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CUNHA, Manuela Carneiro da. Parecer sobre os critérios de identidade étnica. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. Antropologia do Brasil: Mito, História, etnicidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1986. O texto fala sobre os critérios pelos quais se decide se uma comunidade é ou não indígena. A autora começa falando sobre os critérios que a antropologia refutou: 1.Durante um tempo pensou-se que a identidade étnica estava ligada à biologia, com isso o “grupo indígena seria, nessa visão, uma comunidade de descendentes “puros” de uma população pré-colombiana” p. 113 Essa visão ainda é percebida no senso comum. Mas esse pensamento foi refutado, já que se não estiver em isolamento geográfico, nenhuma população se reproduz sem miscigenação com os grupos com os quais convive. Trazendo aspectos históricos a autora aponta o exemplo da miscigenação dos indígenas no Brasil, no qual houve em primeiro momento através da aliança de portugueses e indígenas, antes da colonização, e durante este processo a miscigenação ocorreu através de violência e a partir do século XVII os senhores de escravos também estimulavam o casamento entre escravos e indígenas aldeados, na tentativa de escravizá-los. A própria dinâmica de aldeamento reunia grupos indígenas distintos e favorecia a miscigenação entre eles. p. 114 A partir de 1755 também se promove o casamento entre brancos e indígenas. Esta política de miscigenação criada para promover uma população homogênea livre serve como argumento para afirmar que por ter uma população miscigenada, as aldeias de diferentes estados se tornaram extintas. Dantas (1980) acha a atenção que a Lei das Terras incentivou que a identidade indígena dos aldeados fosse posta em dúvida devido a miscigenação devido a cobiça pelas terras. 2.Após a segunda guerra mundial, a ideia de raça foi substituída pelo conceito de cultura. Grupo étnico é considerado o grupo que compartilha valores, formas e expressões culturais, principalmente se tiver uma língua específica. Embora o critério cultural foi encontrado em exemplos empíricos ele tem alguns aspectos problemáticos, como o de considerar a cultura como característica primária, e não o contrário; e o de supor que a cultura do grupo seja ancestral ( exatamente a mesma que a dos seus ancestrais). Os indígenas no Brasil, principalmente dos de contato mais antigo com a população geral, foram induzidos a falar outras línguas, primeiro a língua-geral, propagadas pelos jesuítas, mais tarde o portugues, pelo Diretório dos Índios pombalino (art. 6º), além de outros processos contra as línguas indígenas. Também houve interferências em outras áreas como religião, costumes matrimoniais, organização social, tecnologia, alimentação. A resistência indígena se deu através do apego a alguns traços culturais, “ a seleção de alguns símbolos que garantem, diante das perdas culturais, a continuidade e a singularidade do grupo” p. 116, um exemplo disso é o ritual do ouricuri ou torê, dos indígenas do nordeste. Mesmo que seja observado o processo de realçar determinados traços culturais, foi constatado que é impossível adivinhar quais entre todos os traços culturais serão escolhidos. 3. Em vigência está o critério de considerar que o que define grupos étnicos são a auto identificação dos seus membros e a identificação distinta feita pelos outros, “constituindo uma categoria distinta de outras da mesma ordem'' (BARTH, 1969, p. 11). Dando prioridade a identificação do grupo sobre a cultura que ele exibe, “ os traços culturais poderão variar no tempo e no espaço, como de fato variam, sem que isso afete a identidade do grupo” p. 116. Percebendo a cultura como algo dinâmico e passível de reelaboração, assim a cultura, “em vez de ser o pressuposto de um grupo étnico, é de certa maneira produto deste” p. 116. Essa perspectiva remonta de Weber (1922), no livro Economia e sociedade. No Brasil, Roberto Cardoso de Oliveira e Darcy Ribeiro, alinham-se com a definição de Barth. “Grupos étnicos distinguem-se de outros grupos, por exemplo, de grupos religiosos, na medida em que se entendem a si mesmos e são percebidos pelos outros como contínuos ao longo da história, provindos de uma mesma ascendência e idênticos malgrado separação geográfica. Entendem-se também a si mesmos como portadores de uma cultura e de tradições que os distinguem de outros. Origem e tradição são portanto, o modo como se concebem os grupos” p. 117. Como Barth (1969) aponta, o foco da pesquisa passa a ser as fronteiras sociais do grupo e não mais na cultura. A passagem de indivíduos por tais fronteiras não enfraquece o grupo, estará reforçando as identidades étnicas. “A identidade étnica de um grupo indígena é, portanto, exclusivamente função da auto-identificação e identificação pela sociedade envolvente” (p.118), parte desta pode, dependendo dos seus interesses, negar essa identidade contrastiva.” Todos os grupos étnicos têm mecanismos de adoção ou de exclusão de indivíduos, a aceitação depende da reação do grupo, e supõe sua disposição em seguir seus valores e traços culturais, o que não enfraquece a identidade contrastiva do grupo.