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• .. .CENEIDE MARIA DE OLIVEIRA CERVENY CRISTIANA MERCADANTE ESPER BERTHOUD e colaboradores .. I: ·· .. ' , ' .:'" FAMÍLIA E CICLO VITAL "~ o . ~~~ ~ ~ . Casa do Psicólogo® 10-07416 © 1997,2010 Casapsi Livraria e Edirora Ltda. É proibida a reprodução lOtai ou parcial desta publicação, para qualquer finalidade, sem autorização por escrito dos editores. l' Edição 1997 2" Edição 2009 1" Reimpressão 2010 Editora Anna Elisa de Villemor Amaral' Revisão /vele Batisw dos SanlOs Capa Alex Cerveny Desenhos Andre, Thiago e Roberta Sanso/1 Cerveny Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmar;l Brasileil'a do Livro, SP, Brasil) Fanulia e ciclo vital: nossa realidade em pesquisa / Ceneide Maria de Olivei ra Cerveny / Cristiana Mercadanre Esper Berthoud. - São Paulo: Casa do Psicólogo"'. 2010. Vários colaboradores. I" reimpr. da 2 ed. de 2009. Bibliografia . ISBN 978-85-7396-002-0 1. Ciclos vitais (Biologia) 2 . Fanulia - Aspectos psicológicos 3. FamOia Aspectos sociais I. Cerveny, Ceneide Maria de Oliveira. lI. Berthoud, Cristiana Mercadanre Esper. CDD-306.85 Índices para catálogo sistemático: 1. Família: Psicologia social: Sociologia 306.85 Impresso no Brasil Printed in Brazil Reservados lOdos os ~ireitos de publicação em língua portuguesa à h::::::::; Casapsi Livraria ~ Editora Ltda. ~:::::~ Rua Santo Antônio,! 1010 ~ Jardim México· CEP 13253-400 Ç/ ltatibalSP - Brasil Te!. Fax: (11) 4524-6997 www.casadopsicologo.com.br Sumário Agradecimentos .. ..... . .. .. ............ .. ...... . .......................................... .... 7 Prefácio ..... .. ...... .. ....... .. ...... .. .... .................... .. .... .. .............. ........ .... .. 9 Introdução .. ........ ..... .................. . .... .. ...... .. ... .. .. ........... ................... 11 PARTE I - Fundamentos teóricos .... .. ..... .... .. ... ....... ............. .... ..... .. 19 CAPÍTULO I - Ciclo vitaL ..................... .. .... ... .............. .. ......... 21 CAPÍTULO II - Família paulista ... .... . ........ ... .. ....... .. ... .. ... . ........ 31 CAPÍTULO III - Família em fase de aquisição ....... .. ............. . ... 45 CAPÍTULO IV - A família em fase adolescente ............ .. .......... 73 CAPÍTULO V - A família em fase madura .. .. .. .. .. .............. . ....... 99 CAPÍTULO VI - A família em fase última 119 PARTE II - A pesquisa ................................................................. 131 CAPÍTULO VII - Conversando sobre O método ..................... 133 CAPÍTULO VIII - Um olhar na família paulista ...... ..... ........ . . 147 CAPÍTULO IX - Analisando as fases do ciclo vital ......... .. ...... 179 CAPÍTULO X - Uma leitura comparativa das fases ... ... ........... 215 Considerações finais 247 Anexo - Formulário ... . ..... .. .. .. ....... ..... ... ..... .. .. . ................ .. .. ........ . 253 CAPÍTULO I Ciclo vital CeneideMaria de Oliveria Cerveny ,'o :!. ,. .. I I. ., II l' 1 I i 11. II 1I :r ,l" i il .1 'i :II ~ ;,ii ;; .l .1 ! ·1 ~ "-o ~:. ., É impossível pensar em ciclo vital dissociado de desen volvimento, movimento, crescimento, ordenação, etapas e assim ~- por diante. Na acepção de biociclo (Aurélio, 1986), significa o . f . 3 conjunto de etapas por que passa um determinado ser vivo, nor malmente: o nascimento, a infância, a adolescência, a idade adulta, .--; a senilidade e a morte. O próprio sentido de ciclo, de fenômenos ,!. : que se sucedem em um determinado ritmo, é muito próximo do -...:,~ processo de vida do ser humano e assim como do ciclo de vida ',' familiar. Aliás, os dois estão extremamente interligados, nos dóis L:.': estão presentes mudanças e nos dois exige-se um equilíbrio entre:7::. ~-;: a estabilidade e a flexibilidade. :?" Não sabemos em que momento a idéia de transpor as eta pas do ciclo ficou associada à idéia de crise, que fundamentalmente ..-; pressupõe alteração, dificuldade, tensão, complicaçãO, momento "! decisivo, acidente, entre outros. No entanto, muito da literatura - ~.1. • que temos sobre ciclo vital, seja ele individual, seja familiar,está ~ ". baseado na idéia de crise. Uma palavra que encontramos na literatura, que é sem dú .. I · !:7 vida a que mais nos agrada no sentido de transpor etapas, é ~ -= ,o; ' , "passagem". A idéia de passagem, relacionada ao ato ou efeito de t~ passar, significa percorrer, atravessar, transmitir, mudar, que é :: .. ' . ~ sem dúvida o que acol1tece em cada passagem, muitas vezes semAI'". ; ..... ;,{ o significado de crise. ;~~ ! T:L~ 25 )4 FAMÍLIA E CICLO VITAL Nesse sentido, Haley (1986) lembra-nos que a visão que temos de ciclo de vida da família é quase sempre baseada na ex periência clínica, quando a família fica disfuncional, e poucas são as informações que estão disponíveis sobre ciclo de vida familiar dentro de uma visão não clínica. Esse mesmo autor nos lembra que pensar em ciclo vital como uma moldura para a família era, na década de sessenta, uma idéia nova. No entanto, a partir dessa data até nossos dias, acreditamos que a noção de ciclo vital da família permeia todos os conceitos sobre os quais trabalhamos, e tem uma influência muito grande no trabalho clínico com famílias. Atualmente, no limiar do novo século, essas questões volta .~ram a ser amplamente discutidas pelo fato de termos inúmeras mudanças, tanto estruturais como funcionais, na família moderna. Os conceitos de ciclo vira) individual e de ciclo vital da família caminharam juntos e devemos muito nesse campo à Erik Erikson e Milton Erickson. O primeiro estudou o ciclo vital focado no indivíduo, relacionado com a formação da identidade. Um grande mérito "de Erikson (1976) é ter feito, no nível do ciclo vital, uma interação entre o psicológico e o social no que ele denominou "relatividade psicossocial". Diz ele: "A força psicossocial depende de um processo to- I tal que regula os ciclos vitais individuais, a seqüência das gerações e a estrutura da sociedade, simultaneamente, pois todos os três componentes do processo evoluíram juntos". Assim, mesmo com o enfoque no individual, Erikson insere uma dimensão intergeracional no ciclo vital que o aproxima do conceito de ciclo de vida familiar. Embora do ponto de vista biológico o ciclo vital siga uma seqüência universal tanto no tempo quanto no espaço,o autor sugere que existe uma ótica da estrutura CTCLOVITAL social que faz com que a VIsão desse ciclo vital seja diferente dependendo da estrutura da sociedade. A adolescência por exemplo, em se tratando de transfor mações físicas, pode ser generalizada numa perspectiva histórica e espacial. No entanto, as diferentes culturas imprimem diferen tes expectativas de papéis para a adolescência. Enquanto entrar na adolescência para alguns povos pode coincidir com o passaporte para o casamento e maternidade, para outros ainda significa uma total dependência da família de origem. Em relação à ligação de mudança de etapa relacionada à crise, Erikson considera a crise potencial no sentido de uma mu dança de perspectiva ou ainda num sentido de desenvolvimento ou de um período de vulnerabilidade maior. Milton Erickson, de acordo com]. Haley (1991), baseava sua estratégia terapêutica no ciclo de vida familiar, desde o na moro até a velhice e a morte. Erickson na verdade não é conhecido como terapeuta familiar. Sua abordagem dirigia-se ao tratamen to individual, mas em muitos casos em que relata sua técnica, percebe-se a influência do familiar, ocomprometimento com o interacional e com o processo de desenvolvimento familiar. Se gundo ele, os sintomas clínicos seriam sinais da dificuldade que o indivíduo tinha em ultrapassar os estágios do ciclo de vida. Para a construção de uma teoria de ciclo vital, Falicov (1991) diz que podemos ter três critérios: o o primeiro critério seriam "as mudanças no tamanho da família": aqui incluem-se as saídas e entradas dos mem bros, como crianças que nascem, filhos que se casam, avós que morrem e outros movimentos de entradas e saídas que determinam com uma certa regularidade as etapas previsíveis ao longo da história de uma família. 27 ~6 FAMÍLIA E CICLO VITAL o O segundo critério seriam "as mudanças na composição por idades". Podemos determinar o momento do ciclo de vida de uma família. pela idade do filho maior. As sim, um casal em que ambos estão no primeiro casamento ou união e cujo filho maior esteja com 6 anos estaria em uma fase. Esse mesmo filho aos 16 anos co locaria esse casal já em outra fase. Aos 36, esse filho já teria colocado seus pais na situação de avós, o que sig 1 . nificaria uma outra fase, e aos 56 os pais desse filho, completando o seu ciclo de vida, estariam na última fase. o o terceiro critério seriam "as mudanças na posição pro fissional da pessoa ou pessoas que sustentam a família". Esse critério baseia-se nas tarefas evolutivas e pressu põe-se que existem fases em que a demanda em termos funcionais é maior ou menor. Em nossa pesquIsa, procuramos atender aos 3 cntérios propostos, e com isso conseguimos uma visualização mais exata das fases, mas também uma tarefa adicional para incluir as fOr . ; mas de família reconstituídas e funcionalmente diferentes na nossa realidade. Simon, Stierlin e Wynne (1988) colocam como 1948 a data em que Reuben, Hill e Duvall começar~m a conceitualizar as tare fas de desenvolvimento familiar. Este rrqbalho é sem dúvida a semente para todos os estudos posteriores das etapas do ciclo vital. Em 1957, E. Duvall divide o ciclo familiar em 8 etapas organizadas em torno do? fatos nodais, entradas e saídas dos mem bros da família. A partir de então, o ciclo de vida familiar foi estudado por diferentes autores, com diferentes divisões. · Sem dúvida, a mais complep literatura que temos sobre ciclo vital da família é a obra de Carrer, McGoldrick e colaboradores: As mu danças no cú:lo de vidafomiliar - uma estrutura para d terapia fomiliar: CICLO VITAL Durante muito tempo ela serviu de base para os pesquisadores da área mesmo com a restrição, colocada pelas autoras, de conside rar o ciclo de vida familiar em relação a três aspectos: os estágios predizíveis de desenvolvimento familiar "normal" na classe mé dia americana tradicional neste final de século, os padrões que estãO sofrendo mudanças e a perspectiva clínica para ajudar as famílias "a voltarem à sua trilha desenvolvimental". Essas restrições, abordadas por Carter e McGoldrick na obra acima citada, não são características somente da sociedade americana deste final de século mas provavelmente da maior par te do mundo. Os avanços tecnológicos, principalmente na área comunica cional, que tornaram nosso mundo relativamente . menor, colocam-nos em Contato com as mudanças de padrões e suas nuances quase que imediatamente, principalmente na classe mé dia, que é aquela a que nos propusemos investigar. Se pensarmos nessas mudanças em termos mais circunscri tos, na nossa realidade, veremos que nos últimos cinqüenta anos vivemos mudanças em todos os níveis: político, econômico, so cial, cultural, entre outros, que nos levaram a uma situação de previsibilidade relativa e de muita insegurança. Falicov (1991) nos chama a atenção para a discrepância que existe entre os estudos do desenvolvimento individual no ciclo vital e os poucos que se têm do ciclo de vida familiar. Se olhamos a família de uma perspectiva sistêmica, e consideramos o seu ciclo vital englobando os aspectos individuais, sociais, relacionais, culturais, podemos deduzir a dificuldade de caracterizá-la nas fases ao longo do ciclo e entendemos os pou cos estudos e pesquisas relativos ao tema. É comum, nos nossos dias, a referência à família do final do século ou "família entre-séculos" como a denomina Rojas (1994). O que esperamos para essa família? Por que nos referimos tanto a 29 FAMÍLlA E CICLO VITAL esse final de século? As famílias realmente tiveram uma mudança radical nesses últimos anos? Podemos pensar a mesma família no 1°, 2°, 3° ou 4° mundos? De acordo com Rojas (1994), "na família atual, marcada pela transição do interséculo, mantêm-se ainda, valores e ideais correspondentes a distintos tempos, o que acentua o conflito da r • '..I.':. eleição e apropriação das propostas, sempre delineadas para cada ser humano". .. r , Concordamos com a autora acima porque nunca se convi -~ ""':..."': ' . veu com o moderno e o tradicional como nos dias atuais. A liberdade sexual por exemplo, que foi a tônica da década de se tenta, teve que ser repensada em função. da terrível ameaça da AIDS e assim também com muitas outras conquistas. Na nossa ~ : realidade, principalmente a da classe média, que foi o objeto de ~. ~.. .-e: .nossa pesquisa, a liberdade e a çliferenciação dos adolescentes, por exemplo, confrontam-se com a insegurança de nossas ·cida .~- .des e a falta de proteção do Estado. A abertura educacional, que colocou a Universidade ao alcance da maioria da classe média, esbarrou com à escassez de ofertas no mercado de trabalho. Essas contradições sem dúvida afetam a família e refletem essas divergências quando tentamos buscar os valores, as cren ças, padrões e mitos presentes no nosso grupo familiar. Conseqüentemente, olhar o ciclo vit~1 separado dessas contin gências é visualizá-lo sob uma ótica mera e falsamente teórica, desvinculada da realidade. No nosso trabalho, optamos por colocar uma categoria en tre cada uma das 4 fas~s do ciclo vital, que denominamos de transição, para podermos incluir a variedade de famílias que fu giam à regra e não sabemos quando éque essa categoria vai ser tão significativa em termos estatísticos como a regra geraL Não podemos esquecer também que a nossa amostra con sistiu de famílias que residem na cidade de São Paúlo e em cidades CICLO VITAL do interior e o cruzamento dos nossos dados poderá mostrar se as famílias na transição são na sua maioria de grandes centros urbanos ou não . De qualquer maneira, insistimos que olhar para a família de classe média, em termos de ciclo vital, significa ver ao mesmo tempo o tradicional e o moderno, e se esse olhar se focar na família paulista, terá que visualizar ainda: o coerente e o incoerente, o desejo e a insatisfação, o enfrentamento e o recuo . , o desejável e o possível e todos os outros opOStos . Neste momento, talvez fosse importante relembrarmos a visão chinesa de crise em que ela se apresenta como um aspecto da transformação. Segundo Capra (1994): Os chineses, que sempre riveram uma visão inteiramente dinâmica do mundo e uma percepção aguda da história, parecem estar bem cientes dessa pro. funda conexão entre crise e mudança. O termo que eles usam para "crise", weijy, é compoSto dos caracteres: "perigo" e "oportunidade". Talvez essa seja a síntese da família do final do século: o perigo e a oportunidade! Referências bibliográficas ERlKSON, E. H. Identidade, juventude e crise. ZaharEd., Rio de Janeiro, 1976. eARTER, B. eMcGOLDRICK & colaboradores. fu mudança5 no ciclo de vidafamiliar Uma estrutura para a terapia familiar. Artes Médicas, Porro Alegre, 1995. HAlEY, H. Terapia nãocon'uencional·As técni.caspsiquiátri=deMiltonH Erickson. Summus Edirorial, São Paulo, 1991. . SThI10N, F B.; STIERLIN,H; e WYNNE, L. C. Vocabulário de terapia familiar. Gedisa Editorial, Barcelona, 1993. HOLANDA A B '" D ··· '· A '1· I. ' , . . 1 'ovo 1.CIqnano urellO c a Lmgua Portuguesa. Nova F romeira, Rio de Janeiro, 1986. JO FAlVIÍLlA E CICLO VITAL CAPRA, F. O ponto de mtltação. Cul[Ox, São Paulo, 1994. FAUCOV,C.J. Contribuci.onesde Úlsociologiade lafamiliayde la terapiafamiliarai "esquema deI ,. desarollojàmJiar'~·análisis comparativo y reflexionessobre las tendênciasfuturas, Paidós, Buenos Aires, 1991. _0. ...: " - -~~ - .. 1~ ·t"o" .~ .. . CAPÍTULO II Família paulista OneideMariadeOli'lleira ~ ; No campo dos estudos sobrea jàmília no Brasil estamos começando a armar opulOI; tratamos, no momento, de destrinchar as relações cotidianas que sabemos serem importantes para a construção de visões maisglobais, às quais nosarriscamospouco, jáquenossas certezas sobre o maisimediatoaindasãofrágeis(M... cORRÊA, 1993). Toda vez que tentamos pesquisar a família temos que re conhecer o quão pouco sabemos sobre e la, apesar de vários segmentos da ciência se ocuparem de seu estudo e da importân cia que lhe é atribuída por eles. Não nos sentimos muito à vontade quando vamos falar a respeito de família brasileira, por exemplo. A diversidade de mo delos, a ampli tude do terri tório, as diferentes coloqizações, a miscigenação, as imigrações, as monstruosas diferenças socioeconômicas existentes em nosso país tornam difícil a gene ralização de uma família brasileira. A impressão é que temos muitas famílias brasileiras, que não só são definidas geograficamente, mas que sofrem muitas outras influências. 1 "Armar o pulo" é uma reduçã'o de "armar o pulo do gato", expressão que a autora usoU para traduzir livremente aexpressão reculer pour mieux sauter na apresentação de Colcha de retalhos, p. 12. i 35 'tFAiV!ÍUA E CICLO vrrAL3'4 Gilberto Velho, em um artigo denominado "Felicidade à brasileira", publicado no jornal Folha de S. Paulo em 3/11/1996, diz que a sociedade brasileira, "se por um lado participa de uma tradição ocidental moderno-contemporânea, por outro tem carac terísticas próprias, com direções e interpretações particulares." ... E em ouuo momento do artigo: "creio que a análise das novelas seja uma das entradas mais férteis para uma melhor compreensão dos valores brasileiros contemporâneos". Concordamos com o autor que essas características tão pró prias da nossa família, talvez sejam um entrave para pesquisas "mais aprofundadas como um todo. " Medina (1974) coloca-nos diante da incoerência de pos suirmos tão poucos estudos sobre a família no Brasil e do fato de ela ter sido tão fundamental na formação da nossa sociedade. Ele cita os estudos de Lynn Smith (1953), que comparando Brasil, Estados Unidos e América Espanhola, chega à conclusão de que a instituição predominantemente formadora dessas sociedades foi . "{ na América Espanhola, a Igreja, nOS Estados Unidos, a Escola e no Brasil, a Família. " Isso vem ao encontro da idéia de Da Marta (1987) quando diz que uma reflexão mais crítica sobre a famrlia permite descobrir que, enrre nós, ela não é apenas uma insriwição social capaz de ser individuali zada, mas consriwi rambém e principalmenre um valor. Há uma escolha ;: por parre da sociedade brasileira, que valoriza e insrirucionaliza a fa- ""t· mília como uma insriwição fundamenral à própria vida social. Assim, ~. a família é um grupo: social, bem como urna rede de relações . Funcla- ;+ se na genealogia e nos elos jurídicos, mas rambém se faz na convivência social inrensa e longa. É um dado de faro da existência social" e ram bém constirui um v:alor, um ponto do sisrema para o qual rudo deve render (p. 125). FA]V1ÍIJA PAULISTA Quando nos propusemos a pesquisar a família paulista, essa dificuldade também apareceu. Não é fácil caracterizar uma famí lia paulista. Os estudos a que tivemos acesso fizeram recortes dessa família ou no tempo ou no espaço. Medina (1974), na segunda parte de seu livro Família e mudança - ojàmilismo numasociedade arcaica em transformação) traz uma bibliografia crítica sobre a família no Brasil. A respeito da família paulista, só dois trabalhos citados por ele tentam uma apreensão da nossa família como um todo. Um deles é o traba lho de Hamburguer (1954), que aborda a família paulista a partir do estudo do comportamento dos habitantes de uma pequena cidade, com o intuito de verificar se elas se enquadram no este reótipo de família brasileira descrito por Siegel. A pesquisa foi feita com entrevistas e observação e não há registro do critério de seleção dos entrevistados. Um segundo estudo citado é o de Moreira (1968), intitulado "A família paul ista", que apresenta 3 tipos básicos: a família caipira, a família rural e a família dos grandes centros urbanos. Segundo Medina, esses tipos são ca racterizados superficialmente e o autor chega à conclusão de que é impossível fixar um retrato único da família paulista. A revisão de Medina é de 1974 e nesses últimos vinte anos tivemos mais estudos e pesquisas sobre a fa m ília paulista, porém como já dissemos, na sua maioria fazem recortes, e poucos ten tam abranger essa família como um todo . O nosso trabalho também pode sofrer uma crítica nesse sentido, pois a pesquisa foi dirigida à classe média, mas temos consciência de que ele não é acabado ou completo e que, para falarmos genericamente de fa mília paulista, teríamos que ampliá-lo para as outras realidades. Quando falamos em família paulista, estamos falando de famílias inseridas num Estado que, de acordo com o último cen so (1991), concentra 21,51% da população nacional. 37 ·36 FAlVIÍLlA E CIC LO VITAL Em setembro de 1991, a população do Estado e ra de 31.588 .925 habitantes e nos últimos trinta anos cresceu 2,47 ve zes. Como OCorre no Brasil como um todo, a partir de 1980 houve um desaceleramento do ritmo de crescimento populacional. Mes mo assim, nos últimos onze anos a tax a de crescimento de São Paulo ficou acima, tanto da taxada região Sudeste como do Brasil. Um dado interessante é que a população do interior cres ceu mais do que a da região metropolitana. No interior, o ritmo de crescimento foi 2,39, enquanto o da região metropolitana foi 1,88. Na última década, como já dissemos, houve uma diminui ção de nascimentos, mas houve um aumento da população de idosos e da população em idade ativa. Os números do censo de 1991 acusam em São Paulo as segu1l1tes porcentagens: de O a 14 anos ............................. . .. 3Ó,730/0 de 15 a 64 anos .............................. 64,300/0 mais de 65 anos ............... ............... 4,970/0 Em relação à estrutura e compOSlçao familiar, o último censo acusa o aumento de 4,75 para 7,15 do número de unida des domésticas unipessoais (famílias constituídas por uma só pessoa). Também cresceu significativamente a proporção ' de mulheres chefes de domicílio, ou seja, que têm a responsabili dade da casa, tanto na zona rural como na urbana. Isso pode significar o maior núm~ro de divórcios e separações e as mulhe res assumindo os filhos. Um dado que empiricamente já sabíamos e que é confir mado pelo censo é o 9mpobrecimento: O rendimento médio das famílias caiu nos últimos dez anos tanto na área urbana como na rural e tanto em rel,áção aos homens como às m'ulheres. F.AJVÚLIA PAUUSTA Esses dados nos localizam no Estado d e São Paulo de hoje ou no máximo em comparação com os últimos trima anos. Com relação à cidade de São Paulo, passamos de 1.326.261 habitantes em 1940 para 9.646,185 em 1991, ou seja, em cinqüenta anos passamos por uma acelerada explosão populacional, que sem dú vida repercutiu na estrutura e dinâmica das famílias, Esse fato pode revel a r, no âmbito da cidade e doEstado de São Paulo, características imig ratórias de desenvolvimento socioeconômico que, sem dúvida, dão uma configuração especial aos estudos so bre a família paulista. .~~~ ' A família paulista "classe média" .~~;~, I '~. ~.: ~j~}t Se caracterizar a família paulista é um desafio, fazer o re trato da família de classe média é ainda mais difícil. Essa dificuldade não se restrin ge somente à família paulista. Nos últimos anos, a classe média em nosso país passa por uma crise de identidade, pois não se sabe classificá-Ia com exatidão, Ao mesmo tempo, lemos e ouvimos que essa mesma ••:?'f; . . ~.~. classe média constitui 300/0 da população do país que abrange então cerca de 45 milhões de indivíduos. Mas de que indiví '" duos estamos falando ? '.;::',' "~: Salem (1986), em uma publicação na qual se propunha a fazer uma resenha de trabalhos que tinham como objeto a fam'Ília em camadas médias urbanas, nos diz: Uma das questões com a qual se defrontam estes trabalhos diz respeito ao valor heurístico da noção de "camadas médias", Verifica-se entre os autores um consenso no que tange às reservas feitas tanto à verrente de estratificação so cial quanto à que esco lhe a perspectiva de classes. De um modo geral, ,ambas são vistas como incapazes de dar conta das descontinuidades observáveis em termos de ethos e de visão de mundo 39 ,! . I. • 38 FA1v1ÍLLA E CICLO VITAi. apelando exclusivamenre para indicadores que procuram siruar estes segmemüs a panir de sua siruação e posição na esrrutura social. A mesma autora ainda nos diz que a classificação de famí lias de classes médias não pode ser mecanicamente deduzida ou apreendida a partir de critérios socioeconç,micos e que necessita estar associada a outras diferenças de nível mais simbólico. Concordamos com Salem, mesmo porque nas últimas dé cadas a instabilidade econômica vigente no país dificultou sobremaneira estabelecer qualquer critério de classificação por que vivemos todos as conseqüências dos altos e baixos econômicos, que com certeza influíram em outros critérios de avaliação. Tomemos por exemplo a educação: há quarenta, cinqüen ta anos, as escolas públicas eram tão seletivas, que estudar nelas garantia uma posiçãO intelectual de "poder acompanhar o ensi no". Aos alunos menos dotados, que não gostavam de estudar, eram reservadas as escolas particulares. Os .colégios religiosos cobriam as necessidades das famílias que queriam um ensino mais tradicional e~'eligioso ou daquelas que moravam em lugares onde não havia a Escola Pública . Há vinte anos o panorama educacional era totalmente ou tro: as Escolas Públicas ficaram para uma população de baixa renda e deixaram de ser seletivas. \ Os colégios particulares, por sua vez, sofisticaram-se cada vez mais para atender às classes média e alta. A situação chegou a tal ponto, que colégios particulares mais populares foram surgin~ do porque o ensino público não conseguia atender a quase nenhuma expectativa :das famílias. Nos últimos 5 anos, percebe mos uma retomada da importância da Escola Pública porque um grande contingente de famílias ditas de classe média não conse gue mais manter seys filhos nas escolas particulares. No momento em que escrevíamos sobre o assunto, tive mos acesso a uni' artigo de Marilene Felinto (da equipe de ~:• • 1 " '. --·t, FA]\1Ú.lA PAUUSTA articulistas da Folha de S. Paulo), datado de 18 de fevereiro de 1997, do qual nos permirimos transcrever alguns trechos. O arti go fala de uma criança de oito anos, denominada pela articulista como Matilda que . •~; r mudou este ano da escola particular para a escola pública e disse dra ;1 maticamente à mãe, ao voltar do seu primeiro dia de aula na 3ª série de o·f'" ~~. uma escola municipal de São Paulo: 'Eu nunca vou perdoar você por ter ~ me tirado da minha escola.' Os pais dela não tinham mais como pagar as mensalidades escolares ... Entre as queixas de Matilda estavam as condi ções daquela 'escola de pobre', a merenda de gosto ruim, a solidão no ' ~- : pátio de uma escola em que, como as classes não têm menos de quarenta alunos, a criança se ressente de falta de atenção... Um menino falou co~ ú .. migo com a boca cheia de bolacha', ela contou à mãe, com um tom de :h revolm na voz... Depois ela reclamou do arroz-doce e da canjica da "to; merenda. Sobrerudo, recusa-se a viver o que já via antes acontecer com seu primo que freqüenta a mesma escola. Todo fim de mês, nas escolas municipais de São Paulo, cada criança que tiver bom índice de compa '.; .?~. recimento às aulas recebe uma lata de leite em pó como prêmio. ,', ::- Matilda é O exemplo da classe média que não pode mais arcar com as despesas de uma escola particular e que volta a cons tituir a população da escola pública, fenômeno que está constituindo uma rotina entre nós. I. ; Esse pequeno parênteses a respeito da flutuação da classe 1 i-o média em relação ao ensino deu-se praticamente em todos os .. .. . setores: cultural, de lazer, social e assim por diante. Uma outra questão que dificulta a caracterização da classe } média é o olhar de quem a classifica. As agências de publicidade:·1 que se preocupam com O marketing e o consumidor têm uma ," ..1.. . .,..- - . classificação social baseada na quantidade de itens de que as .. famílias dispôem. Como o apelo consumista é muito forte, " grandes sacrifícios são feitos em função de ter o televisor, que -;.!. possivelmente deflagrará ainda mais o consumo. É comum em 41 , :~. FAMÍLlAECICLOVITAL .' algumas regiões do interior a existência de casas de pau-a-pique ou barracos com as antenas parabólicas e o telhado de antenas de TV nas favelas. Assim, para os publicitários; a TV, os aparelhos domésticos, O velho carro que não anda por falta de combustível ou peças, incluem muitas famílias como classe média, indepen dentemente de se esse status é baseado nas inúmeras prestações, restrições básicas importantes, e inadimplências. Se o olhar do pesquisador que tenta classificar ou definir a classe média se baseasse na escolaridade, teríamos uma outra vi são do problema. Um engenheiro casado com uma estilista, por .;"; ~ . exemplo, ambos desempregados, talvez sem os eletrodomésticos, :·f que poderiam ter sido vendidos para fazer fnmte à situação de emergência, seriam considerados também classe média. Poderiam ser pais de 1vlatildas, Josés, e de outras crianças de classe média ... Nesse sentido, é important~ um olhar sobre a nossa pesquisa. Nossos entrevistadores eram alunos universitários, principalmente do último ano de cursos de psicologia, tanto na Capital como no interior. Esse fato, acreditamos, influiu na escolha dos entrevis tados, pois outros critérios, além da renda, educação, profissão, estavam presentes nessa escolha. Entendemos agora a crise de identidade da classe média e as nossas dificuldades em determinar quais seriam os sujeitos da nossa pesqUIsa. \ Porém uma certeza está presente para nós: a de que a clas- -~~. +se média é, sem dúvida, na nossa realidade, a que tem as maiores . :' . ;~f nuances e contradições. ~r, :. ;. Os modelos familiares Se pensarmos ,ém modelos familiares no âmbito do Brasil, de São Paulo e das difeientes classes sociais, alguns póntos são comuns. FAMÍllAPAULISTA Um deles é o modelo patriarcal que, apesar de contestado por pesquisas surgidas a partir de 1970, permaneceu como re presentativo da família brasileira, e por conseguinte da família paulista, durante muito tempo. Corrêa (1993) diz que "este é o modelo tradicionalmente usado como parâmetro, é a história da família brasileira, todos os outros modos de organização familiar apareçendo como subsidiários dela ou de tal forma inexpressivosque não merecem acenção". A mesma autora critica a leitura que passamos então a fazer da nOssa história a partir do proposto por Freyre, sem pensarmos em todas as outras possibilidades que existiram. Samara (1983) afirma que o rótulo de família patriarcal não era representativo de uma família denominada brasileira, pois existiam outras formas de composição familiar no Brasil, mesmo no século XIX. Nesse sentido, gostaríamos de citar novamente Corrêa (1993) que, referindo-se às obras de Freyre e Candido sobre a família brasileira, diz: A "família patriarcal" pode ter ex istido, e seu papel ter sido extrema mente importante, apenas não existiu sozinha, nem comandou do alto da varanda da casa grande o processo tOtal de formação da sociedade brasileira . Para ambos os autOres parece não ter havido, neste país onde a colonização se fez de maneira tão díspare, um processo de constitui ção de unidades domésticas de variedade equivalente na's muitas regiões onde se insta laram os primeiros colonizadores . Em São Paulo, tivemos até o século XVIII uma configura ção colonizadora semelhante ao resto do Brasil: um movimento que começa no litoral e se expande para o interior. A partir daí, São Paulo começa a receber imigração de outros Estados, princi palmente de Minas Gerais, para ocupação de terras no interior, onde se formam algpns núcleos e os povoados que mais tarde se tornam municípios. 43 .. .:.:-;,: P r.- • , r ~i; - - . . ~~ . , . .. ~:~- , • 42 FAMÍLlA E CICLO VITAI.. 1" A segunda metade do século XIX nos mostra São Paulo já como o maior produtor de café do país, situação essa baseada quase na sua totalidade no trabalho escravo, Os movimentos abolicionistas na metade do século XIX também influenciam a abertura da imigração e um número mui to grande de ~uropeus entra nessa época no Brasil e um grande .~ contingente vai para a lavoura. Uma parte desses imigrantes, prin cipalmente aqueles que trouxeram experiência anterior em alguma atividade e algum dinheiro, estabelece-se no comércio, na peque- )õ na indústria, na prestação de serviços especializados e aos poucos começa a prosperar. A próxima geração já vai encontrar uma situação de misci genação por meio dos casamentos, formando a base da maioria das famílias que hoje temos na classe dita média. f- . . ~-.. Os funcionários públicos, os bacharéis, os médicos e ou- .~: . tras profissões liberais vão se fórmando no seio dessas famílias. -,I; . ~':'r ; Num certo sentido, a cidade de São Paulo torna-se nessa época um centro cultural e de formação, com um grande número de . ) : estudantes, que se deslocavam de suas cidades de origem para cursar Universidade e mesmo buscar outras oportunidades. Essa .1; t~ situação começa a tomar nova feição a partir da década de ses senta, quando começa a expansão universitária para o interior. r: Outros ramos imigratórios que1se dedicaram ao comércio e que no início tinham como maior preocupação o desenvolvimento econômico, à medida que o conseguiam, passavam à geração seguinte a necessidade de adquirirem estudo e formação. Parece ser esse o retrato da classe média paulista nos dias atuais: uma classe média di.vidida nas categorias de alta, média e baixa, com uma configuração diferente do que foi a classe média de trinta, quarenta anos atrás. Figueira (1986J afirma que nos últimos quarenta anos o Brasil sofreu um grçinde processo de modernização e pensamos FAMÍJ-lAPAillISTA que São Paulo é um dos Estados que mais sofreram esse processo, que já começava a acontecer nos anos cll1qüenta. Esse mesmo autor define a família dessa época como uma família hierárquica, no sentido de relativamente organizada em termOS de papéis masculino e feminino, adulto e criança. A famí lia atual para Figueira apresenta-se COmo uma família mais preocupada com o ideal da igualdade e respeito, com ênfase no indivíduo. No entanto, para ele o arcaico desaparece apenas apa rentemente para dar lugar ao moderno, mas continua presente de modo invisível. Figueira conclui seu artigo dizendo: Não há, propriamente, uma "nova família brasileira". Ainda estamos longe de lima família realmente nova (o que quer que isso signifique). No momento, o moderno convive com o arcaico na família brasileira de modos sutis e complexos, que só recentemente começaram a ser estudados. O que Figueira afirma foi o que percebemos quando saí moS a campo para levantar alguns dados sobre o ciclo vital. Ao mesmo tempo, a constatação de Bori em 1969 no seu tra balho "Famílias de categorias baixa e média de status social de centros Urbanos" ainda permanece atual. Diz ela: "O estudo dos aspectos qualitativos das inter-relações constituiu-se num desafio para os investigadores, já que é na incapacidade de caracterizá-las que se revelam, sobretudo, as limitações dos procedimentos metodológicos que vêm sendo preferencialmen te adotados". Ao mesmo tempo, é ImperIOSO conhecermos a família na sua dinâmica e estrutura, nas suas relações internas, nas suas crenças para podermos validar ou reformular as categorizações e sobretudo começarmos a pensar nos modelos a partir de dados reais. - -- 44 " .. FAMÍUA E CICLO VITAL Referêncizls tJibliográficêlS ARANTES, A. A. CoLcha de retalhos: estudos sobre afàmíha no BmsiL. Ed. da UNlCAMP, Campin'ls, 199.3. C.A",-PÍTULO m SOUZA c Sn..VA, M. A.. GARCIA, M. A. e FERRl\ RI, S. C. Jlemórias ebnncadeiras tia Cidade de São Paulo n..'1S primeiras décadas do sécuLo XX. Conez. S~O Paulo, 1989. Familia em fase de aquisição IBGE - Ceilso DemogrHico 1991 - Siwação DemogrMica, Soci,ti e Econômica: pri meiras considerações - Estado de São Paulo. Rio de Janeiro, 1995. Cristiana MercadameE<per &>J1hotld ' 1 Nancy Benerliú:1 B~rtlezú&rg'1.miFIGUEIRA,S. A. Umanovafamílla?Z,iliar, Rio de Janeiro , 1987. CERVENY, C.Nl. o.A Famz1iacomomodeLo-desconsmúndoapatoLogirt. Psy, Campinas, 1994. BORI, C. 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A Fase de Aquisição, como já vimos, pode ser considera da como a primeira fase do Ciclo Vital da Família e inclui : a escolha do parceiro, a formação de um novo casal, a chegada do primeiro filho (que transforma o jovem casal em nova família) e a vida com os filhos pequenos. Conforme já salientado por Cerveny em capítulo anterior, é uma fase na qual há o predomí , , I 'i nio da tarefa de ADQUIRIR. E adquirir em todos os sentidos: material,. emocional e psicológico. É este o momento no qual os indivíduos estão bastante envolvidos no complexo movimento de dar e receber; conquistar e ceder; ser e vir a ser. As transições necessárias para a adaptação a essa nova fase da vida familiar exigem maturidade e demandam tempo e, como veremos, é da resolução dos conflitos típicos que aqui ocorrem, que as fases futuras irão depender. ..:,:.; , ... ~~. Ji1, Tradicionalmente, seriaextremamente mais fácil caracteri'~f zar os indivíduos e as famílias que constituiriam aquela parcela ~l~ . da população em Fase de Aquisição, porém, com as transforma -~if _~ ç~es contínuas que a família vem sofrendo, especialmente em ~: : .. ~JJ."".:, . função das demandas de modernização, neste final de século , , I ; $ em nossa cultura, muitas e diversas são as possíveis configura " i ' I ~ft:. ções do núcleo familiar. Assim, podemos considerar em Fase de Aquisição tanto aquele jovem casal que acaba de deixar a escola e 49 ' 't FAMÍLIA E CICLO VITAL48. as casas paternas para ingressar no mercado de trabalho e na vida conjugal, como aquele casal que se une pela segunda ou terceira vez, já profissionalmente estabelecido e com a responsabilidade de cuidar e/ou sustentar filhos de uniões anteri o res. Também es tão em Fase de Aquisição os adolescentes "grávidos" que se casam e continuam a estudar e morar com os pais, e os adolescentes que se casam com parceiros de meia-idade que por sua vez têm filhos quase adolescentes. E, ainda, estão em Fase de Aquisição muitas outras organizações familiares, como famílias monoparentais, homossexuais, e outras, sendo que todas têm em comum o fato de estarem iniciando uma nova configuração familiar. Em função de fatores como idade, maturidade, experren cias anteriores, redes de apoio social e familiar, dentre outroS, as novas famílias qUe se formam irão vivenciar de maneiras bastan . I te diferentes a Fase de Aquisição, que será, de qualquer forma, permeada pelo processo de construção. Casais jovens, para a constituição de sua própria família, ·1 terão que se preocupar basicamente com a aquisição de bens ma teriais, com a construção de suas carreiras profissionais, com a aquisição da .independência em relação às famílias de origem e com a construção de uma relação dual na qual sejam definidos papéis e funções de cada um dos cônjuges e um espaço inter relacionai , que satisfaça a ambos. Casais maduros, no processo de reconstituir famílias, tal vez não tenham que se preocupar com bens materiais ou com ascensão profissional, mas certamente passarão pelo processo de aquisição e construção de vínculos com os sistemas familiares de origem de ambos, com os sistemas familiares de seus ex-parcei ros, filhos biológicos e filhos por afinidade. O estabelecimento de relações familiare s depende de negociações amplas e de redefinições de papéis e funções e, desta forma, a formação de cada nova família é um processo único. FAMíLIA EM FASE DE AQUlsrçÃO Casais de adolescentes que permanecem no seio da família de origem têm a difícil tarefa de adquirir um espaço próprio para a relação conjugal, no emaranhado das relações já existentes no sistema, que é extremamente conhecido e familiar a um dos CÔn juges e estranho ao outro, além de definirem e se investirem dos papéis e funções de marido, esposa, pai e mãe. Muitas aquisições precisam ser feitas simultaneamente, O que muitas vezes pressio na, e muito, tanto o sistema já estabelecido, que tem que se reorganizar e adaptar à entrada de novos membros, como o siste ma familiar que quer se iniciar, que necessita se definir e adquirir um status próprio. Casais formados por um dos cônjuges adolescente e o ou tro na meia-idade irão se configurar como uma nova família em formação com características distintas, visto que enquanto um tem que investir na escolarização, na carreira e na definição de projetos de vida, o outro tem que investir na reorganização dos sistemas inter-relacionais. A principal tarefa dessa nova família será a aquisição de metas comuns e a construção de um sistema que contenha e seja adaptado às demandas diferentes decorren tes dos interesses e necessidades de cada um dos parceiros, al-ém da constituição de um sistema que seja adaptado ao macrossistema. Muitas outras formas de organização familiar poderiam ser aqui analisadas, porém exemplificamos apenas as mais usuais, na tentativa de refletirmos as características em comum desse perío do do Ciclo Vital, que diferentes configurações irão vivenciar. A seguir, vamos traçar um esboço de como pode ser em nossa socie dade, o trajeto da construção de um novo sistema familiar nuclear. 51 FAMÍLIA ECICLOVlTAL • 50 Nasce urna família o "E viveram felizes para sempre... ?" . 'A Bela Adormecida, depois de enfeitiça da por cem anos, é acordada por seu Príncipe Encantado com um lindo beijo de amor. Emocionados, eles se abraçam e se unem, vivendo então ... FELI ZES PARA SEMPRE! Branca de Neve, coitadinha, teve que se esconder na flo resta para fugir de sua mal vada madrasta mas, mesmo refugiada entre os sete anões, é envenenada pela bruxa e cai em sono pro- ' fundo, até ser salva por um belo Príncipe Encantado, que a leva ao seu maravilhoso reino onde ... VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE! A doce Cinderela, feita quase escrava, maltratada por sua madrasta e irmãs, é encontrada pela fada madrinha e conhece seu Príncipe Encantado. Apaixonado, ele percorre todo o reino atrás de seu amor e a identifica finalmente pelo lindo sapatinho "f de cristal. Só então, leva-a para seu palácio, transformando-a -' ~;-. "pelo casamento em rainha, e assim então eles ... FORAl\l1 FELIZES . :. I " PARA SEMPRE! ,; . ..i i E entre nós ... Maria gostava de]oão, que gostava de Clara, " que gostava de Pedro, que por sua vez estava apaixonado por Maria e, tal qual um Príncipe Encantado, que deve enfrentar "bru xas" "fadas malvadas" e "madrasta invejosa", na luta por seu , , ti amor, "batalhou" por Maria. Foram dias, semanas, meses de in- I sistência para conseguir sair, para conseguir ficar, com "sua" Maria ' ;C'. que, pouco a pouco, se apaixona, enfim, pelo "seu" Pedro. Ele,_ Z independente, seguro (seguro ?), batalhador e flexível como todo ~ t~: \. ! "jovem moderno;' deve ser! Ela, independente, segura (segura?), batalhando pelo estudo e profissão, planeja uma bela carreira, I : I ; I como toda "jovem moderna" deve fazer! Enfim, apaixonados e \ ! , I FAMÍLIA EM FASE DE AQlJ1SrçÃo intimamente divididos entre a crença do amor eterno e do amor "eterno enquanto dure", casam-se, "seguros e maduros" para ... 'VIVEREM FELIZES PARA SEMPRE! Com todo o discurso moderno e pós-moderno sobre o ro· mantismo, amor independente, individualidade, cumplicidade, , etc., etc., etc., os jovens casais hoje em nossa sociedade vivem na verdade no meio de um turbilhão de conceitos, preconceitos, mi toS, crenças" emoções e sentimentos tão contraditórios e inusitados, que não é de se estranhar os conflitos e dúvidas tão profundas que cercam as relações entre homem e mulher. Social mente espera-se que o jovem casal corresponda ao chamado padrão moderno, no qual a relação deve ser liberada de qualquer preconceito, aberta e flexível e se prega como máxima o respeito pela individualidade e crescimento pessoal de cada um. Subjeti vamente, no entanto, os padrões parecem que não são tão diferentes assim daqueles cultuados décadas atrás. Independen temente do discurso manifestado, a maioria dos casais que se casam apaixonados espera que, como um passe de mágica, a pro fecia do "VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE" se cumpra também em suas vidas . E será que isso é possível? Casar, que segundo o Dicionário Aurélio significa "unir por casamento ... combinar-se, aliar-se ... ", é na verdade mais que a união de duas pessoas. É a união de dois complexos e intrincados sistemas familiares. Ao partirem em lua-de-mel levando suas duas malas, ao jovem casal cabe a árdua e difícil tarefa de começar a tentar, dali em diante, arrumar uma única mala que contenha e acomode o conteúdo de ambos. E isso exige muito de cada um! Extremamente importante é o que cada um traz em sua bagagemindividual. Os sonhos, desejos, metas e muito especial mente a história de vida de cada um, vão determinar, de certa forma, a possibilidade ou não de essa união realmente se efetivar. 53 FAMÍLIA EC1CLO VITAL ·52 Formar um vínculo tão estreito com alguém na entrada para a vida adulta vai exigir acima de tudo, um continente de confiança e disponibilidade para se abrir e acolher o outro, que tem suas mais profundas raízes na história dos vínculos feitOs, desfeitos e refeitos na infância de cada um de nóS . Nascemos com uma predisposição para noS apegar de ma neira profunda e definitiva a um outro ser humano que nos acolha e se disponha a se relacionar conoscO . E é dessa tão íntima e particular história vivida nos primeiros dias e meses de nossas vidas que será impressa em nós uma marca profunda e indelével, que influenciará para sempre todas as outras histórias de amor que vamos viver vida afora. . Por isso, se Cinderela, Branca de Neve a Bela Adormecida com seus Príncipes Encantados e a nossa simples Maria com seu .apaixonado Pedro serão FELIZES PARA SEMPRE ou não, não sabe mos. Mas certamente sabemos que a família que eles pretendem formar e ser não se completou com a decisão de se casar e muito menos se eternizou na cerimônia e ritual vividos no casamento. Ali, na verdade,é' onde tudo começa! '" Formando um casal Tomar.se um casal éuma das tarefas mais complexas e difíceis do ciclo devidafomiLiar. Entretanto,juntamente com a transição para a condição de pais, que há muito tempO isso simboliza, éconsiderada como a mais fácil e feliz (McGOLDRlCK e col., 1995, p. 184). Em nossa sociedade, o casamento tem sido erroneamente visto como a finalização de uma fase de encontro, conhecimento e reconhecimento mútuos muito mais do que como o início de . , FAMÍLIA EM FASE DE AQUlSIÇÃO um longo e difícil período de transição. O mito do " ... e viveram felizes para sempre", transmi tido de geração em geração não só pelas histórias infantis mas também de tantas outras formas mui to mais sutis e, certamente introjetado por tantos Pedros e Marias é, sem dúvida, um dos mais cultuados mitos sociais e tem se per petuado apesar de tantas aparentes ou verdadeiras transformações rios costumes e desejos pois, de certa forma, atende tanto aos desejos, angústias e necessidades dos pais quanto dos noivos. As famílias desejam acreditar que o ciclo de responsabilidade pela criação dos filhos se encerra quando estes formalmente passam a ser responsáveis por urna nova família e assim, acreditar que a felicidade deles está assegurada dá aos pais um sentimento tranqüilizador de "dever cumprido". Já os noivos, especialmente quando apaixonados, tendem a superestimar as vantagens da união e a negar as dificuldades inerentes ao processo. . , Não estamos querendo dizer que o casamento, formaliza 1 ' l- do ou não, seja uma ilusão ou um engodo perpetuado socialmente. O que estamos querendo discutir é que a base na qual se estrutu ra uma nova família na união de duas pessoas quase sempre é~~ .~ ~-1 construída sobre desejos inconscientes e mitos não admitidÇls . : (' Acreditamos que hoje, muitO mais do que no passado, os jovens casais vivem um sério conflito entre um discurso moderno e um ''1 desejo romântico absolutamente não abandonado subjetivamen~ te. Se, por um lado, os valores modernos tão cantados em versos~J e prosas são aceitos no nível do discurso, subjetiva e inconscienr . f temente, os valores desejados e os possíveis são muitas vezesL, . l', antagônicos. Muito mais do que discutir quais os valores que devem ou não ser apregoados e aceitos por este nosso discurso social mo derno e pós-moderno, e sobretudo muito mais saudável, seria se discutíssemos os "desejos". Qual é na verdade o grande DESEJO do Homem moderno? 55 FAMÍUA E CICLO V1TAL 54 Apesar de tantoS caminhos que poderíamos percorrer para responder a essa questão, escolhemos o mais simples e aparente mente tão óbvio, mas que é ao mesmo tempo tão complexo e tão difícil de compreender: o desejo de se apegar, de se vincular defini tivamente a alguém, que parece ser, afinal, a grande ânsia do Homem. O ser humano tem uma necessidade intrínseca de unir-se a outrO ser humano e, a menos que esse poderoso desejo seja comprometido por graves distúrbios no desenvolvimento da per sonalidade, todo indivíduo irá buscar ao longo da vida desenvolver vínculos poderosos e duradouros com pessoas que lhe são caras. Formar um casa l e constituir uma nova família é uma das possibilidades que o indivíduo tem de constituir vínculos dura douros e, assim, o que chamamos de "o nascimento emocional da família" é um processo que implica a construção gradual de um vínculo que propicie apego e . cumplicidade e também inde pendência e autonomia emocional. Numa díade saudavelrriente apegada (ou seja, em um casal saudavelmente unido), um serve como base segura ao outro, como uma fonte na qual se abastecer, para se abrir cada vez mais para a vida, na certeza de que ela estará sempre lá e é possível sempre se reabastecer. Assim, o casamento que simbolicamente acontece nos ritos . i cerimoniais em sua essência só vai ocorrer no decorrer do pro . ' . i cesso no qual cada cônjuge possa, ve~dadeiramente, vincular-se \ I ao outro. t · Os especialistas em família dizem que o nascimento de um casal é uma das tarefas mais difíceis do Ciclo Vital. Por quê? Princi i' . palmente pelo histórico de vida de cada um, histórico esse em que se i! encontram os padrões, crenças, percepção do mundo, desejos, ex pectativas, etc. E -ainda, que determina de certa forma como eles vão " refazer e montar uma nova história que mantenha a individualidade de cada um mas que ao mesmo tempo tenha como construção co mum uma parte que vai se estruturar enquanto casal. FAMíLIA EM FASE DE AQUISIÇÃO Um dos aspectos muito importantes a ser analisado é a ques tão da escolha do parceiro, pois "a única escolha familiar que podemos fazer livremente é o parceiro". Nós não escolhemos filhos, pais, Irmãos, parentes, mas o parceiro é fruto de nossa escolha. Porém, talvez essa "livre escolha" seja relativa, pois nós . ~- ." nos casamos muitas vezes com o grande ideal norte-americano do casal, mostrado nos filmes de Hollywood. Imaginamos o ma trimônio como um feliz estágio no qual devemos receber todas as atençôes e cuidados, todo o amor e empatia, e até os bons conselhos que jamais nos deram nas nossas famílias de origem. O matrimônio, assim imaginamos, nos ajudará a nos sentirmos mais satisfeitos e fará nossa vida mais fácil e segura. O milagre geral mente ocorre, mas apenas por algum tempo. Criamos uma estreita . 0= e dependente unidade, nos ajudamos mutuamente de todas as ·t maneiras possíveis e somos companheiros na alegria e na dor. Acontece que ... isso falha! Isso falha, principalmente porque os protagonistas do casamento se aSSustam com a possibilidade de . r ' ; . .. perder suas identidades individuais da mesma maneira que as perderam em suas famílias de origem. Começam a sentir o casa mento como armadilha. Buscam então o individual como fuga, da relação e não como algo natural que deve vir junto com o papel conjugal. O indivíduo sente no primeiro momento a necessidade de estar próximo, de estar com alguém. À medida que se aproxi ma desse alguém e sua individualidade fica ameaçada, ele precisa se afastar. Na hora em que se afasta, sente-se isolado. O equilíbrio na relação do novo casal só acontece quando eles conseguem uma diferenciação emocional. Diferenciação emocional de suas próprias famílias de origem e diferenciação emo cional enquanto indivíduos e enquanto casal. Nesse processo de construção da identidade do casal, muitos fatores influenciam: a história de cada um, afinidadese diferenças culturais e, especial mente, os reais motivos da união. Basicamente, podemos pensar 57 FAMÍLlA E CICLO VIT AL em dois motivos para uma união: coesão em torno de objetivos comuns ou em torno de inimigos comuns . Assim por exemplo, um casal pode se unir em torno de objetivos como amor, filhos, amizade, família etc., ou também pode se unir para agredir as famílias de origem, a sociedade etc. Apesar de os objetivos serem revistos e se alterarem ao longo do casamento, os objetivos que ,originam a união são determinantes para o tipo de estrutura con jugal qúe será estabelecido. Para alguns autores, é possível predizer o ajustamento con jugal de um novo casal, quando se consegue perceber os motivos da união , e ainda as , c1rcunstâncias nas quais ela ocorre. Dessa forma, algumas situações são consideradas bastante problemáticas: se o casal se conhece e se casa logo após uma perda significativa (e isso é válido também para recasamentos), se o desejo de um ou de ambos os cônjuges é se distanciar da família de origem, se as diferenças culturais são muito acentuadas entre as famílias ele origem, se as constelações fraternas são muito diferentes (por exemplo, filhos únicos e filhos de famílias numerosas). As dife renças acentuadas algumas vezes funcionam como atrativos para a união, mas outras tantas vezes, constituem-se em barreiras reli giosas, étnicas e culturais que dificultam a identidade e a união do novo casal. Casamentos entre parceiros muito jovens, que normalmente se casam por pressões sociais, por uma gravidez inesperada etc., I. I também podem ser considerados como fatores de risco para a estruturação emocional de um novo casal. Outros fatores apon tados por terapeutas e pesquisadores dizem respeito a casamentos I ,I muito rápidos (menos de seis meses de convivência) ou depois de \: longOs noivados (mais de três anos) e ainda a casamentos nos quais os rituais são desprezados (por exemplo: os noivos casam I se longe de amigos e parentes; não há nenhuma celebração pela passagem do casamento etc.), visto que o simbolismo existente· j " ' , i. : " . -:', '.' : " I,' -r~'- ' I ~~ ." ~. . ~. " " ,' \~ yf;- , ,:aL· FAMÍLIA EM FASEDEAQUIsrçÃO nOS rituais são Importantes especialmente em um nível incons ciente, para constituir novos padrões de relacionamento, novas possibilidades ele relação. 1vluitas vezes ainda, o casamento é bus cado não como uma opção de vida ou forma de relação, mas sim como forma de compensação por uma adolescência e/ou infância ruins e, obviamente, nada pode simplesmente subStituir uma fase ou situação da vida na qual se viveu mal e se foi infeliz. Em contrapartida, uma das melhores possibilidades que o novo casal tem de iniciar de forma saudável e construtiva a rela ção a dois, é por meio da verdadeira intimidade, que é construída e obtida pelos conflitos e alegrias que vivenciam juntos e que são companilbados. Nesse sentido, quanto antes o casal consegue ficar livre da ideologia do "casal perfeito", dos estigmas e pre conceitos que cercam a vida de casado, mais cedo poderá trabalhar sua intimidade e realmente se constituir uma nova' família. o O nascimento do primeiro filho A paternidade, quer do paiquerda mãe, éa rarejá mais difícil que os seres humanos têm para executar, Pois pessoas, diforenterneme dos outrosanimais, não nascem sabendo comosemnpais. Muitosden6slutam doprindpio aofim (KARLMENJNGER). ,,' , A chegada do pn'meiro bebê é um dos eventos mais desafiadores da vida, talvez O mais desafiador. É uma oportunidadepara O crescimentopessoale maturidade, bem como uma oportunidade para promover o desenvolvimento e serresponsáu:lporoutro serJmmano (BRAZELTON). Não exi,-renenhum estágioqueprovoque mudança mais profunda ou quesignifique desafio maiorpara a jamúia qtte a adição de uma criança ao sistema familiar (BRAD1). 58 F AMÍLLA E CICLO VlTAL FAMÍLLA EM FASE DE AQUISIÇÃOy S9 Para muitos autores, a família só se constitui como tal quan Acreditamos que não temos ainda hoje todas as respostas, do o casal tem o primeiro filho. Compartilhamos da opinião de mas já encontramos algumas que são cruciais: NlcGoldrick quando diz: 1 - O nascimento emocional e psicológico do bebê não coin Com a transiçáo para a paternidade, a fa mília se torna um grupo de cide com seu nascimento biológico. Na verdade, a três, o que a transforma em um sistema permanente. Se um cônjuge história de todos nós, de cada bebê, começa a ser traçada sem filhos parte, náo resta nenhum sistema, mas, se uma pessoa deixa a -, i já na história de nossos pais, e a destes por sua vez, na nova díadedo casal e do filho, o sistema sobrevive... (1995, p. 42). de seus próprios pais. Começamos a nascer já na infân cia de nossos pais, quando eles vivenóam, de sua óticaEste ésem dúvida, o momento imutável do ciclo de vida da de crianças, o significado do papel de pais e filhos. To família. Cria-se um novo sistema familiar e se alteram definitiva dos esses acontecimentos são arquivados e registrados e mente os sistemas existentes. As famílias de origem jamais serão com certeza influenciam no seu desejo de conceber, de as mesmas quando nascer um neto, assim como o casal jamais se tornarem pais. Assim, começamos a nascer no desejo será o mesmo após ter tido seu primeiro filho. inconsciente de nossos pais, cujas raízes estão em As recompensas dessa transição - de homem e mulher vivências precoces, cujos significados traduzem o dese para pai e mãe, de casal para uma família _ .. são maravilhosas e jo de seus próprios pais. intensas, mas igualmente intensas são as ansiedades, angústias e Onde é o início? É distante mas, concretamente, se conflitos, além do indescritível sentimento de responsabilidade. materializa na concepção que, desejada ou não conscien Sabemos hoje em Psicologia, graças aos inúmeros estudos . ~- . temente, foi desejada inconscientemente, pois, de outro e pesquisas realizados a partir das décadas de cinqüenta e sessen .~~ . modo, não ocorreria jamais. ta, que o vínculo dos pais com seus filhos deve ser o mais forte de .t. 2 - Os acontecimentos mais importantes? São muitos! Não todos os laços humanos. T podemos ignorar as vivências de cada cônjuge em suas famílias de origem, assim como temos que enfatizar aI: o laço original entre pais e bebê é a principal fonte para todas as ligali!. importância da relação entre o casal. O fruro de um ções subseqüentes do bebê e é o relacionamento formativo, no decorrer desejo mútuo, o bebê, é fruto também de uma modali do qual a criança desenvolve um sentido de si mesma. (Klaus e Kennel, dade inter-relacional que refletir-se-á a todo momento 1992, p. 23). na gestação e nascimento desse filho. 'r 3 - Como e quando as vivências começam a ter significado?Assim, estamos diante de uma situação importante e com ~ plexa: a formação da estrutura básica da personalidade de um Como já dissemos, acreditamos que o processo de nasciindivíduo. E temos quetesponder a importantes perguntas: onde mento psicológico da família, a chegada do primeiro filho, deveé o início? qual é o acontecimento mais importante? como e quan ser encarado como um momento de crise (no sentido de transição, do as vivências começam a ter significado? 61 -60 FAMÍLIA E CICLO VITAL mudança), altamente enriquecedor para a vida familiar, desde que algumas condições sejam atendidas. É interessante salientar o significado da palavra, que em chinês é representada por dois caracteres que significam: "oportunidade e perigo". Crise pode ainda ser definida como um período temporário de desorganização do funcionamento de um sistema, precipitado por circunstâncias que transitoriamente ultrapassam as capacidades do sistema para adaptar-se internae externamente. O casal tem que se reorganizar em relação às expectativas, ao estilo de vida, ao relacionamento com parentes e amigos. A família fica então muito vulnerável, e muitas negociações são ne cessárias para que possa se adaptar às mudanças repentinas e acumulativas que ocorrem.I Um aspecto bastante relevante para ser também analisadoI i diz respeito aos "mitos". Historicamente, constatamos a força que os mitos exercem sobre a construção dos valores e ideologia ..I de um grupo, assim como a infl uência sobre os padrões il comportamentais. Nossa cultura ocidental de tradição judaico 'li I , cristã tem um forte mito relacionado com a maternidade. Na :1 I Bíblia, já constatamos o padrão ideológico da maternidade asso ciado à assexualidade (Maria concebeu sem pecado), retratando;il a função materna como sublime e pura. Já Eva, representa aIi mulher pecadora e sensual, que merece punição. Há uma com pleta dissociação entre as funções de mulher e mãe; entre sexo e maternidade. Persiste fortemente também em nossa cultura o "mito da maternidade feliz", que acreditamos ter grande poder de influên cia entre as mulheres de diversos níveis socioculturais, apesar de todo o discurso liberal e pós-moderno vigente. Os "mitos familiares", muitas vezes também divergentes entre as famílias de origem, podem tornar-se outra fonte de con flitos e negociações. Um tem que se adaptar e adotar os padrões . ~r~·;: ~. ~~ r:-. . .-."0'1' ., . ~ : . , FAMÍLIA EM FASE DE AQUISIÇÃO do outro e vice-versa, em um momento de troca mútua, que às vezes se transforma em situações conflituosas de difícil resolu cão. A principal dificuldade muitas vezes reside no fato de os ~itos se tornarem ideais inatingíveis, de tal forma que um nunca vai conseguir corresponder àquela imagem idealizada que o ou tro faz da função materna e/ou paterna. Essa fase de mudança, na qual o novo casal se configura 'como uma nova família pelo nascimento de seu primeiro filho, pode se configurar como uma crise ou como uma transição, e em cada família essa fase terá um significado particular. Mas de qual quer forma, são mudanças profundas e irreversíveis nos níveis individual, conjugal e familiar. Neste momento, vale ressaltar o conceito de triangulação conforme postulado por Bowen, pois acreditamos que é interes sante entendermos as configurações relacionais que podem se estabelecer nos momentos de transição do ciclo vital da família, pois são muitas vezes estas mesmas configurações que vão deter minar as vivências e as novas estruturas que se formarão daí em diante naquele sistema familiar. Com o nascimento do primeiro filho, várias triangulações podem surgir: mãe e bebê próximos - pai distante (avós excluídos) .. pai e bebê próximos - mãe distante (avós excluídos) " mãe e bebê próximos - avó distante (pai e avô excluídos) " mãe e avó próximas - bebê distante (pai e avô excluídos) o mãe e avó próximas - avô distante (pai e bebê excluídos) Consideramos essa fase como a de "nascimento psicológi co da família", por todos os motivos que já expusemos e especialmente porque ela se constitui no elo de ligação entre as gerações, a continuidade e perpetuação do sistema familiar. 63 62 FAMÍLIA E CICLO VlTAI. ~ " É uma fase do ciclo vital da família, portanto, que merece uma atenção especial dos profissionais da área de saúde e psicoprofilaxia. Especialmente em um país com tantas dificuldades socio econômicas comO o nosso, geradoras de fatores estressantes, con sideramos como essencial discutirmos nesta reflexão a questão -. ~;-r . da psicoprofilaxia: por que se falar em psicoprofilaxia? O que se , , • deve prevenir? Como e por quê? Porventura não é o nascimento de um ser humano um acon . I . . tecimento tão biologicamente natural e previsível que pode se 1 dar muito bem sem interferências? Não são, homem e mulher, , '! I ......-., " capazes de gerar e procriar de forma fluida, natural? Infelizmente, em nossa cultura, a resposta é NÃO! Embora aparentemente seja um "simples e natural proces so biológico em sua origem", culturalmente se tornou um 'I "complexo e artificial (muitas vezes) processo" para o qual ho 1 mens e mulheres parecem estar cada vez mais despreparados. :1 . ·~...,t Nossa sociedade, hoje em plena crise de indefinição dos pa -.I , , péis sociais que devem ser atributos do masculino ou do feminino, cobra dos jovens pais atitudes, comportamentos e sentimentos con traditórios e ambivalentes, sem lhes dar em contrapartida um porto .... -.:f;..... ~ seguro, um modelo, ou uma estrutura de acolhimento. - .~ ' ! I Ao homem, criado desde pequenino para ser "macho", '\,:-. . I "durão", provedor e protetor, cobra-s'e de repente que seja "senI sível", "colaborádor", e até "maternal" em relação à esposa grávida e ao bebê. Criado para competir na "selva" do mercado de traba- " -':. ' il . t l~ lho, é agora convidado a lavar mamadeiras e trocar fraldas. Criado ', "" :'I! , . ~~. para prover, agora dele se espera que se reveze com a mulher nos Ji cuidados com o bebê, enquanto ela sai, trabalha e ganha seu pró- ." ~t .· pno dinheiro . "!if-: J; À mulher, criadadesde pequenina para ser "suave", ·"sensí vel", "compreensiva" e "meiga", cobra-se de repente que seja "indiferente", "competitiva", "agressiva no mercado de trabalho': 11 ' . !I II ., • ><ÍLlA EM FASE DE AQUISIÇÃO .. ==f.'U~ ___________________----=::. e que "progrida profissionalmente" até ... Até ter um bebê, pois aí se espera que largue tudo e "materne" seu bebê, ao menos por "algum rempo, enquanto as crianças são tão pequenas e precisam tanto da mãe". Só que esse algum tempo, normalmente 2, 3 ou 4 anos, freqüentemente arrasa a carreira da mulher, outrora apa rentemente tão incentivada quando era uma jovem e promissora estudante universitária. E aí? Como ficamos nós, homens e mulheres frutos de uma geração em transição? Saímos de um longo tempo de papéis rigi damente delineados e cultuados, bruscamente para uma fase em que tudo foi questionado, criticado e ... E ainda não se sabe, pois novoS papéis estão apenas delineados e tudo está por ser construído. E os bebês? Como ficam? Estejamos nós adultos (adultos?) vivenciando ou não nossas crises e transições, os bebês continuam precisando de nós. E como precisam! São, dentre todas as espécies animais, os filhotes mais desprovidos e carentes ao nascer. Apesar de possuírem o maior dos potenciais, imensas habilidades ao nas cimento: não podem nada por si próprios. Precisam de tudo e sobretudo de relacionamentos Íntimos e profundos com outro ser humano, pois daí surge sua humanidade. Só ao serem profunda mente amados aprendem a amar a si mesmos e aos outros. Creio que nunca se precisou tanto de um trabalho psicoprofilático para a nova família que está nascendo junto com cada novo bebê como neste final de século, quando vivenciamos tão grandes e tão profundas transformaçôes. Os futuros pais precisam ser orientados nessa maravilhosa e árdua tarefa que consiste essencialmente na transição entre "ser cuidado" e "ser cuidador". Tarefa que exige um grande conheci mento de si mesmo e do parceiro, uma imensa disponibilidade, só possível para quem está "inteiro" em uma relação! Tarefa que exige ainda uma intensa entrega e despojamento, só possível a quem está pleno! 64 65 FAMÍLIA E CICLO VITAl. FAMÍLIA EM FASE DEAQUlSIÇÃO -Fazer psicoprofilaxia da gravidez e parto é uma tarefa des cabida. Estamos falando em psicoprofilaxia da família, a verdadeira célula social, a verdadeira matriz dos relacionamen_ ros humanos. Estamos falando do cuidado primário, básico, em saúde. Saúde física e mental! Ajudar pais e mães a compreender e acompanhar toda atrajetória do nascimento de um bebê, todas as implicações da gestação, do parto e do puerpério em suas vidas pessoais e na vida da família que constituem, é assegurar uma família mais feliz e ajustada. E assegurar uma comunidade mais bem ajusta da. E a ss e g u r a r ,u mas o c i e d a d e mel h o r, m <;l is s a u d á vel emocionalmente. E para essa tão importante e fundamental missão, nós, pro fissionais da área de saúde, estamos muito mal preparados. ' . - ~;". Atendemos, acompanhamos e atuamos de forma segmentada, ,':'t .' cindida. Enquanto alguns "tratam" de um "ventre grávido", Ou- -:;:r · _..:.P ~: tros "tratam" do bebê e outros eventualmente "dos problemas' . ~~ ...... \...~ psicológicos do indivíduo, do casal, da família ou do ("pobre"), .,.:..;[' :: , : :;~~;.~~, . .J~~ .,' f ~'.- .....:;;~= . _ •• I .' ' ";;.:"-~ bebê". Nós, profissionais da área de saúde, ainda não aprende mos a atender o ser humano de forma integrada. Por incapacidade nossa de compreendê-lo, tivemos que cindi-Io para tentar estudá· lo, e em decorrência dessa imprudência parece que por décadas temos tentado, sem sucesso, reunir esse Homem novamente. Somente quando formos capazes de aprender a aceitar as limitações de cada área do conhecimento científico e aprender a aceitar que precisamos uns dos outros para trabalharmos melhor, nós, os profissionais da área de saúde, talvez nos aproximemos de uma compreensão integrada de um Homem que é indivisível. O atendimento),ntegrado, só possível por um atendimento multiprofissional e interdisciplinar, é o que garantirá um verda deiro atendimento psicoprofilático ao indivíduo e à família. Será , I - ·... t.( ) , -~. - . ,. •;.' "· -r~F- -· ,O'?i , ' issO tão difícil? Será essa uma tarefa pesada demais para nós, os profissionais da área de saúde? A vida com filhos pequenos Passada a transição do casal para família, estabelecidos os padrões triangulares de relação entre os membros dessa nova fa mília nuclear e feitas as negociações e triangulações também com as respectivas famílias extensas, uma nova fase se inicia dentro do contexro do que foi conceituado como Fase de Aquisição. Agora é hora de se estabelecerem as características e os limites dos novOs papéis a serem desempenhados por cada um dos membros da família, e muitas são as demandas ... O casal tem que inicialmente conseguir manter um equilí brio entre as funções conjugais e parentais, ou seja, ambos devem aprender a conciliar seus papéis de esposo e esposa com seus papéis de pai e mãe. Tarefa aparentemente tão simples, mas na realidade extremamente complexa, o que se pode confirmar na Clínica com famílias, em que freqüentemente observamos Como o deslocamento e a confusão de papéis podem provocar angústia e transtornos no relacionamenro familiar. " Quem casa quer casa! Será que é só casa que quer quem casa? Ou, quem sabe, quem casa está a procura de um "lar"?! Segundo Maurício Porot, '" a reunião forruita de um homem, de uma mulher e algumas crianças tOmados ao acaso não constitui uma família; o lar, sobretudo fundado no casal parenta I, é um ser espiritual vivo, com um passado, um presen· te e um futuro que influenciam profundamente as relações que se estabelecem entre seus elementOs constituintes, 66 FAMÍLlAECICLOVITAl " .. , " ,. n"- FASE DEAQUJSIÇÃO 67f:\!\1l~::::.:-=p=--n___ ___________ ____________ Aquele casal, dois jovens apaixonados, hoje são pais de Um ou dois filhos, perseguem o sucesso como profissionais, pais, es '.' posos, enfim, lutam para dar conta de todas as tarefas requeridas nesse ciclo da vida. Administrar as questões emocionais e práti cas de cuidados com os filhos pequenos e com a casa, somadas a preocupações financeiras que permeiam a maioria esmagadora . j~'• • :. . ' de nossa população, requer do casal com filhos pequenos uma -\"f':.. _,:r;' intensa mobilização de recursos familiares e sociais, na tentativa de atender em parte a todas essas necessidades. o ',J: .. ,,: Cada cônjuge traz consigo os modelos de suas famílias de -';' - :): .. origem. Conservam o registro de como seus pais o educaram, os I valores, as crenças, os mitos e a prática da arte de educar naquela '. ~ . . I •.lJ 'família. Dependendo do grau de matu~idade dos cônjuges, da · , I i forma como elaboraram a saída da casa paterna e das regras que . --T' _ . .....~. . i foram construídas pelo casal, os modelos antigos podem ser re .·- ._~:i vistos, transformados e adaptadós para atenderem às necessidades "':_. e-, da família atual. Quando isso não é possível, pàdrões rigidamen- ' te repetidos podem dar origem a crises e conflitos entre o casal. I : Naturalmente, se o casal não consegue construir um modelo pró i · prio de funcionamento familiar, permeado implicitamente com o conteúdo de ambos (trazidos de suas histórias familiares), o que tentarão fazer é impor um ao outro "cópias" ou reproduções dos modelos que viveram, o que cria: uma situação na qual sem ,pre um dos cônjuges se sentirá lesado e excluído. É quase como se a família de origem de um formasse um triângulo relacional i ' com ele e com os filhos, excluindo assim o outro parceiro. O casal, nessa fase, também terá que elaborar a discrepân "l. CIa entre aquilo que sonhou para si e a realidade que se lh e apresenta . O amor, o interesse de um para com o outro, a intimi dade, a sexualidade, enfim, todo o envolvimento afetivo acaba sofrendo a pressão advinda desse contexto, que exige sobretudo muito trabalho e oferece pouca chance e pouco tempo para o - cuidado com o desenvolvimento do casal. Há muito para ser con quistado e, às vezes, poucos recursos disponíveis e pouco tempo a ser despendido para a elaboração desses conflitos e desafios. Orientados por valores sociais que se apresentam como ideais (sucesso profissional, sucesso como pais, companheiros, cúmpli , , ces e amantes) e sem modelos ou reais possibilidades de acumular e desempenhar com eficiência todos esses diferentes papéis, o jovem casal muitas vezes se desorienta. Especialmente a dificul dade de escolha dos papéis a serem desempenhados pode refletir no relacionamento do casal, gerando conflitos que por vezes che gam a comprometer a unidade familiar. As diferenças de modelos familiares de cada cônjuge, so madas à ineficiência de tais modelos para a resolução dos conflitos atuais, oferecem ao casal um contexto extremamente inseguro para desempenhar os papéis de cuidadores e orientadores do de senvolvimento de seus filhos. Como já discutimos em outro momento deste capítulo, se algumas décadas atrás nossa socieda de dispunha de, e adotava modelos rígidos de funcionamento e papéis e funções rigidamente estabelecidos, com a crise da modernidade, os papéis de pais também foram profundamente questionados e em um primeiro momento até negados e rechaçados. Portanto, continuamos naquele estágio transitório no qual novoS papéis estão sendo construídos. Na verdade, os jovens pais hoje não conseguem definir exa tamente o que lhes compete fazer e ser no exercício da parentalidade. Sabem identificar os modelos negativos, aquilo que não devem e/ou não querem ser, e têm, ao mesmo tempo, extre ma dificuldade em elaborar e delinear aquilo que devem e/ou 'desejam ser. Acreditamos que os pais com filhos pequenos hoje se en Contram permanentemente em "situação-limite", o u seja, estão constantemente lutando para encontrar um equilíbrio entre as 68 69 : . ~;i.. FAMÍLIA ECICLO VITAL pressões externas e internas impostas pela condição de parenta lidade. Desejam e precisam trabalhar, mas sentem-se culpados em deixar os filhos, e nossa sociedade hoje (e muitas famílias extensas) ainda não oferece opções
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