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Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 1 Sepse e ITU SP 2.4 – HOSPITAL NUNCA MAIS! 1) INFECÇÕES DO TRATO URINÁRIO (FISIOPATOLOGIA. AGENTES ETIOLÓGICOS, FATORES DE RISCO, QUADRO CLÍNICO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO) ; A infecção do trato urinário (ITU) afeta mais de 10% das mulheres e aproximadamente 50% delas apresentam pelo menos um episódio durante a vida. Proporção aproximada de 6 mulheres para 1 homem acometido. A infecção urinária de repetição (ITUr) ocorre entre 10% e 15% das mulheres com mais de 60 anos de idade. Bacteriúria assintomática (BA) ocorre entre 2% e 10% das mulheres. Em mais de 75% das ITUs em mulheres, o agente etiológico é a Escherichia coli, seguido de outros patógenos como Klebsiella, Enterobacter, Proteus mirabilis, Sthaphylococcus saprophyticus e Streptococcus agalactiae. Em um estudo feito no Brasil, E. coli foi responsável por 75,5% das cistites agudas, seguido por Enterococcus (10%) e Klebsiella (6,4%). Um grande desafio para a escolha empírica de antibióticos é a crescente resistência bacteriana. O estudo ARESC de 2008 demonstrou haver menor grau de resistência de E. coli a fosfomicina e nitrofurantoína (3% e 5,7%, respectivamente). Um estudo feito na Suíça verificou resultado semelhante (1,5% e 1%, respectivamente). As ITUs podem estar relacionadas ao mau funcionamento do sistema imunológico. Sendo a ascensão dos patógenos pela uretra/bexiga/ureter/rins a via mais frequente de ITU. Idosos são mais acometidos pelas ITUs no sexo masculino, devido à hiperplasia prostática benigna que dificulta o esvaziamento adequado da bexiga. Classificação Existem diferentes sistemas de classificação da ITU. A ITU pode ser classificada como alta (pielonefrite) ou baixa (cistite). Contudo, o mais amplamente utilizado é aquele desenvolvido pelos Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), Sociedade de Doenças Infecciosas da América (IDSA) e Sociedade Europeia de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas (ESCMID), que classificam as ITUs em: 1. ITU não complicada: quadro agudo, esporádico ou recorrente, no trato urinário inferior (cistite) ou superior (pielonefrite), limitado a mulheres não grávidas, sem anormalidades anatômicas e funcionais no trato urinário ou comorbidades. 2. ITU complicada (cistite e pielonefrite): ocorre em pacientes com chance aumentada de evolução desfavorável, ou seja, grávidas, pacientes com anormalidades anatômicas ou funcionais do trato urinário, presença de cateteres urinários de demora, doenças renais ou concomitantes, como diabetes mellitus, imunossupressão ou transplante renal. 3. Bacteriúria assintomática: caracterizada pela presença de bactérias em meio de cultura (consideram- se 100 mil unidades formadoras de colônia por mL como bacteriúria significativa) na ausência de sinais e sintomas de ITU. 4. Infecção recorrente do trato urinário: ocorrência de dois episódios de ITU em seis meses ou três nos últimos 12 meses, com confirmação com urocultura. 5. Urossepse: é definida como disfunção orgânica com risco de morte causada por resposta desregulada do hospedeiro à infecção originada do trato urinário. Fisiopatologia Na teoria clássica para o desenvolvimento de ITU em mulheres (via ascendente), o uropatógeno, oriundo da flora fecal, coloniza a vagina e a uretra distal. Posteriormente, ascende para a bexiga e promove infecção. A ITU resulta da interação de fatores biológicos e comportamentais do hospedeiro e da virulência do microrganismo. Na litíase pode haver a formação de biofilme ao redor do cálculo favorecendo a manutenção do microrganismo no trato urinário. Fatores de risco para infecção do trato urinário recorrente Na pré-menopausa, os fatores comportamentais são os que predominam, como frequência das relações sexuais, número de parceiros, novos parceiros e uso de espermicida e diafragma. Para mulheres na pós-menopausa, os fatores de risco são diferentes e incluem deficiência de estrogênio, diminuição de lactobacilos vaginais, prolapso genital, cirurgia vaginal prévia, volume urinário residual elevado e ITU prévia. Há, também, evidências que indicam que o envolvimento genético, associado à alteração na resposta do hospedeiro, podem predispor algumas mulheres a desenvolver ITU de repetição. Interleucina (IL)-8, receptor de IL-8R ou CXCR1 foram relacionados com variabilidade genética e apresentam expressão reduzida em crianças com tendência à pielonefrite. Diagnóstico Os sintomas clássicos da ITU incluem disúria, aumento da frequência urinária, urgência miccional e, ocasionalmente, dor suprapúbica e hematúria. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 2 Os diagnósticos diferenciais incluem vaginite, uretrite aguda, síndrome da bexiga dolorosa, síndrome da bexiga hiperativa e doença inflamatória pélvica. A avaliação diagnóstica deve se iniciar com história clínica e exame físico detalhado, para excluir alterações anatômicas e infecções vaginais. Em mulheres com disúria e polaciúria, sem vaginite, o diagnóstico de ITU é feito em 80% dos casos. A presença de febre, sensibilidade ou dor em região lombar (sinal de Giordano) indica comprometimento do trato urinário superior. Estudos mostram que a realização do exame de sedimento quantitativo ou cultura de urina em pacientes com quadro de ITU não complicada é dispensável pela natureza previsível das bactérias causadoras. Recomenda-se cultura de urina somente para ITU recorrente, na presença de complicações associadas ou na vigência de falha do tratamento inicial, devendo ser feita com jato médio. O teste de nitrito positivo, feito em exame de urina com tiras reativas para uroanálise, é altamente específico. Em relação aos exames de imagem, mulheres com sintomas atípicos de doença aguda, assim como aquelas que falham em responder à antibioticoterapia adequada ou permanecem febris após 72 horas de tratamento, deve-se considerar investigação diagnóstica adicional com ultrassonografia, tomografia computadorizada helicoidal das vias urinárias ou urorressonância magnética. Bacteriúria assintomática O rastreamento e o tratamento de bacteriúria em mulheres assintomáticas são indicados apenas a gestantes, já que a presença de bactérias na urina, nessa situação, eleva o risco de pielonefrite, prematuridade e baixo peso ao nascer, e a pacientes que vão se submeter à cirurgia urológica eletiva, principalmente procedimentos endoscópicos que penetrem no trato urinário. Não se indica rastreamento de rotina a mulheres diabéticas, com ITU de repetição, na pós-menopausa, transplantadas renais, idosas, com neutropenia e cateter urinário de demora. Nessas situações, não há evidência de que tratar bacteriúria assintomática possa diminuir novos episódios de ITU e pielonefrite, além do risco de os efeitos colaterais do uso de antibióticos poderem aumentar o grau de resistência bacteriana e de serem fatores de risco independente para episódio de ITU sintomática. Tratamento → Cistite aguda não complicada Como primeira escolha para tratamento empírico, recomendam-se nitrofurantoína (100 mg, de 6/6 h, por cinco dias) ou fosfomicina/trometamol (3 g em dose única). Outras opções incluem cefuroxima (250 mg, de 12/12 h, por sete dias) ou amoxacilina/clavulanato (500/125 mg, de 8/8 h, durante sete dias). Em locais em que a resistência local é inferior a 20%, pode-se usar sulfametoxazol/trimetropim (160/800 mg, de 12/12 h, durante três dias). Fluorquinolonas não são recomendadas como tratamento empírico, em razão do aumento de resistência bacteriana e dos efeitos colaterais adversos (tendinite, ruptura de tendão, neuropatia periférica e ruptura de aneurisma de aorta). Em 2019, a European Medicines Agency (EMA) recomendourestrição ao uso das fluorquinolonas devido aos efeitos colaterais incapacitantes e permanentes. Aminopenicilinas e cefalosporinas de primeira geração também não são recomendadas como primeira escolha, pois apresentam eficácia limitada. Pielonefrite não complicada Deve-se iniciar tratamento oral com fluoroquinolonas (ciprofloxacino 500 mg, de 12/12 h, durante sete dias, ou levofloxacino 750 mg/dia, durante cinco dias). Se houver necessidade de internação, recomenda-se usar esquema endovenoso com fluorquinolonas (ciprofloxacino 400 mg, duas vezes ao dia, ou levofloxacino 750 mg/dia) ou, ainda, cefalosporina de terceira geração (ceftriaxona 2 g/dia). Pielonefrite complicada Requer tratamento hospitalar com fármacos endovenosos, como amoxicilina/aminoglicosídeo cefalosporina de terceira geração. Como alternativas, incluem-se ceftolozano + tazobactam, imipeném- cilastatina, ceftazidima + avibactam, meropenem. O uso empírico de ciprofloxacino deve ser restrito a locais em que a resistência bacteriana seja inferior a 10%. Prevenção de infecção do trato urinário recorrente Define-se como ITU recorrente a presença de dois episódios de ITU em seis meses ou três em um ano. Entre as opções para profilaxia de ITU recorrente, destacam-se mudanças comportamentais e uso de imunomoduladores ou de antibioticoprofilaxia. 1. Mudanças comportamentais e de higiene pessoal: adequar ingesta hídrica, micção pós-coito, enxugar de frente para trás após defecar, evitar ducha vaginal e uso de roupa íntima oclusiva. Os estudos não são Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 3 consistentes quanto aos resultados dessas medidas (grau de recomendação 3). 2. Profilaxia antimicrobiana: As três estratégias antibióticas utilizadas são profilaxia pós-coito, profilaxia contínua e tratamento autoiniciado. Uma revisão da Cochrane de 19 ensaios clínicos, incluindo 1.120 pacientes, indica que antibióticos são melhores do que placebo na redução do número de recidivas. A escolha do antibiótico deve seguir padrões de resistência da comunidade, eventos adversos e custos locais. → Profilaxia contínua: a maioria dos estudos recomenda uso de subdose diária com macrodantina 100 mg ao dia ou com fosfomicina 3 g a cada dez dias, por seis meses. → Profilaxia pós-coito: pode-se suspeitar de relação causal entre infecções e relações sexuais quando o intervalo entre a infecção e a relação sexual é entre 24 e 48 horas. Em pacientes que apresentam esse tipo de infecção com frequência, a profilaxia pós-coito é indicada, com dose única de nitrofurantoína 100 mg. → Autotratamento: essa estratégia deve ser restrita a mulheres com infecções recorrentes bem documentadas, que iniciam o tratamento de curta duração assim que percebem os sintomas. Devem estar motivadas e bem orientadas a procurar um médico caso não haja regressão dos sintomas em até 48 horas. Estrogênio vaginal O uso de estrogênios por via vaginal na pós- menopausa estimula a proliferação de lactobacilos no epitélio vaginal, reduz o pH e evita a colonização vaginal por uropatógenos. A estrogenoterapia vaginal reduz a recorrência de ITUs em 36% a 75% e tem mínima absorção sistêmica. Podem ser usados estriol (1 mg) ou promestrieno (10 mg), uma vez por dia, durante 15 dias, e mantidos duas ou três vezes por semana. → ImunoterapiaOM-89 (Uro-Vaxom®) é o imunomodulador com mais evidências na literatura. Consiste em administração de cápsula oral composta de fragmentos de 18 cepas de E. coli. Esse extrato de lisado bacteriano pode agir como imunoestimulante mediante a ativação de células dendrítricas derivadas de monócitos, estimulando a produção de anticorpos para E. coli. Recomenda-se uma cápsula ao dia, durante 90 dias, três meses de pausa e tratamento adicional do sétimo ao nono mês (uma cápsula ao dia, durante dez dias por mês). Recomendado por European Association of Urology (EAU) e Febrasgo/Sociedade Brasileira de Urologia/Sociedade Brasileira de Infectologia. Não é recomendado pela American Urological Association (AUA). Recomendações finais • A triagem e o tratamento da BA são recomendados apenas a gestantes e pacientes que serão submetidas a cirurgia urológica eletiva do trato urinário. • O tratamento inicial de uma infecção sintomática do trato urinário inferior não complicada não exige que se realize exame de urina (urina de rotina e cultura) • No caso de cistite bacteriana aguda não complicada, recomenda-se tratamento antimicrobiano com nitrofurantoína por cinco dias ou fosfomicina em dose única (forte recomendação). • O tratamento da ITU de repetição inicia-se por medidas comportamentais (grau de recomendação 3), medidas não antimicrobianas: estrogênio vaginal e imunoprofilaxia e, se persistir, uso de antibioticoprofilaxia por seis meses. • Não há evidências suficientes para indicar o uso de lactobacilos, cranberry, D-manose, ácido hialurônico nem metinamina na prevenção de ITU recorrente. Bacteriúria assintomática na gestante Situação em que se identificam bactérias em multiplicação ativa no trato urinário, sem sintomas (uma ou mais espécies de bactérias na urocultura, em quantidade superior a 100.000 unidades formadoras de colônia por mililitros). Sua incidência é em torno de 9% a 11% de todas gestações. É diagnosticada durante a rotina de exames laboratoriais do pré-natal. Na gravidez sempre deve ser tratada, caso contrário, em cerca de 30% dos casos haverá progressão para cistite ou pielonefrite. O tratamento da BA deve ser baseado no teste de tolerância de sensibilidade das bactérias (antibiograma), observando o risco de teratogenicidade das drogas. Recomenda-se novo exame de urocultura, como controle de cura, após duas semanas do tratamento. Antibiótico Dose Duração Fosfomicina 3g Dose única Nitrofurantoína 100mg cada 6h 5 dias Cefalexina 500mg cada 6h 7 dias A detecção de novo caso de BA favorece a indicação de antibioticoprofilaxia até o parto, utilizando-se a nitrofurantoína (100 mg ao dia) ou a cefalexina (250- 500 mg diários). Alguns recomendam não utilizar nitrofurantoína após 37 semanas pelo maior risco de icterícia neonatal. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 4 Referências: • Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Infecção do trato urinário. São Paulo: FEBRASGO; 2021 (Protocolo FEBRASGO-Ginecologia, n. 49/ Comissão Nacional Especializada em Uroginecologia e Cirurgia Vaginal). • Ministério da Saúde. Manual de Gestação de Alto Risco, 2022. 2) ESTUDAR SEPSE (CRITÉRIOS, MECANISMO, QUADRO CLÍNICO, PROTOCOLOS DE DIAGNÓST ICO E TRATAMENTO INICIAL) E DIFERENCIÁ-LA DE CHOQUE SÉPTICO (E TAMBÉM O SEU TRATAMENTO); Bases fisiológicas do sistema cardiovascular A compreensão da fisiopatologia do choque circulatório perpassa conceitos básicos da fisiologia normal do sistema cardiovascular. Sem essas bases fisiológicas, como estrutura e funcionamento, seria impossível definir, classificar e diferenciar os diversos tipos e subtipos de choque. Como o sistema é estruturado? Do ponto de vista funcional, a circulação sistêmica - ou grande circulação, pode ser compreendida levando- se em conta seus quatro principais componentes: a bomba cardíaca, o sistema arterial de resistência, o sistema venoso de capacitância e a rede capilar. O primeiro componente consiste no coração agindo como uma bomba hidráulica que tem como função produzir pressão para vencer a resistência imposta pelo atrito de escoamento, acelerando a coluna de sangue em direção aos tecidos. O segundo componente, o sistema arterial, abriga cerca de 30% de todo o volume sanguíneo do organismo e trabalha produzindo pressão na coluna de sangue. Essa pressão é produzida em virtude do tônus arterial,que é um estado de semicontração constante da musculatura lisa das artérias. O terceiro componente é o sistema venoso, considerado um sistema de capacitância por possuir alta complacência (capacidade de acomodar volume), já que abriga cerca de 70% do volume de sangue, funcionando como um verdadeiro reservatório. Por fim, a rede capilar constitui o quarto componente. A rede capilar encontra-se distribuída em paralelo e é responsável, em última análise, pelo processo de troca de nutrientes e gases respiratórios com os tecidos – processo conhecido como perfusão tecidual ou perfusão tissular. À circulação que ocorre nos capilares damos o nome de microcirculação. Como o sistema funciona? Três fatores determinam a função cardíaca. São eles: inotropismo, pré-carga e pós- carga. 1) Inotropismo. É a contração em si, ou seja, a força de contração, ou contratilidade, do ventrículo esquerdo (VE). 2) Pré-Carga. Refere-se ao que ocorre imediatamente antes da contração. A pré-carga é a tensão na parede do VE no momento imediatamente anterior à contração. Ela depende do volume sanguíneo circulante (volemia) e da complacência ventricular (capacidade do VE de acomodar volume). 3) Pós-Carga. Refere-se ao que ocorre imediatamente após a contração. A pós-carga é a pressão que o VE tem que vencer parar ejetar o sangue no sistema arterial. Ela é determinada, portanto, pela pressão na raiz da artéria aorta, que por sua vez é determinada pela pressão arterial sistêmica. Uma vez compreendidos os alicerces fisiológicos necessários à compreensão da fisiopatologia do choque, passemos a analisar os aspectos funcionais da região que mais nos interessa - a microcirculação -, uma vez que o choque é uma condição patológica caracterizada por alterações que se dá nesse local. Microcirculação O VE ejeta a coluna de sangue conferindo a esta energia potencial (pressão) e energia cinética (velocidade). Na medida em que o sangue flui em direção à rede capilar, tanto sua pressão quanto sua velocidade vão decaindo, em virtude do atrito do sangue com a parede das artérias e do atrito entre as próprias células que o compõem. Assim, o sangue chega à rede capilar sob baixa pressão e baixa velocidade. É importante que isso ocorra, pois caso chegasse sob alta pressão, os capilares se romperiam, já que a parede capilar é extremamente delgada. Paralelamente, caso chegasse a alta velocidade, não haveria tempo suficiente para que as trocas gasosas e de nutrientes ocorressem de forma satisfatória. Fisiopatologia do choque A síndrome do choque circulatório é o conjunto de sinais e sintomas que caracterizam a falência circulatória aguda. Esse quadro pode advir de causas distintas e, por isso, ter fisiopatologias distintas. No entanto, a má perfusão tecidual é o que define o choque, independentemente de sua causa. O choque circulatório caracteriza-se por um estado de hipoperfusão tecidual, ou seja, o fluxo sanguíneo encontra-se inadequado para suprir as necessidades celulares. Assim, o denominador comum de todos os tipos de choque é a redução da pressão de enchimento capilar (PEC). Há, portanto, um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de oxigênio e nutrientes, e um acúmulo de produtos metabólicos de excreção celular Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 5 (como o gás carbônico) pela insuficiência na sua remoção. É importante ressaltar que, apesar da redução da PEC, o choque circulatório não cursa necessariamente com hipotensão arterial e débito cardíaco diminuído. Essa confusão pode, muitas vezes, retardar o diagnóstico e, consequentemente, diminuir as chances de reversão do quadro. Em relação à pressão arterial, em algumas situações ela pode estar próxima aos níveis normais, ainda que o paciente encontre-se em insuficiência circulatória devida à PEC reduzida. Paralelamente, pode ocorrer uma queda significativa da pressão arterial (até cerca de metade do valor normal) sem que a perfusão tecidual se comprometa, ou seja, sem que haja choque. Já o débito cardíaco pode encontrar-se normal ou até mesmo aumentado, dependendo da condição patológica subjacente. Há casos em que as necessidades metabólicas do organismo estão aumentadas a tal ponto que, mesmo com o débito cardíaco aumentado, não há um aporte suficiente de nutrientes para os tecidos. Ou ainda, o débito cardíaco pode encontrar-se normal, mas a perfusão tecidual não ocorrer de forma satisfatória, por alguma alteração nas trocas entre os capilares e as células. O choque, independentemente da causa, tem como resultado final a deterioração tecidual, caso não haja intervenção. Isso porque, quando o choque atinge um estado em que os mecanismos compensatórios do próprio organismo não são mais suficientes, o próprio choque gera mais choque, uma vez que a má perfusão compromete de forma geral os tecidos corporais, inclusive o sistema cardiovascular. Com o sistema cardiovascular comprometido, a perfusão se tornará cada vez mais insuficiente, formando um ciclo vicioso. Caso não haja intervenção neste momento, o choque se tornará irreversível, e a morte, inevitável. Choque séptico O choque séptico é decorrente de uma infecção grave, disseminada para todo o organismo. Ocorre normalmente em ambiente hospitalar e acomete indivíduos com o sistema imune comprometido ou aqueles que realizaram procedimentos invasivos. Neste tipo de choque, uma infecção local é transmitida a outros tecidos pela corrente sanguínea, adquirindo assim caráter sistêmico (sepse). Os agentes causadores da infecção são produtores de toxinas que induzem à produção de mediadores inflamatórios como interleucinas, bem como a síntese de óxido nítrico. Essas substâncias têm uma potente ação vasodilatadora. Essa resposta inflamatória é crucial para o combate a infecções locais, e a vasodilatação local não causa grandes prejuízos. No entanto, em uma infecção acometendo todo o organismo, uma vasodilatação generalizada diminui a RVP e, consequentemente a PA e a PEC. Além disso, a venodilatação causa a diminuição da pré-carga e do retorno venoso, diminuindo o débito cardíaco. Como resultado, há a ativação da resposta simpática (o que explica a taquicardia nos estágios iniciais deste choque), porém tal resposta não consegue reverter a vasodilatação, uma vez que a microcirculação se encontra seriamente afetada. Os mediadores inflamatórios liberados durante a sepse condicionam também um aumento da permeabilidade vascular. Isso resulta numa perda de plasma para os espaços intersticiais, além de uma perda concomitante de proteínas. Essa última diminui a pressão coloidosmótica nos capilares e induz a uma perda ainda maior de plasma, agravando o choque. Além disso, as endotoxinas podem atuar comoum veneno metabólico, intoxicando a musculatura lisa das arteríolas e produzindo uma vasodilatação generalizada e refratária a qualquer mecanismo compensatório e tratamento. Isso faz do choque séptico uma das principais causas de óbito nas unidades de terapia intensiva. Definição Numa perspectiva histórica, a palavra sepse deriva do grego septikós. Atribuída por Hipócrates (460-377 a.C.), significa apodrecer, que causa putrefação. Sepse é definida como a ruptura do tecido, a qual resulta em uma desordem orgânica capaz de originar ou manter essa desordem ou doença. No século XIX, os trabalhos de Semmelweis, Pasteur e Lister definiram que o processo de infecção era causado por micro-organismos vivos, dessa maneira a palavra sepse relaciona-se a uma infecção invasiva séria e devastadora. A sepse é uma das maiores causas de óbito hoje no mundo. Trata-se de uma das poucas moléstias democráticas, já que atinge tanto pessoas em localidades com poucos recursos, como as residentes em áreas mais desenvolvidas. Sepse é umadisfunção orgânica com risco de vida, causada por uma resposta desregulada do hospedeiro à infecção. Sepse e choque séptico são importantes problemas de saúde, afetando milhões de pessoas em todo o mundo a cada ano, com mortalidade (alta) entre um terço e um sexto das pessoas acometidas. Identificação precoce e tratamento adequado nas horas iniciais após o desenvolvimento de sepse melhoram resultados. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 6 Consenso de 2016: Mudanças pelo Surviving Sepsis Campaign 2021: • O SOFA não deveria ser utilizado à beira leito, sendo um método de pesquisa e estudos epidemiológicos; • Hipotensão ou Glasgow 13-14 isolados não seriam classificados como sepse por não pontuarem no SOFA; • O SOFA não contempla o lactato, sendo este uma variável definidora de prognóstico; • A exigência para definição de choque séptico de vasopressores + hiperlactatemia impacta sobre países e locais com poucos recursos incapazes de realizar a dosagem de lactato, por exemplo. Alguns estudiosos sugeriram o uso de vasopressores OU a hiperlactatemia para definição; • No sepsis-3 para definição de sepse era necessário SOFA maior ou igual a 2. O Surviving Sepsis Campaign é uma diretriz dinâmica, que sofre atualizações periódicas visando guiar o profissional de saúde diante do quadro de sepse e de choque séptico. Fisiopatogenia da sepse O nosso organismo vive em homeostase quanto aos microrganismos que somos expostos, nossa imunidade inata e nossa imunidade adaptativa. De modo que não haja proliferação desses microrganismos. A partir do momento que essa homeostase é interrompida, gera- se um processo inflamatório desregulado. Os microrganismos saem daquele foco primário e disseminam-se pelo organismo, gerando uma resposta inflamatória sistêmica desregulada. Ocorre então a disfunção endotelial e da microcirculação, que a longo prazo, gerará uma hipoperfusão sistêmica e uma disfunção orgânica (Sepse), podendo evoluir para uma disfunção orgânica com hipotensão refratária (Choque Séptico). O desencadeamento de resposta do hospedeiro à presença de um agente agressor infeccioso constitui um mecanismo básico de defesa. Dentro do contexto dessa resposta, ocorrem fenômenos inflamatórios, que incluem ativação de citocinas, produção de óxido nítrico, radicais livres de oxigênio e expressão de moléculas de adesão no endotélio. Há também alterações importantes dos processos de coagulação e fibrinólise. Deve-se entender que todas essas ações têm o intuito fisiológico de combater a agressão infecciosa e restringir o agente ao local onde ele se encontra. Ao mesmo tempo, o organismo contra regula essa resposta com desencadeamento de resposta anti- inflamatória. O equilíbrio entre essas duas respostas é fundamental para que o paciente se recupere. O desequilíbrio entre essas duas forças, inflamatória e anti-inflamatória, é o responsável pela geração de fenômenos que culminam em disfunções orgânicas. Basicamente, temos alterações celulares e circulatórias, tanto na circulação sistêmica como na microcirculação. Entre as alterações circulatórias, os pontos mais marcantes são a vasodilatação e o aumento de permeabilidade capilar, ambos contribuindo para a hipovolemia relativa e hipotensão. Do ponto de vista da microcirculação, temos heterogeneidade de fluxo com redução de densidade capilar, trombose na microcirculação e alterações de viscosidade e composição das células sanguíneas. Todos esses fenômenos contribuem para a redução da oferta tecidual de oxigênio e, por consequência, para o desequilíbrio entre oferta e consumo, com aumento de metabolismo anaeróbio e hiperlactatemia. Além disso, fazem parte dos mecanismos geradores de disfunção os fenômenos celulares de apoptose e hipoxemia citopática, quando há dificuldade na utilização de oxigênio pelas mitocôndrias. A microcirculação pode ser alterada por múltiplos organismos, a princípio até mesmo pelo processo infeccioso local, que gerará uma vasodilatação do órgão/região acometido. Alteração neuro-humoral - Vasodilatação periférica: • aumento de óxido nítrico (NO – vasodilatador produzido no endotélio); • diminuição da vasopressina endógena (hormônio com função principal de vasoconstricção); Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 7 • alto gasto enérgico pela musculatura lisa dos vasos (ATP que leva à respiração anaeróbia e consequente H+ e lactato, podendo gerar acidose). Todos esses eventos vão influenciar uma vasoplegia + vasodilatação excessiva. A hipoperfusão da microcirculação vai alterar a macrocirculação, gerando hipoperfusão do músculo cardíaco. Vasoplegia é a disfunção na perfusão sistêmica decorrente da queda profunda da resistência vascular sistêmica apesar de um débito cardíaco normal ou aumentado. Alteração cardiovascular – Miocardiodepressão reversível: • acontece nas primeiras 24-36h de quadro séptico; • acontece em alguns grupos de pessoas; • diminuição da contratilidade cardíaca (ionotropismo diminuído, que causará hipoperfusão do músculo cardíaco); • a miocardiodepressão não é sinônimo de baixo débito cardíaco (pacientes sépticos podem apresentar débito cardíaco aumentado). Distúrbios de coagulação – microcirculação: O quadro séptico ativa as vias de pró-coagulação e alterações das vias de anticoagulação e de fibrinólise endógena; favorecendo a formação de microtrombos, prejudicando a microcirculação; aumentando a hipoperfusão tecidual. VO2 – consumo de oxigênio do tecido; DO2 – quanto é fornecido de oxigênio ao tecido; A DO2 e a VO2 deve estar sempre em equilíbrio. No choque há o desequilíbrio entre a demanda (DO2) e o consumo de oxigênio (VO2) gerando uma hipoperfusão tecidual. Esse desequilíbrio pode ser mensurado através do GAP CO2 (normal GAP < 5-6). Quadro Clínico A sepse é uma síndrome caracterizada por sinais e sintomas de disfunção orgânica em um paciente com infecção presumível ou suspeita. Disfunção neurológica – encefalopatia por sepse: • delirium, confusão e sonolência (principais); • estado comatoso (extremo); • convulsão e déficit focal (deve-se fazer diagnóstico diferencial e procurar foco primário de infecção no SNC). A sepse pode cursar com graus variáveis de alteração do nível de consciência, da confusão ao estupor ou coma. Delirium é bastante frequente, principalmente em pacientes idosos. A polineuropatia e as miopatias são frequentes e embora não surjam nas fases mais agudas, exigem atenção. A resposta inflamatória parece ser o principal fator responsável pela degeneração axonal difusa motora e sensitiva, característica da sepse. Ela se expressa por hiporeflexia, fraqueza e atrofia muscular, dificultando o desmame, prolongando o tempo de ventilação mecânica e aumentando o risco de pneumonia e de novos episódios sépticos. Além disso, como já mencionado, o comprometimento cognitivo persiste mesmo após meses do evento séptico. O mesmo pode ocorrer com o comprometimento neuromuscular, fazendo com que a reabilitação física dos pacientes seja demorada. Por este motivo, a avaliação do nível de consciência, realizada pelo enfermeiro, se torna relevante, pois pacientes cursando com infecção geralmente apresentam algum tipo de alteração de consciência. Consequentemente, espera-se que pacientes acometidos por sepse apresentem desorientação, confusão, agitação psicomotora e/ou letargia, podendo estes sinais clínicos se manifestar já no início do quadro séptico. Sintomas neurológicos apontam um prognóstico ruim (alta mortalidade e morbidade). Disfunção cardiovascular – hipotensão: • hipoperfusão tecidual e consequente disfunção orgânica; • pode ser analisado por scores e técnicas. − Mottling score: Livedo/lesão de coloração arroxeada da peleque incia-se no joelho e está relacionada ao pior prognóstico do paciente quão maior for a área e tempo de permanência. A presença de Mottling é característica de hipoperfusão, mas sua ausência não descarta a hipoperfusão. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 8 − Tempo de enchimento capilar > 3 segundos: O TEC deve ser realizado ao comprimir-se a falange distal (membro inferior ou superior) por 10 a 15 segundos, soltá-la e observar o tempo de enchimento capilar; se TEC > 3 segundos é considerado hipoperfusão. É um método não invasivo, de fácil acesso e baixo custo. No entanto, examinador dependente e muitos vieses. − Hiperlactatemia: Bom marcador de hipoperfusão; altera-se por hipóxia ou eliminação hepática/renal; aumentando quando > 2x valor de referência; é um marcador de prognóstico ruim no paciente séptico. − Oligúria (diminuição do débito urinário); − Rebaixamento do nível de consciência. A disfunção cardiovascular é a manifestação mais grave do quadro séptico. A hipotensão é secundária à vasodilatação (redução da resistência vascular sistêmica) e diminuição nas pressões de enchimento das câmaras cardíacas. Esse estado de hipovolemia pode ser agravado pelas perdas secundárias ao extravasamento capilar característico dos quadros sépticos. Além disso, contribuem para a hipovolemia o aumento das perdas insensíveis em decorrência da febre ou taquipneia e a redução da ingestão de líquidos. O débito cardíaco pode estar aumentado na sepse, em valores absolutos, principalmente após reposição volêmica. Entretanto, apesar de normal, esse débito pode não estar adequado ao aumento da demanda metabólica induzida pela sepse. Além disso, pode ocorrer redução de débito mesmo em termos absolutos, quadro conhecido como depressão miocárdia. Ela é induzida por mediadores inflamatórios e se caracteriza por redução da contratilidade e diminuição da fração de ejeção. Pode ocorrer elevação discreta de troponina e alterações eletrocardiográficas que simulam doença coronariana isquêmica, além de arritmias. Em decorrência de todos esses fatores, há comprometimento da perfusão tecidual e redução da oferta tecidual de oxigênio. A redução do enchimento capilar, cianose de extremidades e livedo são marcadores de hipoperfusão, sinais clínicos facilmente identificados pelo enfermeiro. Os tecidos passam a produzir energia de forma anaeróbica e os níveis de lactato se elevam, por esse motivo, torna-se importante a coleta de exames laboratoriais, como a gasometria arterial. Hiperlactatemia é um claro sinal de gravidade na sepse e é utilizada como um dos critérios de disfunção orgânica. Por esse motivo, tem-se utilizado a medida do lactato para orientar a conduta e avaliar o prognóstico do paciente séptico. Além disso, níveis acima de duas vezes o valor normal constituem sinal de alerta e requerem imediata atenção da equipe multiprofissional, no sentido de otimização hemodinâmica. Em resumo, o desequilíbrio entre a oferta e o consumo de oxigênio nos tecidos é o que impera nos vários estados de choque, além das alterações hemodinâmicas próprias desses estados. Disfunção respiratória: • hipoxemia (dessaturação e síndrome da angústia respiratória aguda SARA); • dispneia, taquipneia, uso de musculatura acessória; • acidose metabólica. Taquipneia, dispneia e comprometimento das trocas gasosas com hipoxemia caracterizam a lesão pulmonar na sepse, sinais clínicos que podem ser facilmente reconhecidos pelo enfermeiro durante o exame físico. Ocorre um aumento do espaço morto e redução da complacência pulmonar, pela presença de colapso alveolar secundário ao aumento da permeabilidade vascular e diminuição de surfactante. Consequentemente, estes pacientes apresentam oxigenação inadequada, com redução na relação PaO2/FiO2. Podemos definir disfunção pulmonar de causa inflamatória quando esta relação encontra-se abaixo de 300, na ausência de comprometimento primariamente cardíaco. Os novos conceitos denominam síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) leve quando essa relação está entre 200 e 300, moderada quando entre 100 e 200 e grave quando abaixo de 100. Tais alterações acompanham-se à radiografia de tórax, de opacificações compatíveis com infiltrado intersticial bilateral. Além disso, frequentemente observamos resultados de gasometria arterial, compatíveis com alcalose respiratória, decorrente da hiperventilação ou hipoxemia, sendo estas manifestações respiratórias iniciais da sepse passíveis de identificação pelo profissional beira leito. Disfunção hepática: • Bilirrubina total e frações elevada; • enzimas hepáticas alteradas; • ocorre em cerca de 10% dos pacientes e indica prognóstico ruim. Entre as manifestações da disfunção hepática, a colestase transinfecciosa é a mais comum, usualmente secundária ao comprometimento da excreção canalicular de bilirrubinas, expressando-se por elevação das enzimas canaliculares, fosfatase alcalina e gamaglutamiltransferase. O hepatócito geralmente consegue preservar suas demais funções. Por este motivo, a insuficiência hepática franca é rara, exceto em pacientes com comprometimento prévio da função hepática. A elevação de transaminases é, portanto, Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 9 discreta nos quadros sépticos e o aparecimento de icterícia pode ser um sinal de mau prognóstico. Disfunção renal: • oligúria; • aumento das escórias nitrogenadas; • aumento da creatinina indica prognóstico ruim. A fisiopatogenia da disfunção renal na sepse é multifatorial, tanto pré-renal por hipovolemia e hipotensão, que resultam em hipoperfusão, como por lesão direta, prejudicando assim a filtração glomerular. Pode ocorrer necrose tubular aguda e lesão por apoptose celular. A disfunção renal caracteriza-se pela diminuição do débito urinário (<0,5mL/Kg/h) e pelo aumento dos níveis séricos de ureia e creatinina. Disfunção hematológica – coagulopatia: • microtrombos; • TP (tempo de protrombina) e TTPA (tempo de protrombina parcial ativada) alargados; • plaquetopenia; • petéquias (meningococcemia) Durante a tempestade inflamatória gerada por agressão, o endotélio se torna pró-coagulante, contribuindo para a deposição de fibrina e geração de trombose na microcirculação, com consequente hipoperfusão, isquemia levando a disfunção orgânica. Esse quadro denomina-se coagulação intravascular disseminada (CIVD). Na sepse, ao contrário de outras doenças, as principais manifestações clínicas da CIVD são as disfunções orgânicas e não o sangramento. O coagulograma se mostra alterado, com alargamento do tempo de tromboplastina parcial e redução da atividade de protrombina. É frequente queda abrupta da contagem de plaquetas, com manutenção dos níveis ainda normais ou franca plaquetopenia, com clara correlação prognóstica. Esse comprometimento é secundário tanto ao consumo exacerbado como à redução da produção de plaquetas secundária à disfunção da medula e diminuição da produção de trombopoetina. Mesmo com o quadro clínico resolvido, a plaquetopenia ainda pode persistir por três ou quatro semanas, até retornar aos valores basais. Habitualmente, ocorre leucocitose com aumento do número de bastonetes (>10%) e linfopenia. Além disso, por vezes, pode haver leucopenia, que parece ter relação com um prognóstico mais obscuro. Outra disfunção frequente no sistema hematológico é a anemia, secundária a múltiplos fatores (diminuição da produção de eritropoietina, perda de sangue e bloqueio medular). A perda sanguínea ocorre por sangramentos evidentes, incluindo a “anemia iatrogênica”, decorrente da coleta seriada de amostras para exames, procedimentos invasivos, hemólise ou mesmo perda oculta de sangue. Deficiências nutricionais prévias podem,também, desempenhar papel importante. Além disso, existem fatores mais específicos como alterações no metabolismo do ferro, redução na produção de eritropoietina, depressão medular pelas citocinas levando à diminuição na eritropoiese e aumento do sequestro esplênico. Disfunção endocrinológica: O sistema endócrino também faz parte do quadro de disfunção generalizada associada à sepse. Pode ocorrer disfunção tireoidiana, alterações de suprarrenal e distúrbios glicêmicos. A disfunção adrenal pode contribuir para o quadro de vasodilatação e hipotensão já característicos da sepse. Distúrbios eletrolíticos como hiponatremia e hipercalemia são mais dificilmente identificados, visto serem mascarados pelos líquidos infundidos no paciente no decorrer do tratamento. A reposição com doses baixas de hidrocortisona pode ser necessária em pacientes com choque séptico refratário. A hiperglicemia faz parte da resposta inflamatória, seja ela associada ou não à sepse. Contribuem sobremaneira para hiperglicemia, a resistência periférica à insulina e o aumento da produção de glicose pelo fígado. O paciente não consegue utilizar a glicose ou outras reservas como fonte de energia, apesar de estar sob constante estresse orgânico. Triagem do paciente com suspeita de sepse (SSC 2021) → Para hospitais e sistemas de saúde, recomenda-se o uso de um programa de desempenho para sepse, incluindo rastreamento de sepse para pacientes de alto risco com doenças agudas e procedimentos operacionais padrão para tratamento. → Recomendamos contra o uso de o qSOFA em comparação com SIRS, NEWS ou MEWS como uma única ferramenta de triagem para sepse ou choque séptico. → Para adultos com suspeita de sepse ou com sepse, sugerimos medir o lactato sanguíneo. Temos como métodos de triagem para sepse os scores SIRS (+ sensível), NEWS, MEWS, SOFA e qSOFA (+ específico). A diretriz de 2021 recomenda contra o uso de o qSOFA em comparação com SIRS, NEWS ou MEWS como uma única ferramenta de triagem para sepse ou choque séptico. O qSOFA pode ser utilizado, desde que não seja único método de triagem, devido a sua baixa sensibilidade. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 10 Síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) é o termo que se utiliza atualmente para descrever uma reação inflamatória sistêmica. Ou seja, que afeta o organismo como um todo, e se desenvolve perante diferentes tipos de agentes agressores. Definida por 2 ou mais dos 4 critérios abaixo: • Temperatura > 38,3°C ou < 36,0°C (Temperatura central); • FC > 90 bpm; • FR > 20ipm ou PaCO2 < 32 mmHg ou necessidade de ventilação mecânica; • Leucócitos > 12.000/mm ou < 4.000/mm ou > 10% de formas imaturas. - Sepse: SIRS e infecção documentada ou presumida. SOFA é a sigla para Sequential Organ Failure Assessment, que em português significa Avaliação Sequencial da Falência de Órgãos. O SOFA foi desenvolvido para avaliar a gravidade da disfunção orgânica em pacientes com sepse e outras doenças críticas. Esse sistema é composto por seis variáveis, cada uma avaliando um sistema orgânico diferente. Em quadro séptico SOFA ≥ 2. *A relação PaO2/FiO2 pode ser obtida pela gasometrial arterial. Entretanto, para utilizarmos esse critério para definir sepse, nos limitamos a exames laboratoriais para traçarmos nossas condutas. Dessa forma, estudiosos propuseram um uma modificação no SOFA, o quick SOFA (qSOFA). Esse sistema avalia 3 critérios (frequência respiratória, pressão arterial sistólica e alteração no nível de consciência) para avaliar precocemente pacientes graves com suspeita de sepse em ambientes de emergência, ou à beira-leito. Não é definidor de sepse, mas é um preditor de gravidade. Considera-se como alterado um qSOFA ≥ 2: • FR ≥ 22 ipm (taquipneia); • PAS ≤ 100 mmHg (hipotensão sistólica); • Alteração do nível de consciência. O NEWS (National Early Warning Score) ou Escore para Alerta Precoce (EPAP) é uma ferramenta que vem sendo utilizada para o reconhecimento precoce da deterioração dos pacientes. O NEWS utiliza parâmetros fisiológicos para obtenção de uma pontuação, que aumenta de acordo com a alteração em relação a faixa da normalidade. O Escore será definido pela soma das pontuações atingidas na avaliação do Sensório, da Temperatura, da Frequência Cardíaca, da Pressão Arterial Sistólica, da Frequência Respiratória, da Saturação Periférica de Oxigênio e da suplementação de O2. Seu escore final é calculado por valores atribuídos a cada um dos itens, variando o valor total entre 0 (melhor prognóstico) a 23 (pior prognóstico). Quanto maior a pontuação atingida nos parâmetros fisiológicos, maior será a pontuação alcançada no Escore. De acordo com a pontuação encontrada, duas ações são disparadas: 1) Definição da frequência dos controles dos sinais vitais adequada a criticidade do caso; e, 2) Comunicação aos profissionais envolvidos no atendimento do paciente para avaliação e definição de conduta. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 11 A cada reavaliação, um novo plano de ação pode ser traçado. Porém, o bom senso da equipe deve se adequar à situação clínica, havendo troca de informações entre a equipe médica e a equipe de enfermagem. A comunicação entre os membros da equipe é fundamental na otimização do atendimento. Escore de Alerta Precoce Modificado (Modified Early Warning Scores - MEWS) é baseado na monitoração dos sinais vitais, que consiste na atribuição de pontuação aos parâmetros de acordo com as alterações. O MEWS escore > 4 é capaz de identificar precocemente os pacientes com sepse. Bundles (pacotes de cuidados) da Sepse Pacote de cuidados da 1ª hora: O primeiro pacote deve ser implementado na primeira hora, incluindo coleta de lactato sérico e de hemocultura, antes da administração de antibioticoterapia, seguido da administração de antibióticos de amplo espectro e da administração de cristalóides para reposição volêmica em pacientes hipotensos ou com lactato aumentado (acima de duas vezes o valor normal). O lactato, se alterado inicialmente, deve ser novamente coletado em 2 a 4 horas. Check Point da 6ª hora: No grupo de pacientes mais graves, com choque séptico ou hiperlactemia, devem ser tomadas medidas adicionais em termos de ressuscitação hemodinâmica, ainda dentro da primeira hora. Essas medidas incluem: administração de vasopressores (para hipotensão que não responda à ressuscitação volêmica inicial), visando manter uma pressão arterial média (PAM) acima de 65 mmHg; reavaliação do status volêmico e de perfusão tecidual. Pacotes de cuidados da Sepse - Primeira hora a) coleta de amostra para dosagem de lactato. → O lactato ajuda na avaliação perfusional do paciente (coletar outro em 2 horas); → O lactato não tem sensibilidade suficiente para reger o diagnóstico de sepse; → Possui importante valor prognóstico (deve haver diminuição do lactato com a evolução do tratamento). b) coleta de amostras para cultura (hemocultura, urocultura, cultura de ponta de cateter etc); → Deve ser coletado a hemocultura + cultura de região focal; → A coleta deve ocorrer, preferencialmente, antes da antibioticoterapia, em paciente com suspeita de sepse ou choque séptico; → A coleta não deve atrasar o início dos antimicrobianos (ou seja, < 45/60 minutos). c) administração de antimicrobianos; → A administração precoce de antimicrobianos apropriados é uma das intervenções mais eficazes para reduzir a mortalidade em pacientes com sepse. A administração de antimicrobianos a pacientes com sepse ou choque séptico deve, portanto, ser tratada como uma emergência. É imperativo fornecer antimicrobianos o mais cedo possível, no entanto, isso deve ser balanceado contra os danos potenciais associados à administraçãode antimicrobianos desnecessários a pacientes sem infecção. → Para adultos com suspeita de sepse ou choque séptico, mas infecção não confirmada, recomendamos reavaliar continuamente e procurar diagnósticos alternativos e interromper os antimicrobianos empíricos se uma causa alternativa da doença (síndrome não infecciosa ou síndrome infecciosa que não se beneficie com os antimicrobianos) for demonstrada ou fortemente suspeitada. → Para adultos com possível choque séptico ou alta probabilidade de sepse, recomendamos a administração de antimicrobianos imediatamente, de preferência dentro de uma hora após o reconhecimento. → Para adultos com possível sepse sem choque, sugerimos um curso de investigação rápida por tempo limitado e, se a preocupação de infecção persistir, a administração de antimicrobianos dentro de 3 horas a partir do momento em que a sepse foi reconhecida pela primeira vez. → A dosagem de procalcitonina não é usada para iniciar antibioticoterpaia. → Deve ser utilizado antibiótico de amplo espectro de acordo com o sítio infeccioso. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 12 → Na fase empírica - antes que os agentes causadores e as suscetibilidades sejam conhecidos, a escolha ideal da antibioticoterapia depende da prevalência local de organismos resistentes, fatores de risco do paciente para organismos resistentes e gravidade da doença. → Para adultos com sepse ou choque séptico com alto risco de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), recomendamos o uso de antimicrobianos empíricos com cobertura para MRSA em vez de antimicrobianos sem cobertura para MRSA. → Para adultos com sepse ou choque séptico com baixo risco de Staphylococcus aureus à meticilina (MRSA), sugerimos contra o uso de antimicrobianos empíricos com cobertura para MRSA, em comparação com o uso de antimicrobianos sem cobertura para MRSA. → Para adultos com sepse ou choque séptico e alto risco de organismos resistentes a múltiplas medicações (MDR), sugerimos o uso de dois antimicrobianos com cobertura para Gram-negativos para tratamento empírico, ao invés de um agente para Gram-negativos. → Para adultos com sepse ou choque séptico e baixo risco de organismos MDR, sugerimos contra usar dois antimicrobianos com cobertura para Gram-negativos para tratamento empírico, em comparação com um agente para Gram-negativos. → Para adultos com sepse ou choque séptico, sugerimos contra usar dois antimicrobianos com cobertura para Gram-negativos uma vez que o patógeno causador e as susceptibilidades sejam conhecidas. → Para adultos com sepse ou choque séptico com alto risco de infecção fúngica, sugerimos o uso de terapia antifúngica empírica ao invés de nenhuma terapia antifúngica. → Para adultos com sepse ou choque séptico com baixo risco de infecção fúngica, sugerimos contra o uso empírico de terapia antifúngica. → Não fazemos nenhuma recomendação quanto ao uso de agentes antivirais. → Para adultos com sepse ou choque séptico, sugerimos a avaliação diária para descalonamento de antimicrobianos ao invés de utilizar duração fixa de terapia sem reavaliação diária para descalonamento. → Para adultos com diagnóstico inicial de sepse ou choque séptico e controle adequado do foco, sugerimos o uso de terapia antimicrobiana de duração mais curta ao invés de mais longa. → Para adultos com diagnóstico inicial de sepse ou choque séptico e controle do foco adequado onde a duração ideal da terapia não é clara, sugerimos o uso de procalcitonina e avaliação clínica para decidir quando descontinuar os antimicrobianos ao invés de da avaliação clínica isolada. Tempo do antibiótico Choque presente Choque ausente Sepse confirmada ou provável Administre antibióticos imediatamente, de preferência dentro de 1 hora após o reconhecimento. Sepse possível Administre antibióticos imediatamente, de preferência dentro de 1 hora após o reconhecimento Avaliação rápida de causas infecciosas e não infecciosas de doença aguda Administre antibióticos dentro de 3 horas se a preocupação com a infecção persistir d) administração endovenosa de fluídos; → Para adultos com choque séptico, é sugerido usar o tempo de enchimento capilar (TEC) como guia de ressuscitação, como adjuvante a outras medidas de perfusão. → Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos uso de cristaloides como fluido de primeira linha para ressuscitação. → Para adultos com sepse ou choque séptico, sugerimos uso de cristaloides balanceados (ringer lactato) ao invés de solução salina (SF 0,9%) para ressuscitação. → Para adultos com sepse ou choque séptico, sugerimos o uso de albumina em pacientes que receberam grandes volumes de cristaloides. → Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos contra o uso de amidos para ressuscitação. → Para adultos com sepse e choque séptico, sugerimos contra o uso de gelatina para ressuscitação. e) administração de agentes vasopressores. → Os vasopressores podem ser aplicados após a reposição volêmica e manutenção da hipotensão ou durante a reposição volêmica (em pacientes que apresentam hipotensão ameaçadoras à vida). → Estudos mostraram que quanto maior tempo em que o paciente apresenta-se hipotenso, pior é o desfecho (maior letalidade). → Para adultos com choque séptico, sugerimos iniciar vasopressores em veia periférica para restaurar a pressão arterial média, ao invés de atrasar o início até que um acesso venoso central esteja garantido. Ao usar vasopressores perifericamente, eles devem ser administrados apenas por um curto período de tempo e em uma veia na fossa antecubital ou proximal à fossa antecubital. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 13 → As drogas vasoativas podem ser iniciadas em acesso periférico, desde que seja uma fossa cubital proximal. → Para adultos com choque séptico, recomendamos o uso de norepinefrina como agente de primeira linha em relação a outros vasopressores. → Em locais onde a norepinefrina não está disponível, epinefrina e dopamina podem ser usadas como alternativa, mas encorajamos esforços para melhorar a disponibilidade de norepinefrina. Atenção especial deve ser dada aos pacientes com risco de arritmias ao usar dopamina e epinefrina. → Para adultos com choque séptico em uso de norepinefrina com níveis inadequados de pressão arterial média, sugerimos adicionar vasopressina ao invés de aumentar a dose de norepinefrina. → Em nossa prática, a vasopressina geralmente é iniciada quando a dose de norepinefrina está na faixa de 0,25-0,5 μg/kg/min. → Para adultos com choque séptico e níveis inadequados de pressão arterial média, apesar de norepinefrina e vasopressina, sugerimos adicionar epinefrina. → Para choque misto (séptico e cardiogênico/miocardiodepressão) recomendado contra o uso de levosimendan. Uso de dobutamina, associada à noradrenalina se necessário, em caso de falha terapêutica, uso apenas da adrelina. → Para adultos com choque séptico, sugerimos contra o uso de terlipressina. Terapias adicionais → Para adultos com choque séptico e necessidade contínua de vasopressores, sugerimos o uso de corticosteroides IV. O corticosteróide típico usado em adultos com choque séptico é a hidrocortisona IV na dose de 200 mg/dia administrada na dose de 50 mg por via intravenosa a cada 6 horas ou em infusão contínua. Sugere-se que isso seja iniciado com uma dose de norepinefrina ou epinefrina ≥ 0,25 mcg/kg/min pelo menos 4 h após o início. → Para adultos com sepse ou choque séptico, sugerimos contra o uso de purificação do sangue com polimixina B. → Para adultos com sepse ou choque séptico, sugerimos contra o uso de imunoglobulinas intravenosas. → Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos o uso de profilaxiafarmacológica para tromboembolismo venoso (TEV), a menos que exista uma contraindicação para tal terapia. → Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos o uso de heparina de baixo peso molecular (HBPM) ao invés de heparina não fracionada (HNF) para profilaxia de TEV. → Para adultos com sepse ou choque séptico, sugerimos contra o uso de profilaxia mecânica para TEV em adição a profilaxia farmacológica, ao invés de apenas profilaxia farmacológica. → Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos iniciar a terapia com insulina com níveis de glicose ≥ 180 mg/dL. Após o início de uma terapia com insulina, um intervalo alvo típico de glicemia é de 144 a 180 mg/dL. → Para adultos com sepse ou choque séptico, recomendamos contra o uso de vitamina C intravenosa (IV). → Para pacientes adultos com sepse ou choque séptico que podem ser alimentados por via enteral, sugerimos o início precoce (dentro de 72h) da nutrição enteral. Referências: • Mourão-Júnior, Souza. Fisiopatologia do choque. HU Revista, Juiz de Fora, v. 40, n. 1 e 2, p. 75-80, jan./jun. 2014; • Sepsis-3, 2016; • COREN, ILAS. Sepse: um problema de saúde pública, 2020; • ILAS. Surviving Sepsis Campaign, 2021. 3) CRITÉRIOS DE INTERNAÇÃO DO PACIENTE EM UTI. As admissões em unidade de tratamento intensivo (UTI) devem ser baseadas em: I) diagnóstico e necessidade do paciente; II) serviços médicos disponíveis na instituição; III) priorização de acordo com a condição do paciente; IV) disponibilidade de leitos; V) potencial benefício para o paciente com as intervenções terapêuticas e prognóstico. A admissão e a alta em unidade de tratamento intensivo (UTI) são de atribuição e competência do médico intensivista, levando em consideração a indicação médica. A priorização de admissão na unidade de tratamento intensivo (UTI) deve respeitar os seguintes critérios: Prioridade 1: Pacientes que necessitam de intervenções de suporte à vida, com alta probabilidade de recuperação e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico. Prioridade 2: Pacientes que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico. Prioridade 3: Pacientes que necessitam de intervenções de suporte à vida, com baixa Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 14 probabilidade de recuperação ou com limitação de intervenção terapêutica. Prioridade 4: Pacientes que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, mas com limitação de intervenção terapêutica. Prioridade 5: Pacientes com doença em fase de terminalidade, ou moribundos, sem possibilidade de recuperação. Em geral, esses pacientes não são apropriados para admissão a UTI (exceto se forem potenciais doadores de órgãos). No entanto, seu ingresso pode ser justificado em caráter excepcional, considerando as peculiaridades do caso e condicionado ao critério do médico intensivista. Os pacientes classificados como Prioridade 2 ou 4 devem prioritariamente ser admitidos em unidades de cuidados intermediários (semi-intensivas). Os pacientes classificados como Prioridade 5 devem prioritariamente ser admitidos em unidades de cuidados paliativos. Os critérios para alta das unidades de tratamento intensivo (UTI) são: a) Paciente que tenha seu quadro clínico controlado e estabilizado; b) Paciente para o qual tenha se esgotado todo o arsenal terapêutico curativo/restaurativo e que possa permanecer no ambiente hospitalar fora da UTI de maneira digna e, se possível, junto com sua família. A unidade de terapia intensiva (UTI) é um setor hospitalar de alta complexidade, onde se agregam recursos humanos e materiais para realizar suporte avançado de vida em situações críticas e no qual o objetivo é reverter os quadros clínicos graves e propiciar o restabelecimento da condição de saúde do paciente crítico. Entende-se como paciente crítico aquele que apresenta instabilidade de um ou mais sistemas orgânicos, com risco de morte, necessitando de suporte para as disfunções orgânicas, tais como ventilação mecânica, hemodiálise e suporte circulatório mecânico, e ainda os pacientes sem nenhuma falência orgânica, mas com alto risco de descompensação e que, por esse motivo, necessitem de vigilância e monitoração contínuas. As intervenções de suporte à vida consistem nas correções de disfunções orgânicas, comumente realizadas na UTI, como ventilação mecânica, terapia de substituição renal (hemodiálise), suporte circulatório mecânico (balão intra-aórtico, ECMO), suporte hemodinâmico com vasopressores e/ou inotrópicos e manobras de reanimação cardiorrespiratória e cerebral. Os pacientes em risco de descompensação podem necessitar de monitoração intensiva e contínua neurológica (neurocheck, escala de coma de Glasgow), hemodinâmica (cateter de Swan-Ganz, ritmo cardíaco, pressão arterial invasiva), respiratória (oximetria de pulso) e renal (diurese). O paciente crítico pode necessitar de intervenção imediata, pois, na maioria das síndromes associadas a falências orgânicas, o prognóstico é tempo- dependente. Alguns estudos evidenciaram que uma demora de quatro horas, ou mais, para a admissão de paciente grave na UTI pode contribuir para o aumento da mortalidade e maior tempo de permanência na UTI para recuperação. Referência: • Conselho Federal de Medicina, Resolução CFM Nº 2.156/2016. O paciente apresenta disfunção orgânica ou dois critérios de SRIS? Sim Equipe multidisciplinar aciona equipe médica Não Não abrir protocolo de sepse Sim Há foco infeccioso suspeito ou confirmado? Não Finalizar protocolo de sepse Sim O paciente encontra-se em cuidados paliativos? SimSeguir de acordo com a proporcionalidade Não Doenças com protocolos específicos (dengue, malária, casos leves de COVID-19)? Sim Encerrar protocolo e dar seguimento adequado Não Há disfunção orgânica ? Considerar como sepse provável * e dar seguimento no protocolo A sepse é provável*, ou seja, há fatores de risco? Na ausência de fatores de risco, considerar como SEPSE POSSÍVEL* Proceder investigação laboratorial fora do protocolo de sepse. Postergar antimicrobianos até definição. TEMPO PARA DEFINIÇÃO: 3h * Sepse provável: Todos os pacientes com foco infeccioso suspeito ou confirmado, com disfunção orgânica (com ou sem choque) ou aqueles com SRIS mas sem disfunção orgânica, na presença de fatores de risco para sepse. Exemplos de fatores de risco: imunossupressão, comorbidades graves ou idade avançada. * Sepse possível: paciente com foco infeccioso suspeito ou confirmado que não preencham os critérios de sepse provável, ou seja, apresentam-se apenas com SRIS, sem disfunção clínica aparente, e não tem fatores de risco evidentes. Seguimento do protocolo 1. Prosseguir investigação infecciosa nos casos pertinentes. Coletar exames para avaliar demais disfunções orgânicas. 2. Coletar lactato e avaliar demais sinais de hipoperfusão (p.e. tempo de enchimento capilar). 3. Coletar hemoculturas e culturas dos sítios pertinentes e prover controle do foco se pertinente. 4. Administrar antimicrobianos endovenosos na 1a hora. Atentar para presença de fatores de risco para germes multirresistentes. 5. Avaliar a administração de 30 ml/kg de cristaloides em pacientes com sinais de hipoperfusão (p.e. hipotensão e lactato acima de 2 vezes o valor normal). 6. Se hipotensão persistente ou ameaçadora a vida, iniciar vasopressores dentro da 1ª hora do inicio da hipotensão. 7. Reavaliar critérios de hipoperfusão,p.e., coletar lactato em pacientes com lactato acima de 2 vezes o valor normal . 8. Reavaliar continuamente pacientes com sinais de hipoperfusão. Atenção Sepse foi confirmada? Sim Reavaliar diariamente antimicrobianos Ajuste (após resultados de culturas) ou suspensão (se afastada sepse ou melhora clinica). Seguir princípios de PK/PD Não SUSPENDER ANTIMICROBIANOS IMEDIATAMENTE DISFUNÇÃO ORGÂNICA Hipotensão: PAS ? 90 mmHg Alteração do nível de consciência StO2 ? 90%, necessidade de O2 ou dispneia importante Diurese < 0,5 ml/kg/h EXAMES LABORATORIAIS (se disponíveis) Creatinina > 2 mg/dL Lactato acima do valor normal Plaquetas < 100.000 ou INR >1.5 Bilirrubinas > 2 mg/dL CRITÉRIOS DE SRIS Febre (Tax > 37,8° C) ou hipotermia (Temperatura central < 35° C) Taquicardia (FC > 90 bpm) Taquipneia (FR > 20 ipm) Leucocitose (> 12.000/mm3 ) ou leucopenia (< 4.000/mm3 ) Não Sim Iniciar antimicrobianos. Avaliar demais condutas do pacote, se pertinente Dar seguimento ao atendimento conforme doença FLUXOGRAMA DE TRIAGEM PARA PACIENTES COM SUSPEITA DE SEPSE EM SERVIÇOS DE EMERGÊNCIA OU UNIDADES DE INTERNAÇÃO REGULAR www.ilas.org.br Sepse foi confirmada? Sim Nâo, só SRIS Sim Não fluxograma ilas - Página 1 Página 1
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