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LIVRO TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIA ebook

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TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIA:
fundamentos históricos, teórico-metodológicos e
técnico-operativos
TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIA:
fundamentos históricos, teórico-metodológicos e
técnico-operativos
Solange Maria Teixeira
2017
FICHA CATALOGRÁFICA
Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí
Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco
T266t Teixeira, Solange Maria.
Trabalho social com família: fundamentos históricos, teórico-
metodológicos e técnico-operativos / Solange Maria Teixeira. –
Teresina: EDUFPI, 2017.
182 p.
ISBN: 978-85-509-0289-0
1. Família. 2. Trabalho Social. 3. Assistência Social. 3. Políticas
Públicas. I. Título.
 CDD 362.82
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
John Kennedy Costa Pereira
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
Reitor
José Arimatéia Dantas Lopes
Vice-Reitora
Nadir do Nascimento Nogueira
Superintendente de Comunicação
Jacqueline Lima Dourado
Editor
Ricardo Alaggio Ribeiro
EDUFPI - Conselho Editorial
Ricardo Alaggio Ribeiro (presidente)
Acácio Salvador Veras e Silva
Antonio Fonseca dos Santos Neto
Cláudia Simone de Oliveira Andrade
Solimar Oliveira Lima
Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
Viriato Campelo
Editora da Universidade Federal do Piauí - EDUFPI
Campus Universitário Ministro Petrônio Portella
CEP: 64049-550 - Bairro Ininga - Teresina - PI - Brasil
Todos os direitos reservados
À minha filha Larissa, no desabrochar de sua feminilidade;
Ao meu companheiro de vida, Maurício Reis.
Amo vocês!
“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos,
ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o
horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe,
jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para
isso: para que eu não deixe de caminhar.”
(Eduardo Galeano)
SUMÁRIO
Prefácio ................................................................... 13
1INTRODUÇÃO ...................................................... 17
Primeira Parte: Trabalho Social com Família: aspectos conceituais,
históricos e teórico-metodológicos
2 TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS: ASPECTOS
CONCEITUAIS ........................................................ 23
2.1 Categoria trabalho e processo de trabalho .......................... 23
2.2 TSF: a construção de um conceito ..................................... 33
2.3 Finalidades do trabalho social com famílias ....................... 35
2.4 Finalidades do trabalho social com famílias na política
de Assistência Social .............................................................. 38
2.5 As possibilidades e limites da ruptura com a alienação do
trabalho ................................................................................. 44
3 FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DO
TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS ....................... 49
3.1 Fundamentos teórico-metodológicos e as repercussões
no trabalho social com famílias. ............................................. 50
3.1.1 Referencial positivista/funcionalista e sistêmico............. 51
3.1.2 Trabalho com famílias iluminado por esta perspectiva
teórico-metodológica. ............................................................ 55
3.1.3 Teoria sistêmica ............................................................ 56
3.2 Referencial marxista-histórico dialético ou da teoria
crítica .................................................................................... 59
3.3 Trabalho social com famílias na perspectiva
crítica/protetiva .................................................................... 67
4 TRAJETÓRIA HISTÓRICA E ATUALIDADE DO
TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS: O CASO DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL ............................................. 73
4.1 Política social e a tradição histórica do trabalho social
com famílias .......................................................................... 74
4.2 Centralidade na família e as novas perspectivas de trabalho
social com famílias ................................................................ 78
4.3 Contradições da política de Assistência Social
contemporânea ...................................................................... 82
4.4 Desvio de alvo da assistência social: problemas com a teoria
dos vínculos .......................................................................... 90
Segunda Parte: Trabalho Social com Família: aspectos técnico-
operativos
5 TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS EM BASES
CRÍTICAS: TRABALHO EM REDE E TRABALHO
SOCIOEDUCATIVO EMANCIPATÓRIO ...................... 99
5.1 Enfrentamento às situações de vulnerabilidades e riscos
sociais pelo trabalho em rede ................................................ 102
5.2 Trabalho socioeducativo com dimensões emancipatórias . 110
5.3 A dimensão socioeducativa do TSF na proteção social
básica .................................................................................. 113
5.4 A dimensão socioeducativa do TSF na proteção
social especializada .............................................................. 118
5.5 TSF: limites e possibilidades na atual conjuntura ............. 121
6 POTENCIALIDADES DO TRABALHO EM GRUPO NO
TSF ....................................................................... 131
6.1 A predominância de abordagens individualizantes nos
processos de trabalho das políticas sociais ............................. 132
6.2 As contradições e tensões do desenho da política de
Assistência Social ................................................................ 141
6.3 Trabalho com grupos numa perspectiva crítica na Psicologia
e Serviço Social ................................................................... 148
6.4 Grupo como estratégia do TSF: aspectos
técnico-operativos ................................................................ 156
CONCLUSÃO ........................................................ 169
REFERÊNCIAS ............................................................
14
PREFÁCIO
O direito à assistência social, inscrito e formalizado
mediante normativa constitucional, como ocorreu em 1988
no Brasil, expressou a intensa mobilização dos movimentos
sociais no sentido de romper com as ações voluntaristas,
caritativas e beneméritas que historicamente marcaram a
assistência social.
O percurso [mesmo de percalços] para constituir
este direito social colocou em movimento uma estrutura
organizada ao longo dos últimos 30 anos. É inegável a
dimensão assumida pela Política de Assistência Social,
expressa por seus serviços, programas, população
atendida, equipamentos, quadro técnico profissional,
assim como também o é suas contradições. Dentre as
quais está aquela que envolve sua intrínseca relação com
a família.
A assistência social protagonizou a retomada da
centralidade da família na Política Social brasileira gerando
dois vieses nessa aproximação. De um lado apontou a
necessidade de abarcar conhecimento científico e técnico
para as ações desenvolvidas com as famílias, irrompendo
com um trabalho historicamente caracterizado pelos valores
morais e pelo senso comum. De outro, abriu espaço para
ações voltadas à perspectiva racionalizadora, com enfoque
na focalização do atendimento às famílias extremamente
pobres, aonde a solução para a situação de pobreza encontra-
15
se no fortalecimento da própria família em proteger/cuidar
os seus.
As tensões advindas dessa relação contraditória
[família e assistência social] se refletem no desenvolvimento
do trabalho social com família. E encara-las, a partir da
perspectiva crítico-dialética, é o objetivo da presente obra
“Trabalho social com família: fundamentos históricos, teórico-
metodológicos e técnico-operativos” da reconhecida pesquisadora
Solange Maria Teixeira.
Ao analisar os fundamentos históricos, teórico-
metodológicos e técnico-operativos do trabalho social com
família na assistência social provoca-nos a refletir sobre os
referenciais que embasam tanto a intervenção dos
profissionais quanto a direcionalidade dessa política social,
expressanos serviços e programas específicos.
As contrarreformas voltadas às políticas sociais,
estabelecidas pós golpe parlamentar de 2016, atingem
sobremaneira a assistência social através do ataque
direcionado ao desfinanciamento dos serviços do Sistema
Único de Assistência Social (SUAS). Considerando que o
Sistema é uma construção recente e os serviços ofertados
ainda não possuem a capilaridade necessária para enfrentar
as situações de vulnerabilidade social impostas pelos limites
orçamentários dados pela Emenda Constitucional n. 95/
2016, vislumbra-se a tendência de se colocar em risco os
avanços obtidos na área desde a Constituição Federal de
1988.
A clareza das disputas societárias, onde, pelo
projeto neoliberal se reforça o pluralismo de bem-estar,
exigindo uma família participativa, com vínculos
fortalecidos e disposta a assumir ao máximo sua capacidade
16
protetiva é o desafio dos profissionais no cotidiano do
trabalho social com famílias. Os profissionais que atuam
nas políticas sociais são chamados ao esforço de desvelar a
realidade, criando fundamentos para ressignificar a prática
profissional em consonância aos princípios da ética e da
justiça social, defendidos por seu projeto profissional – no
caso dos assistentes sociais, seu Projeto Ético-Político
Profissional.
Este livro se constituirá num importante referencial
aos profissionais que desenvolvem o trabalho social com
famílias, não somente na Política de Assistência Social, mas
nas demais políticas públicas. Primeiro por sistematizar um
debate fundamental, às profissões interventivas, como é o
caso do Serviço Social, que no seu decurso histórico relegou
este debate a segundo plano, o que se refletiu na escassez
de produções sobre o tema. Segundo pela lógica propositiva
em pensar o trabalho social com família para além da
dimensão do atendimento individual, na perspectiva do
trabalho socioeducativo emancipatório.
O esforço empreendido nesta obra é justamente
oferecer aos interessados no debate da família e das formas
de intervenção com famílias, uma problematização a partir
de bases críticas a fim de enfrentar a retomada de posturas
conservadoras. “Afinal, as instituições públicas ou não,
continuaram sendo o grande campo de trabalho para os
assistentes sociais e nelas as famílias continuaram como
sujeitos privilegiados de intervenção” (Mioto, 2010, p.166)1.
Enfim, trata-se de um livro que instiga reflexões,
inspira ações e contribui para reavivar a importância de seguir
1 Mioto, R. C. T. Família, trabalho com famílias e Serviço Social. Serviço Social
e Revista, Londrina, v. 12, n.2, p. 163-176, 2010.
17
pensando sobre a intervenção profissional nas políticas
sociais, com destaque para aquelas que envolvem as
inúmeras famílias usuárias dos serviços sociais brasileiros.
Florianópolis, 10 de fevereiro de 2018.
Keli Regina Dal Prá
Professora da Universidade Federal de Santa Catarina
18
1 INTRODUÇÃO
O trabalho social com família é um trabalho
profissional, técnico e especializado desenvolvido por
equipes interdisciplinares no contexto do processo de
trabalho nas políticas sociais. É um trabalho fundamentado
de modo ético, teórico-metodológico e técnico-operativo.
A finalidade desse trabalho é tensionada pela
direção da política com suas diretrizes e princípios, que se
materializam em serviços, programas e benefícios, bem
como pelo projeto profissional dos trabalhadores da política.
Esse projeto profissional, como destacam Mioto
e Lima (2009, p. 36), “expressa uma direção ético-política
calcada em uma determinada matriz teórico-metodológica
e que orienta os profissionais,” segundo as autoras ele está
fundado na defesa de um projeto societário. “Expressa os
valores que condicionam a finalidade das ações
profissionais”. (Idem).
Essa tensão é possível por causa da relativa
autonomia profissional, do caráter contraditório das políticas
sociais e dos interesses nelas envolvidos, além dos impactos
desta na reprodução social. Aqui a reprodução social não é
entendida apenas como manutenção, conservação, reforço
e busca de consensos para a manutenção da ordem, mas
também como espaço de contra-hegemonia, formação de
uma nova cultura ou projeto hegemônico alternativo. A
reprodução social não é apenas material, é também imaterial
e ideopolítica.
19
Como ressalta Iamamoto (2003, p. 64), “[...] falar
em consenso diz respeito não apenas à adesão ao instituído,
é consenso em torno de interesses das classes fundamentais,
seja dominada ou dominante”, ou seja, continua a autora,
“contribuição na hegemonia vigente ou de uma contra
hegemonia da vida social” (idem).
Conforme Adriano e Borges (2016, p. 05), “a
hegemonia pressupõe, assim, a conjunção de forças sociais
capazes de projetar e construir ‘uma situação histórica
global’ - isto é, o bloco histórico, com a mediação
privilegiada dos intelectuais”. Esses intelectuais
desempenham funções educativas e organizativas
vinculadas a uma visão de mundo das classes em disputa.
Ao atuar nos serviços da política (e tendo esta
função de reprodução social), esse trabalho social dos
profissionais com as famílias tem necessariamente uma
dimensão socioeducativa, cuja direção depende das
diretrizes e princípios da política, das instituições que
executam seus serviços e/ou da fundamentação teórico-
metodológica e ético-política que guiam os profissionais,
que podem ser ou não similares.
No desenho das políticas e seu corolário, nos
programas, serviços e benefícios, evidencia-se a adoção de
determinado referencial teórico-metodológico. Assim, nas
políticas com centralidade na família, o trabalho social com
família está embasado nesse referencial e condiciona o modo
de inserir as famílias nos serviços, de compreendê-las, as
expectativas sobre elas e suas funções, a forma de organizar
os serviços, seus objetivos, metas e os impactos esperados.
Goldani (2005) destacou que a política brasileira é
“referida à família” e não “para a família” porque seu foco
20
são as funções familiares e sua potencialização. Outros
estudos de Teixeira (2016) já apontaram a marca do
familismo na política social brasileira, embora tenham
destacado inovações significativas nessas políticas se
comparadas ao seu passado.
Considerando o papel preponderante das
referências históricas e teórico-metodológicas, questiona-
se: quais as principais matrizes teórico-metodológicas que
podem e vêm fundamentando o trabalho social com
família? Quais as implicações dessas referências na
condução desse trabalho? O que é trabalho social com
família? Como se deu sua trajetória histórica e as inovações
atuais, em especial na política de Assistência Social? Quais
seus aspectos técnicos e operativos? Quais instrumentos
melhor expressam objetivos mais amplos e de emancipação?
Nessa perspectiva, o trabalho social com família
(doravante denominado pela sigla TSF) é o objeto de estudo
e investigação desse livro. O objetivo geral foi analisar o
TSF nos seus aspectos conceituais, históricos e teórico-
metodológicos, além de apresentar uma proposta de
trabalho a partir do referencial crítico-dialético, com
sugestões da técnica de grupo por melhor expressar as
potencialidades críticas desse trabalho.
O livro é resultante da pesquisa, ainda em
andamento, denominada “Trabalho social com famílias no
âmbito da Política de Assistência Social: experiências municipais
no Piauí”, na qual agregam-se orientandos de mestrado e
doutorado em Políticas Públicas da Universidade Federal
do Piauí (UFPI), de iniciação científica e trabalhos de
conclusão de curso, que investigam diferentes realidades
municipais no estado. Apresentam-se nesta obra os
21
resultados da investigação teórica que gerou como produto
uma proposta de intervenção com a utilização do trabalho
com grupos.
Vale ressaltar que desde 2009, quando realizei o
estágio pós-doutoral no Núcleo de pesquisa sobre família
na PUC-SP, venho me dedicando a pesquisar sobre TSF e a
política de Assistência Social. Os produtos dessas pesquisas
estão publicados em vários periódicos, livros e anais de
eventoscientíficos em Serviço Social e socializados em
inúmeros minicursos, palestras, conferências, mesas-
redondas, cursos de capacitação, dentre outros.
Neste livro apresento aspectos pouco abordados na
literatura, o TSF sob a perspectiva do projeto ético-político
do Serviço Social. Assumo o desafio destacado por Mioto
(2010) de demarcar tanto o foco de estudo sobre família que
interessa ao campo do Serviço Social – enquanto profissão e
área do conhecimento –, como a construção do debate em
torno do trabalho com famílias ancorado nas premissas da
teoria social crítica e do projeto ético-político da profissão.
Considerando a (re)atualização nos processos de
trabalho das políticas sociais, das demandas pelo TSF postas
pela centralidade na família nas políticas, em especial na
assistência social, tanto na proteção social básica quanto na
especializada, um estudo sobre o TSF poderá contribuir muito
para entender as direções desses trabalhos, sua
fundamentação, conceitos e redirecioná-lo de forma cada vez
mais consciente e racional. Além disso, contribui também
para o acúmulo científico sobre a temática e sua difusão nos
meios acadêmicos e das práticas profissionais.
O método adotado nessa investigação foi o
histórico-dialético, que “fornece as bases para uma
22
interpretação dinâmica e totalizante da realidade concreta,
já que estabelece que os fatos sociais não podem ser
considerados isolados, abstraídos de suas influências
políticas, econômicas, culturais” (Gil, 1999, p. 32).
O referido método possibilita apreender o
fenômeno em seu trajeto histórico e nas suas relações com
outros fenômenos, de maneira a perceber seu processo de
transformação, suas contradições e potencialidades.
Nesse sentido, o método crítico-dialético permite
analisar os fenômenos estudados articulando e desvendando
as relações entre singularidade, particularidade e totalidade,
de tal modo que se chegue a um todo que é síntese de
múltiplas determinações e supere o todo caótico de onde
partiu a investigação, superando a imediaticidade e a
aparência fenomênica do real.
A pesquisa foi do tipo teórica, que, segundo Demo
(2000, p. 20), “é dedicada a reconstruir teoria, conceitos,
ideologias, polêmicas, tendo em vista, em termos imediatos,
aprimorar fundamentos teóricos”, o que se pretendeu fazer
nessa investigação.
Os resultados dessa investigação foram organizados
em 06 capítulos. O primeiro é essa introdução, na qual se
apresenta a temática, a problematização, os objetivos e a
metodologia da pesquisa.
A primeira parte da obra, denominada “Trabalho
Social com Família: aspectos conceituais, históricos e teórico-
metodológicos”, é constituída de três capítulos. O segundo
capítulo, “Trabalho Social com Família: aspectos
conceituais”, teve por objetivo discutir o conceito de TSF,
apresentando uma definição conceitual. Para isso, faz uma
incursão na discussão de trabalho na perspectiva marxista,
23
de onde saem as bases para o conceito de TSF apresentado.
O terceiro capítulo, “Fundamentos Teórico-Metodológicos
do Trabalho Social com Família”, teve por objetivo
apresentar sinteticamente a caracterização de duas das
principais matrizes teórico-metodológicas de análise da vida
social (o positivismo e o marxismo) e as implicações na
condução, nos valores e nos princípios metodológicos do TSF,
apresentando também elementos caracterizadores de um
trabalho em bases marxistas. No quarto capítulo, “Trajetória
Histórica e Atualidades do Trabalho Social com Família:
o caso da Assistência Social”, o objetivo foi descrever e
analisar a trajetória histórica do TSF, delimitado pela forma
de inserir a família na política e as referências que serviram
de base. Toma como exemplo a política de Assistência Social,
destacando suas inovações atuais e suas limitações e
contradições no seu desenho em relação ao TSF.
A segunda parte, denominada “Trabalho Social
com Família: aspectos técnico-operativos”, é composta de
mais dois capítulos. No quinto capítulo, “Trabalho Social
com Família em bases críticas: Trabalho em Rede e
Trabalho Socioeducativo Emancipatório”, o objetivo foi
apresentar uma proposta de TSF a partir da matriz marxista,
abordando a dupla dimensão desse trabalho (o de inserção
na rede de serviços para o enfrentamento das
vulnerabilidades e o trabalho socioeducativo que promove
autonomia, protagonismo, participação social numa
perspectiva emancipatória). No sexto e último capítulo,
“Potencialidade do trabalho em grupo no TSF”, o objetivo
foi apresentar as vantagens de se trabalhar com o
procedimento do grupo e suas técnicas de dinâmica de grupo
no trabalho socioeducativo, indicando pistas úteis para
organização desse trabalho em diferentes políticas sociais.
24
2 TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS:
ASPECTOS CONCEITUAIS
O trabalho social com famílias – TSF é
demandado por várias políticas sociais. Na política de
Assistência Social, ele se transforma em serviços, dada a
sua importância estratégica na materialização do princípio
da matricialidade sociofamiliar. Nesse contexto, inúmeras
profissões executam esse trabalho, embora ainda sejam
escassas as produções bibliográficas sobre a temática,
principalmente as que enfrentam o desafio de defini-lo
conceitualmente, explicitando as bases teórico-
metodológicas dessa definição.
Na tentativa de construir um arcabouço conceitual
de TSF e com base no referencial crítico-dialético, essa
discussão nos remete a outras categorias analíticas, como a
de trabalho e processo de trabalho, que fundamentaram a
definição de TSF apontada neste capítulo. Assim, o objetivo
deste capítulo é apresentar essa fundamentação e uma
conceituação de TSF compatível com esse referencial
teórico-metodológico.
2.1 Categoria trabalho e processo de trabalho
O trabalho em Marx (2003) é definido como toda
ação de transformação de um objeto natural, mediada por
meios ou instrumentos guiados por uma finalidade que visa
um produto para atender necessidades humanas.
25
É um processo de que participam o homem e a
natureza, processo em que o ser humano, com
sua ação, impulsiona, regula e controla seu
intercâmbio material com a natureza. Defronta-
se com a natureza como uma de suas forças.
Põe em movimento as forças naturais de seu
corpo - braços e pernas, cabeça e mãos - a fim
de apropriar-se dos recursos da natureza,
imprimindo-lhes forma útil à vida humana.
Atuando assim sobre a natureza externa e
modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua
própria natureza (Marx, 2003, p. 211).
Para Marx, a categoria trabalho é central por
apresentar um papel fundante na construção e no
desenvolvimento da humanidade e do ser social. Pelo
trabalho o homem se humaniza, distingue-se de outros
animais, controla seu metabolismo com a natureza, gera
as condições de sua produção e reprodução material e
social.
Por essa capacidade de trabalhar, de transformar,
além de planejar ou projetar, de criar e pensar de forma
consciente aquilo que pretende fazer, distingue-se o homem
dos animais:
Uma aranha executa operações semelhantes às
do tecelão, e a abelha supera mais de um
arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que
distingue o pior arquiteto da melhor abelha é
que ele figura na mente sua construção antes de
transformá-la em realidade. No fim do processo
de trabalho aparece um resultado que já existia
antes idealmente na imaginação do trabalhador.
26
Ele não transforma apenas o material sobre o
qual operar; ele imprime sobre o material o
projeto que tinha conscientemente em mira, o
qual constitui a lei determinante do seu modo
de operar e ao qual tem de subordinar sua
vontade (Marx, 2003, p.212).
O processo de trabalho é mais amplo e envolve,
além do trabalho propriamente dito, enquanto ato ou ação
de trabalhar, de dispêndio de energia e forças para
transformar, também o objeto sobre o qual incide o ato de
transformação, aos meios ou instrumentos de trabalho, a
finalidade que guia essa ação e o produto desse trabalho.
Esses elementos são inerentes a todo tipo de trabalho em
diversas sociedades.
Merece ressalva o caráter racional do trabalho:“o
trabalho é, portanto, resultado de um pôr teleológico que
(previamente) o ser social tem ideado em sua consciência,
fenômeno este que não está essencialmente presente no ser
biológico dos animais” (Lukács, 1980 apud Antunes, 2001,
p. 136).
Entretanto, a teleologia ou finalidade, típica da
consciência, não é anterior à existência e nem sobre ela se
sobrepõe. Contrário ao idealismo que colocava a finalidade
como “motor da história”, o materialismo histórico
dialético inverte essa dialética: são as condições materiais
que engendram os tipos de consciências. Para Lukács (1980
apud Antunes, 2001, p. 136), “naturalmente a busca de uma
finalidade, de uma posição teleológica, é resultado de
necessidades humana social”, ou ainda, como destaca
Antunes (2001, p. 136), “teleologia nasce da prática, das
condições de vida objetivas, não pode ser pensada para além
27
da esfera da práxis social, como uma categoria cosmológica
universal”.
Portanto, o trabalho envolve duas dimensões: 1) o
pensar/planejar que coloca a finalidade e os meios para
realizá-lo; 2) o produzir/fazer enquanto ato de trabalhar, de
intervir, de desgaste de energia para produzir, realizar a
concreção do fim pretendido. Teleologia, enquanto
colocação de finalidades, é utopia fora da práxis e não
transforma a realidade. Mas, ao mesmo tempo, não se
transforma a realidade sem um fim, sem uma teoria/
conhecimento, logo teoria e prática são processos
intercambiáveis e se retroalimentam.
Como ressalta Hartmann (apud Antunes, 2001, p.
138), “para que ele (o trabalho) se concretize é necessária
uma investigação dos meios, isto é, o conhecimento da
natureza deve ter atingido o seu nível apropriado [...]”, o
que remete que o conhecimento das propriedades do objeto
que se quer modificar é fundamental. Assim, o
conhecimento é importante para a definição de finalidades,
de objetivos e se constitui também em um meio de trabalho.
Mas o trabalho é que se constitui em ato, em prática, em
ação que altera a realidade.
Nessa perspectiva, como destaca Antunes (2001,
p. 139) citando Lukács, “através do trabalho, uma posição
teleológica é realizada no interior do ser material, com o
nascimento de uma nova objetividade”, de um novo objeto
para atender necessidades, logo com valor de uso. Nascem
assim as condições para a vida em sociedade. Esse ato é a
protoforma da práxis social, prova inconteste de que a
realidade natural, política ou social pode ser modificada,
transformada.
28
Nessa perspectiva, o trabalho é fonte de liberdade,
de autonomia enquanto possibilidade de escolha, enquanto
processo criativo. O processo de trabalho no qual está
inserido esse trabalho determina sua condução, seus fins e
seus produtos.
O processo de trabalho é definido pelo modo como
se produz e reproduz em uma determinada sociedade.
Embora seus elementos sejam comuns a todo tipo de
trabalho e em todos os tipos de sociedade, os fins com que
se produz e o modo como se produz são determinados pelo
modo de produção hegemônico.
Nas sociedades capitalistas, o processo de trabalho
está submetido aos fins postos pelo detentor dos meios de
produção, ou seja, como o capitalista é detentor dos meios
de produção e há predominância do valor de troca das
mercadorias sobre o valor de uso, na busca incessante pelo
lucro e por condições adequadas de reprodução ampliada,
o fim é a produção de riqueza, que é apropriada por poucos,
e a reprodução da ordem. O trabalhador detém apenas sua
força de trabalho, que, para se efetivar, no entanto, depende
do capitalista empregador, que compra não seu trabalho,
mas sua força de trabalho e determina o que, como e para
que se trabalha.
Isso ocorre porque o trabalho na sociedade
capitalista tem uma dupla dimensão: o trabalho concreto e
o trabalho abstrato. O trabalho concreto é o ato de
transformar objetos naturais em outros objetos para atender
necessidades humanas, logo o objeto criado tem um valor
de uso. O trabalho abstrato é o trabalho assalariado ou
trabalho para produzir mercadorias vendáveis, isto é, com
valor de troca. Nessa última perspectiva, o trabalho é medido
29
pelo tempo socialmente útil para construção da mercadoria.
Assim, todos os trabalhos assalariados se igualam,
independentemente do que produzam. Há, então, a
predominância do valor de troca sobre o valor de uso, a
subordinação deste em relação àquele.
Além de o capitalista deter os meios de produção,
a divisão do trabalho se amplia e gera distinções entre quem
pensa e quem executa. Somam-se a esse quadro outras
determinações: o fim sobre o que se produz não é definido
pelo produtor direto/trabalhador e o produto não lhe
pertence.
Sobre esse processo de alienação, Marx (2012, p.
96) destaca:
O despojamento do operário do seu produto tem
o significado não só de que seu trabalho se torna
um objeto, uma existência exterior, mas também
de que ele existe fora dele, independente e
estranho a ele, de que a vida, que ele emprestou
ao objeto, o enfrenta de modo estranho e hostil.
O trabalhador também é uma mercadoria, definida
pelo tempo socialmente útil para sua reprodução, uma força
material de produção que tem valor de uso e de troca nas
relações capitalistas, visto como uma “coisa” e, nessa
condição, ele pode ser trocado, substituído e descartado. O
trabalho abstrato gera alienação e pobreza.
O operário torna-se tanto mais pobre quanto
mais riqueza produz, quanto mais a sua
produção cresce em poder de volume. O
operário torna-se uma mercadoria tanto mais
barata quanto mais mercadoria cria. [...] O
30
trabalho não produz apenas mercadoria;
produz-se a si próprio e o operário como uma
mercadoria, e com efeito na mesma proporção
em que produz mercadorias em geral (Marx,
2012, p.95).
Nessa dimensão, o trabalho perde a liberdade de
escolha entre alternativas, perde a dimensão criativa, perde
o poder de pôr finalidade ao processo. Tudo está sobre o
controle do capitalista. O trabalho se torna um instrumento
de opressão para o trabalhador, algo estranho a ele,
impossibilitando que este desenvolva toda a sua capacidade
criativa, é apenas um meio para o aumento crescente da
produção de riquezas concentrada nas mãos do capitalista.
Nesse trabalho alienado, o homem não se
reconhece no produto do seu trabalho, não o vendo como
sua criação porque o processo é fragmentado; o trabalhador
está alienado quanto ao ato de produção, em relação aos
outros homens e ao ser genérico. Por isso Marx (2012, p.
102) diz que a alienação do trabalho se expressa na alienação
do homem.
O modo de produção capitalista impõe essa lógica
para o trabalho. Os trabalhos são desiguais, muito
especializados, fragmentados, mas combinados e inseridos
nessa arquitetura. Todos os tipos de trabalho formam o
trabalho coletivo ou trabalhador coletivo. Assim, tanto o
trabalho produtivo quanto os outros ramos que se incluem
nos serviços (públicos, privados ou não governamentais)
não podem fugir dessa lógica do trabalho assalariado, ou
seja, o trabalho produtivo e os que atuam sobre a reprodução
social não escapam da alienação do trabalho, da submissão
à produção de riqueza e reprodução da ordem, o que não
31
significa adesão incondicional e consciente a essa estrutura,
ausência de resistências, de lutas, de contraposição e de
alternativas.
O TSF está inserido nos processos de trabalho das
políticas sociais, sob o controle e regulação do Estado. Como
destaca Mérzàros (2000), o Estado capitalista é a estrutura
política de comando do capital, mas, por ser perpassado
pela luta de classes, juntamente com a política social, são
espaços contraditórios de projetos societários antagônicos
e de disputa pelo fundo público e seu uso para atender
necessidades e demandas.
Ressalta-se que há de acentuar as diferenças do
trabalho em serviços. Sem essa mediação teríamos uma
transposição de uma leitura do trabalho produtivo para
todos os ramos, embora todos tenham os mesmos elementos
do processo de trabalho (objeto, trabalho, meios e produto).
Conforme Schutz e Mioto (2012 apud Brasil, 2016, p. 16/
17 grifos do documento),
Dentreas características do trabalho em serviço
destaca-se o fato de que existe uma
simultaneidade entre a produção e o consumo do
serviço e de que ele não é gerador de um produto
que possa ser armazenado. Tal característica faz
com que o trabalho em serviços também se
caracterize pela intangibilidade, embora possa
conter elementos tangíveis no processo de
trabalho. Isso remete a outra característica do
trabalho em serviços que é a sua natureza
relacional, pois implica o estabelecimento de
uma relação entre o prestador e o usuário do
serviço. As características do trabalho em
serviço impedem que ele seja totalmente
32
controlado ou capturado e, portanto, a sua
qualidade e direção dependem também da relação
que se estabelece entre o prestador e o usuário do
serviço. No trabalho em serviços ainda subsiste
uma relativa autonomia, apesar das condições
de trabalho hoje impostas aos trabalhadores em
serviços no atual estágio de desenvolvimento
do capitalismo. A exploração dessa “autonomia
relativa” se torna fundamental na condução do
TSF no contexto das disputas de projetos
societários e interesses divergentes presentes no
campo da política social, que são mediados
pelos serviços sociais.
Como destaca Sousa (2017), na prestação de
serviços o trabalho não produz um objeto vendável, um
produto a ser comercializado e consumido passivamente.
A ideia é que a intervenção profissional seja feita em uma
perspectiva que impacte a realidade social, visando à
transformação efetiva na vida dos sujeitos assistidos, além
de estar pautado nas relações sociais cotidianas tecidas entre
profissionais e usuários. Isso não exclui aspectos
contraditórios, funções ideológicas e políticas exercidas
mediante esses serviços.
Como destaca Chiachio (2011), quando se trata
de serviços, sejam públicos ou privados, são apontadas
algumas características gerais, tais como: sua execução
requer trabalho profissional especializado; sua ação não gera
um produto material propriamente dito; possibilita
transmitir atitudes ou valores; facilita e melhora a vida de
seus usuários ou consumidores. Isto é: os serviços compõem
uma gama diversificada de atividades que não geram um
produto em si, rentável, vendável e com fins de lucro. No
33
caso dos serviços sociais, há ainda outra especificidade, esses
incidem sobre os processos das relações sociais e pessoais,
logo sobre a reprodução social.
O TSF como trabalho especializado, técnico,
profissional, que exige formação superior, nessa condição,
como destaca Faleiros (2006, p. 39/40), “a relação
profissional define-se pelo saber, pelo conhecimento
legitimado e legalizado, por uma proposta sócio-técnica, por
um sistema articulado de pesquisa, diagnóstico e
intervenção”. Essa condição gera relativa autonomia aos
profissionais, posta por sua especialidade, pelo seu saber
acumulado e específico que legitima e guia seu fazer. Nessa
condição de trabalho profissional, no ramo dos serviços,
com impactos na reprodução social e não diretamente na
produção de riquezas, distingue-se do trabalhador/operário
da produção, embora ambos estejam sob as condições do
assalariamento.
O TSF, além de envolver o trabalho profissional,
envolve também o trabalho em equipe, como processo em
constante construção sem modelos rígidos definidos a priori.
Como destaca Brasil (2016, p.16), “enquanto processo, o
Trabalho Social com Famílias não é dado a priori. Ele se
desenvolve, de forma coletiva, por meio de um conjunto
de ações profissionais que envolve diferentes profissionais,
serviços e instâncias políticas e administrativas”.
Chiachio (2011) considera que os serviços sociais
compreendem a dimensão finalística de cada política, ou
seja, como “produto final”, conferem materialidade às
políticas públicas, cujo trabalho profissional que as
implementam executam suas ações no âmbito de processos
de trabalho dessas políticas.
34
2.2 TSF: a construção de um conceito
O ponto de partida para conceituarmos o TSF é a
definição de trabalho de maneira geral, inserido em processos
de trabalho; de trabalho em serviços no contexto das políticas
públicas e da reprodução social e, de trabalho social. Para
Carvalho (2014), trabalho social é a mediação indispensável
na programática da política pública. São processos,
procedimentos, ações que materializam a política pública.
Essas mediações produzidas pelo trabalho social são
indispensáveis, segundo a autora, para a apropriação e o usufruto
efetivo pelos usuários dos serviços e programas sociais
priorizados pelas políticas, que incidem na mudança das suas
condições de vida e situações de vulnerabilidade social.
Costumamos dizer que é pela via do trabalho
social que a política social se materializa. Ou
melhor, a política social como ação do Estado
tem intencionalidades, diretrizes, planos,
prevendo desenhos para a implementação das
metas e resultados a serem perseguidos. Mas
ela depende de processos que a concretizem no
território, produzam adesão e participação dos
cidadãos. A essa ação chamamos de trabalho
social (Carvalho, 2014, p. 17/18).
O trabalho social não é somente a execução da
política. Essa materialização implica um processo mais
amplo que envolve o planejamento, a execução, o
monitoramento e a avaliação da política ou dos serviços e
programas sociais e até a gestão da política e dos serviços.
Destacamos dessa concepção essa noção de
mediação entre usuários e serviços e o contexto da política
35
pública. Nessa perspectiva, o TSF é um trabalho
especializado, técnico, portanto, fundamentado teórico-
metodologicamente, ético e técnico-operacional,
desenvolvido por equipes interdisciplinares no contexto da
materialização da política social, junto à família e seus
membros ou em prol dessa.
Assim não é qualquer tipo de ação junto à família
ou feita por qualquer um que se define como TSF. Ao
remeter a procedimentos, processos, ações planejadas,
pensadas, articuladas e visando a um fim, portanto a um
processo de trabalho no contexto da política social,
aproximamo-nos da discussão de trabalho das análises
marxistas, da racionalidade, intencionalidade, do
conhecimento necessário, do processo de planejamento,
organização e execução.
Mas o contexto do assalariamento e do controle
do processo de trabalho impõe atribuições e competências
às profissões, às equipes de trabalhadores com formação
superior, inseridas em serviços que materializam a política,
que em tese limitam sua autonomia, entretanto o TSF não
é dado preliminarmente, constrói-se na relação com as
demandas e com outros profissionais das equipes, com
espaço de movimento, de criação.
Nessa perspectiva, como já comentado, não é
qualquer tipo de ação que é um TSF, pois este envolve,
necessariamente, o contexto das políticas públicas, dentre
elas a da política social, e o contexto profissional, ou seja,
processos de trabalho nas políticas sociais.
O TSF como trabalho especializado que media a
relação instituição/usuário e promove com suas ações a
materialização da política social dirigida às famílias e seus
36
membros tem seus objetivos tensionados por: 1 - os fins
postos pela política (legislação); 2 - fins postos pelos
profissionais, fundamentados nas perspectivas teórico-
metodológica e ético-política que assumem. Esses fins
podem coincidir ou não entre si.
É importante destacar que o modo como a política
insere a família define o modo de organizar os serviços, seus
objetivos e fins e as expectativas sobre a família. Todavia
sua implementação depende também do trabalho
profissional dos executores, dos processos de trabalho.
2.3 Finalidades do trabalho social com famílias
Para compreendermos a finalidade do TSF no
âmbito das políticas sociais da esfera pública é necessário
desvendar o modo como a família é inserida na política, ou
como e para que são criadas políticas sociais dirigidas às
famílias e seus membros.
Analisando o contexto da América Latina e Brasil
e a trajetória das políticas públicas dirigidas às famílias,
Goldani (2005) identifica três modalidades: política “de
família”; política “referida àfamília”; e política “para a
família”, desvendando o modo como elas incluem a família
na proteção social.
As políticas “de família” “seriam um conjunto de
medidas e instrumentos que visam intervir no modelo de
família existente, tratando de ‘conformar’ estruturas
familiares para expandir um certo modelo ideal de família”
(Goldani, 2005, p. 7). Nessas políticas se incluem as de
controle da natalidade, de planejamento familiar, dentre
outras.
37
As políticas “referidas à família” tratariam de um
conjunto de medidas e instrumentos de políticas públicas
cujo objetivo é fortalecer as funções sociais das famílias, de
modo a contar com sua parceria na proteção social. Entre
essas funções, destacam-se: “a reprodução e socialização
de seus membros; a filiação e herança; garantir as condições
materiais de vida; a construção da subjetividade de seus
integrantes [...]” (Goldani, 2005, p. 9). Nessas políticas,
conforme a autora, se incluem tanto as universais (educação
e saúde) como as focalizadas de combate à pobreza, à
violência doméstica dentre outras.
As políticas “para a família” são políticas, serviços
e programas voltados para a proteção social da família e
seus membros pela condição de cidadania. Remete à
responsabilidade da sociedade e do Estado em oferecer
apoios às famílias para o cuidado dos filhos. A valorização
da família passa pela consideração desta como bem público
que deve ter seus custos de cuidado e assistência garantidos
pelo fundo público e que permita aos genitores conciliar
vida familiar e trabalho.
Vale ressaltar que a maioria das políticas dirigidas
às famílias na América Latina e Brasil é do tipo políticas
“referidas à família”, que ampliam as responsabilidades das
famílias, mesmo que estas sejam vulneráveis e em situação
de risco, sob a alegação de que as famílias têm capacidades,
potencialidades e não apenas necessidades e
vulnerabilidades.
A intencionalidade implícita é transferir
responsabilidade sob a denominação de parcerias, de gerar
processos participativos, vínculos com a família e
território.
38
[...] o trabalho social instaura processos que
partem de identidades, vocações e contextos
locais, possibilitando a máxima participação e
autoria dos seus grupos, ao intervir com novos
e velhos princípios centrados no e com o
território, na ação integrada e intersetorial e no
fortalecimento de aportes culturais e vínculos
sociorrelacionais (Carvalho, 2014, p. 22).
A lógica das parcerias, do trabalho em rede, da divisão
de responsabilidades é bem clara e mostra o sentido do
protagonismo buscado. “Assim, agindo transforma
comunidades demandantes em comunidades empreendedoras”
(Carvalho, 2014, p.23), utilizando as potencialidades do
território, ou, ainda conforme a autora, “desenvolve parcerias
estreitas entre os diversos grupos de interesse (organizações
comunitárias, produtores locais, etc.), o governo, a sociedade
e o mercado, instaurando novos valores” (idem, p.23).
Entretanto pode haver outras finalidades postas
pelos projetos ético-políticos das profissões que
implementam as políticas sociais e executam o TSF. Com
efeito, a implementação de uma política também é um
processo de decisão em que se pode afastar do desenho da
política, intencionalmente ou não, ou conformá-lo como
legislado. É comum no Brasil o hiato entre a legislação e
sua aplicação prática.
Profissões como a dos assistentes sociais assumem
claramente uma finalidade crítica e voltada para os interesses
dos usuários, ao seu acesso aos bens e serviços na condição
de direitos de cidadania, como mediação para a
emancipação humana, para a autonomia e participação ativa
do cidadão.
39
Essa categoria assume e busca materializar
princípios éticos: da defesa dos direitos humanos, da
equidade e justiça social, na perspectiva da universalização
do acesso a bens e serviços relativos aos programas e
políticas sociais; a ampliação da cidadania como condição
para a garantia dos direitos civis, políticos e sociais às classes
trabalhadoras; defesa da democracia e compromisso com a
competência e com a qualidade dos serviços prestados.
Desse modo há a adesão ao projeto que luta e defende os
direitos sociais em oposição a sua mercantilização e na
constituição de uma nova ordem social como mediação
para a emancipação humana, portanto para a construção
de uma nova ordem sem exploração e opressão.
2.4 Finalidades do trabalho social com famílias na
política de Assistência Social
Na política de Assistência Social o trabalho com
famílias se transformou em um serviço, dado seu caráter
estratégico, sistemático e contínuo, sendo definido como:
Conjunto de procedimentos efetuados a partir
de pressupostos éticos, conhecimento teórico-
metodológico e técnico-operativo, com a
finalidade de contribuir para a convivência,
reconhecimento de direitos e possibilidades de
intervenção na vida social de um conjunto de
pessoas, unidas por laços consanguíneos,
afetivos e/ou de solidariedade – que se constitui
em um espaço privilegiado e insubstituível de
proteção e socialização primárias –, com o
objetivo de proteger seus direitos, apoiá-las no
desempenho da sua função de proteção e
socialização de seus membros, bem como
40
assegurar o convívio familiar e comunitário, a
partir do reconhecimento do papel do Estado
na proteção às famílias e aos seus membros mais
vulneráveis (Brasil, 2012, p. 12).
Dessa definição se sumariza que o trabalho com
famílias é um trabalho social especializado, profissional e
técnico, fundamentado ética, teórico-metodológico e
técnico-operacional, numa tentativa de profissionalizar o
campo que historicamente foi visto como atividades que
qualquer um podia efetivar.
Como destaca Sposati (2007, p. 444/445),
A assistência social sempre foi muito aceita e
entendida no senso comum como uma prática
da sociedade sem lhe exigir, como componente,
a qualidade de trabalho técnico-profissional
com suporte científico-metodológico para
garantir resultados em suas ações, serviços,
atividades e programas. Ela foi sendo
caracterizada como ação voluntária de ajuda
material presidida mais pela atitude do que pelo
conhecimento e pela razão [...].
A partir da definição do Serviço de Atenção e
Proteção Integral à Família – PAIF, vemos ainda o conceito
de família que o rege e os fins desse trabalho.
Está implícita uma concepção de família para quem
se dirige o trabalho social: ampliada, plural e heterogênea,
mas idealizada como o “reduto da felicidade”, como
“espaço sagrado” e “insubstituível” e não como uma
instituição contraditória e ambígua que sofre as influências
da estrutura social. O trabalho com essas famílias tem por
41
objetivo proteger seus direitos, quando, na verdade, quem
deve ser protegida, apoiada e ajudada é a família, como
forma de o Estado garantir o direito das pessoas de viverem
em família, amenizando essas funções de proteção, de
cuidado, de assistência mediante acesso aos serviços
oferecidos pela rede pública socioassistencial a seus
membros dependentes.
A intencionalidade fica mais clara nos objetivos
do PAIF. Aqui destacamos dois deles:
Fortalecer a função protetiva da família e
prevenir a ruptura dos seus vínculos, sejam estes
familiares ou comunitários, contribuindo para
melhoria da qualidade de vida nos territórios;
apoiar famílias que possuem, dentre seus
membros, indivíduos que necessitam de
cuidados, por meio da promoção de espaços
coletivos de escuta e troca de vivências
familiares (Brasil, 2009, p. 6).
A ideia subjacente a esses objetivos é de que a
prevenção dos riscos se efetiva se a família desenvolver suas
funções de proteção social. Assim, terminamos atribuindo
a ela o papel de prevenção dos riscos e o enfrentamento
das vulnerabilidades sociais, como se ambos não tivessem
causas estruturais e conjunturais, ou seja, como se não
decorressem das desigualdades sociais geradas pela ordem
capitalista, mas sim da falta de vínculos, amor, solidariedade.
Ainda sobre o PAIF, dentre os procedimentos do
TSF está o plano de acompanhamento familiar. Este segue
alguns passos:
42
1-levantamento das demandas e das
necessidades da(s) família(s) - as
vulnerabilidades a serem superadas; 2 - as
potencialidades que o(s) grupo(s) familiar(es)
possui(em) e que devem ser fortalecidas, a fim
de contribuir nas respostas às vulnerabilidades
apresentadas pela(s) família(s); 3 - Os recursos
que o território possui que podem ser
mobilizados na superação das vulnerabilidades
vivenciadas pela(s) família(s); 4 - As estratégias
a serem adotadas pelos profissionais e pela(s)
família(s) no processo de acompanhamento
familiar; 5 - Os compromissos da(s) família(s) e
dos técnicos (como representantes do Estado)
no processo de superação das vulnerabilidades;
6 - O percurso proposto para o
acompanhamento (Brasil, 2012, p. 60-61).
Não resta dúvida de que o serviço demanda a
parceria da família, que prevê divisão de responsabilidades,
que a visão de prevenção dos riscos é uma dupla que inclui
as funções da família e o papel do Estado. Essa intervenção
do Estado não é exclusiva nem mesmo quando há ruptura
do vínculo familiar, pois a inserção nos serviços de provisão
material e outros que garantam o direito à convivência
familiar e comunitária também depende de uma rede
socioassistencial (formada por instituições públicas, privadas
e não governamentais). Está subjacente a noção de “família
recurso” e o trato de suas necessidades no âmbito desses
recursos e do território.
Nessa perspectiva, a impossibilidade de cumprir
as funções de proteção, de cuidado, educação, de
43
administração do lar pela família (em especial pelas
mulheres, a quem recai socialmente e culturalmente essas
funções e papéis) é vivida como falha individual,
incapacidade, culpa das mulheres, reforçada pelo TSF, que
visa fortalecer essas funções no âmbito da família. Fatores
que dificultam o exercício desses papéis, como a pobreza,
a ausência de suporte social público e estatal, a
vulnerabilidade de vínculos conjugais, a necessidade de
prover a família com trabalhos precários, distantes de casa,
com longas jornadas de trabalho, dentre outros não são
remetidos ao contexto histórico e social que os produziram.
Na proteção social especializada de média
complexidade, o serviço que materializa a centralidade na
família é o PAEFI – Serviço de Atenção Especializado a
Famílias e Indivíduos, definido como:
Serviço de apoio, orientação e acompanhamento
a famílias com um ou mais de seus membros
em situação de ameaça ou violação de direitos.
Compreende atenções e orientações
direcionadas para a promoção de direitos, a
preservação e o fortalecimento de vínculos
familiares, comunitários e sociais e para o
fortalecimento da função protetiva das famílias
diante do conjunto de condições que as
vulnerabilizam e/ou as submetem a situações
de risco pessoal e social (Brasil, 2009, p.18).
Portanto, não restam dúvidas sobre qual é o tipo
de política: é aquela “referida à família”, conforme definição
de Goldani (2005), que reforça e visa potencializar suas
funções sociais, de modo a impulsionar uma parceria,
denominada de participação, autonomia e protagonismo.
44
As possibilidades para redirecionar a finalidade da
ação profissional se dão porque a política é contraditória, atende
a interesses antagônicos, está colocada na esfera pública e
assume discursos aparentemente progressistas. Uma
possibilidade é o reconhecimento da assistência social como
política pública, não contributiva e garantidora de direitos
sociais. Além disso, o TSF, na proteção social básica e
especializada, tem outros objetivos que podem ser mobilizados,
como centralidade no atendimento às famílias, tais como:
Promover aquisições materiais e sociais,
potencializando o protagonismo e autonomia
das famílias e comunidades; promover acessos
à rede de proteção social de assistência social,
favorecendo o usufruto dos direitos
socioassistenciais; promover acessos aos
serviços setoriais, contribuindo para a
promoção de direitos (Brasil, 2009, p. 6).
Sem dúvida, um trabalho que enfrenta
vulnerabilidades sociais deve contar com um aparato estatal
de serviços sociais de inclusão dos membros da família que
atenda suas múltiplas demandas e necessidades, com acesso
pela condição de cidadania e trabalho socioeducativo de
cunho participativo e emancipatório.
Nessa condição, a família é tomada como sujeito
de direito, direito a ser protegida, amparada e apoiada e não
como agente principal de proteção social. Embora a família
desenvolva essas funções de reprodução social, as condições
de vulnerabilidade indicam que ela precisa de suporte efetivo
para desempenhar também essa função.
Como o desenho da política e dos serviços adotam
categorias centrais para o seu desenvolvimento, tais como
45
de proteção social, direitos de cidadania, autonomia,
protagonismo, necessidades humanas e também de família,
isso abre espaços para compreendê-las numa perspectiva
teórico-metodológica crítica. São justamente essas
concepções, a partir de uma matriz crítica, a qual visa à
emancipação, que vão sustentar as finalidades almejadas
com o TSF e estruturar a proposta de intervenção junto às
famílias.
Outra possibilidade é dada pela natureza do trabalho
profissional especializado. Apesar da condição de trabalho
assalariado, é executado por um profissional que detém um
saber específico e um poder definido em lei e no processo de
sua legitimação, por profissionais que repensam a si mesmas e
a sua intervenção e têm direcionamentos políticos, que podem
ser colocados a serviço da construção de uma nova cultura.
Como destaca Faleiros (2006, p. 41), o espaço público “[...] é
um espaço em que se dá o enfrentamento entre hegemonia e
contra-hegemonia e onde mudam as condições de trabalho de
acordo com as correlações de forças políticas e sociais”,
podendo criar condições objetivas para os redirecionamentos
profissionais em favor dos usuários e seus direitos.
Os produtos do trabalho social são materiais,
sociais e ideológicos, com repercussões nos valores e
comportamentos dos usuários, logo têm implicação na
formação de consensos hegemônicos ou na formação de
novos consensos ou até de contra-hegemonia.
2.5 As possibilidades e limites da ruptura com a alienação
do trabalho
Na atividade produtiva, com o esfacelamento das
tarefas e distinção entre quem planeja e quem executa, o
trabalho é mera atividade repetitiva, apenas um conjunto
46
de atos em virtude dos quais um sujeito ativo modifica uma
matéria, perdendo o caráter de práxis, de liberdade e de
escolha entre alternativas, ou seja, é um trabalho alienado.
O trabalho profissional especializado, no qual o
trabalhador detém um saber específico (a depender de sua
fundamentação teórico-metodológica e da articulação dessa
fundamentação com princípios éticos, projetos políticos e
dimensão técnico-operativa) pode ser um antídoto contra a
alienação do trabalho.
No trabalho profissional, devido à relativa
autonomia profissional, há espaço de movimento para que
o trabalhador planeje, pense, ou seja, com um processo que
se inicia pela antecipação de um resultado que se deseja
obter, como um resultado ideal, e termina com um resultado
ou produto efetivo. Em virtude dessa teleologia e
planejamento, a ação profissional tem um caráter consciente,
racional. É a vitória do comportamento consciente.
Como destaca Lukács (1980 apud Antunes, 2001,
p. 142-143):
O homem que trabalha deve planejar cada
momento com antecedência e permanentemente
conferir a realização de seus planos, crítica e
conscientemente, se pretende obter no seu
trabalho um resultado concreto o melhor
possível. Esse domínio do corpo humano pela
consciência, que afeta uma parte da esfera da sua
consciência, isto é, dos hábitos, instintos,
emoções etc., é um requisito básico [...].
Entretanto, como vimos, a finalidade do TSF tem
uma tensão entre os fins do serviço e os dos profissionais.
47
Além disso, esse trabalho profissional também está sujeito
à alienação, enquanto processo estrutural das relações de
trabalho assalariado, portanto, sujeito a rotinização das ações,
padronização das intervenções,burocratização dos
atendimentos, imediatismo das demandas e dos
atendimentos.
As demandas no TSF (nos processos de trabalho
das políticas sociais) aparecem como imediatizadas,
fragmentadas e heterogêneas, daí o risco de cair em “casos
de famílias”. As ações correm o risco de serem
assistemáticas, pontuais, espontâneas e imediatas.
Romper com essa lógica exige uma teoria crítica
capaz de desvendar as determinações e conexões que articulam
essas demandas. Sem as mediações do conhecimento crítico,
do planejamento de estratégias, ações e instrumentos e meios
necessários para se alcançar o fim pretendido, as respostas
profissionais ficam aquém das possibilidades de uma ação
consciente, crítica e competente. Como destaca Guerra (2000),
devemos negar a ação puramente instrumental, imediata e
espontânea e reelaborá-la em níveis de respostas
socioprofissionais mais qualificadas e críticas.
Nessa perspectiva, compreender o processo de
alienação é importante na sua superação parcial, tendo em
vista que a total ruptura com esse processo remeteria à
necessidade de alteração radical do modo como se produz
e se reproduz na sociedade capitalista, das condições
materiais da existência nesse tipo de sociedade.
Assim, o saber e poder profissional, expressos em
capacidade técnica, competência e compromissos com os
usuários dos serviços, podem ser um contraponto à
alienação, à subordinação enquanto ato individual. Mas a
48
ruptura com a alienação remete a um ato coletivo de classes
contra a ordem estabelecida.
Essas finalidades do trabalho dependem também
dos referenciais teórico-metodológicos, que incidem também
sobre a política social e o TSF, objeto de discussão no
próximo capítulo.
50
3 FUNDAMENTOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS DO TRABALHO
SOCIAL COM FAMÍLIAS
A incorporação da família como referência na
política social brasileira desde os anos 1990, principalmente
na Política de Assistência Social, impulsionou os debates
em torno do trabalho social com famílias (TSF), em
diferentes profissões que compõem as equipes de referência
dos serviços, tais como Serviço Social, Psicologia, Direito,
Pedagogia, dentre outras.
Todavia a família foi alvo ou sujeito de
intervenções dessas profissões bem anterior a essa
centralidade contemporânea e, conforme os fundamentos
teórico-metodológicos que as regiam, estes iluminaram
formas ou modos diferentes e antagônicos de se trabalhar
com esse coletivo.
Na contemporaneidade, em face da centralidade
da família na política social, reativaram-se os debates e
relevância da família e do TSF como objetos de
conhecimento científico e de práticas profissionais, bem
como a necessidade de explicitar as matrizes que
fundamentam esse fazer profissional e que estão implícitas
nos desenhos das políticas e das normativas.
O contexto dessa centralidade da família é marcado
por dois processos: a conjuntura dos anos 1980 e os
movimentos sociais, em especial os de reforma psiquiátrica
51
que lutavam pela reinserção da pessoa com transtorno mental
na família e comunidade, o movimento de meninos e
meninas de rua pela construção do Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA e pela proteção integral ao segmento
como sujeito de direitos, pelo fim da institucionalização e
garantia do direito à convivência familiar e comunitária, dentre
outros movimentos pela desistitucionalização; de outro lado,
as reformas neoliberais e o processo de desregulamentação
do Estado, com o repasse de suas demandas para os
chamados agentes “naturais” de proteção social, tais como
mercado, sociedade, família e indivíduos.
Nesse contexto, há novas demandas e expectativas
em torno do TSF que, em muitos casos, mantém e reatualiza
perspectivas conservadoras, mas também em função das
contradições, das tensões e projetos societários em disputas
nas políticas públicas, abre possibilidades para pensar em
formas diferentes, críticas e progressistas no modo de
trabalhar as famílias e enfrentar os problemas que vivenciam
em seu cotidiano de vida.
Nessa perspectiva, o objetivo deste capítulo é
caracterizar e analisar as diferentes perspectivas teórico-
metodológicas que historicamente embasaram essas
intervenções profissionais e as repercussões em modos
peculiares e característicos de se trabalhar com a família.
3.1 Fundamentos teórico-metodológicos e as repercussões
no trabalho social com famílias
Partiremos das observações de Mioto (2004b,
2004c) que sintetizam esses fundamentos em duas grandes
matrizes que abrigam várias correntes: 1 – Referencial
positivista/funcionalista e sistêmico ou eixo da
52
normatividade e estabilidade (modelo burocrático e
psicossocial individualizante); e 2 – Referencial marxista
ou eixo do conflito e da transformação (com ações
profissionais direcionadas às famílias, enquanto sujeitos de
direitos, objetivando a construção da cidadania e a
materialidade de seus direitos). A adoção implícita ou
explícita desses referenciais engendra diferentes direções
no trabalho social com famílias.
3.1.1 Referencial positivista/funcionalista e sistêmico
O positivismo1 e, mais especificamente a corrente
funcionalista (cujos autores desenvolveram um tipo de teoria
especialmente aplicável à compreensão da estrutura social
e da diversidade cultural, compatíveis com a visão da
sociedade como um todo tendente à estabilidade e à coesão,
com semelhança e em analogia com o organismo biológico),
é complexa e com diferentes autores, também com
diferenças entre eles e aproximações.
Dentre os principais princípios ou fundamentos
dessa corrente, destacamos, conforme Minayo (1993):
1 Apresentaremos apenas um esquema simples sobre as características desse
paradigma, considerando os limites desse estudo e a riqueza de detalhes e
características daquele, logo noções muito gerais que orientam a delimitação e
identificação da perspectiva teórico-metodológica. As ideias centrais, segundo
Löwy (2000) são: 1) a sociedade humana é regulada por leis naturais ou por leis
semelhantes às naturais, invariáveis, independentes da vontade e da ação humana;
2) os métodos e procedimentos para conhecer a sociedade são semelhantes aos
utilizados para conhecer a natureza; 3) assim como as ciências da natureza são
ciências objetivas, neutras, livres de juízo de valor, de ideologias, pré-noções às
ciências sociais devem funcionar exatamente segundo este modelo de objetividade
científica. As teses centrais são: a realidade se constitui naquilo que nossos
sentidos podem perceber (empírica e objetiva); metodologia das ciências naturais
e ciências sociais são semelhantes, distingue-se apenas o objeto, havendo uma
distinção entre fato e valor.
53
a) as sociedades são totalidades que se constituem
como organismos vivos. São compostas por elementos que
interagem, relacionam-se e são interdependentes. São
sistemas em que cada parte se integra no todo como
subsistema, produzindo equilíbrio, estabilidade e sendo
passível de ajustes e reajustes;
b) cada sociedade tem seus mecanismos de
controle para regular as influências eventuais de elementos
externos ou internos que ameacem seu equilíbrio;
c) “desvio” e “disfunção” fazem parte da
concepção do sistema que, por meio dos mecanismos
próprios de controle tendem a ser absorvidos, produz a
integração;
d) a integração se consegue pelo consenso a partir
de crenças, valores e normas compartilhadas socialmente
pelo subsistema que interagem constantemente e se
reforçam mutuamente;
e) progresso, desenvolvimento e mudanças são
adaptativos, direcionam-se para a revitalização do sistema
e são absorvidos no seu interior. As mudanças não atingem
a estrutura.
Como destaca Mioto (2004b; 2010), nessa
perspectiva teórico-metodológica a família era vista como
problema e o tipo de atendimento proposto estava
relacionado aos objetivos institucionais e não pelas
necessidades apresentadas pelas famílias. Centrava sua
intervenção na dinâmica interna (nos conflitos) das famílias,
nas personalidades de seus membros, nos recursos internos.
As ações profissionais estavam calcadas na perspectiva da
funcionalidade erelacionadas a processos de integração e
controle social (Mioto, 2004a).
54
Em relação aos estudos da família que iluminaram
as intervenções e as práticas sociais de um modo geral,
evidenciamos as referências teóricas de Ariès e Parsons,
com discussões da família moderna, nuclear, marcada pelas
características do casal heterossexual com filhos, de
isolamento e independência em relação à parentela, relações
afetivas entre os membros, privacidade, dentre outras, além
da ideia parsoniana de família como fábrica da formação
da personalidade e, consequentemente, das patologias.
Os valores e papéis integrativos não são
questionados, antes reforçados para a integração e harmonia
do todo, fundados nos papéis sexistas do homem provedor
e a mulher como dona de casa, cuidadora e socializadora.
O modelo nuclear descrito por Ariès (1981) e
Parsons (1980) foi retratado como modelo ideal e
hegemônico da sociedade burguesa, ao qual a superestrutura
jurídica, ideológica e política buscou difundir e proteger,
considerando como ilegítimos e ilegais as outras formas de
vida familiar que não se adequavam ao modelo.
Dentre as repercussões no trabalho com famílias,
destacam-se: o enfoque orientador do trabalho nessa
perspectiva é psicologizante e moralizador, centrado no
indivíduo e na família, em que os profissionais atuam
normativamente na vida da família (com base nos papéis
esperados para cada sexo e em como manter a harmonia
familiar, gerando personalidades sadias).
Os problemas sociais são vistos como resultantes
da crise de formação moral, intelectual e social dos
membros da família, portanto são tratados no âmbito
individualizado e como foco no comportamento e conduta
dos indivíduos.
55
Conforme Mioto (2010), esse referencial teórico-
metodológico trouxe como consequências:
• Compreensão das relações sociais no plano
imediato e a solução dos problemas sociais como
responsabilidade dos próprios indivíduos (e famílias);
• O acesso aos auxílios e serviços vinculados a
mudanças nos modos de vida das famílias;
• Trabalho com famílias numa perspectiva
terapêutica e seus problemas como alvo de terapias
individual ou grupal;
• O enfrentamento dos problemas é visto e
analisado como tratamento e busca de cura; logo visto como
doença, desvio, desajustamento do sujeito;
• Problemas decorrentes das incapacidades
individuais de gerir os problemas da família e cumprir com
suas funções de criar, cuidar, educar seus membros;
• Foco da ação socioterapêutica e socioeducativa
nos conflitos internos e na aprendizagem de habilidades e
novos comportamentos.
Ainda conforme a autora, os procedimentos
profissionais como os estudos sociais e psicossociais
apresentam julgamentos morais mais que as condições
objetivas e subjetivas de vida das famílias, numa sociedade
que gera desigualdades sociais. Os instrumentos e técnicas
são majoritariamente direcionados para o processo de
averiguação e controle dos modos de vida das famílias.
Esse referencial fundamentou ainda uma visão
da intervenção social como temporária e esporádica,
depois de esgotada as possibilidades e recursos da própria
56
família ou até a família aprender a resolver os problemas
sozinha.
Esse referencial teórico-metodológico promove a
alienação do trabalho social, encarado numa perspectiva de
tratamento/cura dos problemas sociais, como se estes fossem
individuais, uma intervenção que é cerceadora da autonomia
das famílias, da sua condição de sujeito e da realidade social
como totalidade contraditória. Além disso, esse referencial
contribui para a difusão do modo de organização familiar
hegemônica (nuclear) e de vida burguês (valores).
3.1.2 Trabalho com famílias iluminado por esta
perspectiva teórico-metodológica
Segue uma lógica programática (do que já foi
programado pelo profissional ou equipe), centralizado e
verticalizado, em que o planejamento e avaliação não
inserem os indivíduos e representantes familiares.
Consequentemente, as ações não são negociadas, ao
contrário, são autoritárias, verticalizadas, regidas pela
autoridade do profissional e do seu saber, adequadas aos
objetivos institucionais.
Trabalho socioeducativo como transmissão de
conhecimentos e informações unidirecional e sem
problematização ou discussão e de modo que a família siga
regras impostas institucionalmente ou socialmente e
culturalmente esperadas para os sexos. As práticas
profissionais são, nessa direção, atravessadas pela reprodução
de estereótipos de gênero e gerações e reproduzem valores
hegemônicos não problematizados. Essas ações são
fundadas em julgamentos morais na prescrição de papéis
associados à posição do sujeito na família e ao seu sexo.
57
Nessa perspectiva dos papéis, o papel do profissional
é ditar comportamentos que julgam saudáveis e em série e o
papel do usuário é cumprir indiscriminadamente tudo que
lhe é imposto. Veem-se os comportamentos familiares como
geradores dos problemas sociais que enfrentam, sendo esses
alvos de julgamentos, punições, de críticas, sem situá-los no
contexto social mais amplo gerador de desigualdades e
exclusões que afetam as relações familiares.
O foco da intervenção são as relações familiares
(resolução de conflito ou mediação extrajudicial de
conflitos), e não a política social e o suporte que pode
oferecer, os serviços, a garantia de direitos, entre eles o
direito à convivência familiar e comunitária.
O atendimento individual é de mero
aconselhamento e o acompanhamento grupal é numa
perspectiva terapêutica/reforma intelectual e moral das
famílias, de modo que aprendam umas com as outras e do
aconselhamento de como cuidar e educar seus filhos,
promover socializações menos rebeldes, gerir recursos
internos advindos de benefícios ou não, administrar seus
conflitos, ser bons pais e cumprir seus papéis
adequadamente.
3.1.3 Teoria sistêmica
A teoria sistêmica é outra corrente positivista e
próxima ao funcionalismo. Foi formulada por Von
Bertalanffy em 1936 e tem sido aplicada por diversas
profissões das Ciências Sociais, Psicologia, Filosofia,
Ciências Médicas, Serviço Social, Psiquiatria e em diferentes
áreas como a saúde, a assistência social, sociojurídico,
educação, dentre outras.
58
Segundo Silva (2006), a definição de sistemas
estaria atrelada a um conjunto de partes inter-relacionadas
e interdependentes, arranjadas de forma a produzir um todo
integrado e harmônico, semelhante à perspectiva
funcionalista.
De acordo com Pinto, Oliveira e Coutinho (2011,
p. 6):
Sistemas possuem estruturas e processos. A
estrutura é formada pela relação dos
componentes entre si e entre outros sistemas.
Os processos envolvem transmissão de matéria,
energia, ou informação dentro de um sistema
ou em cruzamento de fronteiras sistema-
ambiente.
Pensando o objeto família para essa corrente, ela
(a família) influencia e é influenciada pelos outros sistemas,
e adota estratégias para manter o equilíbrio e o bem-estar
familiar.
Para Minuchin (1999), família é um sistema com
estrutura, padrões e características que formam a
estabilidade e mudanças. A família significaria uma pequena
sociedade humana, onde os membros possuem contato
direto, laços emocionais e uma história compartilhada.
A abordagem sistêmica enfatiza que a família é
um sistema constituído pelo microambiente e pelo
macroambiente. O microambiente é composto pelo sistema
social, vizinhos, parentes, indivíduos, dentre outros. O
macroambiente integra os sistemas político, religioso,
econômico, cultural, etc. Em ambos os sistemas ocorrem
interações entre os componentes da família e as redes
59
sociais, sendo assim, estão sujeitos a alterações na estrutura
e organização, especialmente no que se refere aos papéis e
às normas de cada indivíduo.
O pensamento sistêmico é uma maneira de olhar
a realidade como uma ferramenta para imaginarmos o
mundo, ressaltando o interesse pelas relações e
interconexões entre as partes, uma forma de pensar,
compreendendo e observando os elementos, colocando-os
dentro de um contexto (Capra, 1996).
A dificuldade dessa corrente para análise dafamília
e da realidade social em que se insere está na compreensão
da realidade como um todo, que é resultante das somas das
partes, harmônicas entre si, e visando sempre o equilíbrio.
As mudanças, quando ocorrem, são adaptativas. Entretanto
a família não é um todo ou uma parte deste, homogênea e
indiferente às diferenças, contradições e desigualdades, ela
é conflituosa, ou seja, a família é ambígua e contraditória,
perpassada por relações de poder, hierarquias, diferenças
de gênero e gerações, dominação e subjugação e também
de cooperação, solidariedade e afetividade.
Os papéis sociais, para essa corrente teórica, são
diferentes, mas complementares e essenciais para o
equilíbrio do todo, logo não são problematizados e
compreendidos como dominadores e reprodutores de
desigualdades, como traços culturais fundados no sexismo,
no patriarcado moderno, nas assimetrias de gênero. Uma
postura de neutralidade ou parcialidade multilateral é
assumida por essa perspectiva teórica, que termina
reproduzindo a tradicional divisão sexual do trabalho e os
papéis sexistas, além de culpabilizar a família, especialmente
as mulheres/mães, pelos problemas enfrentados pelos filhos.
60
A interação familiar, a resolução de conflitos e
problemas buscados pelas terapias familiares tornam
totalmente invisíveis as diferenças de poder no interior das
famílias, compreendendo os problemas vividos como
patológicos e sujeitos à cura pela terapia.
As análises micros, embora contextualizadas, não
se relacionam com a totalidade, enquanto relações de
produção e reprodução da sociedade capitalista, em
diferentes contextos ou modelos de acumulação. Assim as
análises macro não atingem a totalidade contraditória. A
realidade é uma totalidade contraditória e não um todo
harmônico e integrado, é síntese de múltiplas determinações
em processo de construção, reprodução e mudanças,
unidade de contrários.
3.2 Referencial marxista/histórico dialético ou da Teoria
Crítica
O marxismo2 parte de uma compreensão da
realidade na sua dimensão histórica (dinamicidade,
provisoriedade e transformação) e ontológica. Portanto a
realidade como uma totalidade de fenômenos econômicos,
políticos, sociais e culturais inter-relacionados (denominado
de modo de produção) em que a consciência é produto das
condições materiais de existência3, por isso, uma
2 As ideias do marxismo, para os fins desse artigo, são apenas esquemáticas,
necessárias exclusivamente para identificar a perspectiva teórico-metodológica a
partir de um punhado de características, não esgotando a complexidade do
referencial, das diferenças e aproximações entre as correntes que a compõem.
3 Segundo Marx e Engels (1989, p. 20), “a produção das ideias, das representações
e da consciência está a princípio, direta e intimamente ligada à atividade material
e ao comércio material dos homens; ela é a linguagem da vida material. As
representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens aparece aqui
como emanação direta de seu comportamento material”.
61
superestrutura (jurídica, política e ideológica), com relação
orgânica com a infraestrutura.
Nessa perspectiva, a totalidade é uma unidade de
contrários, portanto é dialética. Essa dialética exprime o
modo se ser do real e o método de apreendê-lo, exprime o
movimento contraditório do real e suas tendências de
negatividade e transformação. Porém essa realidade é
também histórica, perspectiva que rompe com o
determinismo, pois compreende a realidade em seu
movimento interno e ontológico e de construção
permanente. Realidade como criação dos homens sob
condições determinadas4. Homens, enquanto classe, podem
promover mudanças nas condições de produção e na
superestrutura política, jurídica e ideológica.
Essa perspectiva, materialista histórico-dialética,
oferece uma interpretação da história a partir das relações
sociais de produção e reprodução social e com destaque
para a luta de classe como motor dessa história.
O método para conhecer essa realidade, para além
da sua aparência, é também o dialético crítico ou
materialista histórico-dialético, diferente do método dialético
hegeliano, porque o ponto de partida e de chegada é sempre
a realidade ontológica:
Não partimos do que os homens dizem,
imaginam e representam, tampouco do que eles
são nas palavras, no pensamento, na imaginação
4 Ainda de acordo com Marx e Engels (1989, p. 20), “são os homens que
produzem suas representações, suas ideias etc., mas os homens reais, atuantes,
tais como são condicionados por um determinado desenvolvimento de suas
forças produtivas e das relações que a elas correspondem, inclusive as mais
amplas formas que estas podem tomar”.
62
e na representação dos outros, para depois
chegarmos aos homens de carne e osso; mas
partimos dos homens em sua atividade real, é a
partir do seu processo de vida real que
representamos também o desenvolvimento dos
reflexos e das repercussões ideológicas desse
processo vital (Marx; Engels, 1989, p. 19).
Embora o papel da ciência seja superar a aparência
dos fenômenos, nem sempre ela conseguiu superar essa
aparência, pela limitação dos métodos e concepções de
mundo. A concepção marxista leva em conta aspectos da
realidade, especialmente aquela enfatizada pela sociedade
capitalista, que parte do fato concreto5 (todo caótico) ao
abstrato (que retrata as categorias simples) e deste abstrato
ao concreto pensado (totalidade rica de determinações e
mediações), ou seja, a realidade desnudada, na sua essência6.
Analisando os impactos da adoção dessa
perspectiva teórico-metodológica na profissão de Serviço
Social, desde os anos 1980, Mioto (2010) destaca que esse
5 Os primeiros elementos do fenômeno que se quer conhecer aparecem como
algo que pode ser capturado pelos sentidos, algo ainda superficial, imediato,
aparência, ou seja, a realidade empírica como se apresenta. Essa visão é de um
todo caótico que, mediante análises, chega a conceitos mais simples, “[...] através
de uma determinação mais precisa, através de uma análise chegaríamos a conceitos
cada vez mais simples; do concreto figurado passaríamos a abstrações cada vez
mais delicadas até atingirmos as determinações mais simples” (Marx, 2003, p.
247). Depois desse percurso, é preciso voltar ao ponto inicial: “[...] seria
necessário caminhar em sentido contrário até chegar finalmente de novo à
população, que não seria, desta vez, a representação caótica de um todo, mas
uma rica totalidade de determinações e relações numerosas” (idem).
6 Para Fernandes (2005, p.5), “na relação entre fenômeno e essência, esta não se
manifesta diretamente aos investigadores porque fenômeno e essência não se dão
ao mesmo tempo. A essência, apenas sob certos aspectos, de forma parcial, se
manifesta no fenômeno. O fenômeno esconde a essência, ao mesmo tempo em
que a indica de alguma maneira. A “coisa em si”, a “estrutura oculta da ciosa”
deverá ser desvendada por quem quer compreender o real”.
63
novo paradigma operou duas mudanças fundamentais para
se repensar o trabalho com famílias:
1) uma nova possibilidade de interpretação da
demanda e dos problemas sociais (não são vistos como
problemas individuais/familiares, não são casos de famílias,
não estão no campo da competência ou incompetência dos
sujeitos) analisados como expressões de necessidades
humanas não satisfeitas e decorrentes da estrutura desigual
e excludente da sociedade capitalista;
2) nova direcionalidade das ações profissionais: a
categoria dos Direitos e da Cidadania passa a mediar o
encaminhamento das ações profissionais, que tratam as
famílias como sujeitos de direitos e que precisam ser
cuidadas, apoiadas e protegidas para que se garanta o direito
à convivência familiar e comunitária.
Ainda segundo a autora, dentre os requisitos para
o trabalho com famílias numa perspectiva crítica destacam-
se os seguintes.
1 - A delimitação de determinada concepção de
família que supere as visões clássicas e hegemônicas de
família, compreendendo essa como um espaço que se
constrói e se reconstrói, histórica e cotidianamente, a partir