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O livro “O voo da guará vermelha”, de Maria Valéria Rezende, lançado em 2005, conta a história de duas pessoas invisíveis na sociedade, Irene, uma prostituta soropositiva e Rosálio, um analfabeto, cujo não tinha registro civil. A obra aborda de maneira poética assuntos como a falta de registro civil, prostituição, miséria, trabalho em condição análoga à escravidão e analfabetismo. Um fato curioso é que Rosálio mesmo sendo analfabeto, é um grande contador de histórias e Irene que sabe ler e escrever, perdeu esse seu lado. A falta de registro civil de Rosálio, contribuiu para o seu analfabetismo, já que ele não podia ir para a escola. Até então, era chamado de “Nem Ninguém”, a escolha do seu nome se originou de uma professora pela qual ele admirava. O livro não se trata de uma simples história de amor, o ponto principal está em ambos se reencontrarem em si mesmos quando contam histórias. As personagens resgatam situações do passado, que aos poucos permitem entender o porquê daquele personagem agir de uma forma. O livro de certa forma mostra que a linguagem oral é tão importante quanto a escrita, sendo que ambas se complementam. Além de ser uma obra metalinguística, ou seja, utiliza o código para explicar o próprio código, a mudança de fontes acontece quando um dos personagens (geralmente Rosálio) começa a contar uma história. É utilizada uma mistura entre a linguagem coloquial com a erudita. Também faz o uso de algumas expressões nordestinas, que muito provavelmente essa escolha de linguagem implique com a história de vida da autora. É interessante citar que as cores que nomeiam os capítulos, aparecem durante a leitura e refletem os sentimentos dos personagens, como, por exemplo, no capítulo “cinzento e encarnado”, “[...] um pesado teto cinzento e baixo, tocando o topo dos prédios, chapa de nuvens de chumbo que não se movem, não desenham pássaros, nem ovelhas, nem lagartos, nem caras de gigantes, não trazem nenhum recado [...] Tudo tão nada que Rosálio nem consegue evocar histórias que o façam saltar para outras vidas, porque seus olhos não encontram cores com que pintá-las. Fome de verdes, de amarelos, de encarnados.” É possível estabelecer intertextualidade com o livro “As mil e uma noites”, que conta a história do Rei Périsa, que após a traição de sua esposa, decidiu passar cada noite com uma mulher diferente e no dia seguinte, degolava-as. Porém, na vez de uma mulher chamada Sherazade, iniciou um conto que despertou o interesse do rei, ia contando histórias e parava na metade e todas as noites ela fazia a mesma coisa para que o rei quisesse ouvir a continuação dos contos na noite seguinte, e assim ela escapou da morte. E Rosálio por sua vez, visita Irene todas as noites para contar histórias, porém sempre algo o interrompe deixando a história inacabada, assim encantando Irene e o próprio leitor. Existe outra passagem do livro que pode ser relacionada a história de “João e Maria”: “Lembra-se afinal de uma história que lhe contou o Bugre, enche os bolsos com punhados de brita e sai [...] Rosálio vai deixando um rastro de pedrinhas para marcar o caminho do regresso porque ainda não está pronto para soltar-se outra vez pelo mundo sem conhecer a volta.” (REZENDE, 2005, p.12). A história contada pelo Bugre, pode ter sido “João e Maria”, já que em um momento do conto, João e Maria saíram para brincar e para não se perderem foram deixando pedaços de pão no caminho por onde eles passavam. O romance “O voo da guará vermelha” proporciona uma experiência fantástica de leitura, no início pode ser difícil se acostumar com a linguagem que é usada, mas depois tudo flui muito bem. Com certeza, um livro que vale a pena ser lido, possui uma relevância social enorme e com temáticas importantíssimas.
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