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Ana Júlia Cardoso Santos – T69 DEFINIÇÃO A Febre Reumática é uma reação tardia a uma infecção faríngea não supurativa por estreptococos beta- hemolítico do grupo A. A faringite ocorre, em geral, duas a quatro semanas antes do início dos sintomas da doença. As principais alterações clínicas envolvem as articulações (artrite/artralgia), tecido cardíaco (cardite), sistema nervoso central (coreia), pele e subcutâneo. A doença clínica é autolimitada, porém os danos cardíacos podem ser crônicos e progressivos, resultando em descompensação cardíaca e morte, sendo a principal causa de óbito cardíaco antes dos 40 anos nos países em desenvolvimento. EPIDEMIOLOGIA Certos fatores relacionados ao clima, como frio e umidade, favorecem o aparecimento dos estreoptococos e, consequentemente, da FR. Além disso, condições socioeconômicas e ambientais desfavoráveis, desnutrição, falta de higiene etc., aumentam sua incidência e prevalência. • 100 a 206 a cada 100:000 crianças; • 15,6 milhões de casos, com 470 mil novos casos e 233 mil mortes a cada ano. Já a prevalência da doença cardíaca reumática varia de 0,55 a 11 por 1000. • Segundo o IBGE, o Brasil tem 10 milhões de casos de faringotonsilite a cada ano, levando a aproximadamente 30000 casos de febre reumática aguda. • Mais comum entre 5 e 15 anos de idade. • Leve predomínio do sexo feminino e raça não caucasoide ETIOLOGIA O desenvolvimento da FR está associado à infecção de orofaringe pelo EBGA. A proteína M do estreptococo, além de ser responsável pelos diferentes tipos da bactéria, tem potente ação antifagocítica resultante de sua ligação a imunoglobulinas por mecanismos não imunes. Os pacientes com FR apresentam altos títulos de anticorpos contra essa proteína, que tem propriedades de superantígeno e provoca resposta imune exagerada e autoimunidade. • Fatores ambientais e socioeconômicos contribuem para o aparecimento da doença, uma vez que alimentação inadequada, habitação em aglomerados e ausência ou carência de atendimento médico constituem fatores importantes para o desenvolvimento de faringoamigdalite estreptocócica. • Fatores genéticos de suscetibilidade à doença estão diretamente relacionados ao desenvolvimento da febre reumática e de suas sequelas. Há uma associação da doença com os antígenos de classe Ana Júlia Cardoso Santos – T69 II e cada população tem seu próprio marcador (HLA-DR) para suscetibilidade à FR. O alelo encontrado com maior frequência, independente da origem étnica, é o HLA-DR7. FISIOPATOLOGIA Na parede celular do estreptococo encontram-se as proteínas M, R e T, e são elas que determinam a alta antigeniciadade, que leva à formação dos anticorpos. Além disso, a camada média do estreptococo é rica em carboidratos que também possuem propriedades antigênicas. Entre os produtos extracelulares da bactéria destaca-se a estreptolisia O, que é a que determina a antigenicidade. A doença se dá através do mimetismo molecular entre estruturas do estreptococo e tecidos humanos. A similaridade da proteína M com proteínas fibrilares do tecido humano devido a semelhanças tanta na sequência de aminoácidos, como na conformação espacial. Observou-se que o estreptococo também apresenta semelhança antigênica com linfócitos circulantes e com determinadas moléculas HLA. Pacientes com coreia em associação com a atividade da doença apresentavam anticorpos reativos a proteínas ribossômicas do SNC. A presença de linfócitos CD4+ e CD8+ em toda a espessura da parede valvar e a expressão da molécula de adesão da célula endotelial (Vcam- 1) no endotélio valvar podem ter importante papel na patogenia da cardite reumática. Alguns cientistas defendem a hipótese de que o problema primário na patogênese da FR estaria na alteração da função de fagócitos mononucleares, os quais levariam à fagocitose defeituosa e à persistência de imunocomplexos circulantes, que, associados a diminuição do CD8+ e consequente aumento do CD4+, maior produção de anticorpos e formação de imunocomplexos, criariam um círculo vicioso. Ana Júlia Cardoso Santos – T69 DIAGNÓSTICO Não existe sintoma, sinal clínico ou exame laboratorial patognomônico da doença e, portanto, o diagnóstico da FR baseia-se na combinação de achados clínicos e laboratoriais que suportam essa hipótese. Baseado nos critérios de Jones modificados, o diagnóstico é confirmado pela presença de dois critérios maiores ou um critério maior e dois menores, associados à infecção estreptocócica prévia. Existem 2 exceções em que os critérios de Jones não são validos: coreia isolada de etiologia não definida é suficiente para o diagnóstico mesmo na ausência das outras manifestações e cardite indolente, que é o acometimento de válvula mitral e aórtica simultaneamente sem cardite prévia. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A doença caracteriza-se por um processo febril que se manifesta de maneira vaiada: artrite migratória predominantemente de grandes articulações, cardite e/ou valvulite, envolvimento do SNC, rash cutâneo e/ou nódulos e algumas combinações acima. Apesar de não existir quadro clínico típico de FR, existem algumas características clínicas, tais como a poliartrite migratória assimétrica, a pancardite e a coreia, que elevam o valor preditivo do respectivo achado. Artrite • Manifestação clínica mais comum na FR (60 a 80% dos pacientes). • Costuma ser muito dolorosa, com padrão do envolimento poliarticular, migratório, assimétrico. O curso é totalmente resolutivo e não deixa sequelas. O comprometimento articular dura 2 a 3 dias em cada articulação e 2 a 3 semanas no total. • As grandes articulações como joelhos, cotovelos, punhos e tornozelos são as mais afetadas, com as articulações de membros inferiores tipicamente envolvidas no início do quadro. • O envolvimento articular é mais comum e mais grave em adolescentes e adultos do que crianças. • A dor articular é o sintoma inflamatório mais proeminente e quase sempre transitório. A desproporção entre a intensidade da dor (muito dolorosa) e a presença de sinais flogísticos discretos é um achado característico da artrite da FR. Outra característica é a resposta satisfatória aos salicilatos em doses antiinflamatórias. • Em aproximadamente 1/3 dos pacientes com FR o acometimento articular não corresponde ao padrão descrito anteriormente. Alguns consideram isso como artrite reativa pós-estreptocócica, quando não existe a associação com outros sinais maiores da FR. Essa entidade tem envolvimento atípico: menor período de latência entre a faringoamigdalite estreptocócica e o início da artrite (1 Ana Júlia Cardoso Santos – T69 a 2 semanas em vez de 2 a 3 semanas), resposta pobre aos salicilatos ou outros anti-inflamatórios não esteroidais, acometimento de pequenas articulações e coluna, de caráter aditivo e crônico, com rigidez matinal em 20% dos casos. Cardite • Caracteriza-se por acometimento isolado ou associado dos 3 folhetos (pancardite). É a manifestação mais grave da FR, pois pode acarretar valvulopatia, descompensação cardíaca ou até mesmo o óbito. • Esta presente em cerca de 50% dos casos. • PERICARDITE: manifestação clínica menos comum, ocorrendo em 5 a 10% dos casos. o Dor torácica, hipofonese de bulhas e/ou atrito pericárdico ou pode ser assintomática. Tamponamento cardíaco é raro. o Confirmada pelo ecocardiograma. o Raramente vem isolada (afastar outros diagnósticos). • MIOCARDITE: ocorre em cerca de 10% dos casos o Sinais e sintomas de insuficiência cardíaca, como dispneia, tosse, ortopneia, taquicardia, hipofonese de bulhas, ritmo de galope etc. o Diagnóstico eletrocardiográfico. o Isoladamente também é rara • ENDOCARDITE: manifestação mais frequente (90% dos casos) o Ocorre na forma de insuficiência mitral, manifestando-se como sopro sistólico apical, o Inicialmente as válvulas se tornam friáveis, inflamadase regurgitantes, mas, com o tempo, essas alterações regridem, as válvulas se deformam e podem evoluir para estenose. o 0s achados incluem taquicardia, insuficiência cardíaca congestiva, arritmias e atrito pericárdico. Coreia de Sydenham • Movimentos involuntários breves, ao acaso, súbitos, rápidos e arrítmicos, que variam de gravidade. • Caracteriza-se pelo aparecimento de movimentos involuntários do tipo coreico, impersistência motora, fraqueza muscular e distúrbios de fala. Envolve os gânglios da base do SNC e aparece em cerca de 10 a 20% dos casos de FR. • O período entre a faringoamigdalite estreptocócica e o início da coreia é mais prolongado, em média de 2 a 4 meses, podendo se estender até 12 meses. • A labilidade emocional (irritabilidade e choro fácil), a fraqueza muscular e os distúrbios de comportamento, geralmente, precedem o aparecimento dos movimentos coreicos. • Os movimentos involuntários podem comprometer apenas um lado do corpo, entretanto, são geralmente bilaterais, de extremidades, mas também de face. Acentuam-se com o estímulo sonoro ou visual e desaparecem durante o sono e ao repouso. Ana Júlia Cardoso Santos – T69 • As crianças com coreia podem apresentar alterações psicológicas concomitantes, como distúrbio obsessivo-compulsivo, tiques, déficit de atenção e hiperatividade. • A CSy é autolimitada, não deixa sequelas e o surto dura de 2 a 3 meses, podendo, em raros casos, prolongar-se por mais de 1 ano. • Manobras para avaliação da coreia: o Sinal da Ordenha: pode-se ao paciente para apertar a mão do examinador. Este sentirá a incoordenação das contrações da mão do paciente como se ele estivesse ordenhando. o Sinal da Colher: pede-se ao paciente para estender as mãos. Ocorre a hiperextensão das duas articulações metacarpofalangianas que tornam o aspecto côncavo como uma colher. o Sinal da Pronação ou da Bailarina: pede-se ao paciente para elevar os braços acima da cabeça; durante o exame as mãos executam movimentos de pronação. o Movimentos vermiformes da língua: contração involuntária ao se expor a língua; o Distúrbio da fala o Alteração da mímica facial o Alteração na escrita o Avaliação da marcha: dificuldade ou incapacidade de deambular, tropeços. Eritema marginado • São raros (5%) e estão associados à presença de cardite; • É uma erupção não pruriginosa, evanescente, rósea ou ligeiramente avermelhadas, presente no tronco e em extremidades dos membros. Geralmente poupa a face. • Cada lesão se desenvolve em direção centrífuga com centro pálido e margens arredondadas ou serpiginosas. Nódulos subcutâneos • São raros (3%) e estão associados à presença de cardite. • Apresentam-se indolores, endurecidos, móveis, com diâmetro de 1 a 2 centímetros e estão usualmente localizados nas superfícies extensoras das articulações (joelhos, punhos e cotovelos) e ao longo de tensões. Ocasionalmente em região occiptal ou coluna. • Presente por uma ou mais semanas, raramente ultrapassando um mês. Outras manifestações • Febre – variável na intensidade e duração. • Artralgia • Alteração nas provas de fase aguda (VHS e PCR) • Alargamento no intervalo PR (acima de 0,2s) no ECG. Manifestações laboratoriais Não existem testes laboratoriais patognomônicos para o diagnóstico da FR, no entanto, alguns exames auxiliam na caracterização do processo inflamatório e na comprovação da infecção estreptocócica. Provas de atividade inflamatória Sempre alteradas na fase aguda. VHS eleva-se nas primeiras semanas da doença (>60) e níveis mais altos são encontrados em pacientes com comprometimento cardíaco. A PCR eleva-se precocemente e tende a desaparecer no final da 2 ou 3 semana (>3). Ambos sofrem influência de anti-inflamatórios. Ana Júlia Cardoso Santos – T69 A α-1-glicoproteína ácida e a α-2-globulina elevam-se na fase aguda da doença e mantem-se elevadas por tempo mais prolongado. Não sofrem influência da medicação anti-inflamatória e são utilizadas para monitorar a atividade da FR. Hemograma O hemograma pode mostrar leucocitose com neutrofilia e anemia de leve a moderada. Hemoglobina inferior a 9 mg/dL é rara e, quando presente na FR, está relacionada com os quadros mais graves de cardite. Linfocitose e anemia importantes e progressivas impõem o diagnóstico diferencial com leucemia ou doença falciforme Detecção da Infecção estreptocícica A cultura de orofaringe um exame de baixa sensibilidade, em torno de 15 a 20%, por conta do período de latência da infecção e as manifestações da FR, além do uso de antibióticos. Já a Antiestreptolisina O (ASLO) é considerada elevada em valores acima de 320 UI/ml e deve ser repetida entre duas a três semanas após a primeira aferição. Início com 7 dias e pico entre 2 a 4 semanas. Avaliação Cardíaca Eletrocardiograma com intervalo PR aumentado, sendo critério menor, e ecocardiograma podendo ser mais sensível para detectar lesões cardíacas valvares na fase aguda da doença. A radiografia de tórax costuma evidenciar aumento da área cardíaca somente nos casos de miocardite ou de derrame pericárdico moderado ou grave. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL As maiores dificuldades ainda hoje enfrentadas no diagnóstico da FR ocorrem nos pacientes que apresentam apenas artrite como manifestação da doença, uma vez que a artrite é inespecífica, sendo frequentemente observada ou mesmo confundida com dor em membros, outras artrites reativas (pós- estreptocócicas e não estreptocócicas), artrite infecciosa, doenças do colágeno (artrite idiopática juvenil e lúpus eritematoso sistêmico), artrite da doença falciforme, da hemoglobinopatia C, das leucemias, dos linfomas e com tumores ósseos. Ana Júlia Cardoso Santos – T69 PROFILAXIA Indicação de profilaxia: ESCORE DE CENTOR MODIFICADO 3 a 14 anos +1 15 a 44 anos 0 Igual ou maior a 45 anos -1 Edema ou exudato tonsilar +1 Linfadenomegalia +1 Ausência de tosse +1 Presença de tosse 0 Deve indicar tratamento sempre que somar 3 ou 4 pontos. Se houver 2 pontos, o tratamento depende da realização do teste rápido. Profilaxia primária Baseada no reconhecimento e tratamento das infecções estreptocócicas, com a finalidade de prevenir o primeiro surto de FR por meio da redução do contato com o estreptococo e tratamento das faringoamigdalites. Estudos com Amoxicilina-Clavulanato e com cefalosporinas em esquemas terapêuticos por 5 dias mostraram que esses tratamentos são eficazes tanto para o sucesso clínico quanto para a erradicação bacteriológica. É importante salientar que os antibióticos derivados da sulfa não são eficazes para a erradicação do estreptococo. Profilaxia secundária Consiste na administração contínua de antibiótico específico ao paciente portador de FR prévia ou cardiopatia reumática comprovada, com o objetivo de prevenir colonização ou infecção de via aérea superior pelo EBGA, com consequente desenvolvimento de novos episódios da doença. Ana Júlia Cardoso Santos – T69 Pacientes que serão submetidos a intervenção cirúrgica ou procedimento dentário deverão receber profilaxia adicional, com amoxicilina. Vacinas com antígenos estreptocócicos estão sendo desenvolvidas para serem utilizadas, no futuro, em indivíduos geneticamente suscetíveis. As tentativas iniciais para a produção da vacina foram realizadas com base na observação de que anticorpos bactericidas eram dirigidos contra a proteína M e que poderiam persistir por mais de 30 anos após a infecção. Existem numerosas limitações para a obtenção da vacina ideal. São conhecidos mais de 100 sorotipos estreptocócicos que conferem imunidade específica. Produzir uma única vacina com todos os sorotipos levaria ao risco de alta imunogenicidade e de desencadear a doença. Modelos de vacina baseados na porção terminal C da proteína M vêm sendo estudados por diversos autores. Em um destes estudos, os autores propõem a pesquisade epítopos protetores de células B e T utilizando um grande painel de soros humanos. Desse modo, foi possível construir um segmento composto por epítopos T e B, com 16 aminoácidos idênticos, candidato à vacina. TRATAMENTO Artrite • AINEs; • AAS: 80-100 mg/kg/dia, em 4 tomadas diárias. Reduzir para 60 mg/kg/dia após duas semanas de tratamento, caso tenha ocorrido melhora dos sinais e sintomas, devendo ser mantida por um período de 4 semanas; • Naproxeno: é considerado uma boa alternativa ao AAS, com a mesma eficácia, maior facilidade posológica e melhor tolerância. Dose de 10-20 mg/kg/dia, em duas tomadas diárias, com duração similar ao AAS; • Indometacina: quando sem resposta ao AAS e Naproxeno; • Analgésicos: em quadros articulares agudos sem diagnóstico definido Cardite • Corticoide: nos casos de cardite moderada e grave – prednisona 1 a 2 mg/kg/dia; • Cardite leve: na prática clínica, não há consenso, observando-se três tipos de orientação: - Não utilizar nenhum tipo de anti-inflamatório - Utilizar anti-inflamatório não hormonal (AAS) - Utilizar corticoides oral em doses e duração de tratamento menores. • Cirurgia cardíaca Coreia • Haloperidol: 1 mg/dia em duas tomadas, aumentando 0,5 mg a cada três dias, até atingir a dose máxima de 5mg ao dia • Ácido valproico: 10mg/kg/dia, aumentando 10mg/kg a cada semana até dose máxima de 30 mg/kg/dia • Carbamazepina: 7-20 mg/kg/dia
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