Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DANO MQRAL MARIO MOACYR PORTO Professor Emérito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte — Advogado SUMARIO: 1 Dano moral — Abordagem epistemológica dos fundamentos da sua reparação — Vacuidade e inanidade das objeções à sua admissi- bilidade. 3 Legislação brasileira — Pena privada — A dupla ação do her- deiro. 3 £ transmissível, por direito hereditárioj- a ação de reparação do dano extrapatrimonial?. 4 A morte do ofendido é condição "sine qua" para que o parente promova contra o culpado uma ação de indenização do dano resultante do sofrimento moral que pessoalmente experimenta com o infortúnio irremediável da vítima?. 1 Dano moral — Abordagem epistemoló- gica dos fundamentos da sua reparação — Vacuidade e inanidade das objeções à sua admissibilidade A reparação do dano moral não se im- pôs tranqüilamente na doutrina e na ju- risprudência, quer pátria, quer alienígena. Percorreu um controvertido caminho, uma via-crucis de avanços e recuos. Hoje, praticamente, o assunto ou pendência se pacificou e as próprias legislações de di- ferentes países acolhem expressamente a regra de que o prejuízo extrapatrimonial é uma ocorrência que, tanto como o dano patrimonial, enseja indenização. O art. 65 do Código das Obrigações da Polônia dispõe: "Em caso de lesão cor- poral ou alterações de saúde, de privação de liberdade ou atentado à honra, o tri- bunal pode atribuir à vítima, ou a uma instituição que designar, uma soma ra- zoável, a título de satisfação pelos sofri- mentos físicos e pelo sofrimento moral". E o art. 185 do anteprojeto de reforma do Código Civil, que tramita na Câmara dos Deputados, dispõe: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direitos e causar danos a outrem, ainda que simplesmente moral . . . " Na verdade, as objeções que, no pas- sado, se ofereciam ao ressarcimento do dano moral — algumas delas ainda re- calcitrantes na teimosia de poucos — não resistem a uma análise isenta de pre- conceitos. Dizer-se, p. ex., que a "dor não tem preço", ou que estimá-la em dinheiro é simonia intolerável, é raciocínio de ne- felibata desterrado da vida. Primeiro, não procede a crítica de que se quer merca- dejar com o sofrimento, transformar a angustia em objeto de mercancia rendosa. A indenização — é bom registrar — é uma reparação satisfatória doublé de pena privada. Atenua as conseqüências do sofrimento injusto e castiga o res- ponsável pelo injusto sofrimento que in- fligiu. Sérgio Porto, um autor nada orto- doxo, dizia que "dinheiro não dá felici- dade. Compra". Tirante o deliberado ci- nismo da boutade, ninguém pode negar que o vil metal, em uma economia de mercado, é poderoso refrigério aos tor- mentos do corpo e da alma. A vantagem, a compensação, é necessária, até mesmo DOUTRINA (CÍVEL) 37 no plano transcendental. Suprima-se o céu das religiões que nenhuma delas so- brevive. Além do mais, o art. 159 do CC não contém a mais mínima limitação ao dever de indenizar os prejuízos que decorrem da violação de direitos. Como excepcio- nar, então, o que a lei não excepciona e restringir o que a sistemática do Có- digo favorece e dilarga? Diz-se, a título de contestação séria, que o dano moral é inestimável, que é impossível regrá-lo pelos parâmetros dos bens materiais etc. Ora, o mesmo acontece, as mais das vezes, com a lesão de um bem material ou corporal. Como seria possível calcular, com satisfatória equivalência, o valor, em dinheiro, da perda da visão ou a des- truição de uma famosa tela? O argu- mento, como se vê, prova demais, o que eqüivale a não provar nada. 2 Legislação brasileira — Pena privada — A dupla ação do herdeiro No Brasil, não é mesmo de se entender qualquer dúvida quanto à ressarcibilidade do dano moral ou extrapatrimonial. O art. 76 do CC expressamente admite sua indenização. Clóvis Beviláqua, de incon- trastável autoridade, escreve: "Se o inte- resse moral justifica a ação para de- fendê-lo, é claro que tal interesse é inde- nizável, ainda que o bem moral não se exprime em dinheiro. É por uma necessi- dade dos nossos meios humanos, sempre insuficientes, e, não raro, grosseiros, que o Direito se vê forçado a aceitar que se computem em dinheiro o interesse de afeição e outros interesses maiores. Este artigo (76), portanto, solveu a controvér- sia existente na doutrina e que, mais de uma vez, repercutiu em nossos julga- dos".! Os arts. 1.547 e 1.550 reforçam a con- vicção. Por sua vez, o art. 191, parágrafo uaico, do nosso Código é outro suporte tegal da permissividade da ação de re- paração em referência.2 O art. 191 en- tronca-se no art. 197 do CC francês, que, f ° entendimento dos melhores intérpre- tes, justifica a ação de indenização do aano moral.s C o n v é m sublinhar, em face da resis- den?* ^U e a a s s e r t i v a suscita, que a in- voco*5*0 do dano moral tem um inequí- mal «S*bor d e Pena, de represália pelo ajusto, Ê de hábito dizer-se que a pena privada é um resíduo bárbaro, in- compatível com os nossos foros de gente soit disant civilizada. O nosso Código Ci- vil desautoriza, copiosamente, tal con- clusão. Entre outros, os arts. 155, 1.095, 1.531, 1.446, 1.780 etc. impõem aos faltosos sanção francamente expiatória, uma jus- ta represália corregedor a. São freqüentes os julgados que admi- tem o ressarcimento do dano moral quando do sofrimento resulta um pre- juízo material. É, talvez, o equívoco mais encontradiço nas sentenças e acórdãos. A confusão, a nosso ver, advém do se- guinte: um dano moral quase sempre acarreta um prejuízo material. Como es- clarecem Mazeaud e Mazeaud: "É raro um prejuízo moral que não acarrete um prejuízo material. Um ferimento causa sofrimentos à vítima: sofrimento moral; mas também um prejuízo pecuniário: despesas médicas, incapacidade para o trabalho. Uma difamação constitui um atentado à honra: prejuízo moral; mas também, quase sempre, um prejuízo ma- terial; perda de uma posição".* A verdade é a seguinte: se a causa do prejuízo -material foi uma razão de ordem moral, nem por isso o dano deixa de ser material, e, como tal, deve ser ressarcido. Acontece, porém, que algumas vezes, o dano é puramente moral, afetivo, po- dendo apenas eventual e secundariamente repercutir nos bens materiais do ofendido, sem comprometer, entretanto, sua auto- nomia, como no caso de escarnecer al- guém publicamente por motivo de crença ou função religiosa (ar t 208 do CP). Este prejuízo é singular e ressarcível. Por outro lado, certos artigos do Código Civil parecem excluir, deliberadamente, a pos- sibilidade de reparação do dano moral, como sucede com o art. 1.537, referente à indenização no caso de homicídio. Assim, a indenização por dano moral es- taria circunscrita às hipóteses previstas em lei e jamais se estenderia, como regra, a outras ocorrências. Este argumento ou convicção é do especial agrado de muitos, inclusive dos que se declaram favoráveis ao ressarcimento do dano moral, como Clóvis etc. Há um ponto de essencial importância, sobre o fato da morte e das suas conse- qüências em relação aos herdeiros, que tem sido negligenciado pelos nossos ju- ristas. É o seguinte: o herdeiro tem duas 38 RT-590 — DEZEMBRO DE 4984 ações distintas, independentes, contra o autor ou responsável pela morte. Uma, fundada no direito hereditário, para ha- ver do responsável uma reparação corres- pondente ao crédito que a vítima tinha contra este último, direito que, incorpo- rado ao patrimônio da vítima, se trans- mitiu aos seus herdeiros (arts. 928 e 1.526 do CC). Outra resultante do seu di- reito individual de haver do responsável uma reparação pelo prejuízo que pessoal- mente sofreu com a ofensa injusta. A ação prevista no art. 1.537 é a que cabe ao herdeiro comosucessor do' de cujus. Tão diferentes são as duas ações que, entre outros pontos que as distinguem, respigamos os seguintes: 1) a transação feita em relação a uma "ação em nada afeta a outra, o mesmo acontecendo em relação à coisa julgada; 2) uma cláusula de nào indenizar ou que limite o quan- tum da indenização firmada 'entre a ví- tima e o responsável pelo dano em' nada repercute no direito pessoal do herdeito de demandar, jure próprio, uma indeni- zação pelo prejuízo que sofreu com a morte; 3) os créditos ou pagamentos ob- tidos pelos herdeiros nas ações pessoais contra o responsável não são dívidas da sucessão, e, como tais, escapam à co- brança dos credores do de cujus ou da herança.s A quem interessar um mais detalhado conhecimento sobre o assunto, recomen- damos a leitura de Mazeaud, Mazeaud e Tunc.e Savatier? e Lalou.s Outro ponto que entre nós ainda não se arraigou como verdade inconteste: a dor, o sofrimento físico ou moral, é um fato. Independe de relações de parentesco e muito menos se vincula às obrigações de natureza alimentar. Daí não existir uma dor legal, ilegal ou paralegal, como diz André Tunc. Importa, apenas, saber se a dor, que é um fato, causou um pre- juízo injustos Por essas razões, possivel- mente, o STF, após muitas vacilações, firmou, em duas das suas "Súmulas": "É indenizável o acidente que cause a morte do filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado". E: "Em caso de acidente de trabalho ou de trans- porte, a concubina tem direito a ser inde- nizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimentos". Tais "Sú- mulas" aparentemente conflitam com os arts. 76 e 1.537 do CC. Aliás, parece-nos que o art. 3.° do CPC eliminou o pará- grafo único do art. 76 do CC. Não cabe mais a limitação "quando toque direta- mente ao autor, ou à sua família". E o interesse não necessita ser demons- trado "legítimo", ab initio, isto é, ser um interesse juridicamente protegido. O qua- lificativo "legítimo", quando improvado, acarreta apenas a improcedência da ação, salvo engano. Interessante registrar que muitos julgados dos nossos Tribunais fri- sam que a indenização em caso de morte de menor que não prestava ajuda mate- rial aos seus pais resultaj da considera- ção de que o menor, se mais tempo 'Vi- vesse, se tornaria maior e, provavelmente, ajudaria materialmente seus progenitores. Pelo visto, apóiam-se tais decisões em meros e incertos juízos de probabilidade. As conclusões estão certas (cabimento da indenização), mas os fundamentos estão errados. O que se indeniza, no caso, é o dano moral, o sofrimento afetivo, A Súmula 491, acima citada, é a confirma- ção de que o„art. i.537 não exclui ou não é incompatível com a indenização do dano moral. 3 É transmissível, por direito hereditário, a ação de reparação do dano extrapatri- monial? Outro problema que intimamente se liga à questão debatida é o que respeita à transmissibilidade, por direito heredi- tário, do dano moral ou sofrimento moral e físico experimentado pelo de cujus no período compreendido entre as lesões re- cebidas e a morte conseqüente. Quando a morte é instantânea, parece-nos irrepli- cável que nenhuma ação cabe aos her- deiros pelo sofrimento do morto, em que pese ao parecer em contrário dos Ma- zeaud e Tunc.1» Afigura-se-nos ainda in- contestável que, por ato entre vivos, não é válida a transmissão do direito de ação, pois seria moralmente reprovável que se mercadejasse com os sentimentos da pes- soa falecida. Cremos, ainda, que o fato de o de cujus não ter promovido ação de indenização por dano moral no período que antecedeu o desenlace não impede a ação do herdeiro, pois o fato de o ofendido não ter tomado a iniciativa de propor a ação não importa renúncia, pois renúncia não se presume. Ademais, o es- tado de saúde do doente, a aflitiva si- tuação de quem foi atingido mortalmente, não abre ensanchas à iniciativa da pro- AJV^U J.£\i±lVM\ L V ^ V UXJJ positura de uma ação de indenização. Es- coimada a questão principal das querelas menores, impõe-se repetir a indagação: O sofrimento físico e moral, em suas di- ferentes nuanças, transmite-se aos her- deiros e, na hipótese afirmativa, habilita estes a promover contra o culpado uma ação de indenização por dano moral? Bons autores, excelentes autores, respon- dem negativamente." Desnecessário acres- centar ou esclarecer que dúvida alguma existe quanto à possibilidade da ação quando o herdeiro pleiteia em seu pró- prio nome, isto é, pleiteia o ressarcimento do dano de natureza afetiva que pessoal- mente sofreu com a morte. A dificuldade está em saber se o herdeiro, a título de sucessor da vítima, pode promover a ação em causa, questão que se liga à trans- missibilidade ou não da ação que cabia ao morto contra o autor do dano. Wilson Melo e Silva, autor da monografia O Dano Moral e sua Reparação, trabalho por todos os títulos meritório, acolhe o generalizado entendimento: "Não existe, pois, o "jus" hereditário relativamente aos danos morais, tal como acontece com os danos puramente patrimoniais. A per- sonalidade morre com o indivíduo, arras- tando atrás de si todo o seu patrimônio. Só os bens materiais sobrevivem ao seu titular".1* O argumento principal em abono da tese da intransmissibilidade da ação aos herdeiros consiste na afirmativa, até certo ponto verdadeira, que a dor moral, o sofrimento físico, é algo entranhada- mente pessoal. Como diz Esmein, o her- . deiro "n'a pas suffert Ia suff rance du défunt". Mas não é isto que se quer ou não é isto o que se defende. O sofrimento, em si, é intransmissível, a dor não é "bem" que componha o patrimônio do de cujus. O que se transmite, por direito hereditário, é o direito de acionar o res- ponsável, é a faculdade de perseguir em juízo o autor do dano, quer material ou morai. Tal direito é de natureza patri- monial, e não extrapatrimonial. Leon Mazeaud, ao nosso ver, coloca a questão aentro do seu verdadeiro quadro: O her- deiro não sucede no sofrimento da víti- o a« t 1 ^ 0 s e r : i a razoável admitir-se que a s ° f r "nento do ofendido se estendesse ment e r d e Í r o e e s t e ' f a z e n d 0 s e u ° s o f r i - a fim /f° m o r t o , acionasse o responsável é TO de indenizar-se da dor alheia. Mas cusável 1 u e ° herdeiro sucede no direito de ação que o morto, quando vivo ainda, tinha contra o autor do dano. Se o sofrimento é algo pessoal, a ação de indenização é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos herdeiros. Sem dúvida a indenização paga ao herdeiro não apaga ou elimina o sofrimento que afligiu a vítima. Mas também é certo que, se a vítima, ela mesma, houvesse rece- bido uma indenização, não eliminaria igualmente a dor que houvesse padecido. O direito a uma indenização simples- mente ampliou o seu patrimônio. A inde- nização cumpre a sua finalidade compen- satória, antes como depois do falecimento da vítima, com as mesmas dificuldades que resultam da reparação de um pre- juízo moral por uma indenização pe- cuniária. O dano moral, por ser de na- tureza extrapatrimonial, não comunica essa particularidade à ação de indeni- zação"." Seguindo literalmente a linha de pen- samento de Mazeaud, acrescente-se que os sofrimentos, de uma certa intensidade e de uma certa duração, podem ser esti- mados em dinheiro. Têm um preço, que a vítima pode reclamar. O crédito que emerge deste preço, o direito à repara- ção pecuniária do dano moral, enfim, a faculdade de postular em juízo uma in- denização, são de natureza patrimonial. S como o herdeiro sucede ao morto em seus direitos e ações, segue-se que o her- deiro tem, por direito hereditário, a fa- culdade de perseguir judicialmente uma reparação pecuniária pelo prejuízo que injustamente infligiu-seao de cujus. A Corte de Cassação da França pôs termo à controvérsia em aresto de prin- cípios, em que aborda todas as questões qúe o assunto Costuma suscitar: "A vítima de um dano, qualquer que seja a sua natureza, tem direito a obter uma indenização daquele que o causou por sua culpa. O direito à reparação de um dano resultante de sofrimento físico suportado pela vitima antes de sua morte, nascido em seu patrimônio, transmite-se aos seus herdeiros. "Do mesmo modo, o direito à reparação do dano resultante do sofrimento moral suportado pelo pai em razão da morte do filho (vítima de um acidente, de res- ponsabilidade de um terceiro), nascido em seu patrimônio, transmite-se, com a morte, aos seus herdeiros, os quais podem xv x -oa\t • XJXUZ* .U1.VXJ_>J. \t \_r demandar uma indenização do prejuízo, mesmo que o pai não tenha promovido uma ação antes de sua mor te ."" Comentando o aresto acima, diz Geor- ges purry, da Universidade de Paris: "A Câmara Mista pôs termo à questão. Aquele que é vítima de um dano, seja qual for a sua natureza, tem direito a uma indenização. Este direito faz parte do seu patrimônio. Por conseguinte, se vem a morrer, seus herdeiros o substituem para efeito de obter uma indenização"." Por fim, o parecer abalizado de um renomado especialista brasileiro: "A ação de reparação é transmissível? Não há princípio algum que a isso se oponha. A ação de indenização se transmite como qualquer outra ação ou direito aos su- cessores da vítima. Não se distingue, tam- pouco, se a ação se funda em dano moral ou patrimonial".1» 4 A morte do ofendido é condição "sine qua" para que o parente promova contra o culpado uma ação de indenização do dano resultante do sofrimento moral que pessoalmente experimenta com o infortú- nio irremediável da vítima? Uma outra pendência, que decorre, como um corolário, da questão anterior: para que o parente possa intentar contra o responsável pelo injusto sofrimento mo- ral uma ação de indenização, é de mister que a vítima tenha falecido? A dúvida, que, entre nós, jião suscitou ainda interesse e discussão, divide a dou- trina e a jurisprudência dos Tribunais franceses. Parece-nos que, em determinadas cir- cunstâncias, a morte do ofendido não é condição sine qua para a propositura da ação de indenização por dano moral. Figuremos a hipótese de um moço que, por culpa de terceiro, sofre uma lesão que lhe acarreta paraplegia irremediável. A aflição, a angustiante certeza da irre- parabilidade da invalidez, é, algumas ve- zes, mais acabrunhadora que a morte imediata. Por que, então, a sobrevida ve- getativa da vítima deverá se constituir em obstáculo a que seus pais, invocando sofrimento próprio, pessoal, promovam, vitoriosamente, ação de indenização por áano moral contra o responsável? Na França a questão tende a pacificar-se no sentido da admissibilidade da ação.1' Entre nós, os arts. 1.538 e 1539 do CC seriam, aparentemente, um obstáculo à ação dos pais. Mas só na aparência. Não é a morte que legitima o interesse, mas o sofrimento real e injusto. Os arts. 159 do CC e 3.° do CPC não contêm casuísmos limitadores do dever de indenizar o dano inescusável. Logo, a negativa não se arri- ma em razão convincente. A ação, pelo visto, cabe não só para mitigar o sofri- mento da vítima por ricochete como para impor ao culpado uma pena pecuniária pelo mal que praticou. *0 N O T A S 1. Clóvis Beviláqua, Código Civil Comentado, vol. 1, comentários ao art. 76. 2. Clóvis Beviláqua, ob. e vol. eits., comentá- rios ao art. 191; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. V/70. 3. Planiol e Ripert, Traité Pratique de Droit Civil Françals, par Rouast, vol. 2/191; Josserand, Cours de Droti Civil Françals, vol. 1, n. 769. 4. Mazeaud e Mazeaud, Leçons de Droit Civil, 6.» ed., t. 2, vol. 1/395, 1978, n. 417. 5. V. nosso Ação de Responsabilidade Civil e Outros Ensaios, São Paulo, Ed. RT, 1966, p . 12. 6". Mazeaud, Mazeaud e Tunc, Traité Théorique et Pratique de ia Responsablllté Civile, vol. 2/873- 839, ns. 1.901 e 1.902. 7. Savatier, Traité de Ia Responsablllté Civile, vol. 2/116-119, ns. 539 e 546. 8. Lalou, Traité Pratique de ia Responsablllté Chile, n. 654, pp. 442 e 443. 9. R. Rodière, La Responsabilité Civile, n. 1.608. 10. Mazeaud, Mazeaud e Tunc, ob. e vol. cits., n. 1.912. 11. Beudant, Cours de Droit Civil Françals, t. 4, n. 1.245; Demogue, Traité Élémentalre des Obligatlons en General, t. 4, n. 414; Ripert e Planiol, Traité Élémentalre de Droit Civil, t. 2, n. 1.008; R. Nerson, Les Droits Extrapatrimonlaux, 1939, n. 203, pp. 453 e ss. 12. Wilson Melo e Silva, O Dano Moral e sua Reparação, p. 469. 13. Leon Mazeaud, Recueii Critique Dalloz, 1943, p . 46. 14. Acórdão de 30.4.76, Câmara Mista, in Recueii Dalloz Sirey, 1977, p. 185. 15. In Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1978, p. 556. 16. Aguiar Dias, Da Responsabilidade Civil, 6.* ed., -vol. 2/506, n. 251. 17. Mazeaud, Mazeaud e Tunc, ob. cit., vol. 1, n. 326; Beudant, ob. cit., vol. 9, bis, n. 1.610; Lalou, ob. cit., n. 156, bis. E PARECERES CONTRATO ADMINISTRATIVO: ATRASO NO PAGAMENTO O reajustamento contratual de preços não exime a Administração da obrigação de corrigir os pagamentos e indenizar o contratado pelos prejuízos ocasionados por sua mora — A correção monetária destina-se apenas a atualizar o valor das prestações em atraso, ao passo que a indenização visa a cobrir os prejuízos decorrentes desse mesmo atraso. HELY LOPES MEIRELLES Advogado e Professor de Direito em São Paulo CONSULTA A consulente expõe que mantém com o Departamento de Águas e Energia Elé- trica do Estado de São Paulo — DAEE dois contratos para a execução das obras de canalização do rio Tamanduateí, neste Município, dos quais não consta prazo para pagamento, mas apenas que "as medições serão encerradas ao término de cada mês e as folhas respectivas, de- vidamente assinadas pelo Departamento e com o "visto" da empreiteira, serão encaminhadas ao órgão contábil, até o 20.° ma útil da mês seguinte" (cláusula 5.3). A princípio, o DAEE vinha realizando ?s pagamentos com pontualidade, isto é, logo após a remessa das folhas de me- t&w° e r e s p e c t i v a s faturas ao órgão con- tábil, mas, de algum tempo a esta data, passou a fazê-los com atrasos cada vez maiores. Isso levou a consulente a lhe Vfc?°ltax c o r r e c a ° monetária dos respecti- °®.v? l o r e s . para compensar os vultosos rebfT?°S ^Ue e s s e s a t r a s o s vêm-lhe acar- rim a d e c o r r e n tes não só da desvalo- "«Çao rja moeda como, também, do custo dos financiamentos a que tem sido obri- gada a recorrer, para prosseguir normal- mente no exercício de suas atividades. Como o DAEE até o momento não se manifestou, a consulente, desejando co- lher subsídios jurídicos para a defesa de seus direitos, apresenta-nos cópias dos contratos 55/81 e 346/82, bem como dos aditivos existentes, e solicita-nos um es- tudo que nos permita responder às se- guintes indagações: l.o É legítima a pretensão da consu- lente no que concerne à correção mone- tária dos pagamentos em atraso? 2.° Além da correção monetária, a con- sulente tem direito ao ressarcimento dos prejuízos causados pela mora do DAEE? 3.° O fato de os contratos mencionados na consulta terem previsto o reajusta- mento de preços e não terem assinalado prazo para os pagamentos constitui óbice às pretensões da consulente? As respostas a esses quesitos exigem examinemos a consulta à luz da doutrina, da legislação e da jurisprudência aplicá- veis à espécie. É o que faremos a seguir.
Compartilhar