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Cibele Barbalho Assênsio Artigo científico Deficiência Auditiva/Surdez: Fundamentos e Adequações Metodológicas e Curriculares DEFICIÊNCIA AUDITIVA/SURDEZ: Fundamentos e Adequações Metodológicas e Curriculares Cibele Barbalho Assênsio1 RESUMO Este artigo é parte do material intitulado "Deficiência auditiva e surdez: Fundamentos e Adequações Metodológicas e Curriculares”, no qual serão apresentados os aspectos imprescindíveis a essa temática. Começaremos por uma conceituação geral das categorias Deficiência Auditiva e Surdez, abordando aspectos mais básicos relacionados à saúde, mas também a questões identitárias e culturais, bastante importantes para essa temática. Depois, focaremos especificamente nas questões relacionadas à linguagem, bastante implicadas na condição audiológica caracterizada anteriormente. Refletir sobre linguagem e pensamento será o ponto seguinte e, para tanto, passaremos por conceituações formuladas por Vygotsky. Por fim, abordaremos as principais Leis e suas regulamentações, também pensadas na maneira como têm sido e/ou devem ser implementadas na prática: no processo de letramento da criança surda, com suas especificidades e as questões profissionais envolvidas. Palavras-chave: Deficiência Auditiva; Surdez; Currículo, AEE, Bilinguismo, Escola Bilíngue Para Surdos, Letramento INTRODUÇÃO Em quais questões específicas devemos nos atentar em termos de metodologias de ensino, currículo e abordagens mais gerais quando lidamos com a surdez e a deficiência Auditiva? Neste artigo oferecemos alguns caminhos, bem como as informações imprescindíveis para lidar com tal questão. Em primeiro lugar é fundamental compreender algumas conceituações próprias dessa temática e, especialmente, pensar nos aspectos que ganharam maior reconhecimento nos últimos anos. Do ponto de vista do senso comum, pode ser marcante a tomada da surdez e da deficiência auditiva como condição estritamente biológica e que impõe incapacitações aos sujeitos, inclusive do ponto de vista educacional. Então, para desmistificar tal visão, é preciso aprofundar-se às conceituações necessárias e, ao longo do texto, trazer alguns elementos jurídicos (no caso, legislação específica da área) que podem nos ajudar a entender o reconhecimento da surdez e da deficiência auditiva como especificidades, que não são por si incapacitantes, caso atendamos às adequações necessárias. Trata-se de compreender as normas que atualmente regem esse campo de maneira mais geral e, concomitantemente, ter em vista abordagens científicas e humanizadoras que atualmente guiam nosso trato em relação à surdez e a deficiência auditiva, de modo a garantir o respeito às diferenças e fazer as 1* Professora Mestra em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo e autora junto à equipe Tele Sapiens. E-mail: professora.cibele@gmail.com mailto:professora.cibele@gmail.com adequações necessárias, tendo conhecimento de alguns procedimentos metodológicos. 1. CONCEITUAÇÕES E QUESTÕES DE LINGUAGEM Primeiramente, é imprescindível explanar mais detidamente a que se está referindo, de maneira mais objetiva, quando mencionamos os termos “surdez” e “deficiência auditiva”. Conforme Decreto Nº 5.626, De 22 De Dezembro De 2005 “considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais”. Além disso também se considera o aspecto de ordem cultural: “manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras” (BRASIL, 2005). Considera-se, por sua vez, “deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma” nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz” (BRASIL, 2005). Observar, então, que deficiência auditiva e surdez endereça a uma questão audiológica, ou seja, algo que se traduz em condição relacionada ao ouvido e ao seu funcionamento, e também a questões de percepção mais amplas, de especificidade linguística e também cultural. Foram estas algumas das definições oficiais - e de cunho jurídico - reconhecidas no Brasil na primeira década de século XXI, bem como disseminadas mais recentemente. Contudo, para o pano de fundo dessas definições há também conceituações necessárias de serem vistas no campo científico de diferentes áreas e que tiveram diferentes interpretações e formulações no plano de historicidade. Vamos abordar algumas delas e desenvolver os meandros dessas definições para serem melhor entendidas, antes que possamos pensar especificamente em quais adequações implementar diante delas. Diversas maneiras de identificar e classificar a surdez foram desenvolvidas em seus diferentes graus e detalhamentos relativos aos aspectos clínicos e de saúde. Para a temática deste artigo e para efeitos dos conhecimentos bastante difundidos sobre a deficiência auditiva, é bastante significativo apresentar a classificação em graus, aferida comumente através de um instrumento chamado audiograma como mencionado antes. Mais especificamente, os diferentes graus aferidos são convencionados e classificados da seguinte maneira: Como uso mais correntes, também notamos um menor detalhamento de classificação ainda com a divisão conforme critérios médicos/funcionais: surdez leve (de 16 a 40 decibéis), surdez moderada (de 41 a 70 decibéis), surdez severa (de 71 a 90 decibéis) e surdez profunda (acima de 91 decibéis), podendo assim ser uma perda bilateral, parcial ou total, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1000Hz, 2000Hz, 3000Hz.2 delimitando graus e/ou intensidade de perda auditiva. Sendo tais delimitações de vieses clínicos, também nos cabe questionar em que momento elas são identificadas, ou seja, quando se detecta a deficiência auditiva e de quais maneiras isso é feito. Ainda, vale apontar que ações são consideradas adequadas diante dessas possibilidades, se olharmos do ponto de vista das questões clínicas. Lembrando que Deficiente auditivo, se levarmos em conta as classificações 2 Decreto 5626/05. sugeridas por Capovilla e Rafhael (2005) é aquele que adquiriu a deficiência posteriormente, tipicamente severa e moderada. 1.1 Deficiência auditiva: Causas e prevenção Diversas são as causas possíveis relacionadas à deficiência auditiva/surdez, sejam elas desenvolvidas/adquiridas em algum momento da vida ou de nascença. O ouvido é dividido em diferentes partes e as causas da surdez podem estar identificadas no comprometimento e funcionalidade de várias destas. Para um resumo acerca desse ponto, cabe ressaltarmos a divisão em: ouvido médio, ouvido externo e ouvido interno, cada um com estruturas mais específicas que serão nomeadas aqui de acordo com suas implicações pelas causas da surdez. De maneira geral, o diagnóstico médico consegue identificar a causa mais provável da perda auditiva, mas nem sempre isso é possível3. Até alguns anos atrás ainda se admitia que cerca de 50 por cento dos casos, a origem da deficiência auditiva fosse atribuída a ‘causas desconhecidas’ devido às dificuldades de detecção impostas por condições de gestação e doenças maternas. Para referenciais mais atuais também vale destacar o Teste de Emissões Otoacústicas Evocadas, comumente conhecido como “Teste da Orelhinha”, é atualmente um dos mais rotineiros nas práticas clínicas. Realizado em recém- nascidos por um profissional habilitado, que através de um aparelho emissor de som. Em termos de causas da surdez, o mais frequente é que ela se deva a doenças hereditárias, rubéola materna e meningite. Evidente que para efeitos de prevenção da deficiência auditiva, o acompanhamento médico e certas medidas relacionadas à saúde são imprescindíveis. A rubéola, por exemplo, constitui significativamente uma das causas de surdez congênita no Brasil4. A vacinação contra a rubéola, deve ser adotada por todas as mulheres. Ademais causas até mesmo associadasà automedicação podem ser identificadas, a exemplo da ingestão de antibiótico, que podem conter aminoglicosídeo, substância que geralmente prejudica a audição de forma irreversível. (apud CORRÊA, 1999). Dado o diagnóstico da surdez, a partir daí, são diversos os aspectos a serem avaliados. Por exemplo, se a surdez se instalou antes ou depois do nascimento, ou durante o parto; se foi detectada nos primeiros anos de vida, e quando; o grau da perda auditiva é um fator relevante do ponto de vista clínico, tal como descrito anteriormente. Enfim, as situações relativas às causas da surdez bem como as possibilidades de especificações clínicas. Para efeito da temática aqui desenvolvida, mais do que se voltar a essas questões clínicas do trato como ouvido, é central considerar as relações entre a surdez e deficiência auditiva e linguagem, ou seja: uma vez detectada a surdez/deficiência auditiva, o que podemos esperar em termos dos seus efeitos para a aquisição de linguagem? 3 CARVALHO, J. M.; REDONDO, M. C. F. Deficiência Auditiva. Brasília: MEC. Secretaria de Educação a Distância, 2000. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/deficienciaauditiva.pdf. Acesso em: 05 jul. 2020. http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/deficienciaauditiva.pdf 1.2 As teorias acerca das relações entre linguagem e pensamento Vygotsky (1896-1934), em 1934, pontuava que o treino de fala para surdos produzia uma fala mecânica, o que claramente sugere uma crítica às práticas da época oralista. Ele argumentou sobre a atenção tem se concentrado inteiramente na produção de letras em particular, e na sua articulação distinta. Nesse caso, “os professores de surdos-mudos não distinguem, por trás dessas técnicas de pronúncia, a linguagem falada, e o resultado é a produção de uma fala morta” (VYGOTSKY, 1998a, p. 139). Sabe-se que a linguagem é um traço que diferencia os seres humanos dos demais animais e outros seres vivos. Do ponto de vista do senso comum, utilizar da fala oral e da audição ainda é, por vezes, considerado o aspecto imprescindível para a comunicação humana em termos de língua. Acredita-se geralmente que essa é a forma privilegiada de se comunicar pensamentos, mito que já foi derrubado à medida que as línguas de sinais passaram a ser reconhecidas. Posto isso, então, no caso da deficiência auditiva e da surdez, como compreender as relações entre linguagem e pensamento? Como proceder para garantir um adequado desenvolvimento? Estas são questões imprescindíveis quando se trata de compreender a surdez e a deficiência auditiva, o que envolve necessariamente considerar os desdobramentos relacionados ao diagnóstico e as concepções nele envolvidas. Em primeiro lugar, é fundamental elucidar preconceitos que historicamente se colocaram como prejudiciais para a aquisição de linguagem de maneira ideal no âmbito da surdez e da deficiência auditiva. A norma da fala e o mito da leitura da palavra historicamente legitimaram práticas chamadas oralistas entre estudantes surdos (WITKOSKI, 2009). Além disso, a leitura labial foi comumente apontada como a possibilidade de o surdo “compensar” o sentido da audição para ter acesso às informações via palavras faladas [oralmente] (WITKOSKI, 2009, p.568). Por trás dessas práticas reside a suposição de que linguagem estaria vinculada à acústica (apud WRIGLEY, 1996, p.11), o que não é verdade. Enquanto por vezes a preocupação foi “compensar” de alguma maneira a audição, considerada uma falta, na realidade trazer para o primeiro plano de análise a questão das relações entre linguagem é pensamento deve ser a preocupação fundamental, para que com as adequações necessárias, as crianças possam de fato se desenvolver. Sobre as relações entre linguagem e pensamento, alguns estudiosos elaboraram teorias bastante úteis, as quais têm sido consideradas relevantes também para a proposição de adequações curriculares e metodológicas aqui discutidas. Enquanto no caso de Piaget o enfoque está sob a questão do egocentrismo de seu pensamento (BRITES e CASSIA, 2012), ou seja, centrando-se na sua ação, para o teórico Vygotsky a interação social constitui função primordial da fala (seja ela oral ou através das línguas de sinais, no nosso caso). O mais importante de se depreender é que pensamento e fala não seriam funções isoladas já que para comunicar-se o ser humano cria e utiliza os sistemas de linguagem. No caso, para Vygotsky, é a necessidade de comunicar que impulsiona o seu desenvolvimento (BRITES e CASSIA, 2012, p.179). Mas se as relações entre pensamento e linguagem são tão constitutivas das formas de comunicação, cabe examinar a situação específica de pessoas que nascem em um contexto onde dificilmente terão acesso a certas formas de linguagem ao seu redor. Mais especificamente, trata-se de compreender os problemas relacionados ao desenvolvimento de uma língua, no caso de crianças surdas. Sem dúvida, o fato de não ouvir, em um mundo que privilegia a audição, pode caracterizar um possível impasse para esse desenvolvimento. Vamos a seguir caracterizar esse impasse e apresentar as soluções - que, são possíveis e plausíveis - de se resolver. Sabe-se que mais de 90% das crianças surdas nascem em famílias ouvintes (LANE, 1992). É inegável que, com a falta de conscientização que ainda temos acerca do tema, esse fato tem consequências importantes para os processos de aquisição de linguagem. Pelo fato de não ouvirem, as crianças surdas não apreendem a modalidade oral-auditiva de modo que comecem a falar oralmente como outras crianças. Sacks (1998), pontua que “75% da leitura labial seria uma espécie de adivinhação inspirada ou conclusão por hipótese, dependendo do uso de pistas encontradas no contexto”. É inegável que isto implicaria uma precariedade na aquisição da linguagem. Dado isto, entre famílias ouvintes com filhos surdos ainda são bem comuns certas dúvidas: qual deve ser a língua primeira dessas crianças? A língua oral deve ser ensinada a esses filhos? Como poderia a primeira língua da criança surda ser oral quando ela se comunica pouco ou nada através do canal auditivo? Quais implicações tudo isso poderia ter para o desenvolvimento da criança? Comumente, constitui-se uma barreira linguística entre crianças surdas e seus familiares, o que pode prejudicar o desenvolvimento das primeiras, bem como das relações familiares. Se é no significado da palavra que pensamento e fala se unem (autor), o processo de socialização envolvendo a comunicação (ou a falta dela) em relação à internalização sobre os significados das palavras também pode comprometer o aprendizado das crianças. E é o que muitas vezes acontece. Conforme argumenta Botelho (2015), não dispor de nenhuma língua compromete processos de abstração e generalização. De acordo com Aquino (2005), pode-se afirmar que essas observações vygotskianas acerca da prerrogativa sociointeracionista para o desenvolvimento adequado de linguagem não são, por si só, suficientes para uma proposta acabada sobre o que deve ser a educação de surdos (AQUINO, 2005), mas as conceituações do teórico mencionado indicam um grande avanço sobre as concepções acerca das maneiras de manifestar a linguagem. Considerando que, no significado da palavra que o pensamento e a fala se unem (VYGOTSKI, 2009), a comunicação da maneira mais adequada por meio de interações com outras pessoas se faz extremamente necessária. Nesse sentido, a presença de pares sinalizantes pode ser um fator essencial um bom desenvolvimento. Uma família pode se adaptar à realidade das crianças surdas e/ou com deficiência auditiva, mas alguns exemplos demonstram que tais crianças por vezes entram em período escolar sem terem desenvolvido adequada linguagem e comunicação plena em alguma língua, seja ela modalidade oral-auditiva (no caso brasileiro, língua portuguesa) ou seja ela modalidade viso-manual (no caso, da Língua Brasileira de Sinais - Libras). Para conhecer as adequações curricularese metodológicas necessárias em relação à deficiência auditiva e a surdez também é necessário saber das dificuldades já conformadas no âmbito da família. Entretanto, conforme argumentam pesquisadores da área da surdez, devido ao peso do saber biomédico, famílias tendem a, (quando possuem condição para tal), adotar procedimentos corretivos que busquem aproveitar os resíduos auditivos para o desenvolvimento da linguagem oral. Intervenções clínicas e outros recursos que por vezes podem não ser suficientes para o acesso à linguagem oral. São comuns as práticas da oralização desenvolvidas com treinamento fonoaudiológico e também a prática da leitura labial, que, apesar de ser uma possibilidade não garante a aquisição de uma língua materna. A questão está muito mais ligada aos possíveis preconceitos em relação à deficiência auditiva e a surdez do que às supostas impossibilidades de os sujeitos diagnosticados terem um bom desenvolvimento em termos de linguagem. Para o desfazer de pré-julgamentos, é importante lembrar, como argumenta Diniz (2003) que nem sempre o resultado positivo é o menos desejado. Atualmente, são conhecidos diversos casos de famílias compostas por mães e pais e familiares surdos que esperam que seus filhos nasçam surdos. Assim, no caso de famílias compostas por surdos a chegada de um membro ouvinte é o que gera quebra de expectativa. A autora menciona um caso descrito por Lane (1997), no qual uma mulher grávida, participante de um programa de televisão afirma: “eu gostaria que minha filha fosse como eu, que ela fosse surda”. Carlos Skliar, em suas pesquisas acerca da vivência de alunos surdos e seus ambientes pedagógicos observou a insuficiência da leitura labial. A atribuição em termos de uma incapacidade em termos de linguagem não seria causa, mas efeito sobre a atribuição de incapacidade sobretudo ao deficiente auditivo profundo tal como ele se refere - aquele aluno cujo resíduo auditivo é mais difícil de ser aproveitado e por isso é excluído e julgado como incapaz de aprendizado, o que geral um círculo vicioso de interpretação como destinado ao “fracasso”. Prova disso foi sua demonstração de que crianças surdas que por terem familiares surdos já haviam adquirido adequadamente uma língua materna, obtinham melhor desempenho escolar. Por terem, desde cedo, adquirido adequadamente linguagem. Enfim, tratando especificamente das relações entre pensamento e linguagem o teórico Vygotsky é frequentemente lembrado pelo seu pioneirismo ao propor , pois além de ter criticado o treino de repetição na alfabetização, por este operar apenas como um meio de decorar palavras, o autor propôs também dissociar letra e som como meio de iniciar o aprendizado da leitura e da escrita. Considerando que, para ele “a escrita é uma função linguística distinta, que difere da fala oral tanto na estrutura como no funcionamento” (1991, p. 85). O central é depreender daqui que as relações com o ambiente, seja com os outros seres ou relações a partir da ação das próprias crianças, são impactantes sobre a aquisição de linguagem, algo a ser olhado de maneira cuidadosa. Focando no ponto de vista sociointeracionista de Vygotsky é notável a necessidade de estímulos adequados, metodologias que realmente contemplem a diferença que está em jogo para a aquisição da linguagem; e do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento, dentre outros aspectos, é possível notar a extrema necessidade de respeitar as etapas de desenvolvimento com adequações necessárias, para garantir um pleno desenvolvimento em termos de linguagem. Quando lidamos com um tema que infelizmente ainda tem considerável desconhecimento - a surdez e a deficiência auditiva. 1.3 Conceituações relativas à comunicação em língua de sinais Reconhecida a importância de pares de comunicação adequados para que haja um desenvolvimento de linguagem entre crianças diagnosticadas com deficiência auditiva/surdez, é importante observar a língua de sinais como uma possibilidade para isto, bem como suas implicações em termos de especificidades linguísticas e culturais. Há um repertório de concepções acerca da surdez que deve ser considerado nas adequações metodológicas e curriculares em questão. Historicamente, considera-se que a publicação do norte-americano William Stokoe, Sign Language Structure: An Outline of the Visual Communication Systems of the American Deaf (1960) foi considerada um marco na direção do reconhecimento do uso das línguas de sinais, pois as colocou em outro patamar, reorientando o peso das línguas dessa modalidade na educação de surdos. Durante a década de 1950, quando se falava sobre o que era ou não, a linguística buscava distinguir o que era ou não língua de sinais. A descrição linguística da American Sign Language (ASL) abriu novos horizontes para seu reconhecimento e tomada como forma de expressão legítima (LODI, 2004). Dando continuidade a esse projeto contra hegemônico em favor do reconhecimento das línguas de sinais da surdez como uma especificidade linguística e cultural, Carol Padden (1989, p.76) trouxe a esse repertório a definição de cultura como “um conjunto de comportamentos aprendidos de uma grupo de pessoas que possuem sua própria língua, valores, regras de comportamento e tradições”. No esforço de valorizar aspectos históricos relativos a coletividades que já na época partilhavam de significados e interações pautadas pelo uso da comunicação de sinais, a linguista surda (PADDENS, 1989).Cultura, bem como comunidade surda são termos que procuram expressar manifestações que reconhecem a surdez dentro que Skliar denominou como modelo socioantropológico, em contraposição ao chamado modelo médico patológico da surdez. Nesse mesmo sentido, a respeito da insistência no uso da comunicação gestual-visual mesmo com proibições ou desincentivos nos espaços escolares, foi fundamental conforme Skliar (1987) ressaltou, o papel exemplar das associações de surdos como os territórios livres para o fortalecimento das línguas de sinais. O mesmo autor defendeu tanto a necessidade de desmedicalização da surdez como a adoção daquilo que realmente pode ser a língua materna para o pleno desenvolvimento da criança - no caso, a língua de sinais. A crítica no sentido de apontar os impactos dos preconceitos e da hegemonia do saber médico inclusive no interior da escola, na visão de Skliar, passa por, algo que ele denomina ouvintismo, isto é, conjunto de práticas e discursos que obrigam os surdos a se veem como ouvintes, não respeitando sua maneira de se comunicar e, historicamente, exercendo uma forma de opressão (SKLIAR, 1997). Junto com outros termos deste derivado, ouvintização, por sua vez, foi considerada uma forma particular e específica de colonização dos ouvintes sobre os surdos, à medida que supõe representações práticas de significação, dispositivos pedagógicos etc. em que os surdos são vistos como sujeitos inferiores” (WITKOSKI, 2009). Enfim, em relação aos preconceitos que historicamente se colocaram como prejudiciais para a aquisição de linguagem de maneira ideal no âmbito da surdez e da deficiência auditiva, contextualizar os discursos e suas implicações práticas é um caminho significativo. Examinar a situação específica de pessoas que nascem em um contexto onde dificilmente terão acesso a certas formas de linguagem ao seu redor possibilita compreender a barreira linguística que pode existir entre crianças surdas e seus familiares, e como desdobramento e continuamente também a sociedade. Ao considerar que no significado da palavra pensamento e fala se unem torna- se ainda mais importante fomentar o processo de socialização envolvendo a comunicação (ou a falta dela) em relação à internalização sobre os significados das palavras pois como dito não dispor de nenhuma língua compromete processos de abstração e generalização. Decorrente disso é possível elucidar que a atribuição em termos de uma incapacidade em termos de linguagem é efeitosobre a atribuição de incapacidade sobretudo ao deficiente auditivo profundo tal como ele se refere cujo círculo vicioso de interpretação como parece destiná-lo ao “fracasso”. Enquanto crianças surdas que por terem familiares surdos adquirem adequadamente uma língua materna, podem obter melhor desempenho escolar. Por terem, desde cedo, adquirido adequadamente linguagem. Então conforme argumentou-se, as relações com o ambiente, seja com os outros seres ou relações a partir da ação das próprias crianças, são impactantes para a aquisição de linguagem, algo a ser cuidadosamente observado. Várias décadas de século XX se passaram para que segundo (SKLIAR, 1997b, 1998), a surdez pudesse ser legitimada como uma especificidade linguística e cultural, para além de uma diferenciação reduzida ao plano biológico meramente. Além das concepções que especificamente passaram a considerar a deficiência auditiva para além da diferença situada no ouvido, um aspecto de especificidade linguística e cultural, também uma legislação específica, com os direitos pautados nelas foram necessários para mudanças metodológicas e curriculares, contempladas nas adequações que se consideram necessárias atualmente. 2. DIREITOS HUMANOS, A LEGISLAÇÃO E DOCUMENTOS Conforme levantamento de dados realizado pelo recenseamento da população, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2010, acima de 45 milhões de brasileiros possuíam algum tipo de deficiência, de diferentes tipos e em diferentes graus. Destes, 9.717.318 de habitante possuem deficiência auditiva. Ainda, desse conjunto, 2.143.173 possuíam deficiência auditiva severa. Observar a deficiência como uma questão de direitos humanos tornou-se algo cada vez mais relevante ao longo das últimas décadas, com destaque para as décadas subsequentes à publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1945) pela Organização das Nações Unidas (ONU). No escopo dessa visão surgiram as modificações curriculares que atualmente pautam o ensino e devem pautar as políticas públicas de maneira geral. Antes de descrever a legislação mais recente e os aspectos curriculares pautados por elas, cabe resumir paradigmas que nortearam os currículos relacionados a pessoas com deficiência de maneira mais geral. 2.1 Paradigmas relativos à deficiência Aranha (2001), de maneira bastante didática, divide em três paradigmas as relações da sociedade com as pessoas com deficiência, cada um predominante em diferentes épocas. Considerando do paradigma mais antigo ao mais atual descreve: o Paradigma da Institucionalização; o Paradigma dos Serviços; o Paradigma do Suporte O paradigma da Institucionalização foi caracterizado pela presença de instituições para tratamento e educação, que por vezes se tornaram instituições asilares e de custódia, ambientes segregados, denominados Instituições Totais (ARANHA, 2001, p.8) A esse respeito, há depoimentos de bastante impacto feito por pessoas com deficiência, a exemplo da carta de Hunt mencionada por Diniz (2007) na qual ele relata ao jornal The Guardian, que “as pessoas com lesões físicas severas encontram-se isoladas em instituições sem as menores condições” Assim, a primeira proposição nacional oficial se deu pela divulgação do material, publicado em 1979, denominado Proposta curricular para deficientes auditivos. Foi, de fato, comum a retirada das pessoas com deficiência de seus lugares de origem e a manutenção delas em ou escolas especiais ou instituições residenciais segregadas bastante criticadas a partir de determinado momento histórico. Tal paradigma foi considerado por vezes como devedor de um modelo segregacionista, prejudicial à autonomia de indivíduos. Conforme Aranha (2001, p. 12), o segundo paradigma seria então o Paradigma de Serviços, caracterizado pelo que foi denominado normalização, “ideologia que supunha obter uma existência tão próxima ao considerado dentro de padrões e condições de vida cotidiana próxima às normas e padrões da sociedade”. Aranha (2001) argumenta que na realidade países do mundo ocidental vivenciaram crescentemente um processo de desinstitucionalização. Caracterizou-se assim, um esforço pela autossuficiência individual ao lado da luta pela defesa dos direitos humanos e civis das pessoas com deficiência, que utilizou-se das “brechas” criadas pelas contradições do sistema sócio-político-econômico vigente (o qual defendia a diminuição das responsabilidades sociais do Estado e buscava diminuir o ônus populacional) para avançar na direção de sua integração na sociedade (idem) Fortaleceram-se Casas de Passagem e Centros de Vida Independente; no âmbito da educação, as escolas especiais e as classes especiais, mais claramente voltadas para o ensino do aluno (ARANHA, 2001). Cabe-nos perguntar, se, em contraposição do modelo anterior esse modelo seria capaz de sustentar as melhores adequações. Avaliando de maneira mais geral, Aranha propõe ser a deficiência uma condição social caracterizada pela limitação ou impedimento da participação da pessoa diferente nas diferentes instâncias do debate de ideias e de tomada de decisões na sociedade. Essa análise é condizente com as considerações de autores defensores dos direitos humanos das pessoas com deficiência. É central que situar há diferença não dado apenas biológico contido no corpo, mas advinda de uma relação com o meio, situando-o de certa forma fora ou para além do corpo em si, mas sem negar as possibilidades e necessidades de cuidados, já que de uma forma ou de outra esstes são demandas de quaisquer seres humanos. Assim, o terceiro paradigma denominado Paradigma de Suporte. Este tem se caracterizado pelo pressuposto de que a pessoa com deficiência tem direito à convivência não segregada. Reivindica o acesso aos recursos disponíveis aos demais cidadãos. A proposta seria favorecer o que se passou a denominar inclusão social, “processo de ajuste mútuo, onde cabe à pessoa com deficiência manifestar-se com relação a seus desejos e necessidades e à sociedade”, assim como “a implementação dos ajustes e providências necessárias que a ela possibilitem o acesso e a convivência no espaço comum, não segregado”. Na visão de Aranha (2001), a grande diferença de significação entre os termos integração e inclusão reside no fato de que enquanto que no primeiro se procura investir no “aprontamento” do sujeito para a vida na comunidade, no outro, além de se investir no processo de desenvolvimento do indivíduo, busca-se a criação imediata de condições que garantam o acesso e a participação da pessoa na vida comunitária. Os termos integração e inclusão são bastante relevantes para fins de compreender as adequações metodológicas relacionadas à deficiência auditiva e a surdez. Isso porque, no uso mais corrente, considera-se que integração estaria relacionado à inserção de alunos com deficiência auditiva de modo a que ele tivesse que se adaptar às condições do meio, estudando entre estudantes ouvintes (termo reservado àqueles que ouvem). Enquanto inclusão pressuporia adequações nas escolas, na sala de aula e em quaisquer dos meios em questão, dos quais às pessoas com deficiência poderiam e deveriam fazer parte. Há ainda que se considerar algumas controvérsias no interior da própria concepção de inclusão, já que para alguns especialistas a verdadeira maneira de incluir os surdos usuários de línguas de sinais na sociedade seria garantir escolas bilíngues onde apenas estudantes surdos pudessem estar presentes. No terceiro capítulo discutiremos um pouco mais detidamente. Nesta seção, trataremos especificamente da questão dos direitos, relacionados à integração e inclusão no caso da deficiência auditiva e surdez de maneira mais geral 2.2 Integração e inclusão no âmbito da deficiência auditiva e da surdez Ao analisar as proposições de ensino na educação de alunos surdos no Brasil a partir das publicações do MEC de 1979, 1997, 2002, Aquino (2005) destaca o debate sobre asconcepções de linguagem, bem como a afirmação da necessidade de uma língua para que ocorra o processo de aprendizagem. Se por certo viés os paradigmas no caso da deficiência em geral são marcantes, no caso específico da deficiência auditiva/surdez a questão da comunicação torna-se eixo central de debate. De certa maneira, a institucionalização caracterizada por Aranha (2001) se fez presentes, nas suas devidas proporções no contexto da deficiência auditiva. A proposta/orientação curricular do MEC de 1979 menciona classes especiais e escolas especiais, algo verificável à realidade da época. em termos de adequação metodológica. Também esteve presente de maneira marcante, o chamado método oral puro, pedagogos colocavam em segundo plano a aprendizagem das disciplinas escolares, confundindo a atividade de preparação para aquisição da fala com atividades de cunho pedagógico, descaracterizando uma instituição educativa e transformando-a em clínica (SOARES, 2005). Tais Caracterizações devem ser compreendidas por educadores como um contraexemplo em relação ao que é o ideal enquanto adequação metodológica hoje, ou seja, nas bases atuais são ações que não se deve empreender. Aquino (2005) faz uma síntese de documentos relevantes para a presente análise. Se por um lado na época analisada pela autora a institucionalização é marcante, a mesma autora observa que até a década de 1980, no Brasil, repercute- se no Brasil uma a tendência mundial do atendimento educacional separado com vias a integração, por conta das diferenças linguísticas e do aspecto predominante da reabilitação auditiva e oral. Importante observar que, conforme destaca Lana Junior (2010) acerca da História do Movimento Político de Pessoas com Deficiência, é na década mencionada que se fortalecem mobilizações o processo de consolidação de direitos desse segmento no processo político de democratização do Brasil, algo também descrito por Brito (2013) em relação especificamente ao contexto da surdez. Abordando a síntese de documentos relevantes (AQUINO, 2005), a perspectiva integracionista se faz presente na: a) Constituição da República Federativa do Brasil (1988); b) Convenção sobre os Direitos da Criança (1989); c) Política nacional para integração da pessoa portadora de deficiência (1989). Com base nessas informações, é possível observar que até a década de 1980 ainda se fazia presente a perspectiva da integração no escopo das normatizações acerca das adequações curriculares organizadas no Estado brasileiro. Contudo, é marcante no contexto internacional da década de 1990 uma modificação de orientação cujo marco se traduz no documento denominado Declaração de Salamanca. 2.3 A Declaração de Salamanca A Declaração de Salamanca foi um documento norteador que definiu como prioridade, em continuidade com as políticas relativas aos direitos das pessoas com deficiência, que estes sujeitos pudessem ser educados em igual condição em relação ao restante da população, o que de modo geral implicou na inclusão de alunos com deficiência no denominado “ensino regular”. Assim, o paradigma da inclusão é notável nesse documento e nas resoluções subsequentes a ele. Conforme descreve Aquino “verifica- se a perspectiva da inclusão social com outros dispositivos que regem a Educação”, como: • Declaração de Salamanca, sobre Princípios, Políticas e Práticas em Educação Especial (1994), que resultou de uma Conferência Mundial Sobre Necessidades Educativas Especiais, confirmando a necessidade da ação educativa para todos, de forma a atender toda diversidade; • Política Nacional de Educação Especial (1994); • Plano Decenal de Educação para Todos (1994). A Declaração de Salamanca definiu como prioridade, em continuidade com as políticas relativas aos direitos das pessoas com deficiência, que estes sujeitos pudessem ser educados em igual condição em relação ao restante da população, o que de modo geral implicou na inclusão de alunos com deficiência no denominado “ensino regular”. Essa resolução de caráter internacional impactou progressivamente as orientações acerca do currículo e metodologias implementadas no âmbito do Estado brasileiro. Progressivamente notou-se o fortalecimento do lema da inclusão, que na proposição da “educação para todos”, também regulamentou o direito de estudantes com deficiência estudarem em quaisquer escolas ao lado de outros estudantes. Acerca desse tema, cabe-nos perguntar como na prática essa resolução teria seu funcionado concretizado no Brasil. No terceiro capítulo vamos abordar mais detidamente aspectos práticos. Contudo, vale apresentar algumas definições acerca das políticas pública que pouco a pouco foram implementadas, as quais é possível dizer que ainda estão em curso, se considerarmos a realidade prática. Uma nomenclatura importante para o entendimento das adequações metodológicas e curriculares cada vez mais visibilizada a partir desse momento é o AEE. Profissionais que atuam na área da deficiência, em diferentes frentes, com certeza comumente se deparam com essa sigla. Mas qual sua definição? Sigla de uso corrente, o chamado Atendimento Educacional Especializado (AEE) tornou-se realidade na política pública relativa à educação de pessoas com deficiência nas últimas décadas. Foi e ainda tem sido alvo de controvérsias no campo da educação relacionada a pessoas surdas ou como podemos chamar nesse contexto! ”estudantes surdos”. Entre o período referente ao Plano Nacional de Educação do ano de 2001 e os momentos mais recentes, consolidaram-se outras resoluções relativas às necessidades especiais educacionais de surdos, da qual faz parte também a política dos AEEs. ´Mais especificamente, é a Resolução de 2009 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB 04/2009), que “institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado [AEE] na Educação Básica (BRASIL, 2009, p.1)5” Cabe aqui descrevê-la mais detidamente para entender as adequações relacionadas à deficiência auditiva e à surdez. De maneira geral, o AEE se traduz em uma política específica, própria do que historicamente se consolidou como educação especial - modalidade de ensino que perpassa todos os níveis e etapas bem como, possivelmente todas as modalidades da educação básica e superior, apesar de estudantes com deficiência muitas vezes terem sido excluídos dessa última etapa - na qual recursos próprios dessa modalidade devem ser oferecidos a fim de dar subsídios no contexto de inclusão educacional. De maneira semelhante às proposições do Paradigma do Suporte, em tese, o AEE possibilitaria a inclusão de estudantes com deficiência no ensino regular, sem, contudo, deixá-los sem suas necessidades, demandadas e reconhecidas amplamente há várias décadas. Entre as ferramentas do AEE destaca-se aquelas disponibilizadas no que comumente é denominada sala de recurso ou mais especificamente Sala de Recursos Multifuncionais. Nesse ambiente escolar são disponibilizados todos os recursos necessários aos estudantes com deficiência, identifica-se quais são as necessidades de cada estudante e conta-se com profissionais especializados para o ensino e suporte em tal função. Nessa seção, vamos nos atentar especificamente a possíveis recursos e profissionais designados para o atendimento relacionado à surdez e à deficiência auditiva. Entre os recursos considerados necessários no Atendimento Educacional Especializado estão: Língua Portuguesa para alunos com surdez, Tecnologia Assistiva: Comunicação Alternativa, Informática Acessível, Materiais Pedagógicos Adaptados, Interpretação em LIBRAS Instrutor de LIBRAS, entre outros. Dos profissionais que trabalham especificamente no chamado AEE Libras, devem ser disponibilizados aqueles que possuem conhecimento/estão; qualificados em: LIBRAS; Língua Portuguesa na modalidade escrita, como segunda língua de pessoas com surdez; Atividades de vida autônoma; Tecnologia 5 Resolução nº 4,de 2 de outubro de 2009, disponível em http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf Assistiva; Desenvolvimento de processos mentais; Adequação e produção de materiais didáticos e pedagógicos e outros (MEC, 2008). Cabe ressaltar que tais profissionais também estão incumbidos das funções de orientação as famílias e professores quanto ao recurso utilizado pelo aluno Orienta, ensino do uso e aplicação dos recursos em questão, suporte para o uso de materiais e equipamentos aos alunos, pais e professores nas turmas do ensino regular. Também devem-se atentar à formação continuada, necessária para todos os profissionais envolvidos com o, considerando também professores do ensino comum, o que possibilitaria o entendimento das diferenças e para a comunidade escolar em geral. São diversas e desafiadoras as proposições e as orientações para garantir um Atendimento Educacional Especializado, também porque a própria inclusão educacional é um imenso desafio. Apesar de as resoluções acima se referirem prioritariamente a regulamentações existentes desde a década de 1990, ainda pode se considerar um imenso desafio a promoção da inclusão, seja ela por meio do AEE ou de outra maneira. É necessário sobre esse ponto destacar que no universo específico da educação de estudantes surdos, o Atendimento Educacional Especializado é muitas vezes criticado, tanto por não se concretizar em suas proposições formais como pela própria essência da proposta, já que para muitos profissionais da área da surdez a sala de recursos multifuncionais não é suficiente para a aquisição de linguagem, cujo processo é complexo especialmente entre estudantes surdos cujos familiares são ouvintes. A seguir, trataremos especificamente da questão da educação bilíngue no âmbito dessas adequações metodológicas e curriculares que se desenham nos últimos anos. 2.4. Bilinguismo e as resoluções sobre inclusão educacional Retomando as Resoluções previstas pela Declaração de Salamanca é bastante oportuno discutirmos a questão especificamente do bilinguismo e como ele pode se concretizar - suas possibilidade e dificuldades - dentro da proposição do que se denominou proposta de Inclusão Educacional. Tomada como especificidade linguística a surdez deve ser contemplada pela proposição da inclusão educacional delineada nessa Declaração enquanto valorização da Importância da linguagem de signos como meio de comunicação entre os surdos, por exemplo (UNESCO, 1994). Acompanhando as proposições do que já no início do século XXI no Brasil traduziu-se no reconhecimento jurídico da Libras a mesma Declaração dá continuidade ao tema afirmando que aquela “deveria ser reconhecida e sua provisão deveria ser feita no sentido de garantir que todas as pessoas surdas tenham acesso à educação em sua língua nacional de signos ”fundamentando-a na “necessidades particulares de comunicação dos surdos e das pessoas surdas/cegas” A questão que comumente se coloca, mais do que os reconhecimento da relevância das línguas de sinais, reside na maneira como essa inclusão poderia ser operacionalizada. Se, por um lado, esse trecho da Declaração é condizente com propostas de educação bilíngue para surdos, sobre as quais trataremos mais detidamente no terceiro capítulo. Outro trecho prevê que como prioridade, em continuidade com as políticas relativas aos direitos das pessoas com deficiência, estes sujeitos pudessem ser educados em igual condição em relação ao restante da população, o que de modo geral implicou na inclusão de alunos com deficiência no denominado “ensino regular”, ou seja, a concepção de educação bilíngue estaria embutida também em políticas mais ou menos condizentes com modelos como o AEE - possível interpretação e que foi colocada como alternativa nas políticas educacional do território brasileiro. Diante dessas considerações, é plausível questionar que possíveis problemas poderiam ser colocados em contraposição a essas interpretações e resoluções que parecem dar peso às posteriores políticas em torno do AEE. Ao analisar a Declaração de Salamanca e Documentos da área publicados no Brasil até o ano de 2005, Aquino observa que parece ter “sido esquecido o que (a própria Declaração) estabelece em seu artigo 2”: Políticas educacionais deveriam levar em total consideração as diferenças e situações individuais. (...) A mais recente das reformas educacionais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), no 9394/96, reserva uma discussão sobre a Educação Especial, mas parece não levar em consideração o desenvolvimento linguístico da pessoa surda, tal como apontado pela Declaração de Salamanca. A LDB apresenta, como principal característica, a flexibilidade com uma amplitude tal que torna difícil a sua operacionalização por conta da abertura para diferentes interpretações possíveis. Ao se referir aos “educandos com necessidades especiais”, se faz mais abrangente ainda, pois todos os que realmente têm alguma deficiência pertencem a esse grupo, o problema é o uso de silogismo que surge ao se trabalhar com esses termos. Desponta, nesse período, o movimento de educação inclusiva, designação pela qual se entende o deslocamento do foco da criança para o meio social, a escola que, de alguma maneira, não atendeu à especificidade de grupos diferentes. Pertencente a essa categoria está todo grupo que, até então, fora excluído do acesso educacional por aspectos orgânicos, linguísticos, culturais ou econômicos. Portanto, não só deficientes, mas, também, imigrantes, meninos de ruas, delinquentes etc. (AQUINO, 2005, p. 91) Enfim, análises que procuram ater-se a operacionalização da inclusão educacional de estudantes surdos estabelecem uma crítica ao que se desenhou como o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos nos moldes do que foi denominada “escola inclusiva”. Dentre estas, caracterizam-se as resoluções do PNE, no qual desenharam-se objetivos e metas para a educação que vão desde a disposição de infraestrutura, incentivo à realização de pesquisas, desenvolvimento de programas educacionais até parcerias com áreas da saúde e assistência sociais e formação continuada de professores. A problemática situa-se na delimitação: das necessidades e em que moldes serão atendidas. Nesse sentido, a Lei de Libras (2002) deu peso argumentativo às críticas de especialistas favoráveis às denominadas escolas bilíngues para surdos, ao oficializar a Língua Brasileira de Sinais como língua nacional, conferindo o status de especificidade linguística das pessoas. É possível dizer que o desenho de adequações metodológicas e curriculares relacionados à deficiência auditiva e a surdez está em curso. Enxergá-las como um processo e enquanto profissional da área, buscar constante aperfeiçoamento e atualizações é algo extremamente necessário. Sobre esse ponto, ao analisar documentos de décadas passadas, Aquino observou que agentes interpretam e implementam as orientações metodológicas e curriculares que recebem; mais do que uma mera absorção, que não se dá de forma passiva (AQUINO, 2005). Em um esforço de transpor tal consideração para contextos mais atuais, poderia se afirmar que com condições de garantir um suporte e implementação de práticas educacionais condizentes com as necessidades de estudantes surdos, para além de pensar estritamente em termos de problemas, limitações, tal como ainda recorrentes, educadores podem fomentar o papel da escola como “um espaço de, promoção do ensino de habilidades necessárias para o desenvolvimento do aluno faz uma seleção da cultura e desta propõe experiências aos mesmos. Em Momento passado presenciou-se equívocos advindos da necessidade de homogeneização, desdobrando-se em não aceitação da diferença, ao enfatizar o contrário disso, a Declaração de Salamanca e as Resoluções que propuseram adequações posteriormente, abriram espaço para uma educação mais igualitária.Após debates entre especialistas, representantes da sociedade civil, entre outros atores sociais que nas últimas décadas compuseram o cenário de elaboração de políticas educacionais no estado brasileiro, no PNE mais recente o bilinguismo passou a ser reconhecido nos seguintes termos: [...] garantir a oferta de educação bilíngue, em Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS como primeira língua e na modalidade escrita da Língua Portuguesa como segunda língua, aos (às) alunos (as) surdos e com deficiência auditiva de 0 (zero) a 17 (dezessete) anos, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas, nos termos do art. 22 do Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005, e dos arts. 24 e 30 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como a adoção do Sistema Braille de leitura para cegos e surdos-cegos. (BRASIL, 2014, s/p) Tal resolução foi fruto da Conferência Nacional de Educação, realizada no ano de 2014, com a participação de representantes da sociedade civil, entre eles ativistas surdos, familiares de crianças surdos, entre outros. Antes da realização da Conae 2013/2014, que definiria o Plano Nacional de Educação até o ano de 2020, também já havia sido aprovado o texto base (Lei do PNE) para os dez anos seguintes (2014 – 2024) no qual contém o excerto acima. Na perspectiva favorável ao bilinguismo para surdos (QUADROS, 2007), argumenta que a educação de surdos deve possuir moldes similares à educação de outras populações imersas em duas línguas. Além disso, dado que a esmagadora maioria dos surdos nasce em famílias ouvintes, o contato com a língua de sinais deveria acontecer principalmente nas escolas, daí a necessidade da oferta de escolas bilíngues, nas quais a língua de sinais é a primeira língua (L1) dos surdos e a língua portuguesa é a segunda língua (L2) dos surdos. Propõe-se então que a língua portuguesa seja ofertada como L2 em sua modalidade escrita. Enfim, a observação da deficiência como uma questão de direitos humanos tornou-se algo cada vez mais relevante ao longo das últimas décadas, com destaque para as décadas subsequentes à publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1945), que trouxe modificações bastante complexas no âmbito da deficiência auditiva e da surdez. Surgiram as modificações curriculares que atualmente pautam o ensino e devem pautar as políticas públicas de maneira geral, que podem ser olhados à luz de paradigmas que nortearam os currículos relacionados a pessoas com deficiência de maneira mais geral. A divisão em três paradigmas das relações da sociedade com as pessoas com deficiência ajuda na compreensão do todo. Cada um foi predominante em diferentes épocas. Considerando o paradigma mais antigo ao mais atual, Aranha (2001) os aponta como sendo: o Paradigma da Institucionalização, o Paradigma dos Serviços e o Paradigma do Suporte. Na década de 1980 a mudança de paradigma atingiu também a surdez e a deficiência auditiva. O surgimento do AEE, como dito, apontou para a perspectiva do lema da inclusão, debate complexo no caso analisado. A problemática situa-se na delimitação exatamente de que necessidades e em que moldes estes serão atendidas. Nesse sentido, a Lei de Libras (2002) deu argumentos às críticas de especialistas favoráveis às denominadas escolas bilíngues para surdos. Evidente que, o desenho de adequações metodológicas e curriculares relacionados à deficiência auditiva e a surdez ainda está em curso. Daí a necessidade de enxergá-las como um processo e enquanto profissional da área, buscar constante aperfeiçoamento e atualizações é algo extremamente necessário. Mais do que uma mera absorção, as Resoluções que se consolidam nos Documentos não se dão de forma passiva, visto que os. agentes também interpretam e implementam as orientações metodológicas e curriculares que recebem. Na questão da operacionalização propriamente, ou seja, na prática haverá AEE ou escola bilíngue. O que será exatamente oferecido para cada necessidade, denominada no ambiente das escolas em termos de adequações metodológicas e curriculares. Antes de concluir, é fundamental ressaltar que as Resoluções e adequações relativas aos Documentos e debates apresentados devem, nas suas interpretações, levar em conta as realidades locais. Em alguns níveis e especificações o Poder público dos estados é responsável por promover as adequações necessárias. Nesse sentido, é possível exemplificar o documento Currículo da Rede Estadual Paranaense e iniciativas em outras localidades do Brasil, tais como a regulamentação de uma Rede municipal de Escolas Bilíngues para Surdos na cidade de São Paulo. No próximo capítulo trataremos mais das relações entre adequações curriculares e metodológicas e a práticas da educação de estudantes surdos e com deficiência auditiva. 3. NA PRÁTICA: ESCOLAS, ADEQUAÇÕES E METODOLOGIAS Para entender na prática quais adequações metodológicas e curriculares são necessárias em contexto da deficiência auditiva e da surdez é importante fazer um exercício de imaginar como seria nosso aprendizado caso simplesmente não tivéssemos aprendido a nos comunicar na língua utilizada para o ensino. E caso tivessem sido utilizados majoritariamente meios de comunicação que não fossem acessíveis para nós. Como estudar, socializar assimilar e construir conteúdo, responder perguntas e levantar questionamentos nesse caso? Por onde começar a lidar com esses dilemas? Se para crianças ouvintes em contexto brasileiro tudo isso pode parecer mais ou menos intuitivo ou algo de flui “naturalmente”, o mesmo não acontece no caso de crianças surdas. A comunicação mais cotidiana pode ser problemática, mas também a grafia da língua portuguesa pode ser menos familiar do que parece à primeira vista. Pessoas que ouvem desde muito cedo vivenciam a língua portuguesa através da oralidade e da audição, enquanto pessoas surdas utilizam predominantemente outros canais para aquisição de linguagem. Neste capítulo serão discutidos esses problemas a partir das observações já realizadas acerca da realidade de estudantes com deficiência auditiva e/ou surdos. Além disso, serão apresentados alguns caminhos possíveis, recomendados por especialistas e em muitos casos já experimentados com sucesso no ambiente de salas de aula. 3.2 Letramento, deficiência auditiva e surdez Conforme Botelho (2015), não dispor de nenhuma língua compromete processos de abstração e generalização, centrais nos processos de letramento. A qualidade do letramento, depende das oportunidades, das vivências e acúmulos ao longo das trajetórias das crianças, mesmo antes de ingressarem nas escolas, do modo como famílias e sociedade de modo mais amplo oportunizam aquisição de linguagem. Antes de adentrar a discussão específica relacionada ao bilinguismo e ao letramento de crianças surdas, usuárias de línguas de sinais (Libras, no nosso caso nacional) é importante destacar que a problemática do letramento é plausível para crianças com deficiência auditiva, mas que por terem se adaptado a algum tipo de tecnologia assistiva, terem realizado a cirurgia de implante coclear e terem obtido desenvolvimento de linguagem ao, participarem ativamente de acompanhamento fonoaudiológico, elas são caracterizadas do mesmo modo por impedimentos relacionados à comunicação, ao qual é necessário compreendermos e nos adequarmos. Para ambos os casos vale lembrar, além de todas as conceituações próprias ao modelo social da deficiência, também é necessário compreender que há ou pode haver presença de barreiras atitudinaisl: nossas atitudes diante das possibilidades de comunicação com as crianças, no sentido de nos desvencilharmos dos preconceitos e atentarmos às necessidades dos estudantes e desse modo fazermos a diferença. Por exemplo:, falar de frente para os estudantes que fazem leitura labial, formular planejamentos pedagógicos adequados a essas crianças e outras atitudes relacionadas à eliminação de barreiras comunicacionaissão elementos imprescindíveis. Então, por um lado, a educação por meio da língua portuguesa pode se dar através de caminhos diferentes, dependendo das vivências anteriores, dos graus de perda auditiva, das escolhas feitas anteriormente pelo estudante e por sua família em idade mais prematura e de uma caracterização cuidadosa das especificidades no interior do amplo espectro que compõe a deficiência auditiva e a surdez. Nesse sentido Capovilla e Raphael (2005) fazem uma distinção de maneira bastante didática entre surdez pré lingual e surdez pós lingual, ou seja, respectivamente a surdez adquirida em uma fase posterior à aquisição de linguagem e a surdez adquirida ou congênita, anterior à aquisição de linguagem É sabido por meio de inúmeros estudos que, para diversos casos de deficiência auditiva (usando a classificação maneira mais geral conforme Decreto 5626/05 já especificado) a aquisição da linguagem se dará de maneira mais adequada através da língua de sinais. É nesse sentido que cabe retomar o texto que oficializa tal língua no território brasileiro - Lei Federal 10436/02: Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual- motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil6 Para o processo de letramento é importante entender o contexto mais geral e que levemos a sério as especificidades que caracterizam os estudantes alvo das adequações curriculares e metodológicas. Conforme especificado pela Lei de Libras, ela deve ser entendida o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria e não um mero instrumento. A legislação descreve ainda que se trata de um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil, o que dá a ela o caráter de uma comunicação partilhada entre diversos sujeitos e não uma mera questão de adaptação. O processo de letramento de crianças surdas - assumindo essas categorias como referente às que têm melhores possibilidades de aquisição de linguagem por meio da língua de sinais -pode ser complexo. Pois, como dito anteriormente, ao nascerem em famílias que não se comunicam fluentemente em Libras, essas crianças correm sério risco de chegarem à escola sem terem aprendido língua alguma ou apenas terem adquirido linguagem de maneira precária. Com o propósito de lidar com essa realidade, Botelho (2005) discute de cuidadosamente as dificuldades e possibilidades relacionadas ao ensino, de modo condizente com o que tem acontecido nos últimos anos. Postos os desafios, cabe-nos também buscar estudar e concretizar alternativas para oportunizar de fato a educação em termos de oferta da educação bilíngue. 3.3 Considerações sobre a oferta de educação bilíngue em diferentes contextos Seja em contexto de AEE ou propriamente em uma escola de educação bilíngue para surdos, sobre a qual falaremos mais adiante, uma consideração importante, por assim dizer “regra de ouro” é o empenho na proficiência da língua de sinais. Sobre esse ponto , Botelho (2015) explicita com criticidade o que chama de validação do genérico: quando professores (ou mesmo família), no imenso esforço de fazer valer a máxima do “tudo pode ser usado”, proporcionam, no máximo, aproximações de sentido – “se eu tiver que me jogar no chão para que o surdo entenda, vou me jogar no chão” (professora de surdos Botelho, 2015 apud SÁ, 1999, p. 114). Não se trata de “fazer de tudo”, mas de 6 Lei Federal nº10436/02. principalmente fomentar a existência de uma língua partilhada, algo que é responsabilidade dos profissionais e também das instituições, do Estado e da sociedade como um todo. Especialmente no caso de estudantes que não tem acesso à comunicação oral auditiva, o uso simultâneo das duas línguas, pode reforçar uma relação hierárquica a priori que coloca a língua da modalidade oral-auditiva acima da língua de modalidade gestual-visual. Nesse caso, em vez de eliminar barreira acaba-se por reproduzir preconceitos. Pode-se argumentar ainda que a variedade de repertório seja empreendida como um esforço em promover programas individualizados para satisfazer as diferentes necessidades, habilidades e interesses do surdo, permitindo que ele mesmo “escolha” qual comunicação usar, mas devemos considerar, por outro lado, que há um estigma historicamente consolidado, tende a colocar a língua de sinais em posição de subalternidade. Tensões, históricas e conflitos entre as línguas, rechaço e violência linguística alimentada pela difícil aceitação da diferença no contexto de uso da língua de sinais como recurso pedagógico (AQUINO, 2005, p. 78) são elementos a se considerar na necessidade de enfrentá-los enquanto se fazem as adequações. Nesse sentido, Botelho (2005) se posiciona críticamente em relação ao Bimodalismo, argumentando sobre a impossibilidade de utilizar simultaneamente as duas línguas, justamente por razões linguísticas. Há uma diferença abissal entre dizer “eu venho trabalhando como professora de surdos há muitos anos” em Libras e o chamado Português sinalizado (bimodalismo), o que poderia limitar as potencialidades linguísticas da língua de sinais e o ensino- aprendizagem de crianças surdas. Conforme também argumenta Goldfeld (2002), o cérebro não possui capacidade para processar duas línguas simultaneamente. Por outro lado, observar a riqueza da língua de sinais utilizada entre surdos e aprendê-la pode ajudar na conscientização desse fato. Ainda que adotemos outras perspectivas pedagógicas, conforme argumenta Capovila e Rafhael (2005), estratégias como esta podem propiciar o estacionamento na etapa logográfica ou ideovisual (fase padrão de leitura específica, na qual a criança faz reconhecimento visual direto de certas propriedades gerais da palavra escrita com base no contexto, na forma e na cor) se considerada uma abordagem da aquisição ontogenética de leitura e escrita (apud CAPOVILLA e RAFHAEL, 2005). Evidente que diferentes teóricos oferecem caminhos diversificados para o favorecimento do letramento de crianças surdas. Contudo, independente da maneira como a criança adquiriu linguagem em seu lar ou em outros espaços, oportunizar uma comunicação plena é uma importante tarefa relacionada às adequações metodológicas e curriculares. 3.4 O AEE e as possibilidades de comunicação e aprendizado Este debate feito na seção anterior nos leva a outra consideração, válida para estudantes com deficiência auditiva em geral, e foi feita na crítica em relação a Filosofias de Comunicação Total e Oralismo, quando estudantes poderiam perder horas repetindo palavras. Desde a crítica feita Por Vygotsky a esse tipo de prática para aquisição de linguagem já se sabia que repetir palavras, apenas ler lábios e copiar palavras escritas não significaria um desenvolvimento real em termos de aprendizado e aquisição de linguagem, considerando que no significado da palavra que o pensamento e a fala se unem. O mais importante é, compreender que nenhum aprendizado é possível se não houver uma via de mão dupla garantida na comunicação. Para retomar um pouco do que é o AEE na prática, vale relembrar alguns pontos previstos nas suas definições formais. Conforme Lei Federal 10845/04 o AEE é em sua concepção um Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado “às Pessoas Portadoras de Deficiência” (BRASIL, 2004). Ou nos termos mais recentes e detalhados “um serviço da Educação Especial que identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas”(BRASIL, 2008), articulada com a proposta comum e preferencialmente em período inverso da frequência de aulas. Com o propósito de garantir a universalização de Atendimento Especializado, já nas denominadas Escolas Especiais, por vezes filantrópicas historicamente já aconteceu de diferentes maneiras, foi definido direcionamento de recursos para que tais estudantes, em escolares regulares, pudessem ser atendidos em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua ‘integração’ nas escolas comuns do ensino regular” conforme art. 59, parág. 2o da LDBEN (BRASIL, 2008). Ou seja, ele é visto, segundo esse texto, como uma complementação ao atendimento feito regularmente em sala de aula. Contudo, cabe perguntar: em uma sala de aula comum, como aconteceria a comunicação? Abordando especificamente da supressão da barreira linguística que caracteriza a surdez (diagnóstico das chamadas pessoas surdas) no contexto de uma escola onde a comunicação acontece via oral-auditiva e com tarefas em língua portuguesa na modalidade escrita, a presença do intérprete de Libras se faz absolutamente necessária. No caso, mais do que uma simples tarefa de interpretação trata-se de interlocutores que mais do que traduzirem o conteúdo devem favorecer o aprendizado construindo junto com os alunos cada um dos conceitos a serem aprendidos. Em algumas escolas da rede privada é comum que isso ocorra com mais frequência em nível de Fundamental II e Ensino Médio, quando se supõe um prévio aprendizado e aquisição de linguagem por parte dos alunos. Contudo, cabe observar a realidade de cada um dos Estados e Municípios em suas políticas educacionais específicas. Importante destacar que enquanto educadores, a fronteira entre língua portuguesa e língua de sinais deve estar bem delimitada. O bimodalismo não substitui de maneira nenhuma o intérprete e não pode ser considerada um bom recurso para ser usado durante o ensino constante na sala de aula, para evitar que a diversidade lexical e sintática da língua de sinais, comparativamente à língua oral, dê margem a afirmações sobre a inadequação de sua estrutura linguística e legitimado supostos acréscimos e consertos (BOTELHO, 2002), embaralhando o que na verdade são duas línguas diferentes. Mais adiante especificaremos as questões relativas propriamente a escrita, que, no caso, é a Segunda Língua (L2) das pessoas surdas. Na próxima seção, aprofundaremos as questões do letramento em relação ao bilinguismo e às escolas bilíngues para surdos. 3.5 Bilinguismo e Escolas Bilíngues para Surdos São denominadas Escolas bilíngues para surdos no nosso contexto aquelas cujo conteúdo é todo ensinado por meio da língua de sinais, com professores proficientes, surdos ou ouvintes. Importante observar que conforme legislação brasileira (BRASIL, 2005) nesses ambientes, por exemplo em situação de concurso público ou seleção de modo geral, é dada a preferência para surdos, que com a experiência de instrutores poderão compartilhar da língua nativa com as crianças e também ser um referencial para socialização e aprendizado, conforme observa Skliar (1997). Considerando o axioma contido na afirmação de que a língua materna, a língua natural, constitui a forma ideal para ensinar uma criança. (UNESCO, 1954, apud SKLIAR, 1989), é uma questão de ordem psicológica que a criança tenha o direito de ser educada na sua língua materna. Nesse aspecto uma questão recorrente é: como pode a língua de sinais ser considerada língua materna dos surdos quando na maior parte das vezes seus familiares são ouvintes e não conhecem ou não fazem uso da língua de sinais? A resposta nesse caso reside no plano da funcionalidade audiológica. Nas palavras de Sanchez, (1999, p. 44) trata-se do direito [deles] serem surdos, não podendo em nenhum caso alfabetizar-se como o fazem os ouvintes, ou seja, sem conhecer as letras por seus sons. Nesse mesmo sentido, o intuito de estar em uma escola bilíngue para surdos desde a Educação Infantil seria o de garantir as melhores possibilidades para realmente desenvolver uma língua compartilhada. Algumas experiências atuais na realidade brasileira podem nos ajudar a refletir sobre essa possibilidade. No Município de São Paulo, por exemplo desde o ano de 2011 foram regulamentadas Escolas Municipais de Educação Bilíngue para Surdos - EMEBS na Rede Municipal de Ensino, por meio do Decreto Municipal nº 52.785, de 10 de novembro de 2011. Não podemos deixar de mencionar, como exemplo mais abrangente o Instituto Nacional de Educação de Surdos, por ser ele historicamente considerado referência no Ensino da área. Ambas as descrições se referem a locais que já foram tidos como Escolas Especiais a atualmente são denominadas instituições bilíngues. Mas, na prática, como se dá o ensino nessas instituições? Explicitando de maneira resumida, a respeito do currículo escolar, tem-se disciplinas semelhantes à de escolas regulares. Como dito, todas ministradas em Libras. Além disto, a língua portuguesa, como uma das disciplinas e ainda considerada como Segunda Língua (L2). A escrita pode ser utilizada em todas as outras disciplinas, contudo, é fundamental que não seja considerada língua materna (devido às questões já descritas) e também que se torne acessível através tanto do ensino e prática da modalidade escrita na disciplina específica dela, quanto por meio da comunicação em língua de sinais que transmitirá os devidos conteúdos. Essa explanação refere-se sobretudo a realidades de Ensino Médio e Ensino Fundamental. É necessário lembrar que no caso do Ensino Infantil e mesmo dos primeiros anos de Fundamental também a questão do letramento em seu aspecto relacionado à alfabetização deve ser adequada e implementada a partir do conhecimento pedagógico específico da área. Na próxima seção, a fim de abarcar algumas questões típicas do letramento na sua relação com a escrita, vamos explicitar algumas das maneiras relativas à alfabetização. 3.6 Surdez e a escrita da língua portuguesa Compreender o ato de escrita como não dependente da oralidade é um primeiro passo para o trabalho com estudantes surdos, uma estratégia importante na visão mais alinhada a Vygotsky. Escolher as melhores estratégias é fundamental para encontrar os possíveis caminhos no ensino-aprendizagem da escrita e letramento de sujeitos surdos. Considerando “a escrita é uma função linguística distinta, que difere da fala oral tanto na estrutura como no funcionamento” (1991, p. 85), casos como o da Suécia é um exemplo em que o bilinguismo foi considerado um grande avanço para a educação de surdos (BOTELHO, 2002). No caso brasileiro, a Libras, ao ser “reconhecida como meio legal de comunicação e expressão” e destaca-se que a mesma “não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa” (BRASIL, 2002). Em termos de formação para o ensino, a escrita da língua portuguesa está prevista e inserida em termos de formação, como disciplina curricular nos cursos de formação de professores para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental, de nível médio e superior, bem como nos cursos de licenciatura em Letras com habilitação em Língua Portuguesa. Para Fernandes (2006), incorporar na prática a educação bilíngue para surdos envolve “a transformação da situação monolíngue da escola, fundada na língua portuguesa”. Um detalhe importante que cabe observar reside no fato de que apesar de a Língua Portuguesa ser uma disciplina, como pode ser, por exemplo, o Espanhol em escolas ouvintes brasileiras, em escolas bilíngues para surdos essa segunda língua (L2) (no caso da Língua Portuguesa) está presente ela tende a aparecer em todas as disciplinas. Outro ponto refere-se à problemática acerca de como a Língua Portuguesa deve se fazer presente , como se desdobra para além da sala de aula. O desafio metodológico reside em partir de textos, de palavras, de famílias silábicasou de letras isoladas para, de fato, a prática da leitura e escrita (FERNANDES, 2006). Na próxima seção apresentaremos algumas propostas bem como o uso de alguns materiais para o ensino bilíngue, considerando letramento e escrita. Deve ficar claro que a língua portuguesa é segunda língua, ensinada na modalidade escrita (preferencialmente). O ensino da leitura e escrita da Língua Portuguesa funciona tendo a Libras como a base, fomentada nos espaços da família e da escola, bem como em seus diversos círculos sociais. 3.7 Propostas de metodologias e possíveis materiais para o letramento Estratégias existentes, baseadas na oralidade e na audição como referenciais para apropriação de leitura e escrita não funcionam. Em primeiro lugar, quando se trata do aspecto da escrita, não é possível ensinar os surdos a escrever e a ler alfabetizando- os. Com o intuito de exemplificar algumas estratégias, Fernandes (2006) propõe um exercício muito interessante que, com frequência, é acionado em cursos de leitura e escrita em segunda língua. Na rota lexical, as palavras são lidas com base em sua forma ortográfica, sem necessidade de recorrer a sua estrutura sonora. Seria este o processo cognitivo utilizado para a leitura pelos surdos na sua visão (Fernandes, 2006, p. 12), cuja identificação da palavra ocorre sem a pronúncia da palavra (rota fonológica), mas por meio de seu reconhecimento visual. Por outro lado, como específico para alfabetização, Capovilla (2007) defende o método fônico no qual são feitas ligações entre grafemas e sons, considerando que ainda não ocorreu a produção de sentidos no todo. Diferentes possibilidades para alfabetização servem como sugestões – passíveis de aprofundamentos –, análises de cartilhas e outras propostas pedagógicas. 3.8 Materiais possíveis e o ensino de conteúdos diversificados Para quaisquer um dos conteúdos ministrados, devemos nos livrar de certos mitos, tais como o mito da dificuldade de abstração (BOTELHO, 2002), entre outros. É central, para qualquer metodologia assumida, substituir o mero “ensino de palavras, pensando a linguagem como um aglomerado de vocábulos” (BOTELHO, 2002, p.52). Fazendo referência a Geertz (1978, p.57) e ao pensar como o ato de recorrer a um montante de símbolos disponíveis em uma espécie de tráfego, Botelho (2002) afirma que se há disponível na língua de sinais o tráfego usual de símbolos (sons, imagens visuais, olfativas, táteis, cinestésicas, gustativas, proprioceptivas, palavras faladas, palavras escritas, se há disponível a língua de sinais, este será disposto como novo signo linguístico, o do sinal). Nessa trama linguística, então, se constroem raciocínio através de modos diversos. Atendo-se especificamente à questão da leitura e letramento, cabe favorecer o ato de ultrapassar signos linguísticos na sua capacidade de codificação e decodificação, sugere-se de maneira enfática que sempre estejam disponíveis muitos materiais de leitura e que desperte o interesse da leitura por diferentes meios (SOARES, 1998; FERNANDES, 2006). Em primeiro lugar, alguns autores tecem observações sobre o risco de simplificação ou acomodação a elementos como imagens, uso de quadrinhos e produção de desenhos em substituição ao desenvolvimento de leitura e escrita, já que “Quando falamos de letramento de surdos, [portanto], estamos nos referindo a um processo de constituição dos sentidos na leitura e na escrita dos surdos que decorrerá de processos simbólicos visuais e não auditivos” (PINHEIRO, 2010, p.24) Por isso, é necessário lembrar-se da necessidade de disponibilizar e estimular o uso de materiais variados de leitura, principalmente porque nem todas as famílias têm a possibilidade de cumprir o papel de estimulação por meio de diferentes tipos de textos. De modo análogo cabe ressaltar também que nem todas as culturas atribuem o mesmo valor à escrita “Existem culturas que dão significados distintos para o uso da escrita, ou seja, não se trata de concepções estanques; haja vista que “as práticas de letramento resultam de decisões humanas baseadas nos valores das pessoas” (SILVA, 2007, p. 42) Em segundo lugar, é necessário destacar o caráter processual do letramento. Mesmo para pessoas, surdas ou ouvintes, que já passaram pelo processo formal de alfabetização, há diversas formas de explorar um texto que podem ou não ficar de fora no processo de aprendizagem. Há diferentes níveis da linguagem que são trabalhados nas práticas da leitura e escrita. Um caminho importante reside na construção de nesse sentido, Perlin (1998) ressalta a importância do encontro - entre sujeitos surdos que se comunicam fluentemente em Libras. De acordo com a autora, a identidade surda “é uma identidade subordinada surdo-surdo, essencial para a construção identitária” (Perlin,1998, p. 54). Skliar e Lunardi (2000) acreditam ainda que há um papel relacionado ao professor surdo enquanto referência, que vai muito além de apenas uma identificação linguística, trata- se de um “interlocutor privilegiado” da criança surda. Além dessas recomendações de trabalho para aqueles que se propõem a construir uma educação de surdos verdadeiramente bilíngue, algumas abordagens recentes se colocam como fonte de enriquecimento ao trabalho do professor/educador. Por fim, em fases mais iniciais Escrita em Sinais (Sign Writing) tem se colocado como uma possibilidade recente, elemento especificamente para aquisição de linguagem, bastante promissora no processo de letramento de alunos surdos. No caso específico do SW, o processo de alfabetização é apresentado em três etapas. O aprendizado dessa maneira é que possibilitaria aquisição de linguagem para, assim apreensão de conteúdos subsequentes e construção de conceitos. Enfim, essas propostas, situadas neste artigo pretendem apresentar algumas soluções ou possibilidades para as questões anteriormente colocadas. Fazem parte do desdobramento prático da busca por meios acessíveis de ensino e aprendizagem para professores e estudantes surdos e deficientes auditivos, que muito nos desafiam. Isso, porque, se para crianças ouvintes em contexto brasileiro tudo pode parecer mais ou menos intuitivo ou “natural”, o mesmo não acontece no caso de crianças surdas. Sem deixar de destacar que a problemática do letramento também é plausível para crianças com deficiência auditiva, mas que por terem se adaptado a algum tipo de tecnologia assistiva, ou submetidas a cirurgia de implante coclear e com isso possam ter desenvolido bem a linguagem através de acompanhamento fonoaudiológico, elas também são caracterizadas por impedimentos relacionados à comunicação, ao qual é necessário compreendermos e nos adequarmos. A educação por meio da língua portuguesa pode se dar através de caminhos diferentes, dependendo das vivências anteriores, dos graus de perda auditiva, das escolhas feitas anteriormente pelo estudante e por sua família em idade mais prematura ou devido a uma caracterização cuidadosa das especificidades no interior do amplo espectro que compõe a deficiência auditiva e a surdez. A distinção entre surdez pré lingual e surdez pós lingual é útil para compreensão. Estudos apontam que, para diversos casos de deficiência auditiva (usando a classificação maneira mais geral conforme Decreto 5626/05 já especificado) a aquisição da linguagem se dará de maneira mais adequada através da língua de sinais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo é parte do material intitulado "Deficiência auditiva e surdez: Fundamentos e Adequações Metodológicas e Curriculares”, no qual foram apresentados os aspectos imprescindíveis a essa temática. Apresentamos a conceituação básica das categorias Deficiência Auditiva e Surdez e abordarmos aspectos relacionados à saúde, mas também a questões identitárias e culturais, importantes para a temática. Tratamos especificamente de questões relacionadas à linguagem, implicada na condição audiológica e cultural, refletindo sobre linguagem e pensamento na
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