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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ DEPARTAMENTO DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO PEDRO HENRIQUE DA ROCHA MARTINS A (im)possibilidade de revisão/resolução dos contratos de locação na pandemia da COVID-19 FLORIANÓPOLIS 2021 PEDRO HENRIQUE DA ROCHA MARTINS A (im)possibilidade de revisão/resolução dos contratos de locação na pandemia da COVID-19 Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito Orientador: Prof. Dr. Geyson José Gonçalves da Silva. FLORIANÓPOLIS 2021 Este trabalho é dedicado aos meus pais, que sempre me deram todo o apoio necessário para traçar minha trajetória. AGRADECIMENTOS Agradeço a todos os que de alguma forma contribuíram positivamente, direta ou indiretamente, para a minha formação acadêmica. Em especial aos meus pais, Davi Martins e Carmen Lucia da Rocha Martins, que desde cedo me ensinaram princípios que me tornaram o homem que sou, e que me deram sempre todo o apoio e acolhimento desde o primeiro dia em que vim a esse mundo. À minha namorada, Jaddy Camila Cúrcio, companheira de graduação e de vida, a qual admiro e amo cada dia mais e que sempre me apoiou e me incentivou nos momentos mais difíceis. Obrigado por tudo, te amo!!! À minha irmã, Luiza Helena da Rocha Martins, que além do laço sanguíneo, fomento uma relação de amizade e respeito. À minha sobrinha, Lara Martins da Fonseca, que apesar da pouca idade já cativa a todos com seu jeito e sua fofura. A todos os demais familiares que constituíram a base das minhas relações como ser humano. Aos amigos de curso, especialmente ao Tarcísio Kamers Filho, com o qual compartilhei vários momentos de aprendizado e boas gargalhadas. A todos os professores da graduação de Direito, que exercem esse papel tão nobre e importante na sociedade brasileira, em especial pelo contexto atual no qual vivemos. A todos os companheiros dos estágios em que realizei no Tribunal de Justiça, Justiça Federal e escritório, contribuindo para minha experiência prática no mercado profissional e na faculdade. Ao orientador que me permitiu a realização do presente trabalho, Geyson José Gonçalves da Silva. Ao demais membros da banca, Poliana Ribeiro dos Santos e Felipe Roeder da Silva, pelo interesse e disponibilidade em fazer parte desse momento. Obrigado a todos. RESUMO O presente trabalho se propõe a analisar a compreensão da pandemia da COVID-19 como fato imprevisível e gerador de onerosidade excessiva no âmbito dos contratos de locação. O desenvolvimento do trabalho se deu na análise dos aspectos doutrinários acerca dos contratos em geral e seus princípios, destacando-se a necessidade de análise adotando a teoria do diálogo das fontes, bem como a limitação do princípio da força obrigatória dos contratos em face aos princípios da função social e equilíbrio econômico. No terceiro capítulo, houve a análise das teorias da revisão contratual no direito brasileiro com destaque às teorias da onerosidade excessiva, teoria da imprevisibilidade e teoria da quebra da base objetiva do contrato. Por fim, buscou-se relacionar a pandemia da Covid-19 e seus efeitos como fato imprevisível e gerador de onerosidade excessiva possibilitador da revisão contratual dos contratos de locação. Após análise de decisões judiciais, concluiu a pesquisa que a atuação do judiciário nas ações revisionais de contrato de locação deve ser feita levando em consideração aspectos principiológicos e analisando as particularidades do caso concreto, assim como os aspectos subjetivos tanto do locatário quanto do locador. Dentre os aspectos subjetivos, destacam-se a averiguação da vulnerabilidade das partes, a comprovação da impossibilidade do pagamento do aluguel, a proteção ao direito de moradia nos casos de locação residencial e o grau de dependência do locador com os valores de aluguel recebidos, apenas dessa forma a decisão judicial poderá atender aos direitos e interesses das partes. Na pesquisa, utilizou-se o método de abordagem dedutivo, e em relação ao procedimento é uma pesquisa bibliográfica, baseada em análise doutrinária e jurisprudencial. Palavras-chave: Contrato de locação. Revisão contratual. Covid-19. ABSTRACT This research is proposed to analyze the comprehension of the Covid-19 pandemic as an unpredictable fact and excessive onerousness generator under the tenancy agreements. The development of this work took place in the analysis of the doctrinal aspects about the contracts in general and it’s principles, standing out the need of the analysis adopting the source dialogue theory, as well as the limitation of the mandatory force of the contracts principle in face of the social function and economic balance principles. In the third paragraph, was made the analysis of the contractual revision theory on the Brazilian law, highlighting the excessive onerousness theory, unpredictability theory and the break objective basis theory. In the end, sought to connect the Covid-19 pandemic and its effects as an unpredictable fact and excessive onerousness generator, what makes possible the contractual revision of the tenancy agreements. After the analysis of the judicial decisions, this research concluded that the operation of the judiciary in the actions of tenancy agreement should be made considering the principle aspects and analysing the particularities of the concrete case, as well as the subjective aspects of the lessee and the locator. Among the subjective aspects, stand out the inquiry of the vulnerability of the parts, the comprovation of the impossibility of rent payment, the protection of the housing right in the cases of residential contracts and the degree of the dependency of the locator to the rent values, only that way the judicial decision can attend the rights and interests of the parts. In this research used up the deductive approach method, in relation to the procedure, it is as bibliographic research, based in doctrinal and jurisprudencial analysis. Keywords: Tenancy agreement. Contractual revision. Covid-19. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AgInt Agravo Interno AREsp Agravo em Recurso Especial Art Artigo CC Código Civil CDC Código de Defesa do Consumidor CJF Conselho de Justiça Federal DL Decreto Legislativo Inc Inciso PL Projeto de Lei REsp Recurso Especial RT Revista dos Tribunais RTJ Revista Trimestral de Jurisprudência STJ Superior Tribunal de Justiça TJDFT Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios TJMG Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJSC Tribunal de Justiça de Santa Catarina TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 15 2 CONTRATOS ...................................................................................................... 17 2.1 NOÇÃO GERAL ................................................................................................... 17 2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRATOS ....................................... 18 2.2.1 Autonomia privada .............................................................................................. 18 2.2.2 Consensualismo .................................................................................................... 20 2.2.3 Forçaobrigatória ................................................................................................. 21 2.2.4 Boa-fé .................................................................................................................... 22 2.2.5 Função social ........................................................................................................ 23 2.2.6 Equilíbrio econômico ........................................................................................... 24 2.3 PRINCÍPIOS CONSUMERISTAS APLICADOS AOS CONTRATOS .............. 25 2.3.1 Vulnerabilidade ................................................................................................... 25 2.3.2 Hipossuficiência ................................................................................................... 26 2.3.3 Diálogo das fontes ................................................................................................ 27 2.4 CONCEITO DE OBRIGAÇÃO NO CONTRATO .............................................. 30 2.5 FORMAS DE EXTINÇÃO DOS CONTRATOS ................................................. 30 2.5.1 Rescisão ................................................................................................................. 32 2.5.2 Resilição/distrato.................................................................................................. 32 2.5.3 Resolução .............................................................................................................. 33 2.5.3.1 Inexecução Voluntária.......................................................................................... 34 2.5.3.2 Inexecução Involuntária....................................................................................... 35 2.5.3.3 Resolução e Revisão por Onerosidade Excessiva............................................... 35 3 REVISÃO/RESOLUÇÃO CONTRATUAL NO DIREITO BRASILEIRO .. 36 3.1 IMPREVISÃO (REBUS SIC STANTIBUS) ........................................................ 38 3.2 ONEROSIDADE EXCESSIVA (ART. 478-480, CC) ......................................... 40 3.2.1 Onerosidade Excessiva no CDC e a Ruína Patrimonial do Devedor .............. 44 3.3 QUEBRA DA BASE OBJETIVA DO CONTRATO ........................................... 45 4 REVISÃO CONTRATUAL NO CONTRATO DE LOCAÇÃO NO CONTEXTO DA PANDEMIA.............................................................................................. 48 4.1 O CONTRATO DE LOCAÇÃO (LEI 8.245/1991) .............................................. 49 4.2 PANDEMIA E A POSSIBILIDADE DE REVISÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO ............................................................................................................................... 50 4.3 JURISPRUDÊNCIA .............................................................................................. 53 5 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 60 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 62 15 1 INTRODUÇÃO A pandemia da Covid-19 trouxe amplo impacto não só às relações políticas e econômicas, como também ao mundo jurídico, mais precisamente do âmbito das obrigações contratuais, sobretudo aos contratos de locação. Justifica-se a necessidade da abordagem do tema do presente trabalho pois os impactos gerados pela pandemia nos contratos de locação se deram de forma repentina, o que ocasionou grande instabilidade e insegurança jurídica. Em 2018, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, constatou-se que 12,9 milhões de domicílios existentes no Brasil eram alugados. Somado a isso, temos que o estabelecimento de medidas sanitárias para controle da disseminação do novo coronavírus, como fechamento de atividades não essenciais e lockdowns também tiveram amplo impacto na atividade dos lojistas, sobretudo aos que são locatários. A consequência disso foi uma avalanche de ajuizamento de ações judiciais visando a revisão dos contratos de locação, sejam eles comerciais ou residenciais. Dado o impacto dos efeitos da pandemia a um número tão elevado de pessoas, necessita-se, portanto que a atividade judicial se dê de forma a contemplar os direitos e interesses tanto do locatário como do locador para garantir a maior justiça e eficácias das decisões judiciais. A problemática do presente trabalho se deu na averiguação da possibilidade ou não da aplicação da revisão contratual nos contratos de locação ante o contexto pandêmico. A análise do nosso ordenamento jurídico, em especial ao Código Civil, permite o enquadramento da pandemia e de seus efeitos como fatores imprevisíveis e geradores de onerosidade excessiva ensejadores para a aplicação da revisão ou resolução dos contratos de locação. Ainda, deve-se atentar aos demais diplomas legais, como o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Locação, para a compreensão necessária de uma visão panorâmica de nosso ordenamento jurídico. Dessa forma, verifica-se que a interpretação da revisão contratual deve levar em consideração aspectos subjetivos da relação contratual, como a vulnerabilidade das partes, o risco de inadimplemento e a necessária averiguação de onerosidade excessiva a qualquer das partes. Busca-se com o presente trabalho a necessidade da compreensão da pandemia como fato imprevisível e gerador de efeitos econômicos nefastos, a consequência disso é de que inúmeros contratos se tornam impossíveis de serem concluídos. 16 Ainda, necessária a averiguação pela ótica dos princípios contratuais presentes em nosso ordenamento jurídico para compreensão do fenômeno discutido, bem como da utilização como base teórica a partir da análise da Teoria Geral dos Contratos e Teorias de Revisão contratual como forma de perquirir soluções que não venham a ferir nenhum direito. Após a análise inicial dos institutos teóricos, buscou-se averiguar a relação com a Covid-19 e seu enquadramento como fato ensejador de revisão contratual. Por último, fez-se necessária a pesquisa jurisprudencial acerca das decisões relacionadas a ações revisionais de contratos de locação a fim de se verificar uma uniformidade dos tribunais, bem como os magistrados vêm entendendo os efeitos da pandemia nos referidos contratos. A metodologia utilizada no presente trabalho em relação ao objeto tratado foi a de pesquisa científica. A área de pesquisa se situa dentro do Direito Civil, mais precisamente no âmbito das Obrigações e do Contrato. Utilizou-se a abordagem da pesquisa qualitativa, tendo em vista que o desenvolvimento do trabalho não se guiou com base em estatísticas, tampouco quantificações. Quanto aos procedimentos, é uma pesquisa bibliográfica, baseada em análise doutrinária e jurisprudencial. Em relação ao método, utilizou-se o método dedutivo, ao partir de uma premissa maior, do geral, para chegar a uma menor, da análise das particularidades de cada caso concreto. A escolha da metodologia se revelou como a melhor forma para a obtenção das respostas atinentes aos objetivos e problemas expostos no decorrer do trabalho, pois a excelência da análise do caso concreto prescinde a análise doutrinária e jurisprudencial prévia. 17 2 CONTRATOS 2.1 NOÇÃO GERAL Segundo o dicionário Priberam1, a palavra “contrato” pode ser definida como “acordo ou convenção para a execução de algo sob determinadas condições”. Contudo, verifica-se que tal definição é rasa, ainda mais no âmbito acadêmico-jurídico. Isso pois, toda definição é dinâmica, dependendo de fatores como o contexto social e tempo em que está inserido. Por isso, se pegarmos a definição de contrato, por exemplo, do século XV e compararmos com o de hoje em dia, teremos conceitos amplamente distintos. Em razão disso, devemos fazer uma análise evolutiva do conceitode contrato. Não é raro termos veiculadas noções de contrato diretamente ligadas com ideias puramente individualistas, emergentes na sociedade europeia em virtude da expansão mercantil da época de expansão do capitalismo (séculos XVIII e XIX). Em razão disso, surgiram os primeiros princípios contratuais, como o da autonomia da vontade das partes, surgindo o contrato com forma de regulação de interesses meramente privados. Porém, com o tempo houve a intensificação da intervenção estatal, que por meio do legislativo passou a estabelecer cláusulas gerais para garantir o equilíbrio contratual entre as partes, por muitas vezes limitando o princípio clássico da liberdade de contratação. Certo é que tais intervenções repercutem na forma de interpretação dos contratos, que cada vez mais se afastou da definição objetiva de “regulação de interesses meramente privados” para uma definição mais funcional, daí surge o princípio da função social do contrato, positivado no art. 421 do Código Civil2. Dado esse apanhado histórico do contrato, vimos que o contrato passou a ter contornos mais funcionais do que meramente objetivos. Ainda, sem maiores preocupações, mas de muita utilidade, Orlando Gomes define contrato como “uma espécie de negócio jurídico cuja formação depende da presença de pelo menos duas partes. É negócio jurídico bilateral ou plurilateral”.3 1CONTRATO, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Lisboa: Priberam Informática, 2008-2021. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/CONTRATO. Acesso em: 15 set. 2021. 2Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. 3 GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 24. 18 Pode-se dizer, portanto, que quando duas ou mais partes desejam estabelecer algum negócio jurídico para estabelecer obrigações entre si, urge a existência de um contrato. A partir da ideia de função social, depreende-se que o contrato não pode servir como instrumento para práticas abusivas ou que onerem demasiadamente alguma parte, sendo esta parte inserida ou não na relação contratual sob pena de ser invalidado. 2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRATOS Dado esse apanhado geral do conceito de contrato, passa-se à explanação acerca dos princípios contratuais. Dentre os princípios contratuais existentes, destacam-se os tradicionais, que são: autonomia privada, consensualismo, força obrigatória. Além dos princípios contratuais tradicionais, destacam-se princípios que tomaram um grau de importância especial no período contemporâneo, são eles o princípio da boa-fé, da função social do contrato e equilíbrio econômico. Como o escopo do presente trabalho não é a explicação minuciosa da teoria geral do contrato, cabe uma breve explicação sobre o instituto e seus aspectos principiológicos. 2.2.1 Autonomia privada O princípio da autonomia privada, um dos princípios basilares não somente do âmbito contratual, é derivado da própria ideia de liberdade econômica provenientes dos sistemas liberais capitalistas. Dado o contexto em que surgiu, derivado da liberdade contratual, poderia ser definido, em um primeiro momento como "o poder concedido ao sujeito para criar a norma individual nos limites deferidos pelo ordenamento jurídico" 4 Ainda, em uma análise mais filosófica sobre o tema, Luigi Ferri destaca que os termos “autonomia privada” e “autonomia da vontade/ autonomia do querer”, apesar de utilizados rotineiramente para fazer referência à liberdade do contratante, não devem ser confundidos5. 4 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: contratos. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 149. 5 FERRI, 1969 apud FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 150 19 A diferença entre as terminologias deriva da construção moderna do conceito de autonomia da vontade, baseada nos princípios morais de Kant, segundo seus ensinamentos se depreende que a autonomia da vontade é “a condição da possibilidade de agir moralmente, o princípio da subjetividade moral, encontra-se na capacidade de determinar-se segundo princípios postos por si mesmo." 6 O conceito embrionário de autonomia da vontade contratual, portanto, era entendido como sendo uma união entre manifestações de vontade e era composto por três pilares: liberdade contratual, pacta sunt servanda e relatividade contratual, que seria a restrição dos efeitos do contrato às partes. 7 No entanto, com o passar do tempo e as transformações, o direito passou a ser visto de uma forma menos sistemática/estrutural e mais funcional. A análise funcionalista busca, por si, explicar a incidência do direito no caso concreto, considerando os aspectos subjetivos da relação jurídica. A partir dessa mudança de escopo, os sistemas jurídicos passaram a ser remodelados no mundo inteiro. Assim, do ponto de vista funcional do contrato, temos que a autonomia privada pode ser traduzida na vontade do sujeito em contratar, somada ao suporte legal, com a finalidade de se ter a realização de interesses dignos de tutela. Consequentemente, o contrato só terá sua função cumprida se atender o interesse de ambas as partes contratantes e desde que tais interesses estejam respaldados pelo ordenamento jurídico. E é daí que derivam conceitos modernos, como o da função social do contrato. Numa abordagem contemporânea do conceito de autonomia privada no âmbito contratual, portanto, devemos considerar não somente como função o interesse privado das partes, mas também, o contrato deverá cumprir com uma função/interesse social. Bem verdade que a autonomia privada não deve se contrapor à função social do contrato, sendo ambos princípios igualmente assegurados pelo nosso ordenamento jurídico. Embora não haja restrição à autonomia privada na Constituição Federal, o princípio constante na Carta Magna da função social garante que, ao mesmo tempo em que as partes satisfação suas obrigações ocorra a defesa de interesses sociais muitas vezes intangíveis a priori. 6 HOFFE, 2005 apud Ibid, p. 150 7 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 151 20 De forma a explicitar todo esse emaranhado de pensamentos, cita-se o Enunciado n. 23 do Conselho de Justiça Federal8: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.” Portanto, a autonomia privada não deve ser conceituada partindo apenas do ponto de vista baseada apenas na liberdade de contratar do indivíduo particular, devendo-se levar em consideração a noção de indivíduo social, isto é, inserido dentro de uma sociedade. 2.2.2 Consensualismo Sendo um princípio tradicional, o consensualismo em um momento anterior poderia ser definido como derivação da autonomia da vontade, somada ao formalismo e simbolismo, características predominantes nas civilizações antigas. Em Roma, por exemplo, o formalismo era presente de forma tão constante nos contratos, que havia dois tipos de rituais para a formalização do contrato. Os contratos reais eram literalmente pesados em uma balança, e os contratos literais só entravam no plano de existência com a redação escrita, denominada litteris. Apenas os contratos consensuais, muito raros, surtiam efeitos jurídicos pelo simples consenso das partes9. Nos dias de hoje, o formalismo foi cada vez mais sendo deixado de lado, principalmente com o advento e popularização da internet, onde são celebrados inúmeros contratos por meio de assinaturas online via aplicativos e softwares de dispositivos móveis e computadores. Porém, o consentimento não garante, por si só, a validade do contrato. Em alguns casos, a validade do contrato se condiciona, além do consenso, no cumprimento de requisitosestabelecidos em lei. Portanto, partindo-se das premissas contratuais contemporâneas, podemos compreender o consensualismo como sendo o consentimento e vontade de contratar das partes. 8 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado n. 23. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/669>. Acesso em: 22 ago. 2021. 9 GOMES, op. cit., p. 37. 21 2.2.3 Força obrigatória Como o nome sugere, o princípio da força obrigatória significa que o contrato gera obrigações entre as partes. Em outras palavras, o contrato deve ser cumprido pelas partes contratantes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos10. Pela ideia clássica, um contrato só poderia ser revisado desde que a revisão seja estipulada novamente por consenso entre os contratantes. Aqui, não caberiam escusas ao cumprimento do contrato, como por exemplo a onerosidade excessiva ou o desequilíbrio gerado entre as partes. Por ser um princípio tradicional, destaca-se sua importância para a época da expansão mercantil, visto que assegurava segurança jurídica aos negócios firmados no âmbito comercial. Desse princípio também decorre a interpretação de que o Poder Judiciário não pode intervir no conteúdo do contrato, apenas se permitido por lei. Pode-se afirmar então que este é um princípio derivado da autonomia da vontade, visto que funciona como uma forma de restrição da atividade do judiciário, que não pode simplesmente modificar cláusulas a seu bel prazer. Porém, como dito anteriormente, esta conceituação é um tanto ultrapassada para o direito contemporâneo. Na atualidade, o princípio da força obrigatória ainda existe, mas sua definição está limitada a outros princípios, devendo ser flexibilizado quando necessário. Isso não importa, de forma alguma, em sua extinção, muito pelo contrário, ele ainda é um princípio muito importante para manter a segurança jurídica em relação aos contratos firmados. No entanto, o direito hodierno admite, em casos especiais, ou seja, na exceção e não na regra, que cláusulas contratuais venham a ser revistas pelo judiciário. Basicamente, se existirem acontecimentos externos e extraordinários ao contrato, que desvirtuem sua própria natureza, implicando numa injusta aplicação dos princípios em seus termos absolutos, não só poderá, como deverá haver a intervenção estatal no contrato. Assim, com essa nova interpretação, muitos casos em que o princípio da força obrigatória era aplicado de forma errônea, gerando onerosidade excessiva a alguma das partes, deu-se lugar ao princípio da revisão contratual. 10 GOMES, 2009. ps. 38-41. 22 Um dos marcos para a mudança de postura na interpretação da força obrigatória dos contratos se deu com o advento da lei francesa publicada no diário oficial em 21 de maio de 1918, chamada de “Lei Failliot”. A referida lei foi aprovada no contexto da Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918) e permitiu que os contratos de entrega de mercadorias de prestação diferida firmados antes do período da Primeira Guerra fossem resolvidos, desde que demonstrado o prejuízo a uma das partes. Era uma lei de guerra, de caráter transitório, mas que introduziu no ordenamento jurídico um suporte normativo que possibilitou a resolução, por qualquer das partes contratantes, de obrigações de fornecimento de mercadorias e alimentos, contraídas antes de 1o de agosto de 1914, bem assim que ostentassem a natureza sucessiva e continuada, ou apenas diferida.11 Assim, podemos considerar o advento da Lei Failliot como o surgimento da ideia da revisão contratual. 2.2.4 Boa-fé O princípio da boa-fé carrega um juízo de valor, nas raízes jusnaturalistas, considerando como ético ou “de boa-fé” aquela ação que se enquadra na lei, ao contrário do ilícito, que deve ser visto com repulsa. A boa-fé é dividida em dois planos, o subjetivo e o objetivo. Pode-se definir a boa-fé subjetiva como “um estado de espírito que leva o sujeito a praticar um negócio em clima de aparente segurança”.12 Já a boa-fé objetiva corresponde a “uma regra de conduta, um modelo de comportamento social, algo, portanto, externo em relação ao sujeito.”13 Tal princípio deve guiar a atuação dos contratantes, que devem prosseguir sempre com lealdade, honestidade e transparência, de forma a cumprir as obrigações contratuais e ao mesmo tempo cumprir com as funções econômicas e sociais do contrato. 11 RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos: Autonomia da vontade e teoria da imprevisão. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 29. 12 AZEVEDO, 2019, p. 35. 13 GOMES, 2009, p. 43. 23 Importante ressaltar que tal princípio não incide somente durante a prestação das obrigações contratuais, como também incide em obrigações pré-contratuais, como por exemplo clareza na proposta, vedação de cláusulas leoninas assim como também gera obrigações pós- contratuais, como por exemplo manter o sigilo de informações e dados dos contratantes. O atual Código Civil expressa o princípio da boa-fé no âmbito contratual: “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” Ainda, o mesmo diploma legal dispõe que a boa-fé deve ser utilizada como ponto de vista para a interpretação de negócios jurídicos “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.”. E não para por aí, a importância da boa-fé no ordenamento jurídico brasileiro tem uma influência não só no âmbito material, mas também no processual. O Código de Processo Civil de 2015 também positivou a ideia de boa-fé objetiva, dispondo em seu artigo 5º que: “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.” Portanto, vimos que a preocupação do legislador em positivar o princípio da boa-fé em nosso ordenamento jurídico é tamanha que fez com que o princípio passasse a tomar proporções de um dever comportamental, constituindo uma cláusula geral dos contratos. 2.2.5 Função social O princípio da função social implica que toda e qualquer relação jurídica deve se guiar pelo sentimento de fraternidade. No âmbito contratual significa que o contrato, além de atingir os objetivos individuais dos contratantes, deve se ater também aos objetivos sociais. Dispõe o Código Civil, em seu artigo 421 que “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.” Assim, pela leitura do próprio Código Civil, depreende-se que no âmbito dos contratos, deixou-se de ter a incidência de ideais radicais liberais, para dar lugar à proteção do hipossuficiente da relação, sempre pautado pelo bem comum e fins sociais. Fica-se, portanto, o questionamento, quais são os fins sociais e bem comum de uma sociedade? De forma a tentar objetivar a resposta, para garantir uma aplicação prática do princípio da função social no âmbito contratual, partilho do pensamento de Antonio Junqueira de 24 Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino, que expressa a majoritária doutrina brasileira, no sentido de que se verificado que o contrato apresente ofensa aos direitos coletivos (meio- ambiente e livre concorrência), ofensa à dignidade da pessoa humana e impossibilidade de obtenção da finalidade proposta pela pactuação do contrato.14 2.2.6 Equilíbrio econômico Falar em equilíbrio no âmbito jurídico sempre nos remete à ideia de justiça. No âmbito contratual, pode ser traduzido como sendo a proporcionalidade entre a prestação e contraprestação. Assim, quando um contrato é firmado, ambas as partes buscam realizar seus interesses. Não há que se falar em contrato justo, se alguma parte não aferir nenhuma vantagem com a contratação. Tal conceito é de extrema utilidade ao juiz intérprete da lei, que ao verificar que uma das partes está sofrendo onerosidade excessiva, poderá intervir nocontrato. Assim, pode se dizer que se trata de um princípio com caráter interpretativo/subjetivo, pois leva em conta o instituto da onerosidade excessiva. Judith-Martins-Costa, pensando na vantagem econômica pecuniária propriamente dita, anota que "não se trata, por óbvio, de um equilíbrio meramente matemático ou estático, como o de corpos em repouso, devendo ser visto na dinamicidade da relação, de seu conteúdo, seus fins e interesses legítimos".15 Sobre o desequilíbrio econômico, preceituo o Código Civil, em seu artigo 157: Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1 o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2 o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito. 14 GOMES, 2009, p. 50 15 MARTINS-COSTA, 2004; apud FARIAS; ROSENVALD, 2017 p. 256. 25 Ou seja, da análise do dispositivo, extrai-se que havendo desequilíbrio no contrato, representado pela lesão e alteração de circunstâncias, o contrato poderá ser resolvido ou revisado. Ainda, sobre incidência do princípio do equilíbrio contratual, ainda no Código Civil, previu o legislador no art. 317 “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”. E desse princípio também derivou a onerosidade excessiva, disposta no art. 478 do CC. É da interpretação dos referidos artigos que podemos ver o limite da flexibilização do princípio da força obrigatória dos contratos. Assim, se verificado o desequilíbrio econômico contratual, estará autorizado o juiz, por expressa previsão legal, a resolver, revisar ou condenar a reparar os danos provenientes da relação contratual. 2.3 PRINCÍPIOS CONSUMERISTAS APLICADOS AOS CONTRATOS A Constituição Federal assegura em seu art. 5º, XXXII que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Pouco tempo após a promulgação da Carta Magna de 88, em 1991 entrou em vigor a Lei nº 8.078, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. Sua importância não reside no fato do CDC trazer novos princípios, mas sim na ideia de que se passe a observar contratos sob o prisma do consumidor, como parte hipossuficiente na relação e merecedor de maior proteção estatal. Assim, cabe aqui destacar duas noções principiológicas que o CDC traz consigo, a ideia da vulnerabilidade e da hipossuficiência. Oportuno ressaltar que apesar de serem amplamente confundidos, tais princípios não são necessariamente interligados. 2.3.1 Vulnerabilidade O princípio da vulnerabilidade é destacado no art. 4º, inc. I do CDC, estando disposto da seguinte forma: 26 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; Ou seja, da leitura do artigo supracitado, depreende-se que segundo o CDC, todo consumidor está em posição vulnerável. Tal característica é considerada inerente ao consumidor, pois quando este está inserido em uma relação consumerista, incidem sobre ele três fatores: o técnico, o econômico e o de natureza jurídica.16 O fator técnico pode ser caracterizado como o fato de que o consumidor, visando satisfazer seus anseios, é obrigado a se submeter às condições impostas pelo mercado.17 Já o fator econômico diz respeito à própria capacidade econômica do fornecedor e do consumidor. Via de regra, o consumidor detém menor capacidade financeira que o fornecedor. Por óbvio, há casos em que determinado consumidor aufira renda maior que o próprio fornecedor, mas numa sociedade capitalista, isso é uma exceção. Por fim, dizer que a natureza jurídica faz com que o consumidor esteja em relação de vulnerabilidade importa que a maioria dos contratos são elaborados de forma unilateral pelos fornecedores, o que reflete no favorecimento deste em relação aos consumidores.18 2.3.2 Hipossuficiência Acerca da hipossuficiência, dispõe o Código de Defesa do Consumidor: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; 16MELO, Nehemias Domingos de. A principiologia do CDC: os princípios norteadores das relações de consumo: vulnerabilidade, boa-fé e equidade. Os princípios norteadores das relações de consumo: vulnerabilidade, boa-fé e equidade. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87774/a-principiologia-do- cdc-os-principios-norteadores-das-relacoes-de-consumo-vulnerabilidade-boa-fe-e-equidade. 17ALMEIDA, 1993 apud Ibid. 18MARQUES, 2002 apud Ibid. 27 Pela leitura do dispositivo, depreende-se que nem sempre o consumidor será considerado com hipossuficiente. Indo mais além, seguindo a leitura do inciso VIII, chegamos à conclusão de que para que o indivíduo seja considerado hipossuficiente, deverá haver um juízo de valor subjetivo. Assim, a hipossuficiência não está relacionada à capacidade financeira do indivíduo, mas sim em relação ao sentimento de “leiguice” e disparidade de conhecimento técnico e de meios de defesa de seus direitos em que este se encontra com a outra parte da relação contratual. Embora esteja presente no CDC, o princípio da hipossuficiência tem enorme impacto e importância em todo o ordenamento jurídico, podendo ser aplicado em diversos âmbitos, desde que verificado o preenchimento de seus requisitos. Por exemplo, é por meio deste princípio que o julgador pode atribuir uma inversão do ônus probatório no âmbito processual. 2.3.3 Diálogo das fontes Como visto nos dois subtópicos acima, o Direito do Consumidor se coloca perante o ordenamento jurídico como um direito que parte de um grande pressuposto nas relações consumeristas: a diferença material entre fornecedor e consumidor, elo mais frágil da relação. Sabe-se também, que os direitos ao consumidor também são assegurados expressamente pela nossa Constituição Federal, pelo art. 5º, XXXII e art. 170, V. Extrai-se da Carta Magna: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (...) Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V - defesa do consumidor; Portanto, antes de se preocupar em oferecer maior proteção jurídica ao consumidor, devemos cuidar do próprio conceito de consumidor. Segundo o CDC: 28 Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Já a redação do Código Civil, por sua vez, não se preocupou expressamentecom as diferenças materiais entre as partes integrantes da relação jurídica. Contudo, mostra-se sempre necessária a leitura sob o prisma de que as leis são compositoras de um mesmo sistema jurídico, onde a prioridade é a dignidade da pessoa humana e o interesse social, não podendo ser interpretadas isoladamente. Uma evidência clara disso é que a própria Lei 8.078/90 inicia, em seu art. 1º, estabelecendo que “Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social...”. Desta forma partindo da ideia de que os mais variados ramos do direito (civil, empresarial, consumerista) se interligam, e que os princípios basilares do ordenamento jurídico, interesse social, dignidade da pessoa humana, e que os princípios da vulnerabilidade e da hipossuficiência visam garantir a própria ordem pública, sendo delas subprincípios, chega-se à conclusão de que a “relação será civil, empresarial ou de consumo conforme a sua função, consoante a característica finalística da relação obrigacional” 19de forma que não só podem, como devem ser utilizados em outras áreas jurídicas de forma a funcionar como verdadeiros garantidores de direitos, o que denomina-se diálogo das fontes. Assim, mesmo se a matéria for puramente cível ou comercial, se verificado que uma das partes é destinatária final da outra em uma relação obrigacional, nos termos do art. 2º do CDC20, poderá ser aplicada as normas consumeristas ao caso. Como destinatário final, concebe-se o adotado pela jurisprudência brasileira com a adoção da teoria finalista/subjetivista, ou seja, aquele que utiliza o serviço/produto para fins de satisfação pessoal. Já a teoria maximalista, além de considerar o destinatário final, também considera como consumidor aquele que estabeleceu a relação jurídica com finalidades de continuidade da atividade econômica. 19 FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 312. 20 Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. 29 Se fosse adotada a pura teoria maximalista, quase todas as relações estariam sujeitas ao CDC, o que feriria o próprio princípio da isonomia – tratamento desigual entre os desiguais – pois todos estariam em pés de igualdade.21 Não se pode, portanto, aplicar a teoria subjetiva/finalista sem se atentar ao fato de que até mesmo esta pode ser mitigada, se verificado que mesmo não sendo destinatário final, o consumidor esteja em relação de vulnerabilidade técnica, jurídica e econômica. Concluindo, a aplicação das normas consumeristas deverá ser aplicada levando-se em conta diversos fatores, não somente o finalista, como também o da vulnerabilidade e pela natureza do próprio contrato. Aliás, a jurisprudência brasileira, acertadamente, vem pacificando cada vez mais o entendimento da aplicação da teoria subjetiva mitiga. Extrai-se da ementa do AgInt no AREsp nº 1.454.58322: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PERDA DE UMA CHANCE. CDC. MITIGAÇÃO DA TEORIA FINALISTA. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. SÚMULA 83 DO STJ. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação do art. 1.022 do CPC/2015. Isso porque, embora rejeitados os embargos de declaração, todas as matérias foram devidamente enfrentadas pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente. 2. O acórdão recorrido não destoa da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que tem mitigado a aplicação da teoria finalista nos casos em que a pessoa física ou jurídica, embora não se enquadre na categoria de destinatário final do produto, se apresenta em estado de vulnerabilidade ou hipossuficiência, autorizando assim a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.Precedentes. 3. As conclusões do acórdão recorrido sobre a vulnerabilidade do contratante, inversão do ônus da prova, a data do termo a quo do prazo prescricional, e inexistência da prescrição, não podem ser revistas por esta Corte Superior, pois demandaria, necessariamente, reexame do conjunto fático - probatório dos autos, o que é vedado em razão do óbice da Súmula 7 do STJ. 4. Agravo interno não provido. (Grifei) Assim, pode-se afirmar que o conceito de proteção do vulnerável é uma cláusula geral não apenas do direito do consumidor, mas de todo o ordenamento jurídico. 21 FARIAS; ROSENVALD, 2017. ps. 315-317. 22 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 1.454.583- PE (2019/0049442-9). Agravante: Banco Santander (Brasil) S.A. Agravado: Diogo Bezerra Leite Cavalcante. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, 24 set. 2019. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=98840051&nu m_registro=201900494429&data=20190902&tipo=91&formato=PDF. Acesso em: 26 ago. 2021. 30 2.4 CONCEITO DE OBRIGAÇÃO NO CONTRATO No âmbito jurídico, o conceito de obrigação pode ser definido como sendo uma relação jurídica de caráter transitório e econômico, pelo meio do qual o devedor se vincula ao credor, sendo, perdoem-me a redundância, obrigado a cumprir tal ato. 23 À obrigação que não foi satisfeita dá-se o nome de inadimplida. Sendo uma parte inadimplente, estará autorizado o seu credor a executar seu patrimônio a fim de ver satisfeito seu interesse. Importando o conceito para o âmbito contratual, tem-se que sempre haverá a figura do credor e devedor, muitas vezes simultaneamente no mesmo contratante. Assim, o contrato sempre garante às partes uma obrigação, seja ela de dar, fazer ou não fazer. O Código Civil ainda dispõe em seu artigo 476 que “nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.” Assim, uma parte não poderá exigir cumprimento de obrigação da outra, se não tiver adimplido com sua própria obrigação. A decorrência das obrigações no âmbito contratual resulta em duas consequências: a) o contrato é formado pelo acordo de vontades dos contratantes b) tal acordo de vontades gera efeitos obrigacionais que repercutirão na esfera patrimonial das partes. 2.5 FORMAS DE EXTINÇÃO DOS CONTRATOS Quando se fala em extinção contratual, entende-se qualquer forma apta a fazer o contrato de obrigações entre as partes desaparecer. Portanto, um contrato executado em sua totalidade estará extinto. Não há uma conotação ligada ao inadimplemento. A execução é o caminho mais comum para a extinção dos contratos, visto que em um ordenamento jurídico guiado pela boa-fé objetiva, obrigações são pactuadas no sentido de serem cumpridas. A extinção do contrato por execução faz com que suas obrigações e seus direitos também se extingam. No entanto, quando se fala em inadimplemento, há diversas maneiras de se extinguir o contrato, e seus efeitos não cessam por aí, visto que se constata que há obrigações a se cumprir. 23AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações: curso de direito civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 11. 31 Álvaro Villaça Azevedo 24 pontua as hipóteses de extinção do contrato: (a) por imperfeição a ele anterior, que causa sua nulidade ou anulabilidade; (b) pela execução, com o cumprimento de todas as obrigações contratuais; (c) pela inexecução culposa, quando ocorre rescisão unilateral ou bilateral; (d) pela inexecução não culposa voluntária, no caso de resilição unilateral e bilateral; ou, finalmente, (e) pela inexecução não culposa involuntária, quando setrata de resolução. Portanto, se a causa da extinção for anterior ou atinente à própria celebração do contrato, hipótese “a”, a consequência será a anulação contratual. Aqui, o vício atinge o próprio plano existencial do contrato. Agora, se a causa for posterior ao pacto contratual, hipóteses “c”, “d” e “e” há que se falar em dissolução.25 Sendo a resolução, resilição e rescisão as suas principais formas, que serão minuciosamente abordadas a seguir. No âmbito do presente trabalho, cabe destacar as hipóteses em que há a inexecução das obrigações contratuais. Álvaro Villaça Azevedo pontua que nos casos de inexecução contratual, é necessário a aferição de culpa, visto que, se verificado que inexiste culpa “a regra é de que voltem as partes contratantes ao estado primitivo, anterior à avença”, enquanto, verificada a existência de culpa “é preciso ressarcir as perdas e danos e cumprir as demais consequências desse inadimplemento. Tudo porque o princípio vigente, em nosso sistema legislativo das obrigações, é o de que, não havendo culpado, o dono deve sofrer as perdas e os prejuízos (res perit domino, a coisa perece para o dono).”26 Importante pontuar que além das hipóteses de extinção contratual relatadas, ainda existem a cláusula resolutiva e exceção do contrato não cumprido, porém, a análise de tais faculdades não se faz necessária para a concretude deste trabalho, motivo pelo qual me furtarei de oferecer maior análise. Já os casos em que não há como se imputar culpa às partes do contrato, tratam-se de hipóteses de resilição ou resolução, diferente do caso de verificação de culpa na inexecução, onde ocorrerá a rescisão. Institutos que serão analisados adiante. 24 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de Direito Civil: teoria geral dos contratos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 133. 25 GOMES, 2009, p. 203. 26 Ibid., p. 134 32 2.5.1 Rescisão Verificado que a inexecução da relação contratual se deu de forma culposa, é hipótese de requerimento de rescisão contratual, que poderá ocorrer de forma unilateral ou bilateral, como prevê o art. 475 do Código Civil: “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.”27 Assim, nos casos da rescisão, resumindo, haverá a culpa, que acarretará na obrigação de ressarcir em perdas e danos. Isso decorre da própria ideia de responsabilidade civil, visto que se presente a culpa no inadimplemento configura os três requisitos para a responsabilização: a) ato ilícito – decorrente da não observância de determinada obrigação contratual, b) dano – aqui se deve compreender toda obrigação contratual como tendo caráter patrimonial e c) nexo causal. 2.5.2 Resilição/distrato A resilição do contrato não está ligada ao próprio inadimplemento das obrigações, mas sim da vontade, ou falta de, dos contratantes em prosseguir com o pactuado. Nas palavras de Orlando Gomes, pode ser definido como a extinção do contrato por simples declaração vontade de uma ou das duas partes contratantes.28 A resilição se dará quando não for possível aferir culpa aos contratantes e poderá ser unilateral ou bilateral, também chamada de distrato dar de forma tanto uni, quanto bilateral. O distrato, por ser de mútuo consentimento, não precisará da intervenção judiciária, salvo se houver vício de vontade ou gerar desequilíbrio entre as partes. Sobre o distrato, dispõe o em seu art. 472 que “ O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato”. Assim, verifica-se a necessidade de forma idêntica entre o distrato e o contrato inicial. Exemplificando, um contrato celebrado por instrumento público deverá ser distratado também por instrumento público, sob pena de invalidade. A lei, porém, não pune a formalidade excessiva do distrato, por exemplo, um contrato verbal poderá ser distratado por meio de documento escrito. 29 27 BRASIL, 2002 28 GOMES, 2009 apud FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 579. 29 FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 581. 33 Cito o Enunciado 584 do CJF: "Desde que não haja forma exigida para a substância do contrato, admite-se que o distrato seja pactuado por forma livre". Já a resilição unilateral, também conhecida como denúncia, estará autorizada por lei ou por cláusula de distrato. Aqui, cumpre destacar o art. 473 do Código Civil. Extrai-se: Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos. O caput do art. 473 deixa a impressão clara de que não só a lei, mas também o contrato pode prever uma cláusula de resilição. Analisando o parágrafo único do artigo supracitado, depreende-se que a depender da natureza do contrato, tendo uma das partes realizado investimento compatíveis com a possibilidade de efetuar o cumprimento de sua obrigação, ficará suspensa a denúncia. Aqui, verificou-se a preocupação do legislador em manter ao máximo a efetiva concretização das obrigações contratuais, sendo a resolução o último passo a ser dado, quando não houver restado maneira de executar tais obrigações. Aliás, ressalta-se que apesar de ser unilateral, o legislador buscou resguardar os direitos do denunciado pautado pelo princípio da boa-fé objetiva e defesa à expectativa de direito. No âmbito dos contratos de locação a denúncia se dará após o prazo de duração do contrato e assim poderá o locatário promover a ação de despejo, nos termos da Lei 8.245/91. 2.5.3 Resolução Já a resolução em strictu sensu é hipótese de extinção contratual derivada da inexecução contratual derivada de fator superveniente. A resolução, quando feita pela parte prejudicada com o inadimplemento é conhecida como rescisão, como anteriormente visto. Porém, pode ser dividida ainda verificado se o inadimplemento se deu voluntária, involuntariamente (impossibilidade superveniente) ou por onerosidade excessiva. Assim, ela pode ocorrer independente da vontade das partes. Podemos observar tal fato, principalmente, no contexto da pandemia, em que muitas vezes há a impossibilidade das partes em cumprirem com suas obrigações. Por tal razão, a resolução terá um espaço de 34 abordagem maior no presente trabalho. Uma das hipóteses em que incidirá a resolução contratual é quando verificada a existência de onerosidade excessiva gerada à alguma das partes contratantes. A resolução se dará por meio de ação judicial e tem por fim a extinção contratual. O Código Civil prevê as situações de resolução contratual nas obrigações de dar coisa certa (art. 234), de fazer (art. 248) e de não fazer (art. 250), extrai-se: Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos. (...) Art. 248. Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver- se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos. (...) Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar.30 Ainda, é faculdade do credor exigir o cumprimento das obrigações do contrato, o pagamento de perdas e danos e a resolução contratual. Chama-se isto de cláusula resolutiva, se expressa em contrato, operará de pleno direito, se não tiver expressa, deverá ser levada a juízo para discussão. Assim, por disposição doCódigo Civil, temos todo contrato bilateral contém uma cláusula resolutiva tácita31. Por prever que a cláusula resolutiva tácita deve ser levada ao judiciário, subentende- se que a resolução do contrato não é um efeito da cláusula tácita, mas sim um efeito da decisão judicial que a decretou. Isso pois, a averiguação da inexecução contratual, averiguação em que deve ser levada em conta o estabelecimento de contraditório. 2.5.3.1 Inexecução Voluntária Na resolução por inexecução voluntária, deverá ser verificado se o inadimplemento ocorreu com a culpa, ilicitude, dano e nexo causal entre o ato e o prejuízo. Os efeitos dessa espécie de resolução também atingirão a terceiros. 30 BRASIL, 2002 31Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos. 35 Caso o contrato seja de execução única, terá efeitos ex tunc, se o contrato for de execução diferida, seu efeito será ex nunc, visto que não há como se restituir obrigações certos tipos de obrigações já adimplidas. Já os terceiros só serão atingidos em relação aos direitos de crédito, os direitos reais não serão atingidos. Ainda, deverá o inadimplente pagar o relativo às perdas e danos, incluem-se aqui os danos emergentes e lucros cessantes, além da própria resolução contratual. 2.5.3.2 Inexecução Involuntária A resolução por inexecução involuntária opera quando o devedor quer cumprir com sua obrigação, mas não pode cumpri-la, por razões alheias a sua vontade. A impossibilidade de seu cumprimento aqui reside nos chamados caso fortuito e coisa maior. Na inexecução involuntária, a impossibilidade de cumprimento obrigacional possui quatro principais características: superveniência, objetiva, total e definitiva.32 Superveniente, pois a causa tem que ser posterior à firmação do contrato. Objetiva, pois independe da vontade do devedor. Total, pois no caso de verificada impossibilidade parcial, poderá o credor exigir o parcial cumprimento. Por fim, definitiva, pois se a impossibilidade for apenas temporária, o contrato poderá ser suspenso. Aqui, diferentemente da inexecução voluntária, a resolução não precisará ser requerida ao juiz para operar efeitos. Isto ocorre em virtude de que a impossibilidade neste caso tem caráter objetivo. Somente será necessária a intervenção do judiciário para eventual pedido de restituição ou recusa de contraprestação. Assim como na resolução voluntária, tem efeitos ex tunc, porém, aqui não haverá perdas e danos. 2.5.3.3 Resolução e Revisão por Onerosidade Excessiva Por fim, o Código Civil traz a possibilidade de resolução contratual por Onerosidade Excessiva. A onerosidade excessiva deverá se dar em decorrência de extraordinário e 32 GOMES, 2009. p. 212. 36 imprevisível. Cabe ressaltar que a onerosidade excessiva como causa de resolução e revisão contratual não importa na inexecução da obrigação, mas sim em extrema dificuldade para seu adimplemento.33 Porém, está se difere da inexecução voluntária, pois aqui a resolução se dará por motivo alheio, embora não haja impossibilidade no cumprimento obrigacional. Ademais, a diferença para outros tipos de resolução se dá no fato de que deve partir do pedido do iminente inadimplente, iminente, pois a inexecução é futura e não involuntária. Assim, deverá a resolução ser decretada antes mesmo da ocorrência do inadimplemento. Em outras palavras, esta modalidade de resolução contratual se difere das demais basicamente por dois motivos: 1) ainda não houve a inexecução do contrato e 2) deverá haver um motivo alheio para a configuração da onerosidade excessiva 3) a onerosidade excessiva não importará na impossibilidade de cumprimento contratual 4) por não importar em inexecução contratual, deverá ser decretada antes do próprio inadimplemento. Cabe ressaltar também, que assim como na inexecução involuntária, não haverá o ressarcimento por perdas e danos. Dada a importância e singularidade dessa espécie, além da diferença para as outras formas de resolução/revisão contratual, a abordagem da onerosidade excessiva não se dará somente do âmbito de hipótese de revisão contratual, mas sim de sua análise teórica como teoria e instituto independente, a qual resguardo o próximo capítulo a fim de ressaltar sua importância em nosso ordenamento jurídico. 3 REVISÃO/RESOLUÇÃO CONTRATUAL NO DIREITO BRASILEIRO A resolução do contrato, além de extinguir as obrigações contratuais, resultará em alguns casos no dever de restituição, nos casos em que um dos contratantes tenha recebido uma prestação sem ter ele próprio prestado a devida contrapartida, nos termos do Código Civil: “Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir” Como visto, tal medida drástica, restituição de valores, pode ser evitada, pelo menos parcialmente, se no lugar da resolução contratual conseguir encaixar uma revisão.34 33 GOMES, 2009. p. 214. 34 TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. Fundamentos do direito civil. Volume 2: Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 225. 37 Porém, o que se quer chamar a atenção é que, sempre que possível, a revisão deve ser privilegiada à resolução contratual. A revisão será nada mais que a busca pelo reequilíbrio contratual anteriormente pactuado. Como veremos a seguir, no direito pátrio, a revisão é pautada pela aplicação de três principais teorias, que são a baseada flexibilização do princípio da força obrigatória dos contratos: a Onerosidade Excessiva, a Imprevisão e a Quebra da Base Objetiva do Contrato. De acordo com tais teorias, não deverá ocorrer a impossibilidade do inadimplemento da obrigação, mas sim a dificuldade de manutenção da relação pactuada. Caso verificado que o cumprimento da obrigação se tornou impossível, não há que se falar em revisão, mas sim em resolução contratual. Por ser medida excepcional, a revisão deverá proceder de uma análise ampla levando- se em consideração: a) análise subjetiva: quanto aos sujeitos da relação contratual, se civis, empresários, se hipossuficientes ou não, b) análise econômica: há risco presumido na contratação? c) existência de fato superveniente35 Ressalta-se, porém que apesar de ser privilegiada, a revisão contratual deverá se dar de forma a atender interesses e direitos de ambas as partes. O próprio Código Civil36, de forma clara, faculta ao réu escolher se deseja a revisão. No mesmo sentido, o Enunciado n. 367 do CJF 37estabelece: “Em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo eqüitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada sua vontade e observado o contraditório.” Assim, se as partes não concordarem com a revisão, deverá o juiz decretar a resolução do contrato. Feita a abordagem inicial acerca da revisão e resolução contratual no direito pátrio, os próximos tópicos para estabelecer as diferenças entre as teorias da Imprevisão, Onerosidade Excessiva e da Quebra da Base Objetiva. 35 FARIAS et al., 2017, p. 613. 36 Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato. 37ENUNCIADO nº 367 do CJF, da IV Jornada de Direito Civil. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/488. Acesso em 06 set. 2021. 38 3.1 IMPREVISÃO (REBUS SIC STANTIBUS) A teoria de imprevisão está presente em nosso ordenamento jurídico como hipótese ensejadora de revisão contratual, dela decorre a cláusula rebus sic stantibus. A cláusula rebus sic stantibus, como também é conhecida, surge na Idade Média, da frase contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro, rebus sicstantibus intelliguntur, traduzindo, tem-se a seguinte redação “Os contratos que têm trato sucessivo e dependência futura devem ser entendidos estando as coisas assim”.38 Assim, entende-se que deve haver um equilíbrio tanto no momento de contratação como no da execução. Caso verificado um desequilíbrio gerado pela alteração da situação inicial entre as partes contratantes, e uma das partes tiver em desvantagem, a cláusula poderá ser aplicada para resolver ou revisar o contrato. A teoria da imprevisão está prevista no Código Civil de 2002: Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. Além disso, a cláusula é considerada tácita a todos os contratos, ou seja, independe de previsão contratual expressa. Pelo fato de ser uma cláusula que está intrinsecamente ligada ao princípio da pacta sunt servanda os tribunais brasileiros sempre tem sido rigorosos quanto á sua efetiva aplicação, restringindo-a a casos em que verificados cumulativamente os requisitos do (1) fato extraordinário/imprevisível, (2) enriquecimento ou prejuízo inesperado para uma das partes e (3) onerosidade excessiva. Cita-se a Apelação Cível n. 1.0687.15.000680-1/001, do TJMG39: 38 AZEVEDO, 2019, p. 43. 39MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 1.0687.15.000680-1/001. Apelante: COMAE COMERCIO DE MADEIRAS ESPECIAIS LTDA-EPP E OUTROS. Apelado: BANCO DO BRASIL S/A. Relator: DESA. EVANGELINA CASTILHO DUARTE. Belo Horizonte, 04 ago. 2016. Disponível em: https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do;jsessionid=B817DDB6872A 968EC62755EE99B1A3A5.juri_node1?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnic o=1.0687.15.000680-1%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar. Acesso em 06 set. 2021. 39 EMENTA: COBRANÇA - ABERTURA DE CRÉDITO - INOVAÇÃO RECURSAL - TEORIA DA IMPREVISÃO - ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. A lide é delimitada pelos argumentos e pedidos formulados na inicial e na contestação, não cabendo às partes inovar em outra oportunidade, sob pena de se ferir os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Ausente a prova da onerosidade excessiva e da impossibilidade de cumprimento da obrigação contratual, não se aplica a teoria da imprevisão. A condenação ao pagamento das despesas do processo tem fundamento no princípio da sucumbência, segundo o qual o vencido deve ressarcir ao vencedor todas as despesas que efetuou para o reconhecimento de seu direito. Ainda, a grande esmagadora da doutrina e jurisprudência nacional defende a inaplicabilidade da teoria em caso de inflação. Orlando Gomes40, por exemplo, sustenta que a inflação em um país como o Brasil já é quase que intrínseca ao contrato, sendo previsível em nossa economia. Somando-se a isso, cito a Apelação Cível n. 1.0559.10.000273-7/001, também do TJMG41: Cobrança - administrativo - licitação - obra de ponte - fatos imprevisíveis e improváveis - aumento do custo em razão de chuvas - ofício encaminhado ao Município - art. 65, da Lei 8.666, de 1993 - equilíbrio financeiro-financeiro - aplicabilidade - dissídio coletivo - inflação - não aplicação da teoria da imprevisão - risco contratual - precedentes do STJ - apelação á qual se dá parcial provimento. 1 - O art. 65, da Lei de Licitações, admite a alteração do contrato administrativo para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro em razão do aumento do custo de obra por fato imprevisível ou improvável. 2 - A jurisprudência dos tribunais já consolidou o entendimento de que o aumento do custo em razão de dissídio coletivo de trabalho, ou de inflação, não enseja a aplicação da teoria da imprevisão para transferir o risco contratual para a Administração Pública. Porém, assim como Álvaro Villaça de Azevedo42, defendo que basta a onerosidade excessiva para a configuração da revisão contratual, não havendo que se falar em 40Transformações gerais do direito das obrigações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 148 apud. AZEVEDO, 2019, p.46. 41MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 1.0559.10.000273-7/001. Apelante: CT & G PROJETOS E CONSTRUÇÕES LTDA. Apelado: MUNICÍPIO RIO PRETO. Relator: DES. MARCELO RODRIGUES. Belo Horizonte, 09 set. 2014. Disponível em: https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLin has=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0559.10.000273-7%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar. Acesso em 06 set. 2021. 42 AZEVEDO, Álvaro Villaça. A codificação civil: o processo brasileiro. In: WALD, Arnoldo (Coord.). Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 21, p. 70 a 97, especialmente p. 92, jul.-set. 2003. https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0559.10.000273-7%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0559.10.000273-7%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar 40 imprevisibilidade. Isso porque o direito não deve nunca proteger o desequilíbrio contratual, tampouco o enriquecimento ilícito, não importando que tal fato seja imprevisível ou não. 3.2 ONEROSIDADE EXCESSIVA (ART. 478-480, CC) A teoria da Onerosidade Excessiva surgiu na Europa, mais precisamente na Itália, dentro do contexto da Primeira Guerra Mundial, onde os contratos passaram a se tornar excessivamente onerosos para algumas partes em decorrência dos efeitos da guerra.43 A onerosidade excessiva, segundo a lei italiana, configurava-se com o desequilíbrio contratual decorrente de fato extraordinário e imprevisível, ainda, o contrato deveria ser de execução prolongada e a prestação ainda não poderia ter sido inadimplida. Guiado pelos princípios contratuais da autonomia privada, boa-fé objetiva, função social do contrato e principalmente o equilíbrio contratual, o Código Civil brasileiro, influenciado pelas matrizes da Onerosidade Excessiva italiana, assim dispõe: Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato. Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva. Como visto no tópico anterior, o caput do art. 478 ao citar “acontecimento extraordinários e imprevisíveis” consagra a teoria da imprevisão. Somado a isso, numa visão sistemática, o diploma também caracteriza a onerosidade excessiva como lesão: Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. 43 CARDOSO, Luiz Phelipe Tavares de Azevedo. A onerosidade excessiva no direito civil brasileiro. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010. 41 § 1 o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2 o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente,ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito. Da leitura dos artigos, denota-se que o CC adotou a mesma base para acepção da onerosidade excessiva, ou seja, que a resolução por onerosidade excessiva ocorre em contratos de execução diferida ou continuada. Isso pois somente nestes tipos contratuais há a diferença de momento entre a firmação do contrato e sua execução. É essa diferença de momentos que permite a alteração das circunstâncias para a configuração da onerosidade excessiva. Como visto anteriormente, uma das hipóteses em que incidirá a resolução contratual é quando verificada a existência de onerosidade excessiva gerada à alguma das partes contratantes. Assim, cabe uma explanação detalhada acerca do instituto da onerosidade excessiva e de seus fundamentos. Bem, nas hipóteses em que o esforço de uma parte do contrato for muito superior ou gravoso ao originalmente estipulado, há a configuração da onerosidade excessiva. Conforme disposto no Código Civil, para averiguação da onerosidade excessiva, é necessária a constatação da desproporcionalidade entre prestação no momento da celebração do contrato e o de sua execução. Ainda, conforme exposto no art. 478 do CC, denota-se que diferentemente do direito italiano, o código brasileiro acrescentou entre os requisitos para a configuração da onerosidade excessiva que “a outra parte deverá incorrer em extrema vantagem para a outra parte”. Porém, tal requisito, ao meu ver, com a utilização do termo “extrema vantagem” deve ser levado como apenas em consideração para eventual averiguação do desequilíbrio contratual, visto que a própria terminologia utilizada pelo legislador – extrema vantagem - importa em análise subjetiva do aplicador da lei. Isso pois na prática a demonstração da “extrema vantagem” é algo por muitas vezes desnecessário para que o desequilíbrio contratual se configure, ora, não faz sentido, perante nosso ordenamento um contrato desequilibrado não ser resguardado pelo direito. Ainda, por muitas vezes uma parte sofre com a onerosidade excessiva, enquanto a outra não disfruta de qualquer vantagem, até, em alguns casos, também é prejudicada. Por exemplo, imagine um serviço de transporte pago previamente, onde a estrada sofre com o deslizamento durante o percurso, o motorista então pega um atalho para evitar a estrada, o que gera mais gastos com 42 combustível. Aqui, ambas as partes tiveram prejuízo, o motorista, que gastou mais do que o planejado e o passageiro, que perdeu seu tempo para chegar no compromisso. Por isso, considero importantíssimo o Enunciado n. 365 do CJF44, que assim dispõe: “A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração das circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena.” Tal Enunciado afasta a necessidade da demonstração da vantagem percebida pela outra parte a fins de revisão/resolução contratual. Importante salientar aqui o pensamento de Álvaro Villaça de Azevedo, no sentido de que o art. 478, ao prever expressamente que a aferição da onerosidade excessiva depende da ocorrência de fatos “extraordinários ou imprevisíveis” fere a própria ideia radical do instituto, visto que é derivado do equilíbrio contratual, ou seja, deve haver fato imprevisível para que ocorra um desequilíbrio contratual? Claro que não, o desequilíbrio contratual está intrinsecamente ligado à onerosidade excessiva e prescinde da Teoria da Imprevisibilidade.45 Além disso, traz a lei ainda o pressuposto da imprevisibilidade, porém, cabe aqui destacar a brilhante elucidação que faz Orlando Gomes 46acerca de tal instituto: Importante notar que fatos genericamente previsíveis podem ser imprevisíveis, quando tomados em sua especificidade e concretude. Em outras palavras, fatos genericamente previsíveis (como guerras ou mesmo a inflação) podem provocar efeitos concretos imprevisíveis. É o que basta para preencher o requisito da imprevisibilidade. Corroborando com tal ideia, pacificada em nosso ordenamento jurídico, tem-se o Enunciado n. 175 do CJF, da III Jornada de Direito Civil: “A menção à imprevisibilidade e à extraordinariedade, insertas no art. 478 do Código Civil, deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em relação às consequências que ele produz.”47 Como dito anteriormente, a lei não somente a resolução, bem como a revisão contratual, vide art. 479 do CC. Importante ressaltar aqui mais uma vez que o Código Civil deve ser interpretado sempre na busca pela conservação dos negócios jurídicos pactuados. 44 ENUNCIADO nº 365 do CJF, da IV Jornada de Direito Civil. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/483. Acesso em 06 set. 2021. 45AZEVEDO, 2019, p. 141. 46 Ibid., p. 215 47ENUNCIADO nº 175 do CJF, da III Jornada de Direito Civil. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/316. Acesso em 02 jul. 2021. 43 Outro exemplo desse princípio reside no art. 31748 do referido diploma, que prevê a correção pelo juiz, desde que requerido, do pagamento de prestações. Guiado pelo entendimento de que o ordenamento jurídico deve preservar a medida do possível as relações contratuais, o Enunciado n. 176 da III Jornada de Direito Civil49 dispôs o seguinte entendimento: “Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.” Ainda, em relação à possibilidade de revisão contratual em casos de Onerosidade Excessiva, o STJ decidiu no julgamento do REsp 977007/GO50: Civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de safra futura de soja. Ocorrência de praga na lavoura, conhecida como 'ferrugem asiática'. Onerosidade excessiva. Pedido formulado no sentido de se obter complementação do preço da saca de soja, de acordo com a cotação do produto em bolsa que se verificou no dia do vencimento dos contratos. Impossibilidade. - A soja é uma 'commodity', ou seja, um bem básico com qualidades uniformes. É natural que tal produto seja comercializado a prazo diferido, pois no ato da contratação, o agricultor é motivado pela expectativa de alta produtividade do setor, o que, em tese, conduz à queda dos preços; e, em contrapartida, ele sabe da possibilidade de alta na cotação do dólar, circunstância que é absolutamente previsível neste ramo e leva à alta do valor da saca. Em suma, trata-se de um contrato cuja finalidade econômica é minimizar o risco de prejuízo das partes, tendo como contrapeso um estreitamento das margens de lucro. - Apesar de tais expectativas de natureza subjetiva, em essência tal contrato é comutativo, nos termos dos precedentes do STJ. A negociação é influenciada pelas leituras que as partes fazem acerca dos riscos futuros, mas as prestações são certas. Assim, o fundamento para a constatação, ainda que em tese, da ocorrência de onerosidade excessiva deve estar fundado na alteração inaceitável da comutatividade e não na quebra das expectativas pré-contratuais meramente subjetivas. As prestações são sempre definidas pelo exercício da autonomia de vontade das partes, de modo que a álea a considerar é aquela baseada nos limites aceitáveis do equilíbrio contratual e não nas valorações de interesses precedentes à contratação. - Não obstante a literalidade do art. 478 do CC/02 - que indica 48 Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. 49ENUNCIADO nº 176 do CJF, da III Jornada de Direito Civil. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/318
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