grice (1975): “Ele tem uma ótima escrita a mão.” Certamente, não se trata de uma referência à bela caligrafia do cidadão, se o enunciado foi produzido como “recomendação” a um cargo de professor de Lingüística. Trata-se da busca de uma interpretação adequada com base na máxima de relação. 15 5. Algumas conclusões A análise aqui empreendida tentou fornecer argumentos para contornar a tese de que a fala é contextualizada e a escrita descontextualizada, já que, como disse Sinclair (1993), essa tese é apenas “trivialmente verdadeira”. O argumento contra a tese da contextualização funda-se basicamente na hipótese de que não se pode considerar como equivalentes as condições de produção e o contexto de produção. Também não se pode considerar como contexto apenas a situação física de produção, devendo- se levar em conta as condições cognitivas e pragmáticas. Outra tese central é que não se pode defender a explicitude como uma propriedade da escrita em docorrência de sua descontextualização. Isso porque a explicitude não está essencialmente associada à descontextualização nem à verbalização. Ela é função de operações semânticas, pragmáticas e cognitivas que tanto na escrita como na fala ocorrem com a mesma intensidade. Isto fica claro nas sugestões de Prince (1981). O equívoco reside em imaginar que explicitude equivale a verbalização. Contudo, verbalizar é apenas representar lingüisticamente pistas para interpretação, mas com isso não se está determinando uma significação específica. Com base nestas posições, deve ter ficado claro que a significação não se acha autonomamente no texto como se a linguagem tivesse uma significação “literal” plena e identificável. Por outro lado, também parece evidente que a significação não é uma decorrência da pura e simples contextualização dos enunciados, como se a língua não tivesse nenhum nível intralingüístico de significação. A sugestão aqui feita aproxima- se da de Dascal (1981) e postula que a significação dos enunciados e os sentidos dos textos são o produto (função) de um conjunto de fatores entre os quais a contextualização ou inserção contextual tem um papel relevante nas duas modalidades de uso da língua. Em consequência, o modelo textual desenvolvido a partir da teoria da comunicação, que operava na dicotomia codificação e decodificação tem que ser superado e substituído por um modelo construtivo, cognitivo e interacionista que permite ver o sentido como o resultado de uma negociação realizada com base em suposições mutuamente acessíveis aos interactantes. Portanto, ao contrário de Olson (1991:7), que negava que a leitura pudesse ser vista pela metáfora da adivinhação e solução de problemas, e postulava que a compreensão era uma questão de “reconhecimento”, suponho ser mais plausível postular que a leitura é uma negociação de sentidos. Uma análise adequada da relação fala-escrita sob o ponto de vista da inserção situacional, tem que considerar a diferença dos modos de produção das duas modalidades e não uma simples oposição de duas modalidades, isto é oralidade de escrita. Assim, considerando a fala, é trivial a observação de que ali os gestos e o olhar vão ter um papel crucial, o que não ocorre na escrita com estas duas pistas, mas por outro lado, na escrita vamos ter outras pistas específicas. Além disso, as condições do processamentolingüístico na fala e escrita estão submetidas a exigências diversas pela natureza do meio utilizado e pela relação entre o produtor e o receptor. A tese da autonomia do texto escrito tem como consequência o princípio de que os processos de compreensão na fala e na escrita são diversos (Olson, 1991). No entanto, isto é um equívoco, pois trata o sentido como imposto, na escrita, e como negociado, na fala. 16 Entre as conclusões mais relevantes a que se chega aqui acha-se a de que a análise mais frutífera das relações entre fala e escrita será a que se dedicar preferencialmente à investigação das relações entre os gêneros textuais orais e escritos. A questão é, por um lado, metodológica e, por outro, empírica. O que este ensaio pretendeu foi dar uma sugestão na linha da investigação aqui proposta, numa tentativa de superar as dicotomias apressadas e generalizadoras, tendo em vista sobretudo evitar o estrago que tais posturas podem causar no ensino de língua. Em suma, para uma noção de contexto menos intuitiva e mais explicativa, podemos identificar, entre os fatores que têm relevância máxima, pelo menos os seguintes: (a) participantes (características pessoais e relação entre eles); (b) objetivos (os propósitos da comunicação); (c) público (a noção do público a que se destina uma produção textual escrita ou falada constroi uma imagem e supõe partilhamentos que delimitam o que e como dizer); (d) tema (a matéria tratada e suas condições prévias); (e) conhecimentos (sejam eles lingüísticos ou enciclopédicos, tanto próprios como do interlocutor/leitor); (e) estilo (informal ou formal, etc.); (f) situação comunicativa (envolvendo as condições em que se dá a produção textual) e (g) gênero de texto (que diz respeito a fenômenos e organização superestrutural). Note-se que para a construção de uma noção teórica de contexto não parece ser relevante a modalidade de uso da língua. Além disso, fique claríssimo que contextualizar é essencialmente mais do que situar ou localizar fatoe e fenômenos no especço e no tempo. Fontes de Referência BIBER, Douglas. 1988. Variation across speech and writing. Cambridge, Cambridge Univ. Press. BEAUGRANDE, Robert de. 1993. Introduction to the study of text and discourse. Viena (mimeo, em preparação). BROWN, Gillian & George YULE. 1983. Discourse Analysis. Cambridge. Cambridge Univ. Press. CAMBOURNE, Brian. 1981. Oral and Written Relationships: A Reading Perspective In: B. M. KROLL & R. J. VANN (eds.).1981. Exploring Speaking-Writing Relationships. Urbana, National Council of Teachers of English, pp.99-110. CHAFE, Wallace. 1985. Linguistic differences produced by differences between speaking and writing. In: D. OLSON, N. TORRANCE & A. HILDYARD (eds). Literacy, Language and Learning: The Nature and Consequence of reading and Writing. Cambridge, Cambridge University Press, pp.105-123 DASCAL, Marcelo. 1981. 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