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HIV/AIDS e SEPSE HIV O HIV é uma partícula esférica medindo de 100 a 120nm de diâmetro, pertencente ao gênero Lentivirus e à família Retroviridae, que apresenta em seu núcleo duas cópias de RNA de cadeia simples, encapsuladas por uma camada proteica ou nucleocapsídeo, um capsídeo e um envelope externo composto por uma bicamada fosfolipídica. É um vírus que possui uma única fita de RNA e possui uma enzima chamada de transcriptase reversa. Como seu nome já diz, ela faz uma “transcrição” ao contrário, ou seja, transforma seu RNA em DNA. Por isso, ele é chamado de retrovírus, fazendo parte da família Retroviridae e da subfamília lentivírus (vírus com período de incubação lento). Essas características fazem com que seja difícil curar a infecção, sendo o controle da replicação viral o tratamento ideal e recomendado até o momento. Esse DNA do vírus entra no núcleo da célula hospedeira e integra-se ao seu DNA. É isso mesmo que você leu: esse vírus vira parte do material genético da pessoa infectada. A partir daí, ele consegue replicar-se e infectar novas células. Estruturalmente, encontramos no seu núcleo a proteína p24, ela é importante para diagnosticar a infecção pelo HIV em alguns testes Os principais componentes virais com utilidade diagnóstica incluem as proteínas do envelope viral (gp160, gp120 e gp41), as proteínas codificadas pelo gene gag (p55, p24 e p17) e as proteínas codificadas pelo gene pol (p66, p51, p31). Ciclo de Replicação Classificação filogenética do HIV O HIV-1 é subdividido em 4 grupos: grupo MG, grupo NG, grupo OG (o mais divergente dentre os grupos) e grupo PG. A maioria das infecções ocorre com HIV-1 do grupo M, que se diferencia em subtipos (A, B, C, D, F, G, H, J e K). Os subtipos A e F, por sua vez, são subdivididos em A1, A2, A3, A4, e A6 e em F1 e F2, respectivamente. Quando uma pessoa é portadora de uma infecção mista, composta por dois ou mais vírus de linhagens (subtipos) diferentes, pode ocorrer a transferência de material genético entre eles, dando origem às formas recombinantes (RF, do inglês recombinant forms). Caso a transmissão de uma RF tenha sido documentada em mais de três indivíduos não relacionados epidemiologicamente, esta passa a ser denominada como CRF (forma recombinante circulante, do inglês circulating recombinant form). A variação genética do HIV tem implicações na biologia e transmissão do vírus, na evolução clínica, na reatividade e nas reações cruzadas em testes diagnósticos que detectem a presença de anticorpos específicos para os antígenosG virais. FISIOPATOLOGIA A maioria das infecções pelo HIV-1 ocorre por meio das mucosas do trato genital ou retal durante a relação sexual. Nas primeiras horas após a infecção pela via sexual, o HIV e células infectadas atravessam a barreira da mucosa, permitindo que o vírus se estabeleça no local de entrada e continue infectando linfócitos T-CD4+, além de macrófagos e células dendríticas. Após a transmissão do vírus, há um período de aproximadamente dez dias, denominado fase eclipse, antes que o RNA viral seja detectável no plasma. A homogeneidade do vírus, dito fundador, indica que o estabelecimento da infecção é resultado de um único foco de linfócitos T-CD4+ infectados da mucosa. A resposta imunológica inata que se estabelece no foco da infecção atrai uma quantidade adicional de células T, o que, por sua vez, aumenta a replicação viral. A partir dessa pequena população de células infectadas, o vírus é disseminado inicialmente para os linfonodos locais e depois sistemicamente, em número suficiente para estabelecer e manter a produção de vírus nos tecidos linfoides, além de estabelecer um reservatório viral latente, principalmente em linfócitos T-CD4+ de memória. A replicação viral ativa e a livre circulação do vírus na corrente sanguínea causam a formação de um pico de viremia por volta de 21 a 28 dias após a exposição ao HIV. Essa viremia está associada a um declínio acentuado no número de linfócitos T-CD4+. Na fase de expansão e disseminação sistêmica, há a indução da resposta imunológica, mas esta é tardia e insuficiente em magnitude para erradicar a infecção. A ativação imune, por outro lado, produz uma quantidade adicional de linfócitos T- CD4+ ativados que servem de alvo para novas infecções. Ao mesmo tempo, o número crescente de linfócitos T-CD8+ exerce um controle parcial da infecção, mas não suficiente para impedir, na ausência de terapia, a lenta e progressiva depleção de linfócitos T-CD4+ e a eventual progressão para a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids). A ativação de linfócitos T-CD8+ específicos contra o HIV ocorre normalmente antes da soroconversão. O aparecimento de uma resposta imune celular HIV-específica e a subsequente síntese de anticorpos anti-HIV levam a uma queda da carga viral plasmática (viremia) – até um nível (set point) que é específico de cada indivíduo – e à cronicidade da infecção pelo HIV. A resposta imune mediada por células é mais importante do que a resposta imune humoral no controle da replicação viral durante a infecção aguda, mas os anticorpos têm um papel relevante na redução da disseminação do HIV na fase crônica da infecção. A resposta imunológica humoral contra vários antígenos virais é vigorosa. A maioria das proteínas do HIV é imunogênica, mas uma resposta de anticorpos precoce e preferencial é induzida contra as glicoproteínas do envelope, a gp120 e a gp41, e contra a proteína do capsídeo viral, a p24. Como em qualquer outra infecção viral, a primeira classe de anticorpo produzida durante uma resposta imune primária é a imunoglobulina M (IgM). Devido à persistência do HIV, nosso organismo é continuamente exposto aos mesmos antígenos e a produção inicial de IgM é substituída pela produção de imunoglobulina G (IgG). Entretanto, ao contrário de outras doenças infecciosas, a presença da IgM não permite diferenciar uma infecção recente de uma infecção crônica, tendo em vista que a IgM pode reaparecer em outros momentos durante o curso da infecção. A IgG anti-HIV atinge níveis séricos elevados e persiste por anos, enquanto os níveis séricos de IgM tendem a desaparecer com o tempo ou apresentar padrão de intermitência. É observado um aumento da afinidade do anticorpo pelo antígeno, ou seja, os anticorpos de baixa afinidade que são produzidos no início da resposta humoral são pouco a pouco substituídos por anticorpos de alta afinidade. Esse é um fenômeno devido à ocorrência de mutações somáticas em determinadas regiões (hot spots) dos genes que codificam a imunoglobulina (Ig). Essas mutações ocorrem ao acaso e o aparecimento de clones de linfócitos B com maior especificidade antigênica é o resultado de um processo de seleção positiva decorrente dessas mutações. Essa característica de aumento de afinidade (ou avidez), juntamente com o aumento da concentração sérica de anticorpos específicos anti-HIV durante a fase inicial da resposta imune humoral, é a base racional para o desenvolvimento de testes laboratoriais que classificam a infecção em recente ou crônica. Além disso, a infecção pelo HIV leva a uma ativação imune persistente dos linfócitos TCD4+ e TCD8+. Como consequência disso, diversos fenômenos imunes podem ocorrer, resultando em um turnover acelerado dessas células, hiperativação dos monócitos, ampliação da apoptose celular, aumento da secreção de citocinas, como IL-6, entre outros. O paciente pode sofrer um envelhecimento precoce decorrente desse processo inflamatório crônico. Diversas doenças estão associadas a esse processo, como as doenças ateroscleróticas, osteopenia, alguns tipos de câncer, diabetes, doenças renais, hepáticas e neurológicas. INFECÇÃO PELO HIV A infecção pelo HIV, cursa com um amplo espectro de apresentações clínicas,desde a fase aguda até a fase avançada da doença. Em indivíduos não tratados, estima-se que o tempo médio entre o contágio e o aparecimento da doença esteja em torno de dez anos. As diversas fases têm durações variáveis, que dependem da resposta imunológica e da carga viral do indivíduo. A primeira fase da infecção (infecção aguda) é o período do surgimento de sinais e sintomas inespecíficos da doença, que ocorrem entre a primeira e terceira semana após a infecção. A fase seguinte (infecção assintomática) pode durar anos, até o aparecimento de infecções oportunistas (tuberculose, neurotoxoplasmose, neurocriptococose) e algumas neoplasias (linfomas não Hodgkin e sarcoma de Kaposi). A presença desses eventos define a síndrome da imunodeficiência adquirida – aids. INFECÇÃO AGUDA A infecção aguda pelo HIV ocorre nas primeiras semanas da infecção pelo HIV, quando o vírus está sendo replicado intensivamente nos tecidos linfoides. Durante essa fase, tem- se CV-HIV elevada e níveis decrescentes de linfócitos, em especial os LT-CD4+, uma vez que estes são recrutados para a reprodução viral. O indivíduo, nesse período, torna-se altamente infectante. A infecção aguda ocorre nas primeiras semanas após o contágio pelo HIV. A viremia plasmática alcança níveis elevados e o indivíduo é altamente infectante (linha cinza). Inicialmente, ocorre queda importante da contagem de LTCD4+, com elevação em algumas semanas (após certo controle imunológico do indivíduo sobre o vírus), mas não há retorno aos níveis iniciais (linha preta). Na fase de latência clínica, o exame físico costuma ser normal, enquanto a contagem de LT-CD4+ permanece acima de 350 céls/mm³, com infecções semelhantes às da população imunocompetente. O aparecimento de IO e neoplasias é defi nidor de aids. Se aTARV não for instituída, inevitavelmente o indivíduo evolui para a morte. Quadro clínico Como em outras infecções virais agudas, a infecção pelo HIV é acompanhada por um conjunto de manifestações clínicas, denominado Síndrome Retroviral Aguda (SRA). Os principais achados clínicos de SRA incluem febre, cefaleia, astenia, adenopatia, faringite, exantema e mialgia. A SRA pode cursar com febre alta, sudorese e linfadenomegalia, comprometendo principalmente as cadeias cervicais anterior e posterior, submandibular, occipital e axilar. Podem ocorrer, ainda, esplenomegalia, letargia, astenia, anorexia e depressão. Sintomas digestivos, como náuseas, vômitos, diarreia, perda de peso e úlceras orais podem estar presentes. Entretanto, o comprometimento do fígado e do pâncreas é raro na SRA. Cefaleia e dor ocular são as manifestações neurológicas mais comuns, mas pode ocorrer raramente quadro de meningite asséptica, neurite periférica sensitiva ou motora, paralisia do nervo facial ou síndrome de Guillan-Barré. A SRA é autolimitada e a maior parte dos sinais e sintomas desaparece em três a quatro semanas. Linfadenopatia, letargia e astenia podem persistir por vários meses. A presença de manifestações clínicas mais intensas e prolongadas (por período superior a 14 dias) pode estar associada à progressão mais rápida da doença. Sorologia Pode variar bastante nessa fase, dependendo do ensaio utilizado. Em média, a janela diagnóstica dos imunoensaios de quarta geração é de aproximadamente 15 dias. O diagnóstico da infecção aguda pelo HIV pode ser realizado mediante a detecção da CV-HIV. LATÊNCIA CLÍNICA E FASE SINTOMÁTICA Nesta fase, o exame físico costuma ser normal, exceto pela linfadenopatia, que pode persistir após a infecção aguda. A presença de linfadenopatia generalizada persistente é frequente e seu diagnóstico diferencial inclui doenças linfoproliferativas e tuberculose ganglionar. Podem ocorrer alterações nos exames laboratoriais, sendo a plaquetopenia um achado comum, embora sem repercussão clínica na maioria dos casos. Além disso, anemia (normocrômica e normocítica) e leucopenia leves podem estar presentes. Enquanto a contagem de LT-CD4+ permanece acima de 350 céls/mm³, os episódios infecciosos mais frequentes são geralmente bacterianos, como as infecções respiratórias ou mesmo TB. Com a progressão da infecção, começam a ser observadas apresentações atípicas das infecções, resposta tardia à antibioticoterapia e/ou reativação de infecções antigas. À medida que a infecção progride, sintomas constitucionais (febre baixa, perda ponderal, sudorese noturna, fadiga), diarreia crônica, cefaleia, alterações neurológicas, infecções bacterianas (pneumonia, sinusite, bronquite) e lesões orais, como a leucoplasia oral pilosa, tornam-se mais frequentes, além do herpes-zoster. Nesse período, já é possível encontrar diminuição na contagem de LT-CD4+, situada entre 200 e 300 céls/mm³. A candidíase oral é um marcador clínico precoce de imunodepressão grave, e foi associada ao subsequente desenvolvimento de pneumonia por Pneumocystis jiroveci. Diarreia crônica e febre de origem indeterminada, bem como a leucoplasia oral pilosa, também são preditores de evolução para AIDS. SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA Com a evolução da doença em um paciente sem tratamento, chega um momento em que a carga viral volta a subir e seus linfócitos T CD4+ caem bastante. Algumas doenças oportunistas também começam a aparecer. Com isso, podemos dizer que o paciente está com aids. O aparecimento de IO e neoplasias é definidor da aids. Entre as infecções oportunistas, destacam-se: pneumocistose, neurotoxoplasmose, tuberculose pulmonar atípica ou disseminada, meningite criptocócica e retinite por citomegalovírus. As neoplasias mais comuns são sarcoma de Kaposi (SK), linfoma não Hodgkin e câncer de colo uterino, em mulheres jovens. Nessas situações, a contagem de LT-CD4+ situa-se abaixo de 200 céls/mm³, na maioria das vezes. Além das infecções e das manifestações não infecciosas, o HIV pode causar doenças por dano direto a certos órgãos ou por processos inflamatórios, tais como miocardiopatia, nefropatia e neuropatias, que podem estar presentes durante toda a evolução da infecção pelo HIV. Doenças Definidoras de AIDS Síndrome consumptiva associada ao HIV (perda involuntária de mais de 10% do peso habitual), associada a diarreia crônica (dois ou mais episódios por dia com duração ≥1 mês) ou fadiga crônica e febre ≥1 mês. Pneumonia por Pneumocystis jirovecii. Pneumonia bacteriana recorrente (dois ou mais episódios em um ano). Herpes simples com úlceras mucocutâneas (duração >1 mês) ou visceral em qualquer localização. Candidíase esofágica ou de traqueia, brônquios ou pulmões. Tuberculose pulmonar e extrapulmonar. Sarcoma de Kaposi. Doença por CMV (retinite ou outros órgãos, exceto fígado, baço ou linfonodos). Neurotoxoplasmose. Encefalopatia pelo HIV. Criptococose extrapulmonar. Infecção disseminada por micobactéria não Mycobacterium tuberculosis. Leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP). Criptosporidiose intestinal crônica (duração >1 mês). Isosporíase intestinal crônica (duração >1 mês). Micoses disseminadas (histoplasmose, coccidioidomicose). Septicemia recorrente por Salmonella não typhi. Linfoma não Hodgkin de células B ou primário do sistema nervoso central. Carcinoma cervical invasivo. Reativação de doença de Chagas (meningoencefalite e/ou miocardite). Leishmaniose atípica disseminada. Nefropatia ou cardiomiopatia sintomática associada ao HIV DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Deve-se oferecer testagem para HIV e para outras ISTs para todas as pessoas com vida sexual ativa, independentemente de haver sintomas, e para todos com diagnóstico de tuberculose, pois a doença demora para demonstrar sinais de imunossupressão e nem todo paciente com a infecção aguda manifesta sintomas. Uma vez indicada a investigação da infecção pelo HIV, o diagnóstico é bem simples. Como essa doençatraz um impacto grande na vida do paciente, devemos minimizar erros, afinal, resultados falso-positivos podem acontecer na presença de alguma doença autoimune ou na gestação. Para isso, deve-se sempre dois testes consecutivos. TESTES RÁPIDOS São testes simples, que de forma visual demonstram a ligação do antígeno (que fica grudado na placa) com o anticorpo (que pode estar presente na amostra). Esses exames fornecem o resultado em até 30 minutos. Podem ser realizados fora do ambiente laboratorial, com amostra de sangue obtida por punção digital ou fluido oral. Esses testes ajudaram bastante a ampliar o diagnóstico da infecção pelo HIV, por causa da facilidade de obtenção da amostra. Eles possuem uma janela imunológica que pode variar de 1 a 3 meses, portanto, não são muito sensíveis para detecção de infecção aguda. Os TR não são sensíveis p/ detecção da infecção aguda Na primeira figura, há uma placa do teste rápido. Onde está escrita a letra A é o local em que se coloca a amostra. A letra T refere-se ao “teste”, isto é, a amostra. Caso ela seja positiva, aparecerá uma linha colorida nesse local. A letra C refere-se ao “controle” do teste, que sempre deverá ser positivo. Na figura à direita, há um exemplo de TR positivo. IMUNOENSAIOS Os imunoensaios são testes que também detectam a formação da ligação antígeno-anticorpo. No caso do HIV, o teste pode fazer a busca tanto de anticorpos na amostra quanto de antígenos e, se houver ligação entre eles, dizemos que o teste é reagente. Um exemplo desse teste é o ELISA (do inglês “enzymelinked immunosorbent assay”), que usa uma enzima que muda a cor da solução do teste, caso haja a ligação antígeno-anticorpo. Esses imunoensaios foram se aperfeiçoando ao longo do tempo e através de “gerações”. Atualmente usamos os imunoensaios de 3ª e 4ª geração, pois são mais sensíveis e específicos. Os testes de 1ª e 2ª geração somente detectavam anticorpos da classe IgG. O teste de 3ª geração passou a detectar o IgM e o teste de 4ª geração, além de detectar anticorpos, detecta simultaneamente o antígeno p24 (aquele que fica no núcleo do vírus, lembra?), reduzindo a janela imunológica para, em média, 15 dias. Esses testes demoram cerca de 4h para serem realizados. Ao contrário de outras doenças virais, no caso da infecção pelo HIV, a presença do IgM não permite diferenciar uma infecção aguda de uma crônica. Isso acontece porque o IgM pode reaparecer em outros momentos, de forma intermitente, ao longo da infecção. Logo, a presença de IgM reagente em um paciente infectado não significa, necessariamente, uma infecção aguda. WESTERN BLOT Esse teste é bastante usado para confirmar o diagnóstico da infecção pelo HIV, já que é mais específico que os testes prévios. Ele detecta a presença de anticorpos produzidos contra diferentes partes (antígenos) do vírus. Ele funciona da seguinte forma: imagine uma membrana que está impregnada de proteínas do HIV que foram separadas por eletroforese. A amostra de soro ou plasma do paciente é incubada nessa membrana e, se lá houver algum anticorpo contra alguma das proteínas do HIV, ocorrerá a ligação antígeno-anticorpo. Essa ligação é detectada por anticorpos secundários, o que resulta na formação de “bandas” nos locais em que os antígenos estão. Dessa forma, conseguimos saber exatamente contra que antígenos os pacientes apresentam anticorpos. TESTE MOLECULAR Também chamado de carga viral, esse exame é o que detecta a infecção pelo HIV de forma mais precoce. Ele identifica o RNA do vírus, que é o primeiro marcador a aparecer. É um teste útil para ser usado quando não é possível a detecção de anticorpos, como no caso do diagnóstico da infecção pelo HIV em crianças menores de 18 meses (os anticorpos da mãe são adquiridos pelas crianças e podem falsear o resultado). Tempo de positivação dos marcadores Como você pode ter percebido, os testes possuem tempos de positivação diferentes, porque usam marcadores que aparecem em períodos diferentes ao longo da infecção. Por causa dos diferentes momentos em que esses testes são detectáveis, podemos dividir a infecção pelo HIV em alguns estágios. Logo após a infecção, o paciente entra no período de eclipse. Ele caracteriza-se pela ausência de marcadores virais em amostras de sangue e dura em média 10 dias. A detecção do RNA já marca o início do estágio I, que dura em torno de 7 dias e ele é o único marcador positivo. O estágio II ocorre quando há a detecção de RNA e antígeno p24 com anticorpos ausentes, e o estágio III é quando esses anticorpos são também detectados. Os estágios IV a VI são os que dependem do resultado de western-blot para classificar. QUAIS SOLICITAR? Sabendo dos testes disponíveis e que devemos sempre fazer dois exames, podemos fazer as seguintes combinações para diagnosticar a infecção pelo HIV: • Dois testes rápidos com amostra de sangue (de fabricantes diferentes). • Um teste rápido usando fluido oral e outro teste rápido usando sangue. • Um imunoensaio de 3ª ou 4ª geração e um teste molecular (carga viral). • Um imunoensaio de 3ª ou 4ª geração e um western blot ou imunoblot rápido. Se ambos os testes forem positivos, temos um diagnóstico confirmado de infecção pelo HIV. Se os testes forem discordantes, temos que fazer um 3º teste diferente dos anteriores. TRATAMENTO O tratamento baseia-se no controle da replicação viral. Atualmente o tratamento está indicado a todo paciente com diagnóstico da infecção pelo HIV, independentemente do valor dos linfócitos TCD4+ ou da carga viral. Ou seja, diagnosticou e o paciente aceitou tratar, já inicie a medicação. Não é necessário aguardar resultado de exames. O tratamento precoce reduz a morbimortalidade nos pacientes, além de reduzir a transmissão, já que o paciente em uso fica com a carga viral indetectável e quem está indetectável não transmite. Indicação de TARV: todos os pacientes diagnosticados com HIV, independentemente da contagem de linfócitos e da carga viral. Situações de priorização: para início da TARV PVHIV sintomática; LT-CD4+ <350céls/mm3; Gestante; TB ativa; Coinfecção HBV ou HCV, RCV elevado (20%). AGENTES ANTIVIRAIS Analisando o ciclo de replicação do vírus, existem lugares em que algumas medicações conseguem atuar para interromper essa replicação. Classificação dos antirretrovirais e seus principais representantes: Em negrito estão as drogas preconizadas pelo Ministério da Saúde para o tratamento inicial do paciente com diagnóstico da infecção pelo HIV. COMO INICIAR Terapia antirretroviral inicial preferencial e alternativa A terapia inicial deve sempre incluir combinações de três ARV, sendo dois ITRN/ ITRNt associados a uma outra classe de antirretrovirais (ITRNN, IP/r ou INI). No Brasil, para os casos em início de tratamento, o esquema inicial preferencial deve ser a associação de dois ITRN/ITRNt – lamivudina (3TC) e tenofovir (TDF) – associados ao inibidor de integrase (INI) – dolutegravir (DTG). Exceção a esse esquema deve ser observada para os casos de coinfecção TB- HIV, MVHIV com possibilidade de engravidar e gestantes. Esquema inicial preferencial: TDF é contraindicado como terapia inicial em pacientes com disfunção renal pré-existente, TFGe <60mL/min ou insuficiência renal. Uso com precaução em pacientes com osteoporose/osteopenia, HAS e DM não controladas. Se usado, ajuste de dose deve ser feita quando TFGe <50 mL/min O O DTG não é recomendado em MVHIV com possibilidade de engravidar e que não utilizem métodos contraceptivos efi cazes, preferencialmente os que não dependam da adesão (DIU ou implantes anticoncepcionais) e para todas as PVHIV em uso de fenitoína, fenobarbital, oxicarbamazepina e carbamazepina. Pacientes devem ser avaliados quanto à possibilidade detroca dessas medicações a fi m de viabilizar o uso do DTG. Antiácidos contendo cátions polivalentes (ex.: Al/Mg) devem ser tomados 6 horas antes ou 2h depois da tomada do DTG. Suplementos de cálcio ou ferro devem ser tomados 6 horas antes ou 2 horas depois da tomada do DTG. Quando acompanhado de alimentos, o DTG pode ser administrado ao mesmo tempo que esses suplementos. O DTG aumenta a concentração plasmática da metformina. Para manter o controle glicêmico, um ajuste na dose da metformina pode ser necessário. TARV inicial alternativa Em pacientes com infecção crônica ativa pelo HBV, deve-se substituir o TDF por outro fármaco ativo contra o HBV. O ABC deve ser usado com precaução em pessoas com RCV alto (escore de Framingham >20%). A associação ABC + 3TC + EFV também deve ser usada com precaução quando CV >100.000 cópias/mL. CARACTERÍSTICAS DOS FÁRMACOS: Tenofovir + lamivudina (TDF/3TC): O TDF é um análogo de nucleotídeo (ITRNt) e sua maior desvantagem é a nefrotoxicidade, particularmente em diabéticos, hipertensos, negros, idosos, pessoas com baixo peso corporal (especialmente mulheres), doença pelo HIV avançada ou insuficiência renal pré-existente e no uso concomitante de outros medicamentos nefrotóxicos. Assim, pacientes com doença renal preexistente devem usar preferencialmente outra associação de ITRN. Pode causar diminuição da densidade óssea. Essa associação além de estar disponível em coformulação e permitir tomada única diária, apresenta um perfil favorável em termos de toxicidade, supressão virológica, resposta de LT-CD4+, lipoatrofia e toxicidade hematológica quando comparada ao AZT. Abacavir + lamivudina (ABC/3TC): É uma alternativa para os pacientes com contraindicação aos esquemas com TDF/3TC. Reações de hipersensibilidade (RHS) estão relacionadas ao início do tratamento com ABC. O risco de RHS está altamente associado à presença do alelo HLA-B*5701. Aproximadamente 50% dos pacientes positivos para o HLA- B*5701 que fi zerem uso de ABC terão uma RHS. O teste HLA- B*5701 deve preceder o uso do ABC. O ABC deve ser usado com precaução em pessoas com RCV alto (escore de Framingham >20%). Zidovudina + lamivudina (AZT/3TC): Essa combinação é uma das mais estudadas em ensaios clínicos randomizados: apresenta eficácia e segurança equivalentes a outras combinações de dois ITRN/ITRNt, sendo habitualmente bem tolerada. Está disponível em coformulação, o que contribui para maior comodidade posológica. Os ITRN estão mais associados a toxicidade mitocondrial, hiperlactatemia e acidose lática. A toxicidade hematológica é um dos principais efeitos adversos do AZT, o que pode resultar na sua substituição. Recomenda-se evitar o uso desse medicamento em casos de anemia (Hb abaixo de 10g/dL) e/ou neutropenia (neutrófilos abaixo de 1.000 céls/mm3). Em pacientes com anemia secundária à infecção pelo HIV, o uso do AZT pode reverter esse quadro laboratorial; porém, os índices hematimétricos devem ser monitorados até a estabilização da anemia. Outro efeito adverso do AZT a ser considerado é a lipoatrofia. As causas são multifatoriais e de difícil manejo. Esse evento pode comprometer a adesão à TARV. Dolutegravir (DTG): O DTG é um ARV da classe dos INI. Esse ARV tem as vantagens de alta potência, alta barreira genética, administração em dose única diária e poucos eventos adversos, garantindo esquemas antirretrovirais mais duradouros e seguros As MVHIV devem ser informadas quanto à contraindicação do uso do DTG no momento da pré-concepção, pelo risco de má formação congênitaa . O DTG pode ser indicado como parte da TARV para mulheres em idade fértil, desde que antes do início do seu uso seja descartada a possibilidade de gravidez e que a mulher esteja em uso regular de método contraceptivo eficazb , preferencialmente os que não dependam da adesão (DIU ou implantes anticoncepcionais), ou que a mulher não tenha a possibilidade de engravidar (método contraceptivo definitivo ou outra condição biológica que impeça a ocorrência da gestação). MVHIV em início de tratamento devem usar esquemas preferencialmente contendo efavirenz (EFZ) e realizar genotipagem pré-tratamento. O DTG não é recomendado em PVHIV em uso de fenitoína, fenobarbital, oxicarbamazepina, carbamazepina, dofetilida e pilsicainida. Antiácidos contendo cátions polivalentes (ex.: Al/Mg), quando prescritos, devem ser tomados seis horas antes ou duas horas depois da tomada do DTG. Suplementos de cálcio ou ferro devem ser tomados seis horas antes ou duas horas depois da tomada do DTG. Quando acompanhado de alimentos, o DTG pode ser administrado ao mesmo tempo que esses suplementos. O DTG aumenta a concentração plasmática da metformina. Não é necessário o ajuste de dose do DTG. Para manter o controle glicêmico, recomenda-se um ajuste na dose da metformina (dose máxima: 1g/dia) e acompanhamento clínico/laboratorial da DM. É aconselhável monitorização dos efeitos adversos da metformina. Efavirenz (EFV): O EFV pertence à classe de ARV dos ITRNN. Apresenta posologia confortável (um comprimido ao dia), facilitando a adesão ao tratamento. Promove supressão da replicação viral por longo prazo e possui perfil de toxicidade favorável. As principais desvantagens do EFV e de outros ITRNN são a prevalência de resistência primária em pacientes virgens de tratamento e a baixa barreira genética para o desenvolvimento de resistência. Resistência completa a todos os ITRNN (exceto ETR) pode ocorrer com apenas uma única mutação viral para a classe. Seus efeitos adversos mais comuns – tonturas, alterações do sono, sonhos vívidos e alucinações – costumam desaparecer após as primeiras duas a quatro semanas de uso. A indicação do EFV deve ser avaliada criteriosamente em pessoas com depressão ou que necessitam ficar em vigília durante a noite. Esquemas com EFV, possuem melhor perfil de toxicidade, maior comodidade posológica, maiores taxas de adesão ao tratamento em longo prazo, elevada potência de inibição da replicação viral, maior efetividade e maior durabilidade da supressão viral quando comparados a esquemas estruturados com IP. Quando comparado aos INI, o EFV apresentou alguns resultados desfavoráveis em relação à supressão viral, especialmente relacionados a descontinuidade por eventos adversos. A longa meia-vida do EFV permite a manutenção da supressão da replicação viral caso ocorra irregularidade no horário de tomada de doses, embora possa haver maior risco de falha quando há perda de doses. Recomenda-se orientar ao paciente a tomada do medicamento logo antes de deitar- se para dormir e preferencialmente duas horas após o jantar. Raltegravir (RAL): Deve ser administrado duas vezes ao dia, o que representa uma potencial desvantagem em relação a esquemas de tomada única diária. Entretanto, o RAL apresenta excelente tolerabilidade, alta potência, poucas interações medicamentosas, eventos adversos pouco frequentes e segurança para o uso em coinfecções como hepatites e tuberculose. Apresenta barreira genética superior quando comparado aos ITRNN, mas não aos IP/r e ao DTG PREVENÇÃO Uma pessoa com HIV, sem nenhuma outra IST, seguindo TARV corretamente e com CV-HIV suprimida, tem mínimas chances de transmitir o HIV pela via sexual. Níveis baixos de CV sérica do HIV estão associados a menores concentrações do vírus nas secreções genitais, diminuindo as chances de transmissão. O MS disponibiliza PEP e a PrEP: PROFILAXIA PÓS-EXPOSIÇÃO (PEP) Deve começar a ser tomada em até 72h da exposição sexual ou por material biológico (profissionais de saúde) • Tenofovir + Lamivudina (TDF 300mg + 3CT 300mg) 1cp coformulado VO 1x/dia, • Donutegravir 50mg, VO, 1x/dia Usa-se por 28 dias, e o acompanhamento pós-término deve ser feito com exames de HIV, sorologias de IST e exameshepáticos. PROFILAXIA PRÉ-EXPOSIÇÃO (PrEP) Os indivíduos que tem direito de ter acesso a PrEP: • Propulações vulneráveis – alto risco e uso reduzido de preservativos • Repetição de práticas sexuais desprotegidas anais ou vaginais • Histórico de IST prévias ou de repetição • Uso repetido de PEP • Homens que fazem sexo com homens • Pessoas trans • Profissionais do sexo • Parceiros sorodiferentes para o HIV Devem ser feitos testes de HIV antes do início e a cada 3 meses. A PrEP é feita por meio da seguinte medicação • Tenofovir 300mg + Entricitabina 200mg (Truvada) 1cp VO 1x/dia Ela não previne de outras ISTs, e deve-se conversar sobre isso com o paciente ACOMPANHAMENTO DO PACIENTE Exame físico A infecção pelo HIV tem um acometimento sistêmico. É necessário, portanto, atentar para sinais clínicos comumente associados à doença (Figura 4). O exame físico deve ser completo e incluir a aferição da pressão arterial, peso, altura, cálculo do índice de massa corpórea e medida da circunferência abdominal. O exame físico completo deve ser realizado regularmente, porque leva a achados importantes. O exame da pele e oroscopia são também relevantes, uma vez que diversos sinais e sintomas presentes podem estar associados à infecção pelo HIV. Quanto mais baixa a contagem de LT-CD4+, mais frequentemente os pacientes devem ser examinados. Exames complementares iniciais A abordagem laboratorial no início do acompanhamento clínico auxilia a avaliação da condição geral de saúde, a pesquisa de comorbidades, a presença de coinfecções e a urgência no início da TARV. Também fornece informações laboratoriais basais pré-tratamento, bem como orienta sobre a necessidade de imunizações ou profilaxias. Exames para solicitar na 1ª consulta: • Contagem de LT-CD4+ e exame de CV-HIV • Genotipagem pré-tratamento o Indicada APENAS para gestantes, casos novos com coinfecção TB-HIV, pessoas que tenham se infectado com parceria em uso de TARV e crianças e adolescentes pré-tratamento com ARV. • Hemograma completo • Glicemia de jejum • Dosagem de lipídios (colesterol total, HDL, LDL, triglicerídeos) • Avaliação hepática e renal (AST, ALT, FA, BT e frações, Cr, exame básico de urina) • Teste imunológico para sífilis • Testes para hepatites virais (anti-HAV, anti-HCV, HBsAg, anti-HBc total e anti-HBs para verificação de imunização) • IgG para toxoplasmose • Sorologia para HTLV I e II e Chagas o Triagem para indivíduos oriundos de áreas endêmicas. • Prova tuberculínica (PT) • Radiografia de tórax Periodicidade de consultas Após a introdução ou alteração da TARV, recomenda-se retorno entre sete e 15 dias para avaliar eventos adversos e dificuldades relacionadas à adesão. Em seguida, podem ainda ser necessários retornos mensais até a adaptação à TARV. PVHIV em TARV com quadro clínico estável poderão retornar para consultas em intervalos de até seis meses. Nesses casos, exames de controle também poderão ser realizados semestralmente, ou conforme avaliação e indicação. Ressalta-se que, nos intervalos entre as consultas médicas, a adesão deverá ser trabalhada por outros profissionais da equipe multiprofissional, como nos momentos da retirada de medicamentos nas farmácias ou da realização de exames. Monitoramento laboratorial (contagem de LT-CD4+ e carga viral) A contagem de LT-CD4+ é um dos biomarcadores mais importantes para avaliar a urgência de início da TARV e a indicação das imunizações e das profilaxias para IO. Com esse exame, é possível avaliar o grau de comprometimento do sistema imune e a recuperação da resposta imunológica com o tratamento adequado, além de definir o momento de interromper as profilaxias. A contagem de LT-CD4+ tem importância na avaliação inicial, enquanto a CV-HIV é considerada o padrão-ouro para monitorar a eficácia da TARV e detectar precocemente problemas de adesão em PVHIV. Para pacientes estáveis, em TARV, com CV-HIV indetectável e contagem de LT-CD4+ acima de 350 céls/mm3, a realização do exame de LT-CD4+ não traz nenhum benefício ao monitoramento clínico-laboratorial. Flutuações laboratoriais e fisiológicas de LT-CD4+ não têm relevância clínica e podem inclusive levar a erros de conduta, como troca precoce de esquemas ARV ou manutenção de esquemas em falha virológica. OBS.: Em pacientes em uso de TARV, o foco do monitoramento laboratorial deve ser a CV-HIV para avaliar a eficácia da TARV e detectar precocemente a falha virológica, caracterizada por dois exames sequenciais de CV-HIV detectáveis. Exames complementares e avaliações de seguimento clínico Além dos exames de contagem de LT-CD4+ e CV-HIV, outros parâmetros devem ser monitorados nas PVHIV. As seguintes recomendações se aplicam a pacientes clinicamente assintomáticos, sob tratamento estável, com resultados normais na avaliação laboratorial inicial e de rotina. Um monitoramento mais frequente pode ser necessário quando um tratamento é iniciado ou alterado, ou caso o paciente desenvolva queixas e sintomas. Por outro lado, sabidamente, as taxas de novas anormalidades laboratoriais diminuem à medida que decorre mais tempo do início da TARV. Outras avaliações Investigação de tuberculose: é a principal causa de óbito por doença infecciosa em PVHIV, e por isso deve ser pesquisada em todas as consultas. A pesquisa deve iniciar-se com o questionamento sobre a presença dos seguintes sintomas: tosse, febre, emagrecimento e/ou sudorese noturna. A presença de qualquer um desses sintomas pode indicar TB ativa e requer investigação. Caso a PT seja inferior a 5 mm, recomenda-se sua repetição anual e também após a reconstituição imunológica com o uso da TARV. Para indicar o tratamento da infecção latente, deve-se excluir TB ativa utilizando critérios clínicos, exame de escarro e radiografia de tórax. O tratamento da infecção latente com isoniazida (INH) é recomendado para todas as PVHIV com PT maior ou igual a 5mm, desde que excluída TB ativa. O tratamento da ILTB com isoniazida reduz significativamente o risco de desenvolvimento de TB em PVHIV com PT reagente nos anos seguintes Avaliação do risco cardiovascular: por meio do Escore de Framingham. Rastreamento de neoplasias padrão: por conta do aumento da expectativa de vida com a TARV. Imunizações: Sempre que possível, deve-se adiar a administração de vacinas em pacientes sintomáticos ou com imunodeficiência grave (contagem de LT-CD4+ abaixo de 200 céls/ mm3), até que um grau satisfatório de reconstituição imune seja obtido com o uso de TARV, o que proporciona melhora na resposta vacinal e redução do risco de complicações pós-vacinais. SEPSE A sepse é mais uma doença inflamatória do que infecciosa. Ela consiste em uma resposta inflamatória exacerbada frente a uma infecção, que culminará em intensa vasodilatação, hipoperfusão e múltiplas disfunções orgânicas. Vale lembrar que essa infecção não precisará ser, necessariamente, bacteriana, podendo ser causada por quaisquer agentes infecciosos (incluindo vírus). Alguns pacientes têm uma resposta inflamatória mais acentuada que o normal e isso provavelmente está relacionado a alguns polimorfismos genéticos, que levam esses pacientes a uma exacerbada tempestade de citocinas a partir de uma infecção. Nem sempre a sepse precisará cursar com bacteremia (detecção de uma bactéria em hemoculturas). Por exemplo, posso ter o cenário de uma pielonefrite com choque séptico e múltiplas hemoculturas negativas. A infecção está lá, no parênquima renal, mas não é a bactéria que faz essa instabilidade toda e sim as citocinas e interleucinas produzidas por células de defesa que respondem a ela. No entanto, vale lembrarmos que as hemoculturas serão positivas em 30% a 50% dos pacientes com sepse associada à disfunção orgânica.FISIOPATOLOGIA Toda infecção por um microrganismo ativará nosso sistema imunológico. Tal resposta terá início, primeiramente, pela resposta inata (ou inespecífica), que englobará a resposta de macrófagos, neutrófilos e eosinófilos contra o agente infeccioso. Essa resposta manifestarse-á, principalmente, através da fagocitose, produção de exotoxinas, enzimas proteolíticas e ativação de células dendríticas. Células dendríticas, por sua vez, serão os maestros da interseção entre a resposta inata e a adaptativa: elas apresentarão uma molécula proteica ou polissacarídica que compõe o microrganismo invasor (também chamada de epítopo), ativando linfócitos T helper (auxiliares). Consecutivamente, os linfócitos auxiliares ativarão as células efetoras da resposta adaptativa (ou específica): linfócitos B (que produzirão anticorpos), linfócitos T (que executarão uma resposta celular citotóxica) e células NK (natural killer), que produzirão uma resposta citotóxica em células infectadas e liberarão exotoxinas. Grave uma coisa a respeito da resposta adaptativa: ela desenvolve memória imunológica (linfócitos T de memória), que permite uma resposta mais rápida e mais potente diante de uma possível reexposição ao mesmo antígeno. Os superantígenos são antígenos bacterianos que se ligam externamente a receptores de células T, exclusivamente ao complexo maior de histocompatibilidade classe II (MHC classe II). Essa ligação é forte, pouco reversível e estimula linfócitos T a produzirem uma grande tempestade de citocinas. Tal tempestade culminará em uma intensa resposta inflamatória, causando vasodilatação, redução intensa da resistência vascular periférica, choque e dano ao endotélio vascular (favorecendo a trombose). Temos como exemplos de superantígenos principais a toxina- 1 da síndrome tóxica estafilocócica (TSST-1), a exotoxina pirogênica estreptocócica (SPE), a exotoxina estafilocócica (SE) e exotoxinas da E. coli enterotoxigênica (ETEC) Superantígenos: CITOCINAS PRÓ E ANTI-INFLAMATÓRIAS O paciente com muita IL-10 fica 10! Ele não adoece, porque ela o protege ALTERAÇÕES HEMODINÂMICAS E ACIDOSE METABÓLICA Um estímulo infeccioso (por exemplo, uma pneumonia, pielonefrite ou celulite) levará à intensa liberação de citocinas pró-inflamatórias (principalmente IL-1, IL-6 e TNFα). Essas citocinas promoverão uma intensa vasodilatação de capilares, com eventual extravasamento plasmático. A vasodilatação intensa gera, consecutivamente, uma redução importante da resistência vascular periférica (RVP), e aí é que mora o principal mecanismo disfuncional da sepse. Hidrodinâmica da Pressão Arterial: PA = DC x RVP DC = FC x Vol. Sistólico Se reduz-se a resistência vascular periférica, consequentemente, a pressão arterial é reduzida, levando à hipotensão arterial sistêmica. Para compensar a hipotensão arterial e não deixar o organismo morrer de choque, nosso corpo tenta aumentar o débito cardíaco através do aumento da frequência cardíaca. Visto isso, temos aqui dois achados clínicos da sepse: taquicardia e hipotensão. A redução da pressão arterial com vasodilatação capilar intensa privará células de diversos órgãos de receberem oxigênio e glicose adequadamente. Sem glicose, células e tecidos entram em estado catabólico, produzindo inúmeros tipos de radicais livres. Sem oxigênio, as células realizarão sua produção de energia através do metabolismo anaeróbio, que, além de ser ruim do ponto de vista energético (produz apenas 2 ATPs), tem como subproduto o ácido lático. O ácido lático, por ser um ácido facilmente ionizável, irá dissociar-se em íons H⁺ e lactato. O acúmulo de íons H⁺ gerará, então, uma acidose metabólica. Por ter um ácido novo sendo formado, a sepse vai apresentar-se com uma acidose metabólica de ânion gap aumentado às custas de lactato, que consumirá os íons bicarbonato (HCO3¯) disponíveis no sangue. Temos duas coisas que podem causar uma acidose: uma redução dos íons bicarbonato (acidose metabólica) e um aumento dos níveis de pCO2 (acidose respiratória). Para reduzir a acidose metabólica, o organismo tenta reduzir a pCO2 "eliminando" mais gás carbônico (alcalose respiratória compensatória) e isso é feito por meio do aumento da frequência respiratória e das amplitudes inspiratórias (aumentando então o volume corrente). Visto isso, essa respiração mais frequente e mais profunda vista na acidose é chamada de ritmo respiratório de Kussmaul. Respiração de Kussmaul: ALTERAÇÕES VENTILATÓRIAS NA SEPSE O paciente fica taquipneico e com maior amplitude inspiratória durante um episódio de sepse, mas existe uma complicação mais específica muito temida: a síndrome do desconforto respiratório do adulto (SDRA). Essa síndrome acontece em 18 a 25% dos casos de sepse e é causada pela hiperinflamação resultante de um foco infeccioso, independentemente de seu foco. Isso mesmo, o paciente não precisará ter, necessariamente, uma pneumonia para ser diagnosticado com SDRA. Como essa síndrome ocorre: Citocinas pró-inflamatórias produzidas em qualquer infecção (por exemplo, numa pielonefrite) atingem a corrente sanguínea junto a padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs) e padrões moleculares associados ao dano (DAMPs). Diferença: PAMPs são conteúdos componentes da estrutura do microrganismo (pilina, flagelina, LPS, galactomanana) e DAMPs são produtos moleculares eliminados no fim de uma reação inflamatória (uratos, proteínas nucleares etc.), como se fossem "restos da guerra". Os PAMPs, DAMPs e citocinas produzidos pela infecção atingirão os capilares alveolares, aumentando a permeabilidade capilar e levando à formação de NETs (armadilhas extracelulares de neutrófilos). Essas armadilhas aumentarão a pressão dentro do capilar. Como a permeabilidade estará aumentada, teremos extravasamento de plasma para zonas de menor pressão (alvéolos), levando ao acúmulo de líquido interalveolar, achado essencial da SDRA. Como ficará mais difícil realizar trocas gasosas - afinal, há líquido no alvéolo - a relação PaO2/FiO2 ficará, obrigatoriamente, reduzida (abaixo de 300), na SDRA. A SDRA em uma radiografia de tórax: Geralmente, vemos preenchimento alveolar bilateral, poupando ápices pulmonares, com eventuais broncogramas aéreos. A presença de derrame pleural é frequente, ocorrendo em 80% dos pacientes. Extensas consolidações algodonosas bilaterais (setas verdes), com preenchimento alveolar, associadas a broncograma aéreo (seta azul). ALTERAÇÕES CARDIOLÓGICAS A disfunção cardíaca é multifatorial e muito frequente durante a sepse, caracterizada pela ação direta de mediadores inflamatórios (citocinas, óxido nítrico, espécies reativas de oxigênio), ação direta de alguns microrganismos e suas toxinas, disfunção nutricional (causando alterações mitocondriais e estresse oxidativo) e alterações na captação de Ca²+ pelos cardiomiócitos. Além disso, o distúrbio hemodinâmico e pró-trombótico é frequente na sepse, afetando a micro e a macrocirculação cardíaca, podendo resultar em lesões isquêmicas extensas, a depender da magnitude do choque séptico. Para finalizar, também é observada uma alteração da via de sinalização β-adrenérgica nesses pacientes, diminuindo o cronotropismo e o inotropismo cardíacos. Pacientes com sepse, portanto, podem apresentar uma contratilidade cardíaca alterada, seja com disfunção sistólica, eventualmente com redução da fração de ejeção cardíaca, com disfunção diastólica ou ambas. A importância disso? Pacientes com disfunção cardíaca têm mortalidade muito aumentada em uma internação por sepse, sendo um dos fatores de disfunção orgânica com pior prognóstico. Dessa forma, não é raro vermos marcadores de necrose miocárdica (como a troponina I) alterados nas primeiras horas e dias do manejo deum paciente com sepse. O aumento desses marcadores, no entanto, não significa que o paciente esteja tendo um infarto. A elevação de troponina na sepse, que não é causada por obstrução coronariana, é denominada injúria miocárdica. Disfunções utilizadas no escore SOFA para estimativa de mortalidade na sepse: ALTERAÇÕES RENAIS NA SEPSE A lesão renal aguda na sepse nem sempre será prérenal. Ela é resultante de diversos processos hemodinâmicos, inflamatórios e pró-trombóticos que acontecem nos rins, ao mesmo tempo. Sabemos que a produção massiva de citocinas e a exposição a DAMPs e PAMPs levará à produção aumentada de espécies reativas de oxigênio, que, particularmente, causarão um dano citotóxico nos túbulos contorcidos proximais e distais. Além disso, esse aumento de citocinas atrairá mais neutrófilos para a cápsula de Bowman, gerando intensa inflamação mesangial e dificultando a filtração glomerular. Por fim, tal inflamação intensa também aumentará a possibilidade de coagulação intravascular, gerando microtromboses glomerulares, que culminarão na lesão renal aguda associada à sepse. Nada disso é pré-renal, pois não envolve o fluxo arteriolar aferente. Pois bem, vamos agora entender como os distúrbios hemodinâmicos atuam nos rins. A produção intensa de óxido nítrico (NO) frente a um estímulo infeccioso gerará, inicialmente, uma vasodilatação sistêmica (o que inclui a arteríola aferente). Ou seja, na primeira fase, temos até um aumento transitório da taxa de filtração glomerular. Consecutivamente, a progressão da vasodilatação durante o choque séptico gerará uma lesão renal aguda pré-renal mais acentuada e, em casos mais extremos, até microisquemias. Durante a sepse, a estratégia essencial para evitar a lesão renal aguda é garantir a volemia adequada com ressuscitação volêmica, mas sempre evitando o balanço hídrico excessivamente positivo. O uso precoce de drogas vasoativas pode reduzir o fluxo pré-renal, piorando a lesão renal aguda, e não deve ser estimulado. Para finalizar, o uso precoce de terapia renal substitutiva foi correlacionado, em diversos estudos, a um aumento da mortalidade atribuída à sepse e não deve ser indicado. ALTERAÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL NA SEPSE As disfunções gastrointestinais na sepse são bastante frequentes e, por vezes, negligenciadas no atendimento desses pacientes. O aumento de citocinas e a exposição aos DAMPs e PAMPs, habitualmente, levarão à inflamação dos ductos biliares, causando uma colestase transinfecciosa. Essa colestase é marcada pelo aumento de enzimas canaliculares (fosfatase alcalina e gama glutamil transferase - GGT). Além disso, é perceptível uma desregulação na excreção de bilirrubina direta pelos hepatócitos, levando a uma hiperbilirrubinemia total e direta, marcador disfuncional gastrointestinal com maior correlação com a mortalidade atribuída à sepse. Das disfunções hepáticas, a boa notícia é que os hepatócitos raramente sofrem insuficiência aguda, exceto em casos em que há doença hepática preexistente, sendo as transaminases, habitualmente, pouco alteradas na sepse. Visto que o estado toxêmico e pró-inflamatório da sepse impedirá o estímulo vagal parassimpático, são esperados a gastroparesia (redução da motilidade do estômago, com aumento do resíduo gástrico) e o íleo adinâmico, que facilitam a desnutrição já acelerada pelo estado catabólico do paciente. ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS NA SEPSE O sistema hematológico sofre anormalidades durante a tempestade de citocinas gerada pela sepse, o que leva ao estado de hipercoagulação, que pode ser seguido de um estado pró hemorrágico, com redução na hematopoese por diversos fatores. Existem duas interleucinas-chave nos fenômenos trombóticos da sepse, a IL-6 e o TNFα. Enquanto a IL-6 aumenta a expressão de fatores tissulares pró-trombóticos, o TNFα colabora para o estado pró-coagulante por meio de dois mecanismos distintos: inibindo vias fisiológicas anticoagulantes e reduzindo a fibrinólise pelo aumento expressivo da síntese de plasminogênio. A sucessão desses eventos leva à trombose microvascular, piorando a hipoperfusão da sepse e a disfunção orgânica, quadro que denominamos de CIVD – coagulação intravascular disseminada. A CIVD manifesta-se através de múltiplas disfunções orgânicas (renais, gastrointestinais, pulmonares etc.), sem que haja, necessariamente, trombose visível ou sangramento exteriorizado. Hemácias deformam-se ao tentar passar pelas recém-formadas redes de trombos, gerando os típicos esquizócitos encontrados na CIVD, resultantes da hemólise intravascular microangiopática. Nem sempre o paciente com CIVD apresentará trombose visível. Muitas vezes, a CIVD manifesta-se como uma microtrombose disfuncional de múltiplos órgãos, com aumento de creatinina (na microtrombose renal), aumento da ALT/AST (na microtrombose hepática) etc. É comum vermos, nessa síndrome, um alargamento do tempo de tromboplastina parcial (TTPA), com aumento do tempo de protrombina (TP), junto à queda abrupta de plaquetas e redução do fibrinogênio. Como o d-dímero aumenta em estados pró-trombóticos, por ser um produto de degradação da fibrina, seus níveis são aumentados na CIVD moderada e grave. Consecutivamente, como há consumo dos fatores de coagulação na formação de microtrombos, uma trombose microvascular generalizada poderá ser sucedida por fenômenos hemorrágicos. O tipo de sepse bacteriana que causa CIVD com maior frequência: Sabe-se que a sepse causada por gram- negativos tem maior capacidade de resultar em CIVD, tendo em vista a condição hiperinflamatória gerada pelo LPS (lipopolissacarídeo), superantígeno componente da membrana externa de gram-negativos. Outra disfunção frequente na sepse é a anemia, que é causada por múltiplos fatores e pode reduzir a oferta de oxigênio tecidual, além de aumentar a letalidade em pacientes com disfunção pulmonar associada. Causas mais comuns: ALTERAÇÕES ENDÓCRINAS NA SEPSE Não menos importantes, os distúrbios do sistema endócrino também resultam da tempestade de citocinas da sepse e manifestam-se através de disfunções tireoidianas, adrenais e pancreáticas. A disfunção adrenal (com redução da secreção de mineralocorticoides e glicocorticoides) contribui para uma intensa vasodilatação resultante da redução da resistência vascular periférica, aumentando o choque distributivo na sepse. Diferentemente de outros cenários, a insuficiência adrenal primária na sepse raramente cursa com distúrbios hidroeletrolíticos, como a hiponatremia e hipercalemia. Isso ocorre, visto que tais distúrbios são frequentemente mascarados a partir da infusão de cristaloides durante o tratamento do paciente com sepse. Essa insuficiência adrenal pode ser primária (por redução da perfusão do córtex adrenal pela intensa vasodilatação periférica) ou secundária, visto que a IL-1β e o TNFα, comprovadamente, inibem a secreção de CRH pelo hipotálamo e do ACTH pela hipófise, reduzindo o feedback positivo das glândulas adrenais. Em pacientes com choque refratário com suspeita de insuficiência adrenal, doses baixas de hidrocortisona mostram-se efetivas na redução do choque e da demanda por drogas vasoativas. A hiperglicemia também ocorre, tanto na sepse quanto em outras situações hiperinflamatórias. Ela acontece por diversos motivos: aumento da resistência periférica à insulina e gliconeogênese hepática. Isso não é surpreendente: afinal, o corpo humano tenta deixar mais energia disponível em uma condição catabólica como a sepse. ESCORES DE TRIAGEM PARA SUSPEITA DE SEPSE Durante décadas, antigas nomenclaturas, como septicemia, síndrome séptica e infecção sistêmica, causaram confusão, tanto do ponto de vista assistencial quanto na classificação de pacientes suspeitos em protocolos de pesquisa.Embora o conceito inflamatório da sepse seja conhecido desde os anos 50, o primeiro critério objetivo para sua suspeição só surgiu no início dos anos 90. SÍNDROME DA RESPOSTA INFLAMATÓRIA SISTÊMICA (SIRS) No início dos anos 90, percebeu-se que a maior parte dos pacientes com sepse apresentava febre ou hipotermia, taquicardia, taquipneia ou hipoxemia e alterações nas contagens de leucócitos. Dessa forma, esses sinais clínicos e achados laboratoriais foram agrupados como critérios de uma “síndrome nova”, a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS ou SIRS). Como os critérios dessa síndrome eram heterogêneos, dificultando a comparação interinstitucional de número de casos, letalidade e morbidade, em 1992 decidiu-se, em consenso pela Society of Critical Care Medicine (SCCM) e o American College of Chest Physicians (ACCP), pela utilização dos critérios de SRIS para o medvideos.com diagnóstico de sepse. Portanto, todo paciente com infecção presumida ou confirmada (por exemplo: tosse expectorada, no caso de uma pneumonia, ou disúria com dor lombar, no caso de uma pielonefrite) + dois critérios de SIRS, seria classificado como sepse, devendo ser manejado como uma urgência médica. Os critérios de SIRS foram históricos e importantes, pois possibilitaram a inclusão objetiva de pacientes em estudos- chave no manejo de sepse, que nos ensinaram muito sobre o manejo particular dessa síndrome, estudando melhor o uso de soluções cristaloides, antibioticoterapia e desfechos com diferentes drogas. Mais que padronizar pacientes para estudos clínicos, o critério de SIRS possibilitou que pacientes fossem identificados precocemente no pronto-socorro para receber tratamento imediato, gerando protocolos assistenciais. PROBLEMA: Repare que nem tudo são flores: os critérios de SIRS (desenvolvidos para triagem) envolviam tanto variáveis clínicas (temperatura, frequência cardíaca, respiratória) quanto laboratoriais (leucometria). Sentiu o problema? • Como vou triar um paciente com sepse no meio da floresta amazônica? • Eu deveria esperar o resultado de um hemograma para iniciar o manejo de um paciente com sepse? Então, em 2016, tiveram uma nova ideia: ESCORE QUICK SOFA Pensando na alta sensibilidade do antigo SIRS e na dificuldade de aplicação em áreas remotas, a Society of Critical Care Medicine, junto à European Society of Intensive Care Medicine, criou um novo escore, em 2016: o quick SOFA. O critério de triagem atual é o Quick SOFA, que é composto de três critérios clínicos exclusivos e frequentemente alterados no paciente com sepse: alteração do nível de consciência, pressão arterial sistólica e frequência respiratória. É só lembrar do “CPF da sister” O quick SOFA resolveu o problema dos antigos critérios de SIRS, possuindo maior especificidade para diagnosticar pacientes com sepse, no entanto às custas de uma menor sensibilidade (alguns pacientes com sepse, infelizmente, seriam enviados para casa a partir desse critério). Essa perda de sensibilidade motivou diversas críticas contra o Sepsis-3 e esse escore. Além de identificar pacientes com quadro sugestivo de sepse, estudos atuais mostraram que o quick SOFA consegue predizer a mortalidade. Como isso? Um paciente com 3 pontos no quick SOFA tem mais chances de morrer do que outro com apenas 2 pontos. Visto isso, o quick SOFA foi usado como base para o SOFA, escore mais complexo preditor de mortalidade na sepse. ESCORES PROGNÓSTICOS NA SEPSE ESCORE SOFA OBS.: NÃO É O QUICK SOFA, mas sim o SOFA (Sequential Organ Failure Assessment). Esse é um escore prognóstico que foi desenvolvido pela European Society of Intensive Care Medicine e tem como objetivo estimar a mortalidade associada à sepse por meio da análise do grau de disfunção orgânica desses pacientes. O SOFA pode ajudar a priorizar recursos (pacientes que devem ser atendidos antes ou ter prioridade de exames diagnósticos) e também a limitar cuidados, priorizando paliação em situações com baixa probabilidade de resposta clínica. Para estimar a mortalidade e o grau de disfunção orgânica, utilizamos critérios gradativos por sistema afetado, pontuando de 0 (sem disfunção) até 4 (disfunção máxima). Os sistemas avaliados pelo SOFA são: respiratório, hematológico, neurológico, hepático, cardiovascular e renal. ESCORE MOTTLING (LIVEDO RETICULAR) Estrategista, apesar de incomum, algumas provas perguntaram sobre o "escore mottling", que foi um escore criado por um grupo francês para estimar a mortalidade associada à sepse. Esse escore baseia-se na quantificação de livedo reticular presente em pacientes com choque séptico. O livedo reticular consiste em uma resposta vasoespástica de vasos superficiais da derme, que pode ser vista em inúmeras doenças e condições, mas que, na sepse, resulta de uma resposta à redução da resistência vascular periférica causada pelos mediadores inflamatórios. Em 2011, esse grupo francês propôs um escore prognóstico de mortalidade na sepse baseado na extensão desse livedo reticular, que geralmente se iniciava em regiões mais frias de membros inferiores (joelhos). Ou seja, à medida que esse livedo avançava de maneira centrípeta (em direção ao abdome), maior era a mortalidade do paciente. Isso demostrava que pacientes com livedo reticular extenso tinham menor resistência vascular periférica e, portanto, menor resposta à reposição de fluidos e drogas vasoativas. CLASSIFICAÇÃO DA SEPSE CAPÍTULO Há uma classificação que foi utilizada no Sepsis-1 e Sepsis-2 (2012), sendo modificada no atual Sepsis-3 (2016). A principal diferença é que as classificações antigas utilizavam os critérios de SIRS para triar pacientes suspeitos de sepse, além do termo “sepse grave”. Na classificação atual, sepse deverá ser suspeitada quando tivermos infecção confirmada ou presumida + dois ou mais critérios do quick SOFA, além disso, o termo “sepse grave” foi abolido desde 2016. CLASSIFICAÇÃO PELO SEPSIS-1 E SEPSIS-2 NÃO É MAIS USADA! Os consensos prévios utilizavam o termo infecção para classificar quaisquer doenças causadas por microrganismos sem que houvesse o desenvolvimento de SIRS. Temos, por exemplo, a cistite não complicada, no caso de pacientes com sinais vitais normais. Já sepse era considerada como um foco infeccioso presumido ou confirmado na presença de dois critérios de SIRS, indicando que não havia apenas uma infecção, mas uma infecção gerando uma resposta inflamatória exacerbada. Por exemplo: uma paciente que se apresenta com disúria e dor lombar (sugerindo pielonefrite) e que, ao mesmo tempo, apresenta taquicardia de 108 bpm e leucocitose de 18.000 células/mm³. Sepse grave (uma das classificações mais cobradas antigamente e que agora não existe mais) era quando o paciente tinha sepse presumida pelo critério que descrevemos acima, adicionada a alguma disfunção orgânica (pormenorizada nos critérios de SOFA que vimos no capítulo anterior). Por exemplo: uma paciente com pielonefrite, taquicardia de 108 bpm, leucocitose de 18.000 e uma lesão renal aguda com creatinina de 2.3 mg/dL. Já choque séptico era (e ainda é) a principal pegadinha das questões sobre classificação da sepse. “É a PAM < 65 mmHg?” Não. Na época ele era definido como pressão arterial média que se mantém abaixo de 70 mmHg (ou sistólica abaixo de 90mmHg) após a infusão de soluções cristaloides em meta adequada (30 mL/kg), independentemente dos níveis de lactato. CLASSIFICAÇÃO PELO SEPSIS-3 (ATUAL) Houve uma mudança conceitual interessante no Sepsis-3: o termo sepse grave. Por que esse termo foi inutilizado? Estudos americanos identificaram que a classificação como sepse em vez de sepse grave reduzia os cuidados imediatos essenciais no atendimento de um paciente com sepse, como a ressuscitação volêmica guiada pormetas e o uso precoce de antimicrobianos. Dessa forma, o consenso preferiu considerar que “toda sepse é importante”, enterrando o termo grave. Outra mudança relevante que tivemos foi sobre a caracterização de choque séptico: • O limite de PAM após expansão com cristaloides passou a ser 65 mmHg; • O uso do critério de PAS foi descontinuado; • Incluiu-se o critério “uso de drogas vasoativas” na consideração de choque séptico; • Incluíram-se os níveis de lactato acima de 2 mmol/L como equivalentes de choque. Há três cenários possíveis: • infecção sem disfunção orgânica, • sepse • choque séptico MANEJO DA SEPSE Durante anos, a pergunta "o que fazer no atendimento inicial de um paciente com sepse?" permaneceu com muitas respostas e verdades mutáveis. No entanto, uma coisa era visível: quanto mais tempo levava-se para iniciar medidas de tratamento para pacientes com sepse, maior era a mortalidade desses pacientes. Visto isso, desde 1991 (durante o Sepsis-1), pacotes de atendimento ao paciente com sepse foram desenvolvidos com o objetivo de sistematizar o atendimento e evitar que medidas essenciais fossem esquecidas durante o manejo desses doentes, visando reduzir a letalidade, a morbidade e o tempo de permanência hospitalar associados à sepse. Propondo facilitar o raciocínio de médicos de unidades de tratamento intensivo e pronto atendimentos, o Sepsis-3 organizou as medidas terapêuticas da sepse em dois pacotes: Pacote de 1ª hora de atendimento (também conhecida como golden hour): envolve cinco etapas. Bora memorizar, Estrategista. Uma sepse não é uma batalha fácil. Quando você vê uma na sua frente, você corre e grita: "ECA! Vi um dragão". Essa frase vai ajudá-lo a lembrar-se dos passos contidos nesse pacote, na ordem em que eles devem acontecer: 1) Exames laboratoriais deverão ser coletados para verificar disfunções orgânicas (incluindo lactato); 2) Culturas deverão ser coletadas, preferencialmente, antes do início de antibióticos; 3) Antibióticos deverão ser iniciados dentro da primeira hora de atendimento; 4) Volume deverá ser oferecido a todos os pacientes com sinais de hipoperfusão; 5) Drogas vasoativas deverão ser consideradas, caso a hipoperfusão seja mantida; Pacote de 6ª hora de atendimento: tem como objetivo reavaliar parâmetros perfusionais (incluindo o clareamento do lactato), necessidade de aumento da expansão volêmica e associação de outras classes de drogas vasoativas. COLETA DE PROVAS DE DISFUNÇÃO ORGÂNICA Que exames preciso coletar, inicialmente, em um paciente com suspeita de sepse? Pense comigo: eu quero ver o grau de disfunção orgânica dele. Logo, deverei coletar os marcadores prognósticos contidos no escore SOFA que vimos anteriormente. Das seis disfunções do SOFA, a única que não tem exame laboratorial é a disfunção neurológica. Desses exames citados, o mais importante é o lactato arterial, que indicará o grau de hipoperfusão da sepse, responsável por todas as outras disfunções. Além disso, ele é o único parâmetro laboratorial reavaliado no pacote de 6 horas. COLETA DE CULTURAS Sempre deveremos tentar isolar o agente infeccioso durante o manejo inicial da sepse. Isso auxiliará a guiar o tratamento antimicrobiano (espectro e dose) e, até, encontrar focos infecciosos adicionais. Dessa forma, a etapa fundamental a ser feita para todos os pacientes com sepse é a coleta de dois pares de hemoculturas de sítios distintos antes do início de antimicrobianos. Darei um exemplo: dois balões de hemocultura (aeróbio/anaeróbio) coletados do braço esquerdo e dois balões coletados do braço direito, totalizando quatro amostras. Aproximadamente 30% a 50% dos pacientes com sepse terão os agentes etiológicos identificados por meio da hemocultura, especialmente aqueles acometidos por pneumonias ou infecções intrabdominais. Além das hemoculturas, ainda dentro da primeira hora de atendimento (preferencialmente, antes do início de antimicrobianos), deveremos coletar culturas de outros sítios pertinentes, por exemplo: • Infecção do trato respiratório: cultura de secreção traqueal ou escarro; • Infecção do trato urinário: uroculturas; • Infecção gastrointestinal: coprocultura (se diarreia patológica); • Pele, partes moles, sítio cirúrgico: cultura de abscessos, cultura profunda de sítio incisional etc. • Artrite séptica: cultura de líquido sinovial; • Infecção do sistema nervoso central: cultura de LCR.Atenção, querido Estrategista: jamais deveremos solicitar culturas de sítios não estéreis, como culturas da cavidade oral, pele e trato genital, pois, habitualmente, elas refletirão colonização/ flora local e não bactérias patogênicas. ANTIBIOTICOTERAPIA E CONTROLE DO FOCO Após obtermos hemoculturas e culturas de sítios pertinentes, deveremos iniciar antibióticos de largo espectro, via intravenosa e ajustados para peso do paciente, idealmente, dentro da primeira hora. Reduzir a carga do microrganismo causador da sepse é essencial para o controle inflamatório e, consecutivamente, hemodinâmico. Para você ter uma ideia, cada hora de atraso na prescrição de antimicrobianos aumenta a letalidade da sepse em 7.6%. Os antimicrobianos não deverão ser ajustados para disfunções hepáticas e renais nas primeiras 24 horas. Apesar do amplo espectro ser habitualmente empregado, deveremos descalonar nosso antimicrobiano para o menor espectro possível assim que obtivermos o resultado das culturas. O problema central de alguns quadros de sepse é a penetração insuficiente de antimicrobianos em abscessos e grandes coleções. Por que isso acontece? Os abscessos, além de terem uma cápsula que impede a entrada adequada de drogas, habitualmente têm o pH ácido em seu interior, inativando a maior parte dos antimicrobianos absorvidos. Visto isso, o controle de foco infeccioso é passo essencial nessa fase da sepse, tão logo se atinja a estabilidade clínica do paciente: abordagem cirúrgica de infecções intrabdominais, drenagem de empiemas torácicos, artrocentese com lavado articular de artrites sépticas, desobstrução de pielonefrites obstrutivas, abordagem de necrose pancreática infectada etc. Outro pensamento que tem de ser claro nessa fase, especialmente para os pacientes internados, é: "existe algum dispositivo que possa ser a fonte da infecção e deva ser retirado?". Nessas horas, temos que pensar em cateteres, sondas e derivações cirúrgicas que possam ser fonte de infecção, pois algumas bactérias formam biofilmes nesses dispositivos e são dificilmente erradicadas. RESSUSCITAÇÃO VOLÊMICA A ressuscitação volêmica é uma das etapas mais importantes no atendimento de um paciente com sepse, pois garantirá a perfusão de oxigênio e nutrientes para diversos órgãos, reduzindo o metabolismo anaeróbio e, consecutivamente, a acidose hiperlactatêmica. Essa restauração do equilíbrio energético reduzirá diversas disfunções orgânicas. Além disso, a restauração de volemia ajudará a aumentar o volume de distribuição de antimicrobianos, tornando o controle da infecção mais eficiente. Os pacientes com sinais de hipoperfusão (quais são eles? só lembrar da "Regra dos 3 Ps": Pressão arterial média < 65 mmHg, Perfusão lentificada e Pulsos filiformes) ou com lactato arterial acima de duas vezes o valor de referência deverão receber ressuscitação volêmica. Essa ressuscitação deverá ser realizada, preferencialmente, na primeira hora do atendimento. Pacientes com disfunção cardíaca reconhecida podem ter a necessidade de redução da velocidade de infusão das soluções de ressuscitação, visando evitar edema agudo pulmonar. Como o Sepsis-3 recomenda as diferentes soluções que podem ser feitas durante o atendimento da sepse? DROGAS VASOATIVAS (DVAs) Caso o paciente apresente pressão arterial média persistentementeabaixo de 65 mmHg após expansão volêmica adequada (solução e dose adequadas para seu peso), o uso de drogas vasoativas deverá ser prontamente iniciado, já no final da primeira hora. Em caso de hipotensão ameaçadora à vida, o uso de vasopressores deverá ser iniciado ainda na primeira hora de atendimento, junto com as soluções cristaloides. Não é necessário o uso imediato de um acesso venoso central para a infusão de vasopressores. No contexto de emergência, um acesso venoso periférico calibroso poderá ser utilizado nas primeiras horas, tão logo se realize a punção de acesso venoso central. Venha comigo, Estrategista: como o problema da sepse é a redução da resistência vascular periférica (RVP), o vasopressor de escolha é aquele com maior ação vasoconstritora, levando ao aumento da RVP. Desses, a droga de escolha sempre deverá ser a noradrenalina. Indicação de drogas vasoativas na primeira hora de atendimento da sepse: Passos iniciais na primeira hora de atendimento do paciente com sepse: PACOTE DE REAVALIAÇÃO DAS 6 HORAS Todo paciente com sepse precisará dessa reavaliação na sexta hora de atendimento? Não. Apenas aqueles com sinais de choque séptico, lactato inicial acima de 2x o limite superior da normalidade e com hipoperfusão tecidual. O objetivo desse pacote é hemodinâmico: analisar as condições de volemia do paciente e sua perfusão tecidual. O que é obrigatório e o que é opcional nessa reavaliação: O que fazemos nos casos com lactato persistentemente reduzido? Aumentamos as medidas perfusionais (seja volemia, droga vasoativa ou droga vasoativa inotrópica) e pedimos um novo lactato 6 horas após as mudanças. CONDUTAS ADICIONAIS NO MANEJO INICIAL DA SEPSE CONTROLE GLICÊMICO O paciente com sepse poderá apresentar uma resposta endócrino-metabólica à infecção, que resultará em um estado hiperglicêmico. Diversos estudos demonstraram um aumento de letalidade apenas quando há hipoglicemia sustentada na sepse, visto o estado catabólico dessa condição. Embora os benefícios do controle glicêmico sejam incertos, a Surviving Sepsis Campaign recomenda que todos os pacientes com sepse recebam insulinoterapia visando uma concentração de glicose abaixo de 180 mg/dL. A teoria que justifica essa correção: estudos in vitro mostram uma pior performance de neutrófilos em condições hiperglicêmicas excessivas. Agora atenção, Estrategista: isso não é parte dos objetivos do manejo inicial do paciente com sepse e nem deve ser resposta de nenhuma questão sobre manejo inicial. Estamos falando aqui de uma etapa complementar. VENTILAÇÃO PROTETORA No caso de insuficiência respiratória associada à sepse, a intubação orotraqueal não deverá ser postergada, especialmente nos casos em que essa insuficiência respiratória é resultante de uma hipoperfusão tecidual severa. Os pacientes com sepse desenvolverão, em 15% a 20% dos casos, a síndrome do desconforto respiratório do adulto (SDRA), condição na qual a ventilação protetora reduzirá morbidade e mortalidade. O termo é bonito, mas do que se trata a ventilação protetora? Ela consiste no uso de baixos volumes correntes (cerca de 6mL/kg de peso ideal do paciente), limitando uma pressão de platô durante a ventilação em 30 cmH2O. Essas estratégias visam reduzir a lesão pulmonar induzida por ventilação e barotraumas durante a assistência do paciente com sepse. Temos algum objetivo com essa ventilação? Sim, temos que objetivar uma PaO2 entre 70 e 90 mmHg. NUTRIÇÃO DO PACIENTE COM SEPSE A sepse produz um estado catabólico intenso, tendo em vista a redução da absorção de nutrientes, impactada pela gastroparesia e íleo adinâmico, além do aumento do consumo energético causado pelo estresse infeccioso. Em teoria, garantir uma dieta com aumento de calorias e proteínas auxiliaria a resposta imunológica e atuaria na prevenção da desnutrição na sepse, reduzindo algumas complicações, como distúrbios hidroeletrolíticos e neuropatia do doente crítico. No entanto, essa conta não foi bem positiva nas pesquisas... Ensaios clínicos randomizados recentes não demonstraram diminuição de mortalidade ou do tempo de hospitalização com dieta enteral ou parenteral de forma agressiva e precoce na sepse. Qual é a recomendação atual? Não deixar o paciente instável em jejum e no "soro glicosado", mas oferecer, preferencialmente, dieta enteral conforme tolerância. Esses pacientes devem ter a gastroparesia reavaliada de forma periódica, a fim de evitar-se refluxo e broncoaspiração. CONDUTAS CONTRAINDICADAS NO MANEJO INICIAL DA SEPSE USO DE CORTICOSTEROIDES Qual é a razão de usar corticoides na sepse? O choque séptico e a condição perfusional severa poderão levar à isquemia e hipoperfusão das glândulas adrenais, levando a uma baixa secreção, tanto de glicocorticoides quanto de mineralocorticoides. Isso pode resultar em um grande impacto na hemodinâmica do nosso paciente, afinal ambos os hormônios citados atuam na elevação da pressão arterial sistêmica. No entanto, o uso de corticosteroides não é isento de riscos: eles podem reduzir a produção de espécies livres de oxigênio e a migração de neutrófilos, além de favorecerem a formação de abscessos e a ocorrência de infecções fúngicas invasivas, devendo ser utilizados com muita cautela. “Então, quando uso corticosteroides na sepse?” No choque séptico refratário, em que houver agressão hemodinâmica com possível hipoperfusão de adrenais de forma persistente. Nas situações aplicáveis, o corticosteroide recomendado é a hidrocortisona, na dose de 50 a 75mg a cada 6 horas, associada a outras medidas (drogas vasoativas, volume etc.). USO DE BICARBONATO DE SÓDIO A acidose na sepse é resultado de uma hipoperfusão. Relembre comigo: vasodilatação que leva à distribuição insuficiente de nutrientes e oxigênio, levando as células ao metabolismo anaeróbio e à produção de ácido lático. Visto isso, tenho que tratar a causa da acidose: a má perfusão. Isso é feito através da ressuscitação volêmica agressiva e uso de drogas vasoativas, quando necessário, e é suficiente para a resolução de quase 90% das acidoses metabólicas na sepse. Logo, não faz sentido neutralizar íons H+ utilizando ativamente bicarbonato de sódio, visto que isso não tratará o núcleo do problema. Além de ser uma medida paliativa, o bicarbonato de sódio pode aumentar o risco de distúrbios do sódio e até edema cerebral. Isso já foi comprovado por diversos estudos que demonstraram maior letalidade em pacientes que usam bicarbonato precocemente na sepse. TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA PRECOCE A lesão renal aguda na sepse tem dois problemas centrais: hipoperfusão e inflamação. Visto isso, a maior parte das lesões renais agudas responderá adequadamente à expansão volêmica e ao uso de antimicrobianos. Consecutivamente, não há recomendação para hemodiálise (seja contínua ou intermitente) de forma precoce nesses pacientes. PROTEÍNA C ATIVADA Veja bem a diferença: não estou falando de proteína C reativa, mas de proteína C ativada. A proteína C ativada foi uma droga desenvolvida no início dos anos 2000, que tinha como objetivo o bloqueio da sinalização de moléculas de trombina presentes no endotélio dos vasos, impedindo a ativação da cascata inflamatória da sepse. A ideia parece genial, não é mesmo? "Eu bloqueio a via inflamatória, que é o cerne de todos os problemas hemodinâmicos na sepse, e resolvo toda a situação". Bem, na prática não foi bem assim... A proteína C ativada recombinante foi analisada no estudo PROWESS (2001), que demonstrou uma redução de mortalidade no primeiro mês, para pacientes que a utilizaram quando comparados ao grupo placebo. No entanto, sua aplicação foi contraindicada ao demonstrarem um aumento de sangramento de 7,2% no grupo de pacientes com quadros mais
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