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Ciclo Vital: nossa realidade em pesquisa

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• 
.. 
.CENEIDE MARIA DE OLIVEIRA CERVENY 
CRISTIANA MERCADANTE ESPER BERTHOUD 
e colaboradores 
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FAMÍLIA 
E 
CICLO VITAL
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. Casa do Psicólogo® 
10-07416 
© 1997,2010 Casapsi Livraria e Edirora Ltda. 
É proibida a reprodução lOtai ou parcial desta publicação, para qualquer 
finalidade, sem autorização por escrito dos editores. 
l' Edição 
1997 
2" Edição 
2009 
1" Reimpressão 
2010 
Editora 
Anna Elisa de Villemor Amaral' 
Revisão 
/vele Batisw dos SanlOs 
Capa 
Alex Cerveny 
Desenhos 
Andre, Thiago e Roberta Sanso/1 Cerveny 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmar;l Brasileil'a do Livro, SP, Brasil) 
Fanulia e ciclo vital: nossa realidade em pesquisa / Ceneide Maria de Olivei ra 
Cerveny / Cristiana Mercadanre Esper Berthoud. - São Paulo: Casa do 
Psicólogo"'. 2010. 
Vários colaboradores. 
I" reimpr. da 2 ed. de 2009. 
Bibliografia . 
ISBN 978-85-7396-002-0 
1. Ciclos vitais (Biologia) 2 . Fanulia - Aspectos psicológicos 3. FamOia ­
Aspectos sociais I. Cerveny, Ceneide Maria de Oliveira. lI. Berthoud, 
Cristiana Mercadanre Esper. 
CDD-306.85 
Índices para catálogo sistemático: 
1. Família: Psicologia social: Sociologia 306.85 
Impresso no Brasil 
Printed in Brazil 
Reservados lOdos os ~ireitos de publicação em língua portuguesa à 
h::::::::; Casapsi Livraria ~ Editora Ltda. 
~:::::~ Rua Santo Antônio,! 1010 
~ Jardim México· CEP 13253-400 
Ç/ ltatibalSP - Brasil 
Te!. Fax: (11) 4524-6997 
www.casadopsicologo.com.br 
Sumário 
Agradecimentos .. ..... . .. .. ............ .. ...... . .......................................... .... 7 
Prefácio ..... .. ...... .. ....... .. ...... .. .... .................... .. .... .. .............. ........ .... .. 9 
Introdução .. ........ ..... .................. . .... .. ...... .. ... .. .. ........... ................... 11 
PARTE I - Fundamentos teóricos .... .. ..... .... .. ... ....... ............. .... ..... .. 19 
CAPÍTULO I - Ciclo vitaL ..................... .. .... ... .............. .. ......... 21 
CAPÍTULO II - Família paulista ... .... . ........ ... .. ....... .. ... .. ... . ........ 31 
CAPÍTULO III - Família em fase de aquisição ....... .. ............. . ... 45 
CAPÍTULO IV - A família em fase adolescente ............ .. .......... 73 
CAPÍTULO V - A família em fase madura .. .. .. .. .. .............. . ....... 99 
CAPÍTULO VI - A família em fase última 119 
PARTE II - A pesquisa ................................................................. 131 
CAPÍTULO VII - Conversando sobre O método ..................... 133 
CAPÍTULO VIII - Um olhar na família paulista ...... ..... ........ . . 147 
CAPÍTULO IX - Analisando as fases do ciclo vital ......... .. ...... 179 
CAPÍTULO X - Uma leitura comparativa das fases ... ... ........... 215 
Considerações finais 247 
Anexo - Formulário ... . ..... .. .. .. ....... ..... ... ..... .. .. . ................ .. .. ........ . 253 
CAPÍTULO I 
Ciclo vital 
CeneideMaria de Oliveria Cerveny 
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~ 
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~:. 
., 
É impossível pensar em ciclo vital dissociado de desen­
volvimento, movimento, crescimento, ordenação, etapas e assim ~-
por diante. Na acepção de biociclo (Aurélio, 1986), significa o 
. f . 
3 conjunto de etapas por que passa um determinado ser vivo, nor­
malmente: o nascimento, a infância, a adolescência, a idade adulta, 
.--; a senilidade e a morte. O próprio sentido de ciclo, de fenômenos 
,!. : 
que se sucedem em um determinado ritmo, é muito próximo do 
-...:,~ processo de vida do ser humano e assim como do ciclo de vida
',' 
familiar. Aliás, os dois estão extremamente interligados, nos dóis 
L:.': 
estão presentes mudanças e nos dois exige-se um equilíbrio entre:7::.­
~-;: a estabilidade e a flexibilidade.
:?" 
Não sabemos em que momento a idéia de transpor as eta­
pas do ciclo ficou associada à idéia de crise, que fundamentalmente 
..-; 
pressupõe alteração, dificuldade, tensão, complicaçãO, momento 
"! decisivo, acidente, entre outros. No entanto, muito da literatura
-
~.1. • que temos sobre ciclo vital, seja ele individual, seja familiar,está 
~ ". baseado na idéia de crise. 
Uma palavra que encontramos na literatura, que é sem dú­
.. I · 
!:7 vida a que mais nos agrada no sentido de transpor etapas, é ~ 
-=­
,o; ' , "passagem". A idéia de passagem, relacionada ao ato ou efeito de 
t~ passar, significa percorrer, atravessar, transmitir, mudar, que é 
:: ­
.. ' 
. ~ sem dúvida o que acol1tece em cada passagem, muitas vezes semAI'". 
; ..... 
;,{ o significado de crise. ;~~ 
! 
T:L~ 
25 )4 FAMÍLIA E CICLO VITAL 
Nesse sentido, Haley (1986) lembra-nos que a visão que 
temos de ciclo de vida da família é quase sempre baseada na ex­
periência clínica, quando a família fica disfuncional, e poucas são 
as informações que estão disponíveis sobre ciclo de vida familiar 
dentro de uma visão não clínica. 
Esse mesmo autor nos lembra que pensar em ciclo vital 
como uma moldura para a família era, na década de sessenta, 
uma idéia nova. No entanto, a partir dessa data até nossos dias, 
acreditamos que a noção de ciclo vital da família permeia todos 
os conceitos sobre os quais trabalhamos, e tem uma influência 
muito grande no trabalho clínico com famílias. 
Atualmente, no limiar do novo século, essas questões volta­
.~ram a ser amplamente discutidas pelo fato de termos inúmeras 
mudanças, tanto estruturais como funcionais, na família moderna. 
Os conceitos de ciclo vira) individual e de ciclo vital da 
família caminharam juntos e devemos muito nesse campo à Erik 
Erikson e Milton Erickson. O primeiro estudou o ciclo vital focado 
no indivíduo, relacionado com a formação da identidade. Um 
grande mérito "de Erikson (1976) é ter feito, no nível do ciclo 
vital, uma interação entre o psicológico e o social no que ele 
denominou "relatividade psicossocial". 
Diz ele: "A força psicossocial depende de um processo to-
I 
tal que regula os ciclos vitais individuais, a seqüência das gerações 
e a estrutura da sociedade, simultaneamente, pois todos os três 
componentes do processo evoluíram juntos". 
Assim, mesmo com o enfoque no individual, Erikson insere 
uma dimensão intergeracional no ciclo vital que o aproxima do 
conceito de ciclo de vida familiar. Embora do ponto de vista 
biológico o ciclo vital siga uma seqüência universal tanto no tempo 
quanto no espaço,o autor sugere que existe uma ótica da estrutura 
CTCLOVITAL 
social que faz com que a VIsão desse ciclo vital seja diferente 
dependendo da estrutura da sociedade. 
A adolescência por exemplo, em se tratando de transfor­
mações físicas, pode ser generalizada numa perspectiva histórica 
e espacial. No entanto, as diferentes culturas imprimem diferen­
tes expectativas de papéis para a adolescência. 
Enquanto entrar na adolescência para alguns povos pode 
coincidir com o passaporte para o casamento e maternidade, para 
outros ainda significa uma total dependência da família de origem. 
Em relação à ligação de mudança de etapa relacionada à 
crise, Erikson considera a crise potencial no sentido de uma mu­
dança de perspectiva ou ainda num sentido de desenvolvimento 
ou de um período de vulnerabilidade maior. 
Milton Erickson, de acordo com]. Haley (1991), baseava 
sua estratégia terapêutica no ciclo de vida familiar, desde o na­
moro até a velhice e a morte. Erickson na verdade não é conhecido 
como terapeuta familiar. Sua abordagem dirigia-se ao tratamen­
to individual, mas em muitos casos em que relata sua técnica, 
percebe-se a influência do familiar, ocomprometimento com o 
interacional e com o processo de desenvolvimento familiar. Se­
gundo ele, os sintomas clínicos seriam sinais da dificuldade que o 
indivíduo tinha em ultrapassar os estágios do ciclo de vida. 
Para a construção de uma teoria de ciclo vital, Falicov (1991) 
diz que podemos ter três critérios: 
o o primeiro critério seriam "as mudanças no tamanho da 
família": aqui incluem-se as saídas e entradas dos mem­
bros, como crianças que nascem, filhos que se casam, 
avós que morrem e outros movimentos de entradas e 
saídas que determinam com uma certa regularidade as 
etapas previsíveis ao longo da história de uma família. 
27 ~6 	 FAMÍLIA E CICLO VITAL 
o 	 O segundo critério seriam "as mudanças na composição 
por idades". Podemos determinar o momento do ciclo 
de vida de uma família. pela idade do filho maior. As­
sim, um casal em que ambos estão no primeiro 
casamento ou união e cujo filho maior esteja com 6 anos 
estaria em uma fase. Esse mesmo filho aos 16 anos co­
locaria esse casal já em outra fase. Aos 36, esse filho já 
teria colocado seus pais na situação de avós, o que sig­
1 . 
nificaria uma outra fase, e aos 56 os pais desse filho, 
completando o seu ciclo de vida, estariam na última fase. 
o 	 o terceiro critério seriam "as mudanças na posição pro­
fissional da pessoa ou pessoas que sustentam a família". 
Esse critério baseia-se nas tarefas evolutivas e pressu­
põe-se que existem fases em que a demanda em termos 
funcionais é maior ou menor. 
Em nossa pesquIsa, procuramos atender aos 3 cntérios 
propostos, e com isso conseguimos uma visualização mais exata 
das fases, mas também uma tarefa adicional para incluir as fOr­
. ; 
mas de família reconstituídas e funcionalmente diferentes na 
nossa realidade. 
Simon, Stierlin e Wynne (1988) colocam como 1948 a data 
em que Reuben, Hill e Duvall começar~m a conceitualizar as tare­
fas de desenvolvimento familiar. Este rrqbalho é sem dúvida a 
semente para todos os estudos posteriores das etapas do ciclo vital. 
Em 1957, E. Duvall divide o ciclo familiar em 8 etapas 
organizadas em torno do? fatos nodais, entradas e saídas dos mem­
bros da família. A partir de então, o ciclo de vida familiar foi 
estudado por diferentes autores, com diferentes divisões. · Sem 
dúvida, a mais complep literatura que temos sobre ciclo vital da 
família é a obra de Carrer, McGoldrick e colaboradores: As mu­
danças no cú:lo de vidafomiliar - uma estrutura para d terapia fomiliar: 
CICLO VITAL 
Durante muito tempo ela serviu de base para os pesquisadores da 
área mesmo com a restrição, colocada pelas autoras, de conside­
rar 	o ciclo de vida familiar em relação a três aspectos: os estágios 
predizíveis de desenvolvimento familiar "normal" na classe mé­
dia americana tradicional neste final de século, os padrões que 
estãO sofrendo mudanças e a perspectiva clínica para ajudar as 
famílias "a voltarem à sua trilha desenvolvimental". 
Essas restrições, abordadas por Carter e McGoldrick na 
obra acima citada, não são características somente da sociedade 
americana deste final de século mas provavelmente da maior par­
te do mundo. 
Os 	avanços tecnológicos, principalmente na área comunica­
cional, que tornaram nosso mundo relativamente 
. 
menor, 
colocam-nos em Contato com as mudanças de padrões e suas 
nuances quase que imediatamente, principalmente na classe mé­
dia, que é aquela a que nos propusemos investigar. 
Se pensarmos nessas mudanças em termos mais circunscri ­
tos, na nossa realidade, veremos que nos últimos cinqüenta anos 
vivemos mudanças em todos os níveis: político, econômico, so­
cial, cultural, entre outros, que nos levaram a uma situação de 
previsibilidade relativa e de muita insegurança. 
Falicov (1991) nos chama a atenção para a discrepância 
que existe entre os estudos do desenvolvimento individual no 
ciclo vital e os poucos que se têm do ciclo de vida familiar. Se 
olhamos a família de uma perspectiva sistêmica, e consideramos 
o seu ciclo vital englobando os aspectos individuais, sociais, 
relacionais, culturais, podemos deduzir a dificuldade de 
caracterizá-la nas fases ao longo do ciclo e entendemos os pou­
cos estudos e pesquisas relativos ao tema. 
É comum, nos nossos dias, a referência à família do final 
do século ou "família entre-séculos" como a denomina Rojas (1994). 
O que esperamos para essa família? Por que nos referimos tanto a 
29 FAMÍLlA E CICLO VITAL 
esse final de século? As famílias realmente tiveram uma mudança 
radical nesses últimos anos? Podemos pensar a mesma família no 
1°, 2°, 3° ou 4° mundos? 
De acordo com Rojas (1994), "na família atual, marcada 
pela transição do interséculo, mantêm-se ainda, valores e ideais 
correspondentes a distintos tempos, o que acentua o conflito da r • 
'..I.':. 
eleição e apropriação das propostas, sempre delineadas para cada 
ser humano". .. r 
, 
Concordamos com a autora acima porque nunca se convi­ -~ 
""':..."': ' . 
veu com o moderno e o tradicional como nos dias atuais. A 
liberdade sexual por exemplo, que foi a tônica da década de se­
tenta, teve que ser repensada em função. da terrível ameaça da 
AIDS e assim também com muitas outras conquistas. Na nossa ~ : 
realidade, principalmente a da classe média, que foi o objeto de ~. 
~.. 
.-e: .nossa pesquisa, a liberdade e a çliferenciação dos adolescentes, 
por exemplo, confrontam-se com a insegurança de nossas ·cida­
.~- .des e a falta de proteção do Estado. A abertura educacional, que 
colocou a Universidade ao alcance da maioria da classe média, 
esbarrou com à escassez de ofertas no mercado de trabalho. 
Essas contradições sem dúvida afetam a família e refletem 
essas divergências quando tentamos buscar os valores, as cren­
ças, padrões e mitos presentes no nosso grupo familiar. 
Conseqüentemente, olhar o ciclo vit~1 separado dessas contin­
gências é visualizá-lo sob uma ótica mera e falsamente teórica, 
desvinculada da realidade. 
No nosso trabalho, optamos por colocar uma categoria en­
tre cada uma das 4 fas~s do ciclo vital, que denominamos de 
transição, para podermos incluir a variedade de famílias que fu­
giam à regra e não sabemos quando éque essa categoria vai ser 
tão significativa em termos estatísticos como a regra geraL 
Não podemos esquecer também que a nossa amostra con­
sistiu de famílias que residem na cidade de São Paúlo e em cidades 
CICLO VITAL 
do interior e o cruzamento dos nossos dados poderá mostrar se 
as famílias na transição são na sua maioria de grandes centros 
urbanos ou não . De qualquer maneira, insistimos que olhar para 
a família de classe média, em termos de ciclo vital, significa ver 
ao mesmo tempo o tradicional e o moderno, e se esse olhar se 
focar na família paulista, terá que visualizar ainda: o coerente e o 
incoerente, o desejo e a insatisfação, o enfrentamento e o recuo 
. , 
o desejável e o possível e todos os outros opOStos . 
Neste momento, talvez fosse importante relembrarmos a 
visão chinesa de crise em que ela se apresenta como um aspecto 
da transformação. Segundo Capra (1994): 
Os chineses, que sempre riveram uma visão inteiramente dinâmica do mundo 
e uma percepção aguda da história, parecem estar bem cientes dessa pro. 
funda conexão entre crise e mudança. O termo que eles usam para "crise", 
weijy, é compoSto dos caracteres: "perigo" e "oportunidade". 
Talvez essa seja a síntese da família do final do século: o 
perigo e a oportunidade! 
Referências bibliográficas 
ERlKSON, E. H. Identidade, juventude e crise. ZaharEd., Rio de Janeiro, 1976. 
eARTER, B. eMcGOLDRICK & colaboradores. fu mudança5 no ciclo de vidafamiliar­
Uma estrutura para a terapia familiar. Artes Médicas, Porro Alegre, 1995. 
HAlEY, H. Terapia nãocon'uencional·As técni.caspsiquiátri=deMiltonH Erickson. Summus 
Edirorial, São Paulo, 1991. 
. SThI10N, F B.; STIERLIN,H; e WYNNE, L. C. Vocabulário de terapia familiar. Gedisa 
Editorial, Barcelona, 1993. 
HOLANDA A B '" D ··· '· A '1· I. ' 
, . . 1 'ovo 1.CIqnano urellO c a Lmgua Portuguesa. Nova F romeira, Rio de 
Janeiro, 1986. 
JO FAlVIÍLlA E CICLO VITAL 
CAPRA, F. O ponto de mtltação. Cul[Ox, São Paulo, 1994. 
FAUCOV,C.J. Contribuci.onesde Úlsociologiade lafamiliayde la terapiafamiliarai "esquema deI ,. 
desarollojàmJiar'~·análisis comparativo y reflexionessobre las tendênciasfuturas, Paidós, Buenos 
Aires, 1991. 
_0. ...: " 
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1~ 
·t"o" 
.~ .. . 
CAPÍTULO II 
Família paulista 
OneideMariadeOli'lleira ~ 
; 
No campo dos estudos sobrea jàmília no Brasil estamos 
começando a armar opulOI; tratamos, no momento, de 
destrinchar as relações cotidianas que sabemos serem 
importantes para a construção de visões maisglobais, às 
quais nosarriscamospouco, jáquenossas certezas sobre o 
maisimediatoaindasãofrágeis(M... cORRÊA, 1993). 
Toda vez que tentamos pesquisar a família temos que re­
conhecer o quão pouco sabemos sobre e la, apesar de vários 
segmentos da ciência se ocuparem de seu estudo e da importân­
cia que lhe é atribuída por eles. 
Não nos sentimos muito à vontade quando vamos falar a 
respeito de família brasileira, por exemplo. A diversidade de mo­
delos, a ampli tude do terri tório, as diferentes coloqizações, a 
miscigenação, as imigrações, as monstruosas diferenças 
socioeconômicas existentes em nosso país tornam difícil a gene­
ralização de uma família brasileira. A impressão é que temos muitas 
famílias brasileiras, que não só são definidas geograficamente, 
mas que sofrem muitas outras influências. 
1 "Armar o pulo" é uma reduçã'o de "armar o pulo do gato", expressão que a autora usoU 
para traduzir livremente aexpressão reculer pour mieux sauter na apresentação de Colcha de 
retalhos, p. 12. i 
35 'tFAiV!ÍUA E CICLO vrrAL3'4 
Gilberto Velho, em um artigo denominado "Felicidade à 
brasileira", publicado no jornal Folha de S. Paulo em 3/11/1996, 
diz que a sociedade brasileira, "se por um lado participa de uma 
tradição ocidental moderno-contemporânea, por outro tem carac­
terísticas próprias, com direções e interpretações particulares." ... 
E em ouuo momento do artigo: "creio que a análise das novelas 
seja uma das entradas mais férteis para uma melhor compreensão 
dos valores brasileiros contemporâneos". 
Concordamos com o autor que essas características tão pró­
prias da nossa família, talvez sejam um entrave para pesquisas 
"mais aprofundadas como um todo. 
" Medina (1974) coloca-nos diante da incoerência de pos­
suirmos tão poucos estudos sobre a família no Brasil e do fato de 
ela ter sido tão fundamental na formação da nossa sociedade. Ele 
cita os estudos de Lynn Smith (1953), que comparando Brasil, 
Estados Unidos e América Espanhola, chega à conclusão de que a 
instituição predominantemente formadora dessas sociedades foi 
. "{ 
na América Espanhola, a Igreja, nOS Estados Unidos, a Escola e 
no Brasil, a Família. " 
Isso vem ao encontro da idéia de Da Marta (1987) quando 
diz que 
uma reflexão mais crítica sobre a famrlia permite descobrir que, enrre 
nós, ela não é apenas uma insriwição social capaz de ser individuali ­
zada, mas consriwi rambém e principalmenre um valor. Há uma escolha ;: 
por parre da sociedade brasileira, que valoriza e insrirucionaliza a fa- ""t· 
mília como uma insriwição fundamenral à própria vida social. Assim, ~. 
a família é um grupo: social, bem como urna rede de relações . Funcla- ;+ 
se na genealogia e nos elos jurídicos, mas rambém se faz na convivência 
social inrensa e longa. É um dado de faro da existência social" e ram­
bém constirui um v:alor, um ponto do sisrema para o qual rudo deve 
render (p. 125). 
FA]V1ÍIJA PAULISTA 
Quando nos propusemos a pesquisar a família paulista, essa 
dificuldade também apareceu. Não é fácil caracterizar uma famí­
lia paulista. Os estudos a que tivemos acesso fizeram recortes 
dessa família ou no tempo ou no espaço. 
Medina (1974), na segunda parte de seu livro Família e 
mudança - ojàmilismo numasociedade arcaica em transformação) traz 
uma bibliografia crítica sobre a família no Brasil. A respeito da 
família paulista, só dois trabalhos citados por ele tentam uma 
apreensão da nossa família como um todo. Um deles é o traba­
lho de Hamburguer (1954), que aborda a família paulista a partir 
do estudo do comportamento dos habitantes de uma pequena 
cidade, com o intuito de verificar se elas se enquadram no este­
reótipo de família brasileira descrito por Siegel. A pesquisa foi 
feita com entrevistas e observação e não há registro do critério 
de seleção dos entrevistados. Um segundo estudo citado é o de 
Moreira (1968), intitulado "A família paul ista", que apresenta 
3 tipos básicos: a família caipira, a família rural e a família dos 
grandes centros urbanos. Segundo Medina, esses tipos são ca­
racterizados superficialmente e o autor chega à conclusão de 
que é impossível fixar um retrato único da família paulista. 
A revisão de Medina é de 1974 e nesses últimos vinte anos 
tivemos mais estudos e pesquisas sobre a fa m ília paulista, porém 
como já dissemos, na sua maioria fazem recortes, e poucos ten­
tam abranger essa família como um todo . O nosso trabalho 
também pode sofrer uma crítica nesse sentido, pois a pesquisa foi 
dirigida à classe média, mas temos consciência de que ele não é 
acabado ou completo e que, para falarmos genericamente de fa­
mília paulista, teríamos que ampliá-lo para as outras realidades. 
Quando falamos em família paulista, estamos falando de 
famílias inseridas num Estado que, de acordo com o último cen­
so (1991), concentra 21,51% da população nacional. 
37 ·36 FAlVIÍLlA E CIC LO VITAL 
Em setembro de 1991, a população do Estado e ra de 
31.588 .925 habitantes e nos últimos trinta anos cresceu 2,47 ve­
zes. Como OCorre no Brasil como um todo, a partir de 1980 houve 
um desaceleramento do ritmo de crescimento populacional. Mes­
mo assim, nos últimos onze anos a tax a de crescimento de São 
Paulo ficou acima, tanto da taxada região Sudeste como do Brasil. 
Um dado interessante é que a população do interior cres­
ceu mais do que a da região metropolitana. No interior, o ritmo 
de crescimento foi 2,39, enquanto o da região metropolitana 
foi 1,88. 
Na última década, como já dissemos, houve uma diminui­
ção de nascimentos, mas houve um aumento da população de 
idosos e da população em idade ativa. 
Os números do censo de 1991 acusam em São Paulo as 
segu1l1tes porcentagens: 
de O a 14 anos ............................. . .. 3Ó,730/0 
de 15 a 64 anos .............................. 64,300/0 
mais de 65 anos ............... ............... 4,970/0 
Em relação à estrutura e compOSlçao familiar, o último 
censo acusa o aumento de 4,75 para 7,15 do número de unida­
des domésticas unipessoais (famílias constituídas por uma só 
pessoa). Também cresceu significativamente a proporção ' de 
mulheres chefes de domicílio, ou seja, que têm a responsabili ­
dade da casa, tanto na zona rural como na urbana. Isso pode 
significar o maior núm~ro de divórcios e separações e as mulhe­
res assumindo os filhos. 
Um dado que empiricamente já sabíamos e que é confir­
mado pelo censo é o 9mpobrecimento: O rendimento médio das 
famílias caiu nos últimos dez anos tanto na área urbana como na 
rural e tanto em rel,áção aos homens como às m'ulheres. 
F.AJVÚLIA PAUUSTA 
Esses dados nos localizam no Estado d e São Paulo de hoje 
ou no máximo em comparação com os últimos trima anos. Com 
relação à cidade de São Paulo, passamos de 1.326.261 habitantes 
em 1940 para 9.646,185 em 1991, ou seja, em cinqüenta anos 
passamos por uma acelerada explosão populacional, que sem dú­
vida repercutiu na estrutura e dinâmica das famílias, Esse fato 
pode revel a r, no âmbito da cidade e doEstado de São Paulo, 
características imig ratórias de desenvolvimento socioeconômico 
que, sem dúvida, dão uma configuração especial aos estudos so­
bre a família paulista. 
.~~~ ' 
A família paulista "classe média"
.~~;~, I 
'~. 
~.: 
~j~}t 
Se caracterizar a família paulista é um desafio, fazer o re­
trato da família de classe média é ainda mais difícil. 
Essa dificuldade não se restrin ge somente à família 
paulista. Nos últimos anos, a classe média em nosso país passa 
por uma crise de identidade, pois não se sabe classificá-Ia com 
exatidão, Ao mesmo tempo, lemos e ouvimos que essa mesma 
••:?'f; . . 
~.~. classe média constitui 300/0 da população do país que abrange 
então cerca de 45 milhões de indivíduos. Mas de que indiví­
'" duos estamos falando ? 
'.;::',' 
"~: Salem (1986), em uma publicação na qual se propunha a 
fazer uma resenha de trabalhos que tinham como objeto a fam'Ília 
em camadas médias urbanas, nos diz: 
Uma das questões com a qual se defrontam estes trabalhos diz respeito 
ao valor heurístico da noção de "camadas médias", Verifica-se entre os 
autores um consenso no que tange às reservas feitas tanto à verrente de 
estratificação so cial quanto à que esco lhe a perspectiva de classes. De 
um modo geral, ,ambas são vistas como incapazes de dar conta das 
descontinuidades observáveis em termos de ethos e de visão de mundo 
39 
,! 
. I. 
• 38 FA1v1ÍLLA E CICLO VITAi. 
apelando exclusivamenre para indicadores que procuram siruar estes 
segmemüs a panir de sua siruação e posição na esrrutura social. 
A mesma autora ainda nos diz que a classificação de famí­
lias de classes médias não pode ser mecanicamente deduzida ou 
apreendida a partir de critérios socioeconç,micos e que necessita 
estar associada a outras diferenças de nível mais simbólico. 
Concordamos com Salem, mesmo porque nas últimas dé­
cadas a instabilidade econômica vigente no país dificultou 
sobremaneira estabelecer qualquer critério de classificação por­
que vivemos todos as conseqüências dos altos e baixos econômicos, 
que com certeza influíram em outros critérios de avaliação. 
Tomemos por exemplo a educação: há quarenta, cinqüen­
ta anos, as escolas públicas eram tão seletivas, que estudar nelas 
garantia uma posiçãO intelectual de "poder acompanhar o ensi­
no". Aos alunos menos dotados, que não gostavam de estudar, 
eram reservadas as escolas particulares. Os .colégios religiosos 
cobriam as necessidades das famílias que queriam um ensino mais 
tradicional e~'eligioso ou daquelas que moravam em lugares onde 
não havia a Escola Pública . 
Há vinte anos o panorama educacional era totalmente ou­
tro: as Escolas Públicas ficaram para uma população de baixa 
renda e deixaram de ser seletivas. \ 
Os colégios particulares, por sua vez, sofisticaram-se cada 
vez mais para atender às classes média e alta. A situação chegou a 
tal ponto, que colégios particulares mais populares foram surgin~ 
do porque o ensino público não conseguia atender a quase 
nenhuma expectativa :das famílias. Nos últimos 5 anos, percebe­
mos uma retomada da importância da Escola Pública porque um 
grande contingente de famílias ditas de classe média não conse­
gue mais manter seys filhos nas escolas particulares. 
No momento em que escrevíamos sobre o assunto, tive­
mos acesso a uni' artigo de Marilene Felinto (da equipe de 
~:• • 1 
" 
'. 
--·t, FA]\1Ú.lA PAUUSTA 
articulistas da Folha de S. Paulo), datado de 18 de fevereiro de 
1997, do qual nos permirimos transcrever alguns trechos. O arti­
go fala de uma criança de oito anos, denominada pela articulista 
como Matilda que 
. •~; r mudou este ano da escola particular para a escola pública e disse dra­
;1 maticamente à mãe, ao voltar do seu primeiro dia de aula na 3ª série de
o·f'" ~~. uma escola municipal de São Paulo: 'Eu nunca vou perdoar você por ter 
~ me tirado da minha escola.' Os pais dela não tinham mais como pagar as 
mensalidades escolares ... Entre as queixas de Matilda estavam as condi­
ções daquela 'escola de pobre', a merenda de gosto ruim, a solidão no
' ­
~- : pátio de uma escola em que, como as classes não têm menos de quarenta 
alunos, a criança se ressente de falta de atenção... Um menino falou co­~ 
ú 
.. 
migo com a boca cheia de bolacha', ela contou à mãe, com um tom de 
:h revolm na voz... Depois ela reclamou do arroz-doce e da canjica da 
"to;­
merenda. Sobrerudo, recusa-se a viver o que já via antes acontecer com 
seu primo que freqüenta a mesma escola. Todo fim de mês, nas escolas 
municipais de São Paulo, cada criança que tiver bom índice de compa­
'.; 
.?~. recimento às aulas recebe uma lata de leite em pó como prêmio.
,', 
::-
Matilda é O exemplo da classe média que não pode mais 
arcar com as despesas de uma escola particular e que volta a cons­
tituir a população da escola pública, fenômeno que está 
constituindo uma rotina entre nós. 
I. ; 
Esse pequeno parênteses a respeito da flutuação da classe 
1 
i-o média em relação ao ensino deu-se praticamente em todos os 
.. .. 
. setores: cultural, de lazer, social e assim por diante. 
Uma outra questão que dificulta a caracterização da classe } média é o olhar de quem a classifica. As agências de publicidade:·1 
que se preocupam com O marketing e o consumidor têm uma
," ..1..
. .,..- - . 
classificação social baseada na quantidade de itens de que as 
.. 
famílias dispôem. Como o apelo consumista é muito forte, 
" grandes sacrifícios são feitos em função de ter o televisor, que 
-;.!. 
possivelmente deflagrará ainda mais o consumo. É comum em 
41 
, 
:~. 
FAMÍLlAECICLOVITAL .' 
algumas regiões do interior a existência de casas de pau-a-pique 
ou barracos com as antenas parabólicas e o telhado de antenas de 
TV nas favelas. Assim, para os publicitários; a TV, os aparelhos 
domésticos, O velho carro que não anda por falta de combustível 
ou peças, incluem muitas famílias como classe média, indepen­
dentemente de se esse status é baseado nas inúmeras prestações, 
restrições básicas importantes, e inadimplências. 
Se o olhar do pesquisador que tenta classificar ou definir a 
classe média se baseasse na escolaridade, teríamos uma outra vi­
são do problema. Um engenheiro casado com uma estilista, por 
.;"; ~ . 
exemplo, ambos desempregados, talvez sem os eletrodomésticos, :·f 
que poderiam ter sido vendidos para fazer fnmte à situação de 
emergência, seriam considerados também classe média. Poderiam 
ser pais de 1vlatildas, Josés, e de outras crianças de classe média ... 
Nesse sentido, é important~ um olhar sobre a nossa pesquisa. 
Nossos entrevistadores eram alunos universitários, principalmente 
do último ano de cursos de psicologia, tanto na Capital como no 
interior. Esse fato, acreditamos, influiu na escolha dos entrevis­
tados, pois outros critérios, além da renda, educação, profissão, 
estavam presentes nessa escolha. 
Entendemos agora a crise de identidade da classe média e 
as nossas dificuldades em determinar quais seriam os sujeitos da 
nossa pesqUIsa. 
\ 
Porém uma certeza está presente para nós: a de que a clas- -~~. 
+se média é, sem dúvida, na nossa realidade, a que tem as maiores . :' 
. ;~f 
nuances e contradições. ~r, 
:. ;. 
Os modelos familiares 
Se pensarmos ,ém modelos familiares no âmbito do Brasil, de 
São Paulo e das difeientes classes sociais, alguns póntos são comuns. 
FAMÍllAPAULISTA 
Um deles é o modelo patriarcal que, apesar de contestado 
por pesquisas surgidas a partir de 1970, permaneceu como re­
presentativo da família brasileira, e por conseguinte da família 
paulista, durante muito tempo. Corrêa (1993) diz que "este é o 
modelo tradicionalmente usado como parâmetro, é a história da 
família brasileira, todos os outros modos de organização familiar 
apareçendo como subsidiários dela ou de tal forma inexpressivosque não merecem acenção". 
A mesma autora critica a leitura que passamos então a fazer 
da nOssa história a partir do proposto por Freyre, sem pensarmos 
em todas as outras possibilidades que existiram. Samara (1983) 
afirma que o rótulo de família patriarcal não era representativo de 
uma família denominada brasileira, pois existiam outras formas de 
composição familiar no Brasil, mesmo no século XIX. 
Nesse sentido, gostaríamos de citar novamente Corrêa 
(1993) que, referindo-se às obras de Freyre e Candido sobre a 
família brasileira, diz: 
A "família patriarcal" pode ter ex istido, e seu papel ter sido extrema­
mente importante, apenas não existiu sozinha, nem comandou do alto 
da varanda da casa grande o processo tOtal de formação da sociedade 
brasileira . Para ambos os autOres parece não ter havido, neste país onde 
a colonização se fez de maneira tão díspare, um processo de constitui­
ção de unidades domésticas de variedade equivalente na's muitas regiões 
onde se insta laram os primeiros colonizadores . 
Em São Paulo, tivemos até o século XVIII uma configura­
ção colonizadora semelhante ao resto do Brasil: um movimento 
que começa no litoral e se expande para o interior. A partir daí, 
São Paulo começa a receber imigração de outros Estados, princi­
palmente de Minas Gerais, para ocupação de terras no interior, 
onde se formam algpns núcleos e os povoados que mais tarde se 
tornam municípios. 
43 
.. .:.:-;,: 
P r.- • 
, r 
~i; - - . . 
~~ . , . 
.. ~:~- , 
• 42 FAMÍLlA E CICLO VITAI.. 1" 
A segunda metade do século XIX nos mostra São Paulo já 
como o maior produtor de café do país, situação essa baseada 
quase na sua totalidade no trabalho escravo, 
Os movimentos abolicionistas na metade do século XIX 
também influenciam a abertura da imigração e um número mui­
to grande de ~uropeus entra nessa época no Brasil e um grande .~ 
contingente vai para a lavoura. Uma parte desses imigrantes, prin­
cipalmente aqueles que trouxeram experiência anterior em alguma 
atividade e algum dinheiro, estabelece-se no comércio, na peque- )õ 
na indústria, na prestação de serviços especializados e aos poucos 
começa a prosperar. 
A próxima geração já vai encontrar uma situação de misci­
genação por meio dos casamentos, formando a base da maioria 
das famílias que hoje temos na classe dita média. f- . 
. ~-.. 
Os funcionários públicos, os bacharéis, os médicos e ou- .~: 
. 
tras profissões liberais vão se fórmando no seio dessas famílias. -,I; 
. 
~':'r ; 
Num certo sentido, a cidade de São Paulo torna-se nessa época 
um centro cultural e de formação, com um grande número de . ) : 
estudantes, que se deslocavam de suas cidades de origem para 
cursar Universidade e mesmo buscar outras oportunidades. Essa .1; 
t~ 
situação começa a tomar nova feição a partir da década de ses­
senta, quando começa a expansão universitária para o interior. r:­
Outros ramos imigratórios que1se dedicaram ao comércio e 
que no início tinham como maior preocupação o desenvolvimento 
econômico, à medida que o conseguiam, passavam à geração 
seguinte a necessidade de adquirirem estudo e formação. 
Parece ser esse o retrato da classe média paulista nos dias 
atuais: uma classe média di.vidida nas categorias de alta, média e 
baixa, com uma configuração diferente do que foi a classe média 
de trinta, quarenta anos atrás. 
Figueira (1986J afirma que nos últimos quarenta anos o 
Brasil sofreu um grçinde processo de modernização e pensamos 
FAMÍJ-lAPAillISTA 
que São Paulo é um dos Estados que mais sofreram esse processo, 
que já começava a acontecer nos anos cll1qüenta. 
Esse mesmo autor define a família dessa época como uma 
família hierárquica, no sentido de relativamente organizada em 
termOS de papéis masculino e feminino, adulto e criança. A famí­
lia atual para Figueira apresenta-se COmo uma família mais 
preocupada com o ideal da igualdade e respeito, com ênfase no 
indivíduo. No entanto, para ele o arcaico desaparece apenas apa­
rentemente para dar lugar ao moderno, mas continua presente 
de modo invisível. Figueira conclui seu artigo dizendo: 
Não há, propriamente, uma "nova família brasileira". Ainda estamos 
longe de lima família realmente nova (o que quer que isso signifique). 
No momento, o moderno convive com o arcaico na família brasileira 
de modos sutis e complexos, que só recentemente começaram a ser 
estudados. 
O que Figueira afirma foi o que percebemos quando saí­
moS a campo para levantar alguns dados sobre o ciclo vital. 
Ao mesmo tempo, a constatação de Bori em 1969 no seu tra­
balho "Famílias de categorias baixa e média de status social de 
centros Urbanos" ainda permanece atual. Diz ela: "O estudo 
dos aspectos qualitativos das inter-relações constituiu-se num 
desafio para os investigadores, já que é na incapacidade de 
caracterizá-las que se revelam, sobretudo, as limitações dos 
procedimentos metodológicos que vêm sendo preferencialmen­
te adotados". 
Ao mesmo tempo, é ImperIOSO conhecermos a família 
na sua dinâmica e estrutura, nas suas relações internas, nas 
suas crenças para podermos validar ou reformular as 
categorizações e sobretudo começarmos a pensar nos modelos 
a partir de dados reais. 
- --
44 
" 
.. 
FAMÍUA E CICLO VITAL 
Referêncizls tJibliográficêlS 
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ç... . .. 
r 	 'f> t , 
,( 
" 
.; 
" 
~: . 
f. 
. t~ , 
- f/;. . A Fase de Aquisição, como já vimos, pode ser considera­
da como a primeira fase do Ciclo Vital da Família e inclui : a 
escolha do parceiro, a formação de um novo casal, a chegada do 
primeiro filho (que transforma o jovem casal em nova família) e 
a vida com os filhos pequenos. Conforme já salientado por 
Cerveny em capítulo anterior, é uma fase na qual há o predomí­
, , 
I 'i 	 nio da tarefa de ADQUIRIR. E adquirir em todos os sentidos: 
material,. emocional e psicológico. É este o momento no qual os 
indivíduos estão bastante envolvidos no complexo movimento 
de dar e receber; conquistar e ceder; ser e vir a ser. As transições 
necessárias para a adaptação a essa nova fase da vida familiar 
exigem maturidade e demandam tempo e, como veremos, é da 
resolução dos conflitos típicos que aqui ocorrem, que as fases 
futuras irão depender.
..:,:.; , 
... ~~. 
Ji1, Tradicionalmente, seriaextremamente mais fácil caracteri­'~f zar os indivíduos e as famílias que constituiriam aquela parcela 
~l~ . da população em Fase de Aquisição, porém, com as transforma­
-~if _~ ç~es contínuas que a família vem sofrendo, especialmente em 
~: : .. ~JJ."".:, . função das demandas de modernização, neste final de século 
, 
,
I 
; $ em nossa cultura, muitas e diversas são as possíveis configura­
" i ' I ~ft:. 	 ções do núcleo familiar. Assim, podemos considerar em Fase de 
Aquisição tanto aquele jovem casal que acaba de deixar a escola e 
49 
' 't 
FAMÍLIA E CICLO VITAL48. 
as casas paternas para ingressar no mercado de trabalho e na vida 
conjugal, como aquele casal que se une pela segunda ou terceira 
vez, já profissionalmente estabelecido e com a responsabilidade 
de cuidar e/ou sustentar filhos de uniões anteri o res. Também es­
tão em Fase de Aquisição os adolescentes "grávidos" que se casam 
e continuam a estudar e morar com os pais, e os adolescentes que 
se casam com parceiros de meia-idade que por sua vez têm filhos 
quase adolescentes. E, ainda, estão em Fase de Aquisição muitas 
outras organizações familiares, como famílias monoparentais, 
homossexuais, e outras, sendo que todas têm em comum o fato 
de estarem iniciando uma nova configuração familiar. 
Em função de fatores como idade, maturidade, experren­
cias anteriores, redes de apoio social e familiar, dentre outroS, as 
novas famílias qUe se formam irão vivenciar de maneiras bastan­
. I 
te diferentes a Fase de Aquisição, que será, de qualquer forma, 
permeada pelo processo de construção. 
Casais jovens, para a constituição de sua própria família, ·1 
terão que se preocupar basicamente com a aquisição de bens ma­
teriais, com a construção de suas carreiras profissionais, com a 
aquisição da .independência em relação às famílias de origem e 
com a construção de uma relação dual na qual sejam definidos 
papéis e funções de cada um dos cônjuges e um espaço inter­
relacionai , que satisfaça a ambos. 
Casais maduros, no processo de reconstituir famílias, tal­
vez não tenham que se preocupar com bens materiais ou com 
ascensão profissional, mas certamente passarão pelo processo 
de aquisição e construção de vínculos com os sistemas familiares de 
origem de ambos, com os sistemas familiares de seus ex-parcei­
ros, filhos biológicos e filhos por afinidade. O estabelecimento 
de relações familiare s depende de negociações amplas e de 
redefinições de papéis e funções e, desta forma, a formação de cada 
nova família é um processo único. 
FAMíLIA EM FASE DE AQUlsrçÃO 
Casais de adolescentes que permanecem no seio da família 
de origem têm a difícil tarefa de adquirir um espaço próprio para 
a relação conjugal, no emaranhado das relações já existentes no 
sistema, que é extremamente conhecido e familiar a um dos CÔn­
juges e estranho ao outro, além de definirem e se investirem dos 
papéis e funções de marido, esposa, pai e mãe. Muitas aquisições 
precisam ser feitas simultaneamente, O que muitas vezes pressio­
na, e muito, tanto o sistema já estabelecido, que tem que se 
reorganizar e adaptar à entrada de novos membros, como o siste­
ma familiar que quer se iniciar, que necessita se definir e adquirir 
um status próprio. 
Casais formados por um dos cônjuges adolescente e o ou­
tro na meia-idade irão se configurar como uma nova família em 
formação com características distintas, visto que enquanto um 
tem que investir na escolarização, na carreira e na definição de 
projetos de vida, o outro tem que investir na reorganização dos 
sistemas inter-relacionais. A principal tarefa dessa nova família 
será a aquisição de metas comuns e a construção de um sistema 
que contenha e seja adaptado às demandas diferentes decorren­
tes dos interesses e necessidades de cada um dos parceiros, al-ém 
da constituição de um sistema que seja adaptado ao macrossistema. 
Muitas outras formas de organização familiar poderiam ser 
aqui analisadas, porém exemplificamos apenas as mais usuais, na 
tentativa de refletirmos as características em comum desse perío­
do do Ciclo Vital, que diferentes configurações irão vivenciar. A 
seguir, vamos traçar um esboço de como pode ser em nossa socie­
dade, o trajeto da construção de um novo sistema familiar nuclear. 
51 FAMÍLIA ECICLOVlTAL 
• 50 
Nasce urna família 
o "E viveram felizes para sempre... ?" 
. 'A Bela Adormecida, depois de enfeitiça da por cem anos, é 
acordada por seu Príncipe Encantado com um lindo beijo de amor. 
Emocionados, eles se abraçam e se unem, vivendo então ... FELI­
ZES PARA SEMPRE! 
Branca de Neve, coitadinha, teve que se esconder na flo­
resta para fugir de sua mal vada madrasta mas, mesmo refugiada 
entre os sete anões, é envenenada pela bruxa e cai em sono pro- ' 
fundo, até ser salva por um belo Príncipe Encantado, que a leva 
ao seu maravilhoso reino onde ... 
VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE! 
A doce Cinderela, feita quase escrava, maltratada por sua 
madrasta e irmãs, é encontrada pela fada madrinha e conhece 
seu Príncipe Encantado. Apaixonado, ele percorre todo o reino 
atrás de seu amor e a identifica finalmente pelo lindo sapatinho 
"f­
de cristal. Só então, leva-a para seu palácio, transformando-a -' ~;-. 
"pelo casamento em rainha, e assim então eles ... FORAl\l1 FELIZES 
. :. 
I 
" 
PARA SEMPRE! 
,; 
. ..i 
i 	 E entre nós ... Maria gostava de]oão, que gostava de Clara, 
" 
que gostava de Pedro, que por sua vez estava apaixonado por 
Maria e, tal qual um Príncipe Encantado, que deve enfrentar "bru­
xas" "fadas malvadas" e "madrasta invejosa", na luta por seu 
, 	 , ti 
amor, "batalhou" por Maria. Foram dias, semanas, meses de in- I 
sistência para conseguir sair, para conseguir ficar, com "sua" Maria ' ;C'. 
que, pouco a pouco, se apaixona, enfim, pelo "seu" Pedro. Ele,_ Z 
independente, seguro (seguro ?), batalhador e flexível como todo ~ t~: 
\. ! 	 "jovem moderno;' deve ser! Ela, independente, segura (segura?), 
batalhando pelo estudo e profissão, planeja uma bela carreira,
I : 
I 
; I como toda "jovem moderna" deve fazer! Enfim, apaixonados e­
\ ! 
, I 
FAMÍLIA EM FASE DE AQlJ1SrçÃo 
intimamente divididos entre a crença do amor eterno e do amor 
"eterno enquanto dure", casam-se, "seguros e maduros" para ... 
'VIVEREM FELIZES PARA SEMPRE! 
Com todo o discurso moderno e pós-moderno sobre o ro· 
mantismo, amor independente, individualidade, cumplicidade, 
, etc., etc., etc., os jovens casais hoje em nossa sociedade vivem na 
verdade no meio de um turbilhão de conceitos, preconceitos, mi­
toS, crenças" emoções e sentimentos tão contraditórios e 
inusitados, que não é de se estranhar os conflitos e dúvidas tão 
profundas que cercam as relações entre homem e mulher. Social­
mente espera-se que o jovem casal corresponda ao chamado 
padrão moderno, no qual a relação deve ser liberada de qualquer 
preconceito, aberta e flexível e se prega como máxima o respeito 
pela individualidade e crescimento pessoal de cada um. Subjeti ­
vamente, no entanto, os padrões parecem que não são tão 
diferentes assim daqueles cultuados décadas atrás. Independen­
temente do discurso manifestado, a maioria dos casais que se 
casam apaixonados espera que, como um passe de mágica, a pro­
fecia do "VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE" se cumpra também em 
suas vidas . 
E será que 	isso é possível? 
Casar, que segundo o Dicionário Aurélio significa "unir 
por casamento ... combinar-se, aliar-se ... ", é na verdade mais que 
a união de duas pessoas. É a união de dois complexos e intrincados 
sistemas familiares. Ao partirem em lua-de-mel levando suas duas 
malas, ao jovem casal cabe a árdua e difícil tarefa de começar a 
tentar, dali em diante, arrumar uma única mala que contenha e 
acomode o conteúdo de ambos. E isso exige muito de cada um! 
Extremamente importante é o que cada um traz em sua 
bagagemindividual. Os sonhos, desejos, metas e muito especial­
mente a história de vida de cada um, vão determinar, de certa 
forma, a possibilidade ou não de essa união realmente se efetivar. 
53 FAMÍLIA EC1CLO VITAL 
·52 
Formar um vínculo tão estreito com alguém na entrada para a 
vida adulta vai exigir acima de tudo, um continente de confiança 
e disponibilidade para se abrir e acolher o outro, que tem suas 
mais profundas raízes na história dos vínculos feitOs, desfeitos e 
refeitos na infância de cada um de nóS . 
Nascemos com uma predisposição para noS apegar de ma­
neira profunda e definitiva a um outro ser humano que nos acolha 
e se disponha a se relacionar conoscO . E é dessa tão íntima e 
particular história vivida nos primeiros dias e meses de nossas 
vidas que será impressa em nós uma marca profunda e indelével, 
que influenciará para sempre todas as outras histórias de amor 
que vamos viver vida afora. . 
Por isso, se Cinderela, Branca de Neve a Bela Adormecida 
com seus Príncipes Encantados e a nossa simples Maria com seu 
.apaixonado Pedro serão FELIZES PARA SEMPRE ou não, não sabe­
mos. Mas certamente sabemos que a família que eles pretendem 
formar e ser não se completou com a decisão de se casar e muito 
menos se eternizou na cerimônia e ritual vividos no casamento. 
Ali, na verdade,é' onde tudo começa! 
'" Formando um casal 
Tomar.se um casal éuma das tarefas mais complexas e 
difíceis do ciclo devidafomiLiar. Entretanto,juntamente 
com a transição para a condição de pais, que há muito 
tempO isso simboliza, éconsiderada como a mais fácil e 
feliz (McGOLDRlCK e col., 1995, p. 184). 
Em nossa sociedade, o casamento tem sido erroneamente 
visto como a finalização de uma fase de encontro, conhecimento 
e reconhecimento mútuos muito mais do que como o início de
. , 
FAMÍLIA EM FASE DE AQUlSIÇÃO 
um longo e difícil período de transição. O mito do " ... e viveram 
felizes para sempre", transmi tido de geração em geração não só 
pelas histórias infantis mas também de tantas outras formas mui­
to mais sutis e, certamente introjetado por tantos Pedros e Marias 
é, sem dúvida, um dos mais cultuados mitos sociais e tem se per­
petuado apesar de tantas aparentes ou verdadeiras transformações 
rios costumes e desejos pois, de certa forma, atende tanto aos 
desejos, angústias e necessidades dos pais quanto dos noivos. As 
famílias desejam acreditar que o ciclo de responsabilidade pela 
criação dos filhos se encerra quando estes formalmente passam a 
ser responsáveis por urna nova família e assim, acreditar que a 
felicidade deles está assegurada dá aos pais um sentimento 
tranqüilizador de "dever cumprido". Já os noivos, especialmente 
quando apaixonados, tendem a superestimar as vantagens da união 
e a negar as dificuldades inerentes ao processo. 
. , Não estamos querendo dizer que o casamento, formaliza­
1 ' l- do ou não, seja uma ilusão ou um engodo perpetuado socialmente. 
O que estamos querendo discutir é que a base na qual se estrutu­
ra uma nova família na união de duas pessoas quase sempre é~~ 
.~ ~-1 construída sobre desejos inconscientes e mitos não admitidÇls . 
: (' Acreditamos que hoje, muitO mais do que no passado, os jovens 
casais vivem um sério conflito entre um discurso moderno e um 
''1 desejo romântico absolutamente não abandonado subjetivamen­~ 
te. Se, por um lado, os valores modernos tão cantados em versos~J 
e prosas são aceitos no nível do discurso, subjetiva e inconscien­r 
. f temente, os valores desejados e os possíveis são muitas vezesL, . 
l', antagônicos. 
Muito mais do que discutir quais os valores que devem ou 
não ser apregoados e aceitos por este nosso discurso social mo­
derno e pós-moderno, e sobretudo muito mais saudável, seria se 
discutíssemos os "desejos". Qual é na verdade o grande DESEJO 
do Homem moderno? 
55 FAMÍUA E CICLO V1TAL 
54 
Apesar de tantoS caminhos que poderíamos percorrer para 
responder a essa questão, escolhemos o mais simples e aparente­
mente tão óbvio, mas que é ao mesmo tempo tão complexo e tão 
difícil de compreender: o desejo de se apegar, de se vincular defini ­
tivamente a alguém, que parece ser, afinal, a grande ânsia do Homem. 
O ser humano tem uma necessidade intrínseca de unir-se a 
outrO ser humano e, a menos que esse poderoso desejo seja 
comprometido por graves distúrbios no desenvolvimento da per­
sonalidade, todo indivíduo irá buscar ao longo da vida desenvolver 
vínculos poderosos e duradouros com pessoas que lhe são caras. 
Formar um casa l e constituir uma nova família é uma das 
possibilidades que o indivíduo tem de constituir vínculos dura­
douros e, assim, o que chamamos de "o nascimento emocional 
da família" é um processo que implica a construção gradual de 
um vínculo que propicie apego e . cumplicidade e também inde­
pendência e autonomia emocional. Numa díade saudavelrriente 
apegada (ou seja, em um casal saudavelmente unido), um serve 
como base segura ao outro, como uma fonte na qual se abastecer, 
para se abrir cada vez mais para a vida, na certeza de que ela 
estará sempre lá e é possível sempre se reabastecer. 
Assim, o casamento que simbolicamente acontece nos ritos 
. i cerimoniais em sua essência só vai ocorrer no decorrer do pro­
. ' 	 . 
i cesso no qual cada cônjuge possa, ve~dadeiramente, vincular-se 
\ 
I ao outro. 
t · Os especialistas em família dizem que o nascimento de um 
casal é uma das tarefas mais difíceis do Ciclo Vital. Por quê? Princi­
i' . palmente pelo histórico de vida de cada um, histórico esse em que se 
i! 
encontram os padrões, crenças, percepção do mundo, desejos, ex­
pectativas, etc. E -ainda, que determina de certa forma como eles vão
" 
refazer e montar uma nova história que mantenha a individualidade 
de cada um mas que ao mesmo tempo tenha como construção co­
mum uma parte que vai se estruturar enquanto casal. 
FAMíLIA EM FASE DE AQUISIÇÃO 
Um dos aspectos muito importantes a ser analisado é a ques­
tão da escolha do parceiro, pois "a única escolha familiar que 
podemos fazer livremente é o parceiro". Nós não escolhemos 
filhos, pais, Irmãos, parentes, mas o parceiro é fruto de nossa 
escolha. Porém, talvez essa "livre escolha" seja relativa, pois nós 
. ~- ." 	 nos casamos muitas vezes com o grande ideal norte-americano 
do casal, mostrado nos filmes de Hollywood. Imaginamos o ma­
trimônio como um feliz estágio no qual devemos receber todas 
as atençôes e cuidados, todo o amor e empatia, e até os bons 
conselhos que jamais nos deram nas nossas famílias de origem. O 
matrimônio, assim imaginamos, nos ajudará a nos sentirmos mais 
satisfeitos e fará nossa vida mais fácil e segura. O milagre geral­
mente ocorre, mas apenas por algum tempo. Criamos uma estreita 
. 0= 	
e dependente unidade, nos ajudamos mutuamente de todas as
·t ­
maneiras possíveis e somos companheiros na alegria e na dor. 
Acontece que ... isso falha! Isso falha, principalmente porque os 
protagonistas do casamento se aSSustam com a possibilidade de 
. r 
' ; . .. perder suas identidades individuais da mesma maneira que as 
perderam em suas famílias de origem. Começam a sentir o casa­
mento como armadilha. Buscam então o individual como fuga, da 
relação e não como algo natural que deve vir junto com o papel 
conjugal. O indivíduo sente no primeiro momento a necessidade 
de estar próximo, de estar com alguém. À medida que se aproxi­
ma desse alguém e sua individualidade fica ameaçada, ele precisa 
se afastar. Na hora em que se afasta, sente-se isolado. 
O equilíbrio na relação do novo casal só acontece quando 
eles conseguem uma diferenciação emocional. Diferenciação 
emocional de suas próprias famílias de origem e diferenciação emo­
cional enquanto indivíduos e enquanto casal. Nesse processo de 
construção da identidade do casal, muitos fatores influenciam: a 
história de cada um, afinidadese diferenças culturais e, especial­
mente, os reais motivos da união. Basicamente, podemos pensar 
57 
FAMÍLlA E CICLO VIT AL 
em dois motivos para uma união: coesão em torno de objetivos 
comuns ou em torno de inimigos comuns . Assim por exemplo, 
um casal pode se unir em torno de objetivos como amor, filhos, 
amizade, família etc., ou também pode se unir para agredir as 
famílias de origem, a sociedade etc. Apesar de os objetivos serem 
revistos e se alterarem ao longo do casamento, os objetivos que 
,originam a união são determinantes para o tipo de estrutura con­
jugal qúe será estabelecido. 
Para alguns autores, é possível predizer o ajustamento con­
jugal de um novo casal, quando se consegue perceber os motivos 
da união , e ainda as , c1rcunstâncias nas quais ela ocorre. Dessa 
forma, algumas situações são consideradas bastante problemáticas: 
se o casal se conhece e se casa logo após uma perda significativa 
(e isso é válido também para recasamentos), se o desejo de um ou 
de ambos os cônjuges é se distanciar da família de origem, se as 
diferenças culturais são muito acentuadas entre as famílias ele 
origem, se as constelações fraternas são muito diferentes (por 
exemplo, filhos únicos e filhos de famílias numerosas). As dife­
renças acentuadas algumas vezes funcionam como atrativos para 
a união, mas outras tantas vezes, constituem-se em barreiras reli­
giosas, étnicas e culturais que dificultam a identidade e a união 
do novo casal. 
Casamentos entre parceiros muito jovens, que normalmente 
se casam por pressões sociais, por uma gravidez inesperada etc., 
I. 
I também podem ser considerados como fatores de risco para a 
estruturação emocional de um novo casal. Outros fatores apon­
tados por terapeutas e pesquisadores dizem respeito a casamentos 
I 
,I muito rápidos (menos de seis meses de convivência) ou depois de 
\: longOs noivados (mais de três anos) e ainda a casamentos nos 
quais os rituais são desprezados (por exemplo: os noivos casam­
I se longe de amigos e parentes; não há nenhuma celebração pela passagem do casamento etc.), visto que o simbolismo existente· 
j 
" ' 
, i. 
: 
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." ~. 
. ~. 
"
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yf;-
,
,:aL· 
FAMÍLIA EM FASEDEAQUIsrçÃO 
nOS rituais são Importantes especialmente em um nível incons­
ciente, para constituir novos padrões de relacionamento, novas 
possibilidades ele relação. 1vluitas vezes ainda, o casamento é bus­
cado não como uma opção de vida ou forma de relação, mas sim 
como forma de compensação por uma adolescência e/ou infância 
ruins e, obviamente, nada pode simplesmente subStituir uma fase 
ou situação da vida na qual se viveu mal e se foi infeliz. 
Em contrapartida, uma das melhores possibilidades que o 
novo casal tem de iniciar de forma saudável e construtiva a rela­
ção a dois, é por meio da verdadeira intimidade, que é construída 
e obtida pelos conflitos e alegrias que vivenciam juntos e que são 
companilbados. Nesse sentido, quanto antes o casal consegue 
ficar livre da ideologia do "casal perfeito", dos estigmas e pre­
conceitos que cercam a vida de casado, mais cedo poderá trabalhar 
sua intimidade e realmente se constituir uma nova' família. 
o O nascimento do primeiro filho 
A paternidade, quer do paiquerda mãe, éa rarejá mais 
difícil que os seres humanos têm para executar, Pois 
pessoas, diforenterneme dos outrosanimais, não nascem 
sabendo comosemnpais. Muitosden6slutam doprindpio 
aofim (KARLMENJNGER). ,,' , 
A chegada do pn'meiro bebê é um dos eventos mais 
desafiadores da vida, talvez O mais desafiador. É uma 
oportunidadepara O crescimentopessoale maturidade, 
bem como uma oportunidade para promover o 
desenvolvimento e serresponsáu:lporoutro serJmmano 
(BRAZELTON). 
Não exi,-renenhum estágioqueprovoque mudança mais 
profunda ou quesignifique desafio maiorpara a jamúia 
qtte a adição de uma criança ao sistema familiar 
(BRAD1). 
58 F AMÍLLA E CICLO VlTAL FAMÍLLA EM FASE DE AQUISIÇÃOy S9 
Para muitos autores, a família só se constitui como tal quan­ Acreditamos que não temos ainda hoje todas as respostas, 
do o casal tem o primeiro filho. Compartilhamos da opinião de mas já encontramos algumas que são cruciais: 
NlcGoldrick quando diz: 
1 - O nascimento emocional e psicológico do bebê não coin­
Com a transiçáo para a paternidade, a fa mília se torna um grupo de cide com seu nascimento biológico. Na verdade, a 
três, o que a transforma em um sistema permanente. Se um cônjuge história de todos nós, de cada bebê, começa a ser traçada 
sem filhos parte, náo resta nenhum sistema, mas, se uma pessoa deixa a -, i já na história de nossos pais, e a destes por sua vez, na 
nova díadedo casal e do filho, o sistema sobrevive... (1995, p. 42). 
de seus próprios pais. Começamos a nascer já na infân­
cia de nossos pais, quando eles vivenóam, de sua óticaEste ésem dúvida, o momento imutável do ciclo de vida da 
de crianças, o significado do papel de pais e filhos. To­
família. Cria-se um novo sistema familiar e se alteram definitiva­ dos esses acontecimentos são arquivados e registrados e 
mente os sistemas existentes. As famílias de origem jamais serão 
com certeza influenciam no seu desejo de conceber, de 
as mesmas quando nascer um neto, assim como o casal jamais 
se tornarem pais. Assim, começamos a nascer no desejo
será o mesmo após ter tido seu primeiro filho. inconsciente de nossos pais, cujas raízes estão em 
As recompensas dessa transição - de homem e mulher 
vivências precoces, cujos significados traduzem o dese­
para pai e mãe, de casal para uma família _ .. são maravilhosas e jo de seus próprios pais. 
intensas, mas igualmente intensas são as ansiedades, angústias e 
 Onde é o início? É distante mas, concretamente, se 
conflitos, além do indescritível sentimento de responsabilidade. materializa na concepção que, desejada ou não conscien­
Sabemos hoje em Psicologia, graças aos inúmeros estudos 
. ~- . temente, foi desejada inconscientemente, pois, de outro 
e pesquisas realizados a partir das décadas de cinqüenta e sessen­ .~~ . modo, não ocorreria jamais. 
ta, que o vínculo dos pais com seus filhos deve ser o mais forte de .t. 
 2 - Os acontecimentos mais importantes? São muitos! Não 
todos os laços humanos. T podemos ignorar as vivências de cada cônjuge em suas 
famílias de origem, assim como temos que enfatizar aI: o laço original entre pais e bebê é a principal fonte para todas as liga­li!. importância da relação entre o casal. O fruro de um ções subseqüentes do bebê e é o relacionamento formativo, no decorrer desejo mútuo, o bebê, é fruto também de uma modali ­
do qual a criança desenvolve um sentido de si mesma. (Klaus e Kennel, dade inter-relacional que refletir-se-á a todo momento 
1992, p. 23). 
na gestação e nascimento desse filho. 
'r 3 - Como e quando as vivências começam a ter significado?Assim, estamos diante de uma situação importante e com­ ~ 
plexa: a formação da estrutura básica da personalidade de um 
Como já dissemos, acreditamos que o processo de nasci­indivíduo. E temos quetesponder a importantes perguntas: onde 
mento psicológico da família, a chegada do primeiro filho, deveé o início? qual é o acontecimento mais importante? como e quan­
ser encarado como um momento de crise (no sentido de transição,
do as vivências começam a ter significado? 
61 -60 FAMÍLIA E CICLO VITAL 
mudança), altamente enriquecedor para a vida familiar, desde 
que algumas condições sejam atendidas. É interessante salientar 
o significado da palavra, que em chinês é representada por dois 
caracteres que significam: "oportunidade e perigo". Crise pode 
ainda ser definida como um período temporário de desorganização 
do funcionamento de um sistema, precipitado por circunstâncias 
que transitoriamente ultrapassam as capacidades do sistema para 
adaptar-se internae externamente. 
O casal tem que se reorganizar em relação às expectativas, 
ao estilo de vida, ao relacionamento com parentes e amigos. A 
família fica então muito vulnerável, e muitas negociações são ne­
cessárias para que possa se adaptar às mudanças repentinas e 
acumulativas que ocorrem.I Um aspecto bastante relevante para ser também analisadoI 
i diz respeito aos "mitos". Historicamente, constatamos a força 
que os mitos exercem sobre a construção dos valores e ideologia 
..I de um grupo, assim como a infl uência sobre os padrões 
il comportamentais. Nossa cultura ocidental de tradição judaico­
'li 
I , 
cristã tem um forte mito relacionado com a maternidade. Na 
:1 
I Bíblia, já constatamos o padrão ideológico da maternidade asso­
ciado à assexualidade (Maria concebeu sem pecado), retratando;il 
a função materna como sublime e pura. Já Eva, representa aIi 
mulher pecadora e sensual, que merece punição. Há uma com­
pleta dissociação entre as funções de mulher e mãe; entre sexo e 
maternidade. 
Persiste fortemente também em nossa cultura o "mito da 
maternidade feliz", que acreditamos ter grande poder de influên­
cia entre as mulheres de diversos níveis socioculturais, apesar de 
todo o discurso liberal e pós-moderno vigente. 
Os "mitos familiares", muitas vezes também divergentes 
entre as famílias de origem, podem tornar-se outra fonte de con­
flitos e negociações. Um tem que se adaptar e adotar os padrões 
. ~r~·;: 
~. ~~ r:-. . 
.-."0'1' 
., 
. ~ : . 
,­
FAMÍLIA EM FASE DE AQUISIÇÃO 
do outro e vice-versa, em um momento de troca mútua, que às 
vezes se transforma em situações conflituosas de difícil resolu­
cão. A principal dificuldade muitas vezes reside no fato de os 
~itos se tornarem ideais inatingíveis, de tal forma que um nunca 
vai conseguir corresponder àquela imagem idealizada que o ou­
tro faz da função materna e/ou paterna. 
Essa fase de mudança, na qual o novo casal se configura 
'como uma nova família pelo nascimento de seu primeiro filho, 
pode se configurar como uma crise ou como uma transição, e em 
cada família essa fase terá um significado particular. Mas de qual­
quer forma, são mudanças profundas e irreversíveis nos níveis 
individual, conjugal e familiar. 
Neste momento, vale ressaltar o conceito de triangulação 
conforme postulado por Bowen, pois acreditamos que é interes­
sante entendermos as configurações relacionais que podem se 
estabelecer nos momentos de transição do ciclo vital da família, 
pois são muitas vezes estas mesmas configurações que vão deter­
minar as vivências e as novas estruturas que se formarão daí em 
diante naquele sistema familiar. 
Com o nascimento do primeiro filho, várias triangulações 
podem surgir: 
mãe e bebê próximos - pai distante (avós excluídos) 
.. pai e bebê próximos - mãe distante (avós excluídos) 
" mãe e bebê próximos - avó distante (pai e avô excluídos) 
" mãe e avó próximas - bebê distante (pai e avô excluídos) 
o mãe e avó próximas - avô distante (pai e bebê excluídos) 
Consideramos essa fase como a de "nascimento psicológi­
co da família", por todos os motivos que já expusemos e 
especialmente porque ela se constitui no elo de ligação entre as 
gerações, a continuidade e perpetuação do sistema familiar. 
63 62 	 FAMÍLIA E CICLO VlTAI. ~ " 
É uma fase do ciclo vital da família, portanto, que merece uma 
atenção especial dos profissionais da área de saúde e psicoprofilaxia. 
Especialmente em um país com tantas dificuldades socio 
econômicas comO o nosso, geradoras de fatores estressantes, con­
sideramos como essencial discutirmos nesta reflexão a questão -. ~;-r . 
da psicoprofilaxia: por que se falar em psicoprofilaxia? O que se , , • 
deve prevenir? Como e por quê? 
Porventura não é o nascimento de um ser humano um acon­
. I 
. . tecimento tão biologicamente natural e previsível que pode se 
1 dar muito bem sem interferências? Não são, homem e mulher, , '! 
I 
......-., " 
capazes de gerar e procriar de forma fluida, natural? 
Infelizmente, em nossa cultura, a resposta é NÃO! 
Embora aparentemente seja um "simples e natural proces­
so biológico em sua origem", culturalmente se tornou um
'I 
"complexo e artificial (muitas vezes) processo" para o qual ho­
1 
mens e mulheres parecem estar cada vez mais despreparados.
:1 	 . ·~...,t 
Nossa sociedade, hoje em plena crise de indefinição dos pa­
-.I
, , 	 péis sociais que devem ser atributos do masculino ou do feminino, 
cobra dos jovens pais atitudes, comportamentos e sentimentos con­
traditórios e ambivalentes, sem lhes dar em contrapartida um porto 
.... -.:f;.....­
~ 
seguro, um modelo, ou uma estrutura de acolhimento. 
- .~ 
'
! 
I Ao homem, criado desde pequenino para ser "macho", '\,:-­. . 
I 	
"durão", provedor e protetor, cobra-s'e de repente que seja "sen­I 
sível", "colaborádor", e até "maternal" em relação à esposa grávida 
e ao bebê. Criado para competir na "selva" do mercado de traba- " -':. ' il 
. t l~ lho, é agora convidado a lavar mamadeiras e trocar fraldas. Criado ', "" :'I! , 
. ~~. 
para prover, agora dele se espera que se reveze com a mulher nos Ji 
cuidados com o bebê, enquanto ela sai, trabalha e ganha seu pró- ." ~t .· 
pno dinheiro . "!if-: 
J; 
À mulher, criadadesde pequenina para ser "suave", ·"sensí­
vel", "compreensiva" e "meiga", cobra-se de repente que seja 
"indiferente", "competitiva", "agressiva no mercado de trabalho': 
11 ' . 
!I II ., 
• ><ÍLlA EM FASE DE AQUISIÇÃO
.. ==­f.'U~ ___________________----=::. 
e que "progrida profissionalmente" até ... Até ter um bebê, pois aí 
se espera que largue tudo e "materne" seu bebê, ao menos por 
"algum rempo, enquanto as crianças são tão pequenas e precisam 
tanto da mãe". Só que esse algum tempo, normalmente 2, 3 ou 4 
anos, freqüentemente arrasa a carreira da mulher, outrora apa­
rentemente tão incentivada quando era uma jovem e promissora 
estudante universitária. 
E aí? Como ficamos nós, homens e mulheres frutos de uma 
geração em transição? Saímos de um longo tempo de papéis rigi­
damente delineados e cultuados, bruscamente para uma fase em 
que tudo foi questionado, criticado e ... E ainda não se sabe, pois 
novoS papéis estão apenas delineados e tudo está por ser construído. 
E os bebês? Como ficam? Estejamos nós adultos (adultos?) 
vivenciando ou não nossas crises e transições, os bebês continuam 
precisando de nós. E como precisam! São, dentre todas as espécies 
animais, os filhotes mais desprovidos e carentes ao nascer. Apesar 
de possuírem o maior dos potenciais, imensas habilidades ao nas­
cimento: não podem nada por si próprios. Precisam de tudo e 
sobretudo de relacionamentos Íntimos e profundos com outro ser 
humano, pois daí surge sua humanidade. Só ao serem profunda­
mente amados aprendem a amar a si mesmos e aos outros. 
Creio que nunca se precisou tanto de um trabalho 
psicoprofilático para a nova família que está nascendo junto com 
cada novo bebê como neste final de século, quando vivenciamos 
tão grandes e tão profundas transformaçôes. 
Os futuros pais precisam ser orientados nessa maravilhosa 
e árdua tarefa que consiste essencialmente na transição entre "ser 
cuidado" e "ser cuidador". Tarefa que exige um grande conheci­
mento de si mesmo e do parceiro, uma imensa disponibilidade, 
só possível para quem está "inteiro" em uma relação! Tarefa que 
exige ainda uma intensa entrega e despojamento, só possível a 
quem está pleno! 
64 65 FAMÍLIA E CICLO VITAl. FAMÍLIA EM FASE DEAQUlSIÇÃO 
-Fazer psicoprofilaxia da gravidez e parto é uma tarefa des­
cabida. Estamos falando em psicoprofilaxia da família, a 
verdadeira célula social, a verdadeira matriz dos relacionamen_ 
ros humanos. Estamos falando do cuidado primário, básico, em 
saúde. Saúde física e mental! 
Ajudar pais e mães a compreender e acompanhar toda atrajetória do nascimento de um bebê, todas as implicações da 
gestação, do parto e do puerpério em suas vidas pessoais e na 
vida da família que constituem, é assegurar uma família mais 
feliz e ajustada. E assegurar uma comunidade mais bem ajusta­
da. E a ss e g u r a r ,u mas o c i e d a d e mel h o r, m <;l is s a u d á vel 
emocionalmente. 
E para essa tão importante e fundamental missão, nós, pro­
fissionais da área de saúde, estamos muito mal preparados. 
' . -
~;". 
Atendemos, acompanhamos e atuamos de forma segmentada, ,':'t .' 
cindida. Enquanto alguns "tratam" de um "ventre grávido", Ou- -:;:r 
· _..:.P ~: 
tros "tratam" do bebê e outros eventualmente "dos problemas' . ~~ 
...... \...~ 
psicológicos do indivíduo, do casal, da família ou do ("pobre"), .,.:..;[' 
:: 
, : :;~~;.~~, 
. 
.J~~ 
.,' 
f 
~'.-
.....:;;~= . 
_ •• I
.' ' 
";;.:"-~
bebê". Nós, profissionais da área de saúde, ainda não aprende­
mos a atender o ser humano de forma integrada. Por incapacidade 
nossa de compreendê-lo, tivemos que cindi-Io para tentar estudá· 
lo, e em decorrência dessa imprudência parece que por décadas 
temos tentado, sem sucesso, reunir esse Homem novamente. 
Somente quando formos capazes de aprender a aceitar as 
limitações de cada área do conhecimento científico e aprender a 
aceitar que precisamos uns dos outros para trabalharmos melhor, 
nós, os profissionais da área de saúde, talvez nos aproximemos de 
uma compreensão integrada de um Homem que é indivisível. 
O atendimento),ntegrado, só possível por um atendimento 
multiprofissional e interdisciplinar, é o que garantirá um verda­
deiro atendimento psicoprofilático ao indivíduo e à família. Será 
, I 
- ·... t.(­
) , 
-~. -
. ,. 
•;.' "­· -r~F- -· 
,O'?i , ' 
issO tão difícil? Será essa uma tarefa pesada demais para nós, os 
profissionais da área de saúde? 
A vida com filhos pequenos 
Passada a transição do casal para família, estabelecidos os 
padrões triangulares de relação entre os membros dessa nova fa­
mília nuclear e feitas as negociações e triangulações também com 
as respectivas famílias extensas, uma nova fase se inicia dentro 
do contexro do que foi conceituado como Fase de Aquisição. 
Agora é hora de se estabelecerem as características e os 
limites dos novOs papéis a serem desempenhados por cada um 
dos membros da família, e muitas são as demandas ... 
O casal tem que inicialmente conseguir manter um equilí­
brio entre as funções conjugais e parentais, ou seja, ambos devem 
aprender a conciliar seus papéis de esposo e esposa com seus 
papéis de pai e mãe. Tarefa aparentemente tão simples, mas na 
realidade extremamente complexa, o que se pode confirmar na 
Clínica com famílias, em que freqüentemente observamos Como 
o deslocamento e a confusão de papéis podem provocar angústia 
e transtornos no relacionamenro familiar. 
" Quem casa quer casa! 
Será que é só casa que quer quem casa? Ou, quem sabe, 
quem casa está a procura de um "lar"?! Segundo Maurício Porot, 
'" a reunião forruita de um homem, de uma mulher e algumas crianças 
tOmados ao acaso não constitui uma família; o lar, sobretudo fundado 
no casal parenta I, é um ser espiritual vivo, com um passado, um presen· 
te e um futuro que influenciam profundamente as relações que se 
estabelecem entre seus elementOs constituintes, 
66 	 FAMÍLlAECICLOVITAl " .. , " ,. n"- FASE DEAQUJSIÇÃO 67f:\!\1l~::::.:-=p=--n___ ___________ ____________ 
Aquele casal, dois jovens apaixonados, hoje são pais de Um 
ou dois filhos, perseguem o sucesso como profissionais, pais, es­
'.' 
posos, enfim, lutam para dar conta de todas as tarefas requeridas 
nesse ciclo da vida. Administrar as questões emocionais e práti­
cas de cuidados com os filhos pequenos e com a casa, somadas a 
preocupações financeiras que permeiam a maioria esmagadora 
. j~'• • :. . ' 
de nossa população, requer do casal com filhos pequenos uma -\"f':.. 
_,:r;' intensa mobilização de recursos familiares e sociais, na tentativa 
de atender em parte a todas essas necessidades. o ',J: .. ,,: 
Cada cônjuge traz consigo os modelos de suas famílias de -';' 
- :): .. 
origem. Conservam o registro de como seus pais o educaram, os 
I valores, as crenças, os mitos e a prática da arte de educar naquela 
'. ~ . . I 
•.lJ 'família. Dependendo do grau de matu~idade dos cônjuges, da 
· 
, I i 	 forma como elaboraram a saída da casa paterna e das regras que 
. --T' _ . 
.....~.
. i 	 foram construídas pelo casal, os modelos antigos podem ser re­ .·- ._~:i 
vistos, transformados e adaptadós para atenderem às necessidades "':_. 
e-, 
da família atual. Quando isso não é possível, pàdrões rigidamen- ' 
te repetidos podem dar origem a crises e conflitos entre o casal. 
I : 	 Naturalmente, se o casal não consegue construir um modelo pró­
i · 	 prio de funcionamento familiar, permeado implicitamente com 
o conteúdo de ambos (trazidos de suas histórias familiares), o 
que tentarão fazer é impor um ao outro "cópias" ou reproduções 
dos modelos que viveram, o que cria: uma situação na qual sem­
,­pre um dos cônjuges se sentirá lesado e excluído. É quase como 
se a família de origem de um formasse um triângulo relacional 
i ' com ele e com os filhos, excluindo assim o outro parceiro. 
O casal, nessa fase, também terá que elaborar a discrepân­
"l. 
CIa entre aquilo que sonhou para si e a realidade que se lh e 
apresenta . O amor, o interesse de um para com o outro, a intimi­
dade, a sexualidade, enfim, todo o envolvimento afetivo acaba 
sofrendo a pressão advinda desse contexto, que exige sobretudo 
muito trabalho e oferece pouca chance e pouco tempo para o 
-
cuidado com o desenvolvimento do casal. Há muito para ser con­
quistado e, às vezes, poucos recursos disponíveis e pouco tempo 
a ser despendido para a elaboração desses conflitos e desafios. 
Orientados por valores sociais que se apresentam como ideais 
(sucesso profissional, sucesso como pais, companheiros, cúmpli­
, , ces e amantes) e sem modelos ou reais possibilidades de acumular 
e desempenhar com eficiência todos esses diferentes papéis, o 
jovem casal muitas vezes se desorienta. Especialmente a dificul­
dade de escolha dos papéis a serem desempenhados pode refletir 
no relacionamento do casal, gerando conflitos que por vezes che ­
gam a comprometer a unidade familiar. 
As diferenças de modelos familiares de cada cônjuge, so­
madas à ineficiência de tais modelos para a resolução dos conflitos 
atuais, oferecem ao casal um contexto extremamente inseguro 
para desempenhar os papéis de cuidadores e orientadores do de­
senvolvimento de seus filhos. Como já discutimos em outro 
momento deste capítulo, se algumas décadas atrás nossa socieda­
de dispunha de, e adotava modelos rígidos de funcionamento e 
papéis e funções rigidamente estabelecidos, com a crise da 
modernidade, os papéis de pais também foram profundamente 
questionados e em um primeiro momento até negados e 
rechaçados. Portanto, continuamos naquele estágio transitório 
no qual novoS papéis estão sendo construídos. 
Na verdade, os jovens pais hoje não conseguem definir exa­
tamente o que lhes compete fazer e ser no exercício da 
parentalidade. Sabem identificar os modelos negativos, aquilo que 
não devem e/ou não querem ser, e têm, ao mesmo tempo, extre­
ma dificuldade em elaborar e delinear aquilo que devem e/ou 
'desejam ser. 
Acreditamos que os pais com filhos pequenos hoje se en­
Contram permanentemente em "situação-limite", o u seja, estão 
constantemente lutando para encontrar um equilíbrio entre as 
68 69 
: . ~;i.. 
FAMÍLIA ECICLO VITAL 
pressões externas e internas impostas pela condição de parenta­
lidade. Desejam e precisam trabalhar, mas sentem-se culpados 
em deixar os filhos, e nossa sociedade hoje (e muitas famílias 
extensas) ainda não oferece opções

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